“A democracia moderna em Montesquieu, Locke e Rousseau
Autor:
Elielson Carneiro da Silva é doutorando em Ciência Política da
Universidade Estadual de Campinas — Unicamp, e mestre em Sociologia pela
Universidade Estadual Paulista — Unesp, Campus de Araraquara.
Na origem do processo de reflexão sobre o modelo de
organização política da Europa que emerge do feudalismo para o capitalismo,
ganham destaque três autores: Montesquieu (1689-1755), com a obra O espírito
das leis; John Locke (1632-1704), com o Segundo tratado sobre o governo; e
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), com O contrato social.
Em O espírito das leis, Montesquieu (1963) observa que
existem três tipos de governo: o republicano, o monárquico e o despótico, e,
ainda, afirma ser o republicano o tipo de governo em que o povo — como um todo
ou uma parcela dele — possui o poder soberano.
Refletindo sobre o tema da igualdade na democracia,
Montesquieu chama a atenção para o fato de que esta nunca pode ser perseguida
com todo o rigor, tratando-se de algo muito difícil de se estabelecer
plenamente. O autor afirma que, mesmo que na democracia a igualdade seja a alma
do Estado, trata-se também de algo difícil e, por isso, não deve haver um rigor
exagerado a respeito. É suficiente que se reduzam as diferenças até certo
ponto. A partir daí, as leis, através dos encargos que impõem aos ricos e dos
alívios que concedem aos pobres, possibilitam certo nivelamento, certa
igualdade.
Segundo Durkheim (1980), era na cidade que Montesquieu via a
possibilidade de maior igualdade.
Montesquieu chama a atenção para o cuidado que se deve ter
com relação ao conceito de igualdade, para que não se radicalize demais na
reivindicação desse bem e, ao fazer isso, coloque-se em risco o funcionamento
do sistema político. Este tema da igualdade é tratado pelo autor com a
preocupação de que se configure como um elemento benéfico ao funcionamento do
acordo (pacto) entre os homens, e não no sentido de promover uma sociedade com
ausência de regras e hierarquias, como, aliás, muitas vezes constatou-se em
Roma — uma das experiências que serviram de referência a Montesquieu para que
este fundamentasse as suas teses sobre os sistemas políticos.
Preocupado com o radicalismo político com o qual esse
conceito poderia ser tomado, Montesquieu chama a atenção para os limites nos
quais o tema da igualdade deve ser tratado: tanto a perda do espírito de
igualdade como a defesa da igualdade extrema são prejudiciais à democracia, sob
a alegação de que o espírito de igualdade extrema levaria ao questionamento da
própria idéia de representação, pois todos se sentiriam no direito de
“deliberar pelo senado, executar pelos magistrados e destituir todos os juízes”
(Montesquieu, 1963:136).
Vernière (1980:322), assim como Dedieu, observa que, nas
análises de Montesquieu, “o espírito de desigualdade leva a democracia à
aristocracia e à monarquia; o espírito de igualdade extrema, ao despotismo
concebido como um refúgio contra a anarquia” (Dedieu, 1980:258). Aliás, pelas
conseqüências apontadas acima, ambos os autores admitem que Montesquieu teme
mais o espírito de igualdade extrema.
Conforme Dedieu, “a grande originalidade de Montesquieu
será, portanto, o de ter sido o teórico da liberdade política” (Dedieu,
1980:264). Este tema é muito importante para definir os limites normativos da
soberania em Montesquieu, visto que esta deve ser concebida como algo limitado
pelas normas que criaram a comunidade política. Por conta disso, o principal
fator para definir a liberdade é a lei. Nos termos do próprio autor, “liberdade
é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer
tudo que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam
tal poder” (Montesquieu, 1963:179).
Dedieu comenta a reflexão de Montesquieu acerca da confecção
das leis e a necessária salvaguarda de alguns direitos do homem, que são
superiores a qualquer lei humana, citando como exemplos: “a liberdade
individual, a ‘tranqüilidade’, a segurança, a liberdade de pensar, de falar e
de escrever. Existe liberdade, portanto, quando, por um lado, existe respeito
e, por outro, desenvolvimento normal dos direitos do homem” (Dedieu, 1980:277).
Partindo do pressuposto de que é necessário um controle
externo para que os sistemas políticos funcionem a contento, Montesquieu
(1963:180-1) propõe a criação de regras que busquem estabelecer limites aos
detentores do poder — sem o que não há garantia de liberdade dos indivíduos. E
a forma sugerida por Montesquieu — que, aliás, terá grande aceitação teórica e
política posteriormente — é a divisão da esfera administrativa em três poderes:
“o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das
gentes, e o executivo das que dependem do direito civil” (Montesquieu,
1963:180). Isto garantiria o bom funcionamento do sistema político. E
acrescenta que:
[...] pelo primeiro, o príncipe ou o magistrado faz leis por
certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo
segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a
segurança, previne invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas
dos indivíduos. Chamaremos este último de poder de julgar e, o outro,
simplesmente o poder executivo do Estado (Ib.:16).
