“Razoabilidade e
proporcionalidade: instrumentos de racionalidade discursiva
FABIO HENRIQUE FALCONE GARCIA – Juiz de Direito
Reasonability and proportionality: instruments for discursive rationality
Resumo: O artigo pretende fazer uma análise comparativa entre os princípios
constitucionais de proporcionalidade e razoabilidade, destacando as diferenças
estruturais e estabelecendo as aproximações teóricas, a fim de identificar a
funcionalidade do uso desses princípios no discurso jurídico, como instrumentos
destinados ao incremento da racionalidade argumentativa. Assim, inicia-se com a
análise isolada de cada princípio, comparando a posição doutrinária dos
principais autores que se debruçaram sobre o tema para, ao final, se elaborar
uma conclusão que vincule o uso desses postulados à dialética discursiva
necessária para a busca de decisões mais próximas da justiça, no sentido
apresentado por Derrida.
Palavras-chave: Constitucional – Proporcionalidade – Razoabilidade – Racionalidade –
Discurso.
Abstract: This article intents to do a comparative analysis of the constitutional
principles of proportionality and reasonability, highlighting the structural
differences and establishing the theoretical approaches, in order to identify
the functionality of the use of these principles in legal speech as instruments
for the increase in rational argument. Therefore, it begins with the isolated
analysis of each principle, comparing the doctrinal position of the principal
authors who have studied the subject in order to elaborate a conclusion that
links the use of these postulates to the discursive dialectics necessary for
the search of decisions close to a sense of justice, as Derrida
presented.
Key-words: Constitutional - Proportionality - Reasonableness - Rationality -
Speech.
Introdução
Os princípios de razoabilidade e
proporcionalidade guardam estreita relação semântica e histórica. Costuma-se
relacionar o surgimento desses princípios (Alexy, 2008; Silva, 2010;
Ávila, 2004)[1] ao desenvolvimento dos instrumentos
de tutela dos direitos fundamentais. Assim, predomina na doutrina a atribuição
da origem do princípio da razoabilidade ao desenvolvimento, no direito
anglo-saxão, da garantia do devido processo legal, ao passo que o princípio da
proporcionalidade teria sido desenvolvido pelo direito alemão, no século XX
(Cambi, 2009).
Barroso aproxima as expressões,
considerando que em ambas subjaz a ideia “de uma relação racional entre os
meios e os fins, abrigando valores comuns como racionalidade, justiça, medida
adequada, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos”, a ponto de serem conceitos intercambiáveis (Barroso, 2010, p. 257-258).
No entanto, a aproximação conceitual
não é unívoca. Tavares (2009), por exemplo, vê a proporcionalidade como
critério desenvolvido tanto pelo direito norte-americano, como decorrência do
devido processo legal, como pelo direito alemão, que a considerou norma
constitucional não escrita; nada obstante, proporcionalidade e razoabilidade
não se equivaleriam, faltando à razoabilidade uma relação de causalidade entre
meio e fim. Cambi (2009, p. 463), em contrapartida, afirma que a razoabilidade depende da análise entre o meio empregado pelo legislador
e os fins visados (razoabilidade interna), além da legitimidade dos fins
(razoabilidade externa) ao passo que a
proporcionalidade teria uma estrutura racionalmente definida.
Parece-nos que, mesmo depois das ácidas
críticas de Virgílio Afonso da Silva (2002) à jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, ainda faltam parâmetros doutrinários e jurisprudenciais
capazes de identificar as causas que levam ao uso indiscriminado de um ou outro
princípio.
Procuraremos examinar cada um desses
“princípios” isoladamente, para, ao final, tecer considerações conclusivas
sobre a aproximação teórica que pode ser feita em relação a seus usos,
viabilizando uma estruturação mais objetiva do discurso jurídico
argumentativo.
1. Proporcionalidade
A proporcionalidade pode ser definida
como um “postulado estruturador da aplicação de princípios que concretamente se
imbricam em torno de uma relação de causalidade entre meio e fim” (Ávila, 2004,
p. 43).
