Via Doutor Flavio Guarniero
Este hospital permitiu que o gato desta senhora a visitasse no seu último dia na terra
“Princípio da dignidade da pessoa
humana
Cibele Kumagai, Taís Nader Marta:
Cibele Kumagai
Bacharel em direito pela
Universidade Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduada em Direito do
Estado-Tributário pela Universidade Estadual de Londrina-UEL. Mestranda em
Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru-SP). Advogada.
Taís Nader Marta
Mestre em Direito Constitucional.
Advogada. Professora de Graduação em Direito e de Cursos de Pós Graduação
Resumo: O presente artigo tem
como fim apontar alguns aspectos e reflexões, partindo de diretrizes traçadas
pela Constituição Federal de 1988, sobre o princípio da dignidade da pessoa
humana: um vetor máximo interpretativo de nossa hermenêutica constitucional. O
ser humano como pessoa está em constante processo de relacionamento não apenas
consigo, mas também com o ambiente em que vive. Para que exista uma melhor
convivência social e encontre-se um eixo próximo da perfeição nessa relação
entre a individualidade e sociabilidade está inteiração deve estar pautada na
dignidade, respeitando-se os diversos aspectos.
Palavras chave: Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Kant. Valor Constitucional.
Sumário: 1. Introdução; 2.
Conceito de dignidade; 3. Dignidade humana sob o prisma kantiano; 4. A
dignidade humana como valor constitucional; 5. A dignidade humana na
constituição federal de 1988; 6. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988
surge num contexto de busca da defesa e da realização de direitos fundamentais
do indivíduo e da coletividade, nas mais diferentes áreas.
Elege a instituição do Estado
Democrático, o qual se destina “a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais”, assim como o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça social, bem como, seguindo a tendência do constitucionalismo
contemporâneo, incorporou, expressamente, ao seu texto, o princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) – como valor supremo –,
definindo-o como fundamento da República.
Significa dizer que, no âmbito da
ponderação de bens ou valores, o princípio da dignidade da pessoa humana
justifica, ou até mesmo exige, a restrição de outros bens constitucionalmente
protegidos, ainda que representados em normas que contenham direitos
fundamentais, de modo a servir como verdadeiro e seguro critério para solução
de conflitos.
2 CONCEITO DE DIGNIDADE
A dignidade humana como direito
fundamental evoca uma perquirição preliminar: quem são os titulares dos
direitos fundamentais?
A resposta deve ser refletida à
luz de diferentes documentos jurídicos.
A Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948, traz
em seu artigo 1º o seguinte: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade
e direitos”, concluímos que, segundo esse documento, os titulares dos direitos
fundamentais são “todos os homens”.
Se comparado o texto ao da nossa
Constituição de 1988 que optou por “todos são iguais perante a lei [...]”,
verifica-se que a diferença se encontra na expressão “todos”. No texto da ONU o
significado está entendido como:“... significa cada um e todos os humanos do
planeta, os quais haverão que ser considerados em sua condição de seres que já
nascem dotados de liberdade e igualdade em dignidade e direitos.”[1]
Mas, o que seria a dignidade
humana?
O conceito de dignidade humana
não é algo contemporâneo. È tema corriqueiro em debates e pesquisas de largo
período.
Segundo a visão dos cristãos,
havia outra denominação para auferir a idéia de algo tão subjetivo. Sarlet[2]
aponta o conceito de dignidade oriundo da Bíblia Sagrada, que traz em seu corpo
a crença em um valor intrínseco ao ser humano, não podendo ser ele transformado
em mero objeto ou instrumento. De forma que, a chave-mestra do homem é o seu
caráter, “imagem e semelhança de Deus”; tal idéia, trazida na Bíblia,
explicaria a origem da dignidade e sua inviolabilidade.[3]
Já em um sentido filosófico e
político na antiguidade, a dignidade humana estava atrelada à posição social
que ocupava o indivíduo, inclusive considerado o seu grau de reconhecimento por
parte da comunidade onde estava integrado.
Portanto, na antiguidade, os
primeiros passos de defesa da dignidade e dos direitos do ser humano
encontram-se expressos no Código de Hamurabi, da Babilônia e da Assíria e no
Código de Manu, na Índia.