Segundo Dedieu (Op. cit.:280), é apenas na organização
bem-sucedida da divisão dos poderes e no seu cumprimento pelo sistema político
que Montesquieu vê a possibilidade de garantia da liberdade, ou seja, a
conservação e a harmonia das forças que compõem a sociedade.
Outro autor fundamental para compreender o debate acerca da
organização política das sociedades ocidentais é John Locke. O autor de O
segundo tratado sobre o governo procurou universalizar as suas idéias sobre a
sociedade liberal-burguesa, que emergia com o processo de derrocada do
feudalismo, como se essas idéias valessem para o conjunto da população, quando,
no entanto, o seu conceito de liberdade, propriedade e leis, por exemplo,
estava ligado à emergente sociedade capitalista. Por isso é que, apesar da
evidente ampliação do ponto de vista das proposições políticas, os seus avanços
em termos democráticos são bastante limitados, pois esse autor oculta o tema da
igualdade e limita o tema da liberdade, esta aparecendo recorrentemente ligada
à propriedade.
Aliás, não caracteriza nenhuma negligência afirmar que um
dos grandes esforços teóricos empreendido por Locke, no Segundo tratado sobre o
governo, concentra-se na busca da legitimação do processo de constituição da
propriedade liberal-burguesa, em contraposição ao modelo feudal ou primitivo.
Isto fica evidente já no início da obra, quando o autor procura explicar o
processo que, por meio do trabalho, transforma um bem comum a todos em um bem
particular. Esta valorização do trabalho constituir-se-ia num elemento
fundamental para o desenvolvimento da emergente sociedade burguesa. Neste
sentido é que Laslett afirma que este autor introduz
[...] um motivo para a instauração da sociedade política que
poucos consideraram no contexto das origens políticas, um motivo ao qual
ninguém atribuiu muita importância. De forma abrupta, Locke insere na discussão
o conceito de propriedade (Laslett, 1980: 214-5).
Esta análise também é corroborada por Laski, o qual afirma
que, ao discorrer sobre o papel do Estado, “Locke não teve dificuldade em
considerar que o Estado era feito para proteger os interesses de um homem que,
pelo seu próprio esforço, acumulou bens e propriedades”. Acrescentando que, “se
a propriedade é a conseqüência do trabalho, então ele tem, claramente, todo o
direito à segurança, pois esta é a ‘grande e principal finalidade’ da união dos
homens em comunidade” (Laski, 1973:84).
Laslett comenta que o autor do Segundo tratado sobre o
governo, ao trazer o conceito de propriedade para o centro de sua discussão
sobre a formação do pacto que deu origem à sociedade política, caracteriza esta
como algo que simboliza direitos em sua força concreta; assim, determina que
toda decisão que diz respeito a esta sociedade pode ficar sujeita ao
consentimento dos companheiros, isto é, dos proprietários.
Para Locke, o homem, no Estado de natureza, desfruta de
perfeita liberdade e gozo incontrolável de todos os direitos e privilégios.
Todavia, por natureza, ele tem que preservar a sua propriedade (a vida, a
liberdade e os bens) contra os danos e ataques de outros homens, bem como
julgar e castigar as infrações da lei da natureza (inclusive com a morte,
dependendo do crime).
A passagem do estado de natureza para a sociedade política
ou civil, para Locke, (1690:54) dá-se quando os homens renunciam a esses
poderes, passando-os à sociedade política. Porém, autores como Gough (1980:166)
e Laslett (1980:212) chamam a atenção para o fato de a propriedade, na teoria
lockiana, já existir antes da criação da sociedade política e, portanto, o
pacto que cria a sociedade política tem como objetivo apenas garantir algo que
existia anteriormente.
O tema da igualdade não faz parte das preocupações teóricas
e políticas de John Locke; no máximo, constava do seu vocabulário uma igualdade
formal, que era importante para o capitalismo nascente. Como expoente da
sociedade capitalista que então emergia, as idéias igualitárias não constavam
do seu horizonte de reflexão teórica. De acordo com Gough, na teoria lockiana
[...] só os proprietários eram membros de fato da
comunidade, e é por esta razão que, como condição para herdar a propriedade dos
pais, os filhos precisam admitir o governo. Por outro lado, os trabalhadores
sem terra, embora necessários à comunidade, não eram membros de fato da mesma
e, portanto, seu consentimento era dispensável (Gough, 1980:172).