Para Ávila, não se trata propriamente
de um princípio, nem de uma regra, mas de uma metanorma, que se situa, tal como a razoabilidade, num plano distinto daquele
correspondente às regras (de conduta ou de competência) e princípios cuja
aplicabilidade pretende estruturar. Em outras palavras, a proporcionalidade se
insere dentre os postulados normativos, considerados “deveres estruturantes de
aplicação de outras normas” (Ávila, p. 89), aptos a permitir verificar a violação a normas e princípios cuja
aplicabilidade é estruturada através desse postulado.
Assim, como postulado, a
proporcionalidade (e também a razoabilidade) somente é violada indiretamente.
Por essa razão Silva, após discorrer sobre as tentativas de justificação do princípio
no direito brasileiro, afirma que a “busca por uma fundamentação
jurídico-positiva da regra da proporcionalidade é uma busca fadada a ser
infrutífera”, na medida em que ela
decorre não propriamente de um ou de outro dispositivo constitucional, “mas da
própria estrutura dos direitos fundamentais” (2002, p. 43). Seguindo os fundamentos da teoria de Robert Alexy, Silva compreende a
proporcionalidade como critério logicamente inerente à aplicação dos princípios
e à realização do balanceamento entre eles, na hipótese de colisão. Na síntese
de Ávila (2004, p. 113), exige-se o exame de proporcionalidade para aferir a
juridicidade de uma “medida concreta destinada a realizar uma finalidade”.
A aplicação da proporcionalidade,
segundo Alexy (2008, nota 84), compreende uma estrutura racional bem definida,
através da observância de três regras que devem estruturar o discurso do
operador. São elas: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido
estrito.
Por adequação, compreende-se a
exigência de que a medida adotada tem de ser adequada a fomentar a
finalidade constitucionalmente legítima que a justifica.
Assim, Alexy apresenta o caso do cabelereiro que ingressou em juízo para
contestar autuação que sofreu por manter máquina de venda automática de cigarros
em seu estabelecimento, quando uma lei local exigia uma permissão, à vista da
demonstração de uma necessária expertise para tal negócio. O Tribunal Alemão considerou inconstitucional a
proibição, porque a medida não era adequada a proteger o consumidor contra
prejuízos à sua saúde (Alexy, 2008, p. 588-589). Somente é possível se admitir
uma restrição a determinada liberdade se e na medida em que a medida adotada
foi adequada à otimização da persecução de um objetivo igualmente tutelado pelo
ordenamento. Trata-se, pois, de um critério negativo, que se destina à
eliminação de meios inadequados.
A máxima da necessidade, por seu turno, exige que “dentre dois meios aproximadamente adequados,
seja escolhido aquele que intervenha de modo menos intenso (Alexy, 2008, p.
590)”. Assim, por exemplo, a
tutela do consumidor pode ser obtida através do fornecimento de informações
adequadas na embalagem, ao invés da proibição irrestrita da venda de produtos
que contenham sabores artificiais. Em razão da máxima da necessidade, o
legislador é compelido a adotar o meio que intervém com menor intensidade no
âmbito de proteção do princípio que se encontra em colisão com aquele a que a
norma pretende resguardar.
Finalmente, a terceira regra a seguir é
a da proporcionalidade em sentido estrito. Trata-se de uma regra que expressa o
significado da otimização em relação a princípios colidentes, expressa da
seguinte forma por Alexy: “quanto maior for o grau de não-satisfação ou de
afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação
do outro (2008., p.593)”. Como esclarece Silva (2002, p.40),
impõe-se, pois, realizar um “sopesamento entre a intensidade da restrição ao
direito fundamental atingido e a importância da realização do direito
fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.
Dito de outra forma por Barroso (2010, p. 36), representa violação a essa regra
se “o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha”.
Para exemplificar, Silva imagina a
hipotética situação em que o governo, para combater epidemia de Aids, determina
realização compulsória de exames e prescreve a segregação dos infectados. A
medida seria adequada (ou seja, combateria a disseminação) e necessária (em
razão de sua máxima eficácia), mas o grau de violação dos direitos de liberdade
e dignidade humana torna desproporcional a medida destinada à tutela da saúde
pública (2002).