Nesse diapasão, entende-se que
nesse momento histórico era possível a classificação do indivíduo como sendo
mais ou menos digno perante os outros, de acordo com seu status social.
Em contraponto, o pensamento
estóico, classificava a dignidade humana como uma qualidade diferenciadora do
ser humano com as demais criaturas da terra; esse conceito nos remete à idéia
de liberdade do indivíduo, considerando-o como um ser capaz de construir sua própria
existência e destino.
Logo, concluí-se que o conceito
de pessoa no sentido subjetivo, com direitos subjetivos ou fundamentais,
inclusive dignidade, surge com o cristianismo e vem aperfeiçoada pelos
escolásticos.
Na filosofia grega, segundo
ensinamentos de Fernando Ferreira dos Santos,[4] o homem era considerado um
animal político ou social. Imperava nesse pensamento uma “confusão” na relação
entre indivíduo, Estado e a natureza, uma mistura de cidadania e do ser.
Com o intuito de se esclarecer o
que realmente vem a ser dignidade Rizzatto Nunes[5] aponta que: “dignidade é um
conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do
século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela razão
jurídica”.
Assim, nesse contexto verifica-se
um dos papéis do Direito, como instrumento pelo qual se controla a
“bestialidade” dos atos humanos, ou seja, controlam-se os impulsos que venham a
ser prejudiciais à sociedade como um todo.
A dignidade apresenta-se, pois,
como uma conquista da razão ético-jurídica. Seu conceito, porém, não é
pacífico.
Ingo Wolfgang Sarlet[6] assevera
que a dependência do elemento distintivo da razão fundamenta-se justamente na
proteção daqueles que, por motivo de doença física ou deficiência mental,
surgem como especialmente carecedores de proteção. E finalmente: se atribui
como objeto da dignidade aquilo que precede qualquer reconhecimento, subtrai-se
dela, na procura da “vida humana pura”, a dimensão social, para adquirir-se,
por meio disso, a indisponibilidade da dignidade.”
Há também conceitos que traduzem
a dignidade da pessoa humana como sendo o “direito a naturalidade” ou ainda
“direito a contingência”, o que traz um enorme desconforto, se formos guiados
apenas pela razão e autofinalidade.
Nesse contexto Chaves Camargo[7]
afirmando que a
“[...] pessoa humana, pela
condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de
sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas
características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir,
pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade
humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir,
independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a
dignidade de todo ser.”
Porém até a dignidade pode ser limitada,
ou seja, a dignidade de uma pessoa só será ilimitada enquanto não afetar a
dignidade de outrem.
E, diferentemente do que se
pensa, não é possível a uma pessoa violar a própria dignidade, pois se trata de
uma razão jurídica adquirida com o decorrer da história, cabendo então ao
Estado a função de zelar a saúde física e psíquica dos indivíduos.
Rizzatto Nunes considera, ainda,
a dignidade da pessoa humana como sendo um supraprincípio constitucional,
entendendo que se encontra acima dos demais princípios constitucionais.
Como princípio fundador do Estado
Brasileiro (CF art. 1º, III), a dignidade da pessoa humana interessa não só
pelo seu caráter principiológico, mas também, no presente estudo, pelo seu
relacionamento com os direitos sociais.
3 DIGNIDADE HUMANA SOB O PRISMA
KANTIANO
É comum lermos em jornais,
revistas e artigos a importância de se preservar a dignidade da “pessoa”
humana.
Porém, o que vem a ser a
“pessoa”?
Esta é uma questão que há
centenas de anos muitos procuraram responder. Porém, até hoje, não há conceito
uníssono e que se possa afirmar como correto, mesmo ante larga e profunda
reflexão.
Há quem diga que a pessoa é o
conjunto do corpo, com a alma, inteligência e vontade.
Na verdade, seria muita pretensão
compreender a pessoa apenas em sua estrutura interna.
A filosofia kantiana é
responsável por uma importante contribuição a respeito. Nela, por pessoa,
entende-se mais que um objeto, ou seja, como valor absoluto e insuscetível de
coisificação.