Macpherson aprofunda a crítica da racionalidade lockiana em
relação ao tema da igualdade, ressaltando que a suposição de igual capacidade
de subsistir por conta própria era necessária para qualquer um que desejasse
justificar a sociedade de mercado. Refletia com bastante acuidade a
ambivalência de uma sociedade burguesa emergente, que precisava de igualdade
formal, mas exigia uma substancial desigualdade de fato.
Sobre o tema da liberdade, Macpherson aponta a contradição
em Locke: este dava um caráter universal a direitos e deveres que estavam
relacionados a uma parcela da população. Macpherson ressalta também que a
individualidade defendida por Locke era a negação da individualidade à parcela
maior do povo. Tratava-se da individualidade dos proprietários. O indivíduo
racional livre, ao qual ele se referia, era o indivíduo proprietário, o
burguês. Daí a importância das suas idéias a partir do século XVII.
Neste sentido é que Laski (1973:112), ao comentar a posição
de Locke a respeito das normas jurídicas que teriam que regulamentar a atuação
do Estado em relação aos indivíduos, observa que estas tinham que se preocupar
fundamentalmente com o cidadão “que conseguiu, ou está conseguindo,
prosperidade; a lei terá de ser a lei que ele considere adequada às suas
necessidades. As liberdades pedidas são as que ele requer”.
Na concepção de Locke (1963:61), a constituição da sociedade
política significa a renúncia à liberdade do estado de natureza e a aceitação
de regras fundamentais para a manutenção e bom funcionamento do pacto fundador
do Estado moderno. Uma dessas regras fundamentais para o funcionamento das
instituições políticas nas democracias ocidentais modernas, até os dias atuais,
é o princípio da maioria, que, obviamente, não deve ser confundido com a
vontade de todos. A maioria à qual Locke se referia, como atesta Laski
(973:110-1), era a maioria dos proprietários — em benefício dos quais o Estado
havia sido criado.
No modelo de organização política da sociedade pensada por
Locke, cabe destacar ainda o papel das leis, que devem ser estabelecidas e
promulgadas com caráter universalizante (para todos) e de acordo com o
interesse geral (legítimas). Por isso, a elaboração deve estar a cargo de
representantes escolhidos pelo povo, os quais sejam capazes de exercer o papel
de legisladores no interesse da vontade geral. E esta, como destacado
anteriormente, refere-se preferencialmente à vontade dos proprietários.
Devido à importância das leis no sistema político pensado
por Locke é que este atribui tanta importância ao poder legislativo. Para o
autor do Segundo tratado sobre o governo, entre os poderes da sociedade
política, o poder legislativo é o que deve ser visto pelo povo como poder
supremo e sagrado. Por isso, a constituição deste poder é tida por este autor
como o primeiro ato fundamental da sociedade, por meio do qual se prevê a união
e a direção de todos e sobre todos os membros da sociedade. Este ato legitima a
criação de um corpo de magistrados que se responsabiliza por fazer leis que
obriguem a todos os membros da coletividade.
Como uma espécie de resumo de sua obra, Locke, no final de
seu Segundo tratado, coloca os elementos fundamentais que fazem os contratantes
abandonar a liberdade que tinham no estado de natureza e, por assim dizer,
aderir à sociedade política. Nos termos de Locke,
O motivo que leva os homens a entrarem em sociedade é a
preservação da sociedade; e o objetivo para o qual escolhem ou autorizam um
poder legislativo é tornar possível a existência de leis e regras estabelecidas
como guarda e proteção às propriedades de todos os membros da sociedade, a fim
de limitar o poder e moderar o domínio de cada parte e de cada membro da
comunidade, pois que não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o
legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam assegurar-se
entrando em sociedade (Id., ib.:140).
Jean-Jacques Rousseau, já no início do Contrato social,
deixa claro que são as convenções que legitimam qualquer autoridade entre os
homens. Afirma o autor: “Visto que homem algum tem autoridade natural sobre
seus semelhantes e que a força não produz nenhum direito, só restam as
convenções como base de toda autoridade legítima existente entre os homens”
(Rousseau, 1999:61).
Este primeiro contrato retira dos homens a liberdade e o
direito ilimitados que tinham no estado de natureza, mas lhes garante a
liberdade civil e a manutenção da propriedade de tudo que possuem. Cabe
ressaltar que a liberdade e a posse no estado natural é limitada pela força, ao
passo que, com o contrato social, a liberdade civil encontra o seu limite na
vontade geral, e a propriedade é garantida pelo título positivo.
Refletindo sobre o processo de direção soberana da
sociedade, o autor afirma que quem tem a prerrogativa de administrar a
sociedade política, que emerge do pacto social, é a vontade geral. É aí, e
apenas aí, que se concentra o direito soberano de zelar pelos destinos
políticos emanados do pacto que estabeleceu a organização do Estado, cujo
elemento principal é a garantia do bem comum; e é este bem comum que determina
as bases sobre as quais esta sociedade deve ser governada. Cabe ressaltar que,
para Rousseau (Id.:86), a soberania não é “senão o exercício da vontade geral”.