Importa diferenciar, por fim,
sopesamento e proporcionalidade. Para Alexy (2008), o sopesamento corresponde
ao critério da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, integra parte do
exame da proporcionalidade. Silva sustenta que essa diferença reside no fato de
que a proporcionalidade envolve sempre a análise de uma medida concreta, ao
passo que o sopesamento pode ser aplicado quando a situação ainda não tenha
sido objeto de ponderação pelo legislador (Silva, 2010).
Ponderação também não se identifica com
sopesamento ou com aplicação da proporcionalidade. Barroso (2010) a concebe
como técnica decisória destinada a operacionalizar a análise congruente de
múltiplos elementos, a partir da importância e pertinência para o caso
concreto. Na argumentação de Ávila (2004), representa “um método destinado a
atribuir pesos a elementos que se entrelaçam, sem referência a pontos de vista
materiais que orientem esse sopesamento”[2]. A crítica que se faz
à ponderação é que sua formulação vaga representa um topos argumentativo
perigoso e pouco útil, nada mais do que uma estrutura exclusivamente formal e
despida de critérios, cuja integração dependerá da aplicação dos postulados da
proporcionalidade e da razoabilidade.
Mas mesmo a proporcionalidade permite
justificar decisões diferentes, conforme a linha de pensamento adotada por cada
intérprete. De fato, a relação adequação-necessidade-proporcionalidade em
sentido estrito envolve uma análise de correlação meio-fim, cuja percepção
prática envolve inexorável recurso à discricionariedade (ou, em termos mais
incisivos, à subjetividade) do operador. Segundo o estudo de Alexy (2008), o
Tribunal Constitucional Alemão julgou constitucional a proibição de venda de cannabis sativa, em contraposição à
liberdade geral de ação, apesar de não haver prova científica dos perigos
associados ao seu consumo. Afirmou-se que, diante da falta de certeza sobre um
ou outro caminho, teria o legislador prerrogativa para criminalizar a conduta,
já que o caminho seria potencialmente adequado à satisfação de um objetivo
legal. Aqui, o Tribunal permitiu a intervenção na liberdade constitucionalmente
protegida a despeito da incerteza sobre a veracidade das premissas que levaram
à proibição. Reconhece-se a validade de uma ação discricionária do legislador,
relacionada à cognição dos fatos relevantes no trato de alguma questão. Haveria
um princípio formal atribuindo ao legislador democraticamente legitimado
competência para decidir sobre essas questões, nas situações de incerteza.
Essa decisão poderia ser considerada
inconstitucional por operadores que se filiem à tese de que o consumo dessa
substância pode ser permitido, à vista da falta de comprovação do malefício à
saúde, justamente em razão da falta de observância da necessidade; no entanto,
a argumentação do Tribunal Constitucional Alemão afirma observar, justamente,
esse parâmetro, compatibilizando a proibição com a introdução de outra premissa
argumentativa, relativa à competência do órgão legislativo para tratar de
situações de incertezas.
Passemos, agora, ao exame da
razoabilidade.
2. Razoabilidade
Razoabilidade é termo de múltiplas
acepções, dentre as quais Ávila (2004, p.103) destaca três, mais diretamente
afetas ao discurso da hermenêutica jurídica:
Primeiro, a razoabilidade é utilizada
como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do
caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada,
quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas
especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade
é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o
mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte
empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação
congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a
razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência
entre duas grandezas.
A primeira acepção da razoabilidade
compreende estudá-la como instrumento de equidade. Segundo essa acepção, a razoabilidade deve servir de instrumento
destinado a corrigir distorções que a aplicação da regra geral à hipótese
concreta pode criar. Dois exemplos são apresentados por Ávila (2004,
p.104-106): numa primeira situação, compreende-se desarrazoado negar
conhecimento a recurso interposto por Procurador do Estado que não apresentou
instrumento de mandato, já que a interpretação deve levar em consideração
aquilo que normalmente ocorre, ou seja, a existência de mandato legal; numa
segunda situação, compreende-se razoável afastar a incidência de norma
tributária que excluía determinado regime jurídico a empresas nacionais de
pequeno porte, justamente porque houve apenas uma importação esporádica de
quatro pés de sofás, para apenas um sofá. A razoabilidade como equidade
permite, pois, a adequação do caso concreto à norma geral.