Kant aprofunda o conceito de
pessoa a ponto de se encontrar um sujeito tratado como “um fim em si mesmo” e
nunca como meio a atingir determinada finalidade.
Enfatiza Cleber Francisco
Alves[8] que Kant dá um tratamento especial a dignidade da pessoa humana, tendo
em vista que enfoca a dimensão individual da personalidade humana e a sua
dimensão comunitária social.
Desta forma:
“[...] diríamos, de seu caráter
enigmático, a pessoa humana - na dignidade que lhe é própria - vem sendo
colocada como pedra angular, vértice e ponto e ponto de referência do
ordenamento jurídico, quer seja no âmbito dos diversos Estados nacionais
contemporâneos, quer no âmbito supranacional.”[9]
Numa análise do desenvolvimento
intelectual de Immanuel Kant verificamos que o ponto central de seus estudos
era o homem, a liberdade e o individualismo.
Por meio do estudo de sua obra
Fundamentação da Metafísica dos Costumes,[10] percebe-se um a influência de
pensamento burguês somado ao empirismo, sensualismo e o racionalismo. Nela
observa-se, ainda a existência de condições consideradas como um a priori ao
pensamento e da ação moral do homem.
Kant diverge dos tradicionais
racionalistas na medida em que estes se valem dessa condição a priori como base
para explicar a moral.
Segundo Kant, a metafísica, a
existência de uma realidade transcedental, como a existência de Deus e/ou a
imortalidade da alma não são as condições a priori.
Ainda nesse liame temos que a
causa é, na verdade, uma forma de pensamento e, seu uso correto se dá através
da experiência.
No que tange a produção de
conhecimento, para Kant é necessário a existência do objeto que desencadeará a
ação do pensamento, sendo ele o ponto de partida, o início de todo pensamento.
Mas é indispensável a existência de um ser pensante, capaz de sentir e captar
essas impressões, que no caso é o homem.
Assim, segundo os racionalistas a
certeza matemática e da física está extremamente vinculada a razão e a
experiência; em contrapartida Kant reflete sobre a metafísica como sendo um
conhecimento especulativo da razão, sendo então uma forma de obter um caminho
seguro que não pode ser pela experimentação.
Na Critica da Razão Pura,[11]
Kant analisa o método de produção de conhecimento. Apesar de acreditar que
somente por meio da razão pura conseguiríamos obter uma sociedade ideal, Kant
afirma que a razão é inerente ao homem, é algo a priori.
Logo, a razão seria a organização
de conceitos, estabelecendo regras de comportamento aos homens que somente é
alcançada por meio da ciência, diferente do empírico, que nada mais é do que a
experiência de vida acumulada.
A sensibilidade, portanto, é a
capacidade da mente receber passivamente representações diversas do objeto,
sendo o entendimento a faculdade de organizar as sensações do objeto. Segundo o
filósofo, ambos são extremamente necessários para a elaboração do conhecimento.
Essa capacidade de sensibilidade,
ou seja, de obter sensações dos objetos, está no homem a priori, precedendo
qualquer experiência, é a chamada intuição pura.
Assim, se retirarmos a
sensibilidade, ou seja, tudo que vem da sensação, (cor, textura, etc) só nos
restará a intuição pura.
Uma vez que o tempo e o espaço
são condições, influências externas do meio na capacidade de captação de
sensações do homem, a medida que somos afetados pelo objeto concluímos que não
intuímos as coisas tal como são em si mesmas, mas sim do modo como elas nos
aparecem.
Para Kant o objeto deve ser
necessariamente submetido ao sujeito, pois tem o fenômeno como sendo o
resultado da relação do objeto com o sujeito.
Kant, nesse sentido, separa os
conceitos a priori e a posteriori, considerando que a priori são os existentes
ao homem antes de qualquer experiência, enquanto que o a posteriori os obtidos
a partir de abstrações das percepções empíricas.
Percebendo então a necessidade da
faculdade da imaginação, que também é afetada pelas condições temporais em que
os conceitos (apriori ou a posteriori) serão aplicados sobre os objetos da
experiência, a imaginação nada mais é do que o elo entre os conceitos
intelectuais e a sensibilidade.
A imaginação é algo que podemos
usar livremente enquanto que a razão deve ser desvinculada da intuição, da
imaginação, da sensibilidade.