Algo indivisível e inalienável, uma vez que deve abranger o corpo do povo. Isto
é visto pelo autor como um princípio fundamental da constituição do pacto
social que estabeleceu este ser coletivo. Portanto, a divisão de poderes não
significa a divisão da soberania.
O processo de elaboração das leis é concebido por Rousseau
como o ato maior da soberania. Por isso, esses sistemas de leis devem ter como
bens superiores dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade. E
argumenta: “A liberdade, porque qualquer dependência particular corresponde a
outro tanto de força tomada do corpo do Estado; e a igualdade, porque a
liberdade não pode subsistir sem ela” (Id., ib.:127).
Todavia, o conceito de liberdade defendido por Rousseau é
totalmente oposto ao conceito de liberdade empregado pelos defensores do
liberalismo. Segundo Cassirer (1980:395), a preocupação de Rousseau, ao
refletir sobre a liberdade, não é libertar o indivíduo em relação à comunidade,
mas apontar o tipo de comunidade que proteja o indivíduo e salvaguarde a
liberdade de todos os membros da organização política nascida do contrato
social
Com relação ao governo, Rousseau o vê como um corpo
intermediário no Estado, posicionado entre o povo e soberano (Op. cit.:141). O
governo é algo que só existe em função do soberano, devendo adotar suas ações a
partir da vontade geral e das leis, como elementos que determinarão a sua
força. Pelo pacto estabelecido para criar a comunidade política, existe apenas
um soberano, que é o conjunto das pessoas, as quais, como corpo, são portadoras
da vontade geral. E, para que não haja o afrouxamento do corpo político, é
necessário que o príncipe submeta suas ações às regras estabelecidas pela
soberania.
Aliás, os conceitos de soberania e vontade geral, em
Rousseau, estão relacionados ao conjunto da sociedade como um corpo político
ativo. É a ação política que caracteriza a coletividade dos indivíduos como um
corpo soberano. Comentando as reflexões de Rousseau a esse respeito, Durkheim
afirma que para esse autor
[...] a vontade geral é infalível, quando é ela mesma. Ela é
ela mesma quando parte de todos e tem como objeto a coletividade em geral
[...]. Ela não pode pronunciar-se nem sobre um homem nem sobre um fato. Com
efeito, o que a torna competente quando se pronuncia sobre o corpo da nação
indistintamente é que, então, é o árbitro e a parte de um mesmo ser considerado
sob dois aspectos. O soberano é o povo no estado ativo; o povo é o soberano no
estado passivo (Durkheim, 1980:365).
Na concepção de Rousseau (Op. cit.:147), a decisão sobre
quem deve governar deve ficar a cargo do soberano, que decidirá sobre a
administração de acordo com o que julgar mais conveniente. O soberano “pode
confiar o governo a todo o povo ou à maior parte do povo, de modo que haja mais
cidadãos magistrados do que cidadãos simples particulares”. Aliás, é na
definição da extensão do governo que Rousseau define a sua forma. Ou seja,
quando o governo é confiado a todo o povo ou à maior parte dele, verifica-se o
governo democrático; quando o governo é confiado a uma pequena parte do povo,
verifica-se o governo aristocrático; e, quando é confiado apenas a um
magistrado, o governo é monárquico.
Rousseau vê a existência de governos como uma espécie de mal
em relação ao qual se deve estar sempre atento, em que pese ao papel que assume
como uma espécie de mediador entre a vontade soberana e os súditos, aos quais
ele deve aplicar-se. Trata-se do intermediário entre o corpo político concebido
como soberano e o corpo político como Estado e, por isso mesmo, também é a
fonte da ruína da sociedade. Segundo Durkheim (1980:375), Rousseau, ao comentar
sobre o governo nas sociedades, afirma que o governo atenta constantemente
contra a soberania, isto é, contra a vontade geral. Isto pode fazer com que o
poder governamental supere o do povo, o que seria a ruína do Estado social.
Devido à preocupação com a possibilidade de usurpação do
poder por uma minoria de representantes, que têm o papel de fazer cumprir as
leis, é que Rousseau defende a democracia como modelo ideal de sistema
político, vendo este sistema como a melhor forma de a vontade geral dominar as
vontades particulares.
É justamente pela sua preocupação com a possibilidade de
usurpação do poder pelos representantes que Rousseau volta-se para Roma, procurando
resgatar as experiências de assembléias populares, que serviam de antídoto
contra a tirania política. Para o autor, as assembléias têm uma importância