Segundo o autor, a compreensão da
razoabilidade como instrumento de harmonização entre as normas e as
circunstâncias fáticas externas de aplicação, por seu turno, remete a uma
exigência de vinculação do ato a ser analisado com a realidade: assim, considerou-se
inconstitucional lei estadual que estabeleceu adicional de 1/3 de férias a
servidores inativos, pois a condição de gozo de férias é incompatível com a
inatividade. Mais que isso, compreende, também, a exigência de uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a
medida adotada. Assim, considerou-se
inconstitucional medida provisória destinada a ampliar prazo de decadência para
propositura de ação rescisória por entes públicos, por não se considerar
presente justificativa razoável para a diferenciação; também não se aceitou a
validade de lei estadual que previa cômputo em dobro do tempo de trabalho de
Secretários de Estado, para fins de aposentadoria, já que ausente causa
concreta a justificar a diferenciação adotada (Ávila, 2004).
Finalmente, a razoabilidade impõe um
dever de equivalência entre a medida adotada e o critério estabelecido como
pressuposto para sua adoção.
Ávila procura, através dessas
digressões, estabelecer a diferença fundamental entre a razoabilidade e a
proporcionalidade, observando que esta se refere a uma relação meio/fim,
caracterizada por uma perspectiva de causalidade (tal meio seria adequado e
necessário para atingir tal fim?; noutros termos, tal fim seria consequência da
adoção de tal meio?) ao passo que na razoabilidade a relação a ser analisada é
de critério/medida: “uma qualidade não leva à medida, mas é critério intrínseco
a ela (Ávila,2004, p. 111) ”.
Um exemplo recente pode servir para
ilustrar essa distinção. O Supremo Tribunal Federal, reiterando posicionamento
anterior, julgou inconstitucional exigência de inscrição na Ordem dos Músicos
do Brasil como requisito para exercício profissional de atividade artística. O
relator, Ministro Celso de Mello, entendeu ferir o princípio da razoabilidade a
restrição legal ao exercício de profissão que representa manifestação de
liberdade constitucionalmente assegurada, por entender que a intervenção
estatal na liberdade profissional somente se legitima quando houver fundadas
razões de interesse público, concernentes à proteção, à saúde e à segurança das
pessoas em geral (Brasil, 2011). Embora o relator utilize concepção indistinta
entre proporcionalidade e razoabilidade, vê-se que não se está diante de uma
análise meio-fim, pois a restrição não é meio para qualquer finalidade
estabelecida anteriormente. Trata-se de uma análise intrínseca sobre a
regulamentação de profissão cujo exercício independe de qualificação técnica e
que, por isso, prescindiria de qualquer requisito formal, tal como a inscrição
em uma organização privada destinada a fiscalizar o exercício dessa atividade.
Para Barroso (2010), todavia, a acepção
de Ávila envolve uma construção doutrinária que dissocia o termo
razoabilidade de suas origens, presentes no direito anglo-saxão e vinculadas ao
desenvolvimento da ideia de devido processo legal. Em seu conceito, a
razoabilidade compreende
[...]um mecanismo para controlar a
discricionariedade legislativa e administrativa. (...) É razoável o que seja
conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja
arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores
vigentes em dado momento ou lugar. Há autores que recorrem até mesmo ao direito
natural como fundamento para aplicação da razoabilidade, embora possa ela
radicar perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica. (Barroso, 2010,
p.259).
Assim, a razoabilidade seria um
mecanismo de adequação de sentido entre valores, fins sociais e meios a serem
adotados, um mecanismo de persecução da justiça[3].