Logo, três para ele seriam as
faculdades envolvidas na produção de conhecimento, a sensibilidade (que
possibilita que o conhecimento se inicie por meios de intuições), a imaginação
(que produz esquemas ou regras de síntese) e o entendimento (que julga), todas
inerentes ao homem.
Kant adota a chamada “revolução
copernicana”, ou seja, ao invés do sujeito cognoscente girar em torno dos
objetos, estes que giram ao redor dele. Nota-se aqui a inversão do centro de
preocupações, passando o homem a ser o núcleo de todas as problemáticas.
Kant estabelece o conceito de
razão prática. Para ele, a vontade nada
mais é do que a faculdade do homem de escolher só aquilo que a razão reconhece
como praticamente necessário.
Kant propõe, dessa forma, uma
moral guiada por leis a priori.
O imperativo categórico de Kant,
segundo a razão, seria os elementos que esta considera como necessário, um
dever.
Nessa seara, Kant estabelece como
imperativo categórico, a LIBERDADE do homem. Que para ser realmente livre
necessita de condições para exercer esta liberdade, que nada mais são do que os
direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, condições estas que devem
ser proporcionadas pelo Estado.
Essa essência humana deve ser
respeitada, pois é um existir a priori, o que significa não procurar normas no
agir humano, na experiência, pois seria submeter um homem a outro homem.
Conservando o que caracteriza o ser humano, que o faz dotado de dignidade
especial, o apresenta para nunca ser meio para os outros, e sim um fim em si
mesmo.
Immanuel Kant[12] aborda a
dignidade a partir da autodeterminação ética do ser humano, sendo a autonomia o
alicerce da dignidade. Segundo a teoria da autonomia da vontade o ser humano é
capaz de autodeterminar-se e agir conforme as regras legais, qualidade
encontrada apenas em criaturas racionais. Logo, todo ser racional existe como
um fim em si mesmo e não como um meio para a imposição de vontades arbitrárias.
Nesse sentido, “todas as suas
ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros
seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um
fim”.[13]
Levando em consideração esse
pensamento é que podemos classificar o ser humano em PESSOA.
Ainda nesse sentido, Kant[14]
postula:
“No reino dos fins tudo tem ou um
preço ou uma dignidade. Quando uma coisas tem um preço, pode por-se em vez dela
qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço,
e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade [...]. Esta
apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de
espírito e põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser
posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de
qualquer modo ferir a sua santidade?”
Pode-se pois constatar a forma
antropocêntrica de encarar a dignidade, uma vez que a filosofia kantiana a
torna privilégio dos seres racionais, colocando de imediato o ser humano no
centro das transformações e do mundo. Essa questão possibilita o conflito com os
valores admitidos pelo direitos de terceira geração, que são os direitos que se
assentam sobre a fraternidade. Estes não pertencem ao indivíduo, e nem a
coletividade, mas sim ao gênero humano. Compõe-se pelos direito ao
desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito à
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito à comunicação;
em suma, considera, por exemplo, o meio ambiente como sendo uma necessidade
para a obtenção da dignidade da pessoa humana.
O homem deve ser entendido como
um fim em si mesmo, razão pela qual lhe é atribuído valor absoluto: a
dignidade. A respeito, ainda, e de acordo com a terminologia empregada por
Miguel Reale,[15] é oportuno destacar três concepções da dignidade da pessoa
humana: individualismo, transpersonalismo e personalismo.
Para o individualismo, o homem,
cuidando dos seus próprios interesses, indiretamente, protege e realiza os
interesses coletivos.
No transpersonalismo é o
contrário: deve-se realizar o bem coletivo para salvaguardar os interesses
individuais. Inexistindo harmonia entre o bem do indivíduo e o bem do todo,
preponderam os valores coletivos.
O personalismo refuta as
concepções individualista e coletivista. É um “meio termo”, ou seja, não há de
se falar em predomínio do indivíduo ou do todo. Busca-se a solução na
compatibilização entre os valores, considerando o que toca ao indivíduo e o que
cabe ao todo.
A Constituição brasileira de 1988
elevou o princípio da dignidade da pessoa humana à posição de fundamento da
República Federativa do Brasil. Dessa forma, não fez outra coisa senão
considerar que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em
função do Estado. Assim, toda ação estatal deve ser avaliada considerando-se
cada pessoa como um fim em si mesmo ou como meio para outros objetivos, sob
pena de inconstitucional. Procura-se, com isso, compatibilizar valores
individuais e coletivos.
4 A DIGNIDADE HUMANA COMO VALOR
CONSTITUCIONAL
Segundo Pietro Alarcón de
Jesús,[16] a tendência dos ensinamentos constitucionais é no sentido de
reconhecer e valorizar o ser humano como a base e o topo do direito.
No período pós Segunda Guerra
Mundial o que prevalecia era um ambiente envolto sob a neblina da dignidade da
pessoa humana como sendo um valor indispensável para a instauração de um Estado
de Direito Democrático promissor.
Nesse sentido a Constituição
Italiana de 1947 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana em seu
artigo 3º, com a seguinte expressão: “todos cidadãos tem a mesma dignidade
social e são iguais perante a lei”.
E, em 1949 a Assembléia das
Nações Unidas consagrou expressamente as palavras: “A dignidade do homem é
intangível. Os poderes públicos estão obrigados
a respeitá-la e protegê-la”.
Em 1976, a Constituição da
República Portuguesa expressou: “Portugal é uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de
uma sociedade livre, justa e solidária”.
Nessa mesma linha a Constituição
Espanhola estabeleceu que: “(...) A Dignidade da Pessoa, os direitos
invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o
respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política
e da paz social”.
A Constituição da Alemanha
Ocidental do pós-guerra possui, segundo tradução de Nelson Nery Junior, em seu
artigo inicial feita por Rizzatto Nunes[17] a seguinte afirmação: “A dignidade
humana é intangível. Respeitá-la, e protegê-la é obrigação de todo o poder público”.
Devido à experiência nazista
vivida na Alemanha, foi possível verificar a importância e a conscientização de
preservar a dignidade da pessoa humana, deixando clara a responsabilidade
Estatal, tanto no âmbito interno como no âmbito externo, de garantir aos
indivíduos esse direito.
Na França, apesar de não se
encontrar de forma explícita e expressa na constituição de 1958, o princípio da
dignidade da pessoa humana é utilizado por hermenêutica através do Conselho
Constitucional.
Nas constituições européias a
dignidade da pessoa humana está presente e sendo consagrada a cada dia.
Dessa forma, a Constituição de
1990 da Croácia traz este princípio em seu artigo 25º, a da Bulgária de 1991 e
da República Tcheca de 1992 em seus preâmbulos, a da Romênia, Letônia em seu
artigo 1º, já a da Eslovênia, Lituânia e Rússia em seu artigo 21º e por fim a
da República da Estônia de 1992 em seu artigo 10°.
No que tange aos países
latinoamericanos, a Constituição da Colômbia no artigo 42º afirma o direito a
dignidade da família como sendo inviolável.
A dignidade, como espécie de
principio fundamental, serve de base para todos os demais princípios e normas
constitucionais, inclusive as normas infraconstitucionais.
Sendo assim, não há como se falar
em desconsideração da dignidade da pessoa humana em nenhuma forma de
interpretação, aplicação e/ou criação de normas jurídicas, pois, se trata de um
supraprincípio constitucional.
No Brasil, com base em Cleber
Francisco Alves[18] a Constituição do Império de 1824 já representou um papel
ativo no que se refere a alguns direitos fundamentais como a liberdade, a
segurança individual e a propriedade. E, nesse sentido ratificava os princípios
da igualdade e da legalidade, ou seja, estabelecia que nenhuma lei seria
imposta sem utilidade pública e acarretaria recompensa ou castigo de forma
proporcional à aquele que merecesse, incluindo
a abolição de privilégios.
Porém não havia ainda menção
expressa a dignidade da pessoa humana nas primeiras cartas constitucionais
brasileiras, o que veio a ser expresso pela primeira vez na Constituição
brasileira de 1934, no seguinte contexto do artigo 115º: ”a todos existência
digna”.