Barroso distingue entre a razoabilidade interna, que se identificaria
com os predicados do princípio da proporcionalidade, compreendendo uma “relação
racional e proporcional entre os motivos, meios e fins a ele subjacentes”, e razoabilidade externa, que depende da análise de “compatibilidade
entre os meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional
(Barroso, 2010, p. 259)”. É interessante a
remissão que o autor faz quando analisa a proporcionalidade em sentido estrito,
aos critérios aplicados pela jurisprudência norte-americana. Barroso (2010)
lembra os testes de a) mera racionalidade; b) aferição severa; e c) nível
intermediário. Parte-se da pressuposição de que a análise da proporcionalidade
depende, também, dos interesses que estão em jogo. Assim, normas que não afetam
diretamente direitos fundamentais, como normas de mercado, são submetidas ao
teste da mera racionalidade, bastando que a medida seja destinada a um fim legítimo
e seja minimamente adequada a satisfazê-lo. Se, todavia, a medida afetar alguma
liberdade fundamental (liberdades de profissão e de manifestação artística, por
exemplo), a constitucionalidade da medida depende da comprovação de se tratar
de um fim imperioso (compelling objective) e de um meio estritamente
necessário, ou seja, é preciso que não haja alternativas menos impactantes.
Finalmente, há determinadas intervenções que, por não afetarem tão
drasticamente direitos fundamentais (tais como regulamentação de horários para
exibição de espetáculos, ou seja, que afetam liberdades, mas não impedem o seu
exercício) reclamam a prova de que o fim seja importante e o meio seja
substantivamente ligado à sua consecução.
Em conclusão, Barroso afirma que,
[...] o princípio da razoabilidade ou
da proporcionalidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos quando:
(a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; (b) a
medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao
mesmo resultado com menor ônus a um direito individual (vedação ao excesso);
(c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com
a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (Barroso, 2010, p. 261).
Silva (2002), contudo, critica essa identidade.
Mesmo em sua vertente recente, baseada no substantive due
process, a razoabilidade não
poderia ser equiparada à proporcionalidade, pois depende apenas da exigência de
compatibilidade entre meios e fins e da análise dalegitimidade dos fins (razoabilidade interna e externa), o que corresponderia somente à
exigência de adequação, ou seja, a uma das máximas do postulado da
proporcionalidade.
3. Aproximação entre os
conceitos de proporcionalidade e razoabilidade e utilidade para o discurso
jurídico. Conclusão
Do quanto exposto, temos que as
expressões proporcionalidade e razoabilidade têm identidades e assimetrias que
conduzem seu uso no discurso jurídico. A teoria dos princípios e a estruturação
do conceito de proporcionalidade, a partir da doutrina de Alexy (2008), tendem
a conferir objetividade ao discurso jurídico; noutros termos, cuida-se de
estabelecer uma estrutura capaz de compatibilizar princípios conflitantes,
viabilizando análise objetiva sobre a violação de direitos e garantias
fundamentais, a partir de atos do Poder Público; compreende, também, uma
estrutura discursiva que restringe a liberdade de atuação do operador do
direito, impondo-lhe, assim, a observância de uma dada racionalidade.
Silva (2010) também constrói sua teoria
dos direitos fundamentais em busca dessa racionalidade. Não se trata de
perseguir a justiça, como conceito transcendental do correto, a fim de
descobrir uma única solução adequada à multifária dimensão dos conflitos que
envolvem princípios e regras no ordenamento. Ao contrário, Silva reconhece que
a tarefa de interpretação não é cognitiva, mas decorre de um ato de vontade, de
tal forma que a pretensão do autor se volta para “a elevação da racionalidade
de um procedimento de interpretação e aplicação do direito (2010, p.147-148)”.
Para nós, os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade se identificam precisamente nesse
objetivo: são instrumentos de incremento de racionalidade ao discurso jurídico.
Mas, respeitado o posicionamento
divergente, esses instrumentos não podem ser equiparados, pois possuem
estruturas e funções peculiares.
A estruturação da proporcionalidade
através de suas três máximas confere racionalidade às hipóteses concretas de
colisão entre princípios (adotando-se, aqui, o conceito de princípio formulado
por Alexy, supra). Tem fundamental importância porque estrutura de forma mais
objetiva do que outros postulados o discurso argumentativo, viabilizando
controle maior da racionalidade das fundamentações das decisões.
A razoabilidade tem outra função: ao
contrário do que sustenta Silva em suas críticas, possui função estruturante da
interpretação e aplicação das normas em geral. Nesse sentido, a identificação
da razoabilidade com equidade representa mais do que mero toposargumentativo.