A partir deste momento se tornou
imprescindível, mesmo que indiretamente, a abordagem constitucional da
dignidade da pessoa humana.
5 A DIGNIDADE HUMANA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Carta de 1988 apresenta como
característica a clareza no que se refere à importância da dignidade humana, em
conseqüência de todo o contexto histórico já relatado.
Nesse sentido, como pano de
fundo, a Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada num cenário de
pós-ditadura e de abertura política, aliados ao profundo sentimento da
necessidade de solidariedade entre os povos.
Assim, nota-se a expressão de uma
nova era das garantias individuais, resultado de lutas e abusos no árduo
caminho do reconhecimento dessas liberdades, até se alcançar a promulgação
desse texto.
Em conformidade com o capítulo I
deste trabalho, pode-se afirmar que esta é a Constituição mais democrática que
o Brasil já teve, tendo em seu corpo blocos de direitos sociais, individuais e
coletivos, tanto no sentido de princípios como comandos.
Analisando a estrutura da
Constituição de 1988, Benizete Ramos de Medeiros,[19] se valendo dos ensinamentos
de Ana Paula de Barcellos, classifica a dignidade da pessoa humana dentro do
sistema constitucional em níveis, normas, princípios e subprincípios, e regras.
Em nível I, no seu preâmbulo, a
Constituição faz menção ao Estado Democrático de Direito como forma de garantir
os exercícios dos direitos sociais e individuais.
Em seqüencia, no artigo 1º, incs.
I e II e no artigo 170, caput, verifica-se a incumbência da ordem econômica em
assegurar a todos uma existência digna.
No artigo 226, §7º, foi dado ênfase a família, como forma de garantir a
dignidade da pessoa humana.
Em nível II, o artigo 3º, inc.III
e o artigo 23, inc.X, apresentado como “dos objetivos fundamentais”, é o
responsável pela afirmação da “exterminação da pobreza e das desigualdades sociais”.
No nível III, a Carta Magna traz,
em seu artigo 6º o mínimo que cada indivíduo necessita: educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, a proteção à
maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
Destarte, todos os direitos
sociais acima citados estão intimamente ligados a dignidade da pessoa humana
Entretanto, na prática, o Estado
não tem conseguido garantir esse “mínimo constitucional”, o que, aliado a
ignorância do povo quanto aos seus direitos ou de como exercê-los, tem como
resultado a falta de aplicabilidade da vontade do legislador constituinte.
Esse fato também pode ser visto
no que tange a saúde, onde pessoas enfermas são desrespeitadas todos os dias
nos hospitais e postos de saúde.
Assim, proporcional é a
matemática da dignidade, quanto maior a qualidade da dignidade, maior é a
dificuldade de garanti-la, não apenas por parte do Estado, mas também por parte
dos cidadãos que convivem entre si, podendo entre eles um violar a dignidade do
outro.
Ao se ter na dignidade a bússola
orientadora dos direitos perdidos e ineficazes, não se tem, todavia, garantia
de que o navio pródigo consiga chegar lá.
A Constituição aborda, também, a
dignidade da pessoa humana em seu duplo significado, ora como princípio
fundamental, ora como princípio geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Kant, o principal teórico na
construção do princípio da dignidade da pessoa humana, parte da premissa de que
nenhuma pessoa é passível de valoração, pois, sendo detentora de racionalidade
gera a possibilidade de autoafirmação, ou seja, a liberdade em seu sentido
amplo.
Dessa metafísica, dessa
transcendentalidade do homem é que surge a dignidade e a liberdade, que nada
mais são do que valores respaldantes de todo o ordenamento jurídico.
Os direitos fundamentais
evoluíram com grande intensidade no sentido de proteger o indivíduo em sua
dignidade, porém, se faz necessário ampliar o conceito desses valores e
promover a emancipação da sociedade, mais um passo da raça humana no sentido de
distribuir de forma equânime o que, pelo trabalho de todos, foi e é
conquistado.
Ante a uma sociedade cuja
desigualdade ainda é a marca; ante a um contexto de vida onde o capitalismo e
outras ideologias alimentam o individualismo; ante aos reclamos da atualidade, em
que valores e vidas são constantemente depredados, pondo em risco o próprio
planeta, só resta a esperança de um projeto mais solidário para a raça humana.