Villey revela que desde a antiguidade
grega se reconhecia a necessidade de um critério de proporcionalidade como
parâmetro de justiça e direito. Direito e justo, expressões que correspondem à
dicção grega tò díkaion, representariam uma proporção – um análogon: “efeito de uma partilha proporcional (2007, p. 47)”. Também os romanos adotavam uma concepção dialética de direito, que
reclamava o reconhecimento da proporcionalidade como critério decisório
(Villey, 2007, p. 60). Mais recentemente, Siches (1998) e Perelman (2005) retomaram
o critério da razoabilidade como instrumento de definição de soluções
aceitáveis, ou não, juridicamente, em nítida apologia ao método dialético e à
análise da estrutura argumentativa como capaz de adequar ou de estabelecer
parâmetros de correção da atividade jurisdicional.
Siches (1998), invocando os realistas
americanos, apresenta as deficiências da lógica tradicional dedutiva para
solução dos múltiplos problemas de orientação da hermenêutica jurídica. Para o
autor, a lógica tradicional não é adequada para
tratar os problemas práticos do ser humano, e nem para cuidar das exigências do
ordenamento jurídico, inclusive no que tange à interpretação do direito[4]. Ao contrário, a validade das normas de
direito positivo estaria condicionada ao “contexto situacional em que se
produziram e para o qual se produziram (Siches,1998, p.652)”; concepção esta convergente com a de John Dewey que sustenta
a necessidade de se compreender a atividade interpretativa através de uma
lógica que “tenha seu centro de gravidade na consideração de suas consequências
Siches, 1998, p.638)”. O autor retoma, pois, o conceito de
equidade, formulado por Aristóteles, como predicado inerente à sua lógica do razoável. A equidade seria um
instrumento destinado à interpretação razoável da lei, não à sua correção.
Não cabe aqui analisar as
peculiaridades desses pensadores. Importa somente assinalar que a concepção de
equidade de Aristóteles, retomada por Siches, pressupõe um direito que parta da
ideia de justa proporção, justa partilha e justa distribuição de bens (Villey,
2007). A busca dessa equidade, por assim
dizer, transforma esse princípio em um instrumento de justiça, no sentido
apresentado por Derrida. Justiça, para o autor, é uma “experiência de
alteridade absoluta (Derrida, 2010, p.55), inapreensível em razão de três circunstâncias: primeiro, porque a
decisão, para ser justa, dependeria de uma liberdade que contraria a própria
noção de direito, enquanto ordenamento calculável de condutas; segundo, porque
em princípio, a obtenção de uma decisão plenamente justa pressupõe a submissão
à regra de algo que é incalculável, indecidível, portanto. Dirá Derrida: “se
há desconstrução de toda presunção à certeza determinante de uma justiça
presente, ela mesma opera a partir de uma “ideia de justiça” infinita, infinita
porque irredutível, irredutível porque devida ao outro (Derrida, 2010, p. 49)”; em terceiro lugar, a tentativa de apreender a
situação do outro depende de uma busca inesgotável de conhecimento dessa
situação, que é obstada pela urgência do momento da decisão. Mas, como então
vincular a razoabilidade à justiça, se esta se apresenta como inalcançável? Em
sua bela palestra, Derrida explica que a justiça se distingue do direito, numa
relação dialética conflituosa entre a calculabilidade do direito e a dimensão
incalculável de uma experiência de alteridade que implica considerações
circunstanciais que não podem ser estabelecidas na forma de uma regra geral.
Buscar a equidade, nesse sentido, significa buscar a multiplicidade de fatos e
relações que compõem as capilaridades de uma situação determinada, viabilizando
conhecer a condição do outro, que está sob julgamento. A justiça pode não
existir como tal, mas se apresenta como um horizonte que, linguisticamente,
pode ser perseguido através do recurso à razoabilidade.