Assim, propomos a reflexão a
respeito do mundo, do estado de nossa humanidade, de que o mundo pode ser
imaginado a partir da possibilidade de admitir o outro não como um alguém além
de nós, mas o outro enquanto um “alguém em nós”.
A ação humana é capaz de orientar
os caminhos da história e da existência individual e coletiva. Uma condição
fundamental do ser humano é sua estrutura comunicativa e justamente por essa
razão deve estar em constante processo de socialização.
Cabe aos operadores do Direito
esse papel de transformação, utilizando a DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA como
HERMENÊUTICA, a partir da Constituição Federal, sempre objetivando a ampliação
do princípio da solidariedade humana para além das fronteiras das palavras,
reconhecendo que a civilização só evoluiu e evoluirá quando todos, juntos,
pudermos assumir um projeto de vida que leve em consideração nossa essência:
seres sociais que somos, a caminho de um mundo sempre melhor e todos em busca
do maior direito de todos: O DIREITO À FELICIDADE.
Referências:
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Patrimônio Genético Humano: e Sua Proteção na Constituição Federal de 1988. São
Paulo: Método, 2004.
ALVES, Cleber Francisco. O
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: o Enfoque da Doutrina
Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
CAMARGO, A. L. Chaves.
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KANT, Immanuel. Crítica da Razão
Pura. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006. Coleção A
Obra-Prima de Cada Autor.
KANT, Immanuel. Fundamentação da
Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Tradução de Leopoldo Holzbach. São
Paulo: Martin Claret, 2006. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, 2006.
MEDEIROS, Benizete Ramos.
Trabalho com Dignidade: Educação e Qualificação é Um Caminho? São Paulo: LTR,
2008.
NUNES, Rizzatto. O Princípio
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rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
REALE, Miguel. Filosofia do
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da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito Constitucional. Livraria do
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Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: Uma Análise do Inciso
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Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999.
Notas:
[1] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Vida Digna:
Direito, Ética e Ciência. In: ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (coord.). O Direito à
Vida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 17.
[2] Dignidade da Pessoa Humana e
Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 29-37.
[3] ALVES, Cleber Francisco. O
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: o Enfoque da Doutrina
Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 18.
[4] Princípio Constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana: Uma Análise do Inciso III, do Art. 1º, da
Constituição Federal de 1988. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto
Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 19-20.
[5] O Princípio Constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana: Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 49.
[6] Dimensões da Dignidade:
Ensaios de Filosofia do Direito Constitucional. Livraria do Advogado, Porto
Alegre, 2005, p. 45-46.
[7] Culpabilidade e Reprovação
Penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1994, p. 27-28.
[8] ALVES, Cleber Francisco. O
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: O Enfoque da Doutrina
Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 1-9.
[9] Ibidem, mesma página
[10] Tradução de Leopoldo
Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 86-87. Coleção A Obra-Prima de
Cada Autor.
[11] Tradução de Alex Marins. São
Paulo: Martin Claret, 2006, p. 70. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor.
[12] KANT, Immanuel.
Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Tradução de
Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2006. Coleção A Obra-Prima de Cada
Autor, 2006, p. 134 e 141.
[13] SARLET, Ingo Wolfgand.
Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 32-33.
[14] Apud ibidem, p. 33.
[15] Filosofia do Direito. 17.
ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 277.
[16] Patrimônio Genético Humano:
e Sua Proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004, p.
244-256.
[17] NUNES, Rizzatto. O Princípio
Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. 2. ed.
rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48.
[18] ALVES, Cleber Francisco. O
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: O Enfoque da Doutrina
Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 125-126.
[19] Trabalho com Dignidade:
Educação e Qualificação é Um Caminho? São Paulo: LTR, 2008, p. 28-41.
Informações Sobre os Autores
Cibele Kumagai
Bacharel em direito pela
Universidade Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduada em Direito do
Estado-Tributário pela Universidade Estadual de Londrina-UEL. Mestranda em
Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru-SP). Advogada.
Taís Nader Marta
Mestre em Direito Constitucional.
Advogada. Professora de Graduação em Direito e de Cursos de Pós Graduação
Acesso: 25/1/2014
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