A razoabilidade, nesse sentido,
afasta-se do rótulo de mero topos, para compreender a possibilidade de trazer ao discurso jurídico
contemporâneo o recurso ao método dialético; permite, também, reconhecer certa
racionalidade à lógica que envolve decisões judiciais referentes a conflitos
difusos, de natureza polissêmica[5]. Noutros termos, o estudo da
razoabilidade e seus predicados, especialmente no que tange à aproximação com a
equidade e à vinculação à realidade, representa forte contributo à
racionalidade das novas questões decisórias relativas a interesses difusos, que
foram alçados à categoria de direitos fundamentais nas Constituições
contemporâneas, dentre as quais, a Constituição Federal de 1988.
Em suma, razoabilidade e
proporcionalidade não são sinônimos. Proporcionalidade, como princípio
constitucional, representa umametanorma destinada a
viabilizar análises referentes à constitucionalidade ou não de medidas
concretas, através da aferição bem estruturada das máximas de adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Já a razoabilidade
compreende expressão mais fluida, mas igualmente importante, representando nexo
entre as prescrições abstratas e o contexto multifário ao qual o intérprete e a
situação objeto de análise estão inseridos. Se é certo que a razoabilidade é
menos estruturada como princípio, também não se pode deixar de afirmar que sua
compreensão pode ter consequências tão significativas quanto a
proporcionalidade para a estruturação dos novos direitos fundamentais previstos
nas constituições contemporâneas”.
Referências.
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Virgílio Afonso da Silva, 1ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008, 669 p.;
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São Paulo: Saraiva, 1999;
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contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª edição.
São Paulo, Saraiva, 2010, 453 p.;
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Extraordinário 635.023 ED/DF. Rel. Ministro Celso de Mello, j.
13/12/2011, disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1730429,
último acesso em 20/03/2012.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e
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fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo, Revista
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DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da
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Perrone-Moisés. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2010, 145 p.;
PERELMANN, Chaïm. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2ª edição. São Paulo:
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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, 1364 p.;
VERÍSSIMO, Marcos Paulo. A
Judicialização dos conflitos de justiça distributiva no Brasil: o processo judicial no pós-1988. Tese de Doutorado.
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VILLEY, Michel. O Direito e os direitos humanos. Tradução Maria
Ermantina de Almeida Prado Galvão. 1ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
181 p.
[1] A definição de proporcionalidade ou razoabilidade como princípios
tampouco é unívoca, até porque a própria definição de princípio não o é. Robert
Alexy compreende princípios como normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e
fáticas existentes. São, pois, mandamentos de otimização (2008, p. 90).
Partindo dessa acepção, a proporcionalidade não seria tecnicamente princípio.
Assim, Alexy a trata como máxima (ob. cit., 2008 p. 116 e ss.). Virgílio Afonso da Silva afirma ser uma regra, porque impõe um dever definitivo, embora não seja propriamente uma regra de conduta (2010, p. 168). Já
Humberto Ávila a trata como postulado normativo aplicativo, em razão de se destinar à aplicação de outras normas, sendo, portanto,
umametanorma (2004, p. 89).
Retomaremos a questão adiante.
[2] Ponderação, para Humberto B. Ávila (2004, p. 94 e seguintes),
corresponde a um postulado normativo inespecífico. Os postulados, para
o autor, são deveres estruturais que estabelecem a vinculação entre elementos e
determinação uma relação entre eles. Assim, quando se fala em ponderação,
pensa-se em sopesamento de elementos, sem que haja
indicação de como será feito esse sopesamento. A mesma indefinição pode ser
aplicada aos postulados de concordância prática e de proibição ao excesso;
isso, contudo, já não ocorre com os postulados específicos, dentre eles
proporcionalidade e razoabilidade.
[3] Não se ingressará, aqui, na difícil tarefa de definir o que seria
justiça ou se é possível vislumbrar um ideal de justiça transcendental (“a”
justiça).
[4] Siches afirma que la logica tradicional o
físico-matematica no es adecuada para tratar la vida humana ni sus problemas
prácticos, por conseguinte, tampoco para los menesteres jurídicos, entre os
quais figura la interpretación del Derecho (1998, p.642).
[5] A respeito da adoção da lógica distributiva para solução dessa espécie
de conflitos, ver Veríssimo, 2006.
http://www.epm.tjsp.jus.br/Internas/ArtigosView.aspx?ID=15779.
Acesso: 29/1/2013
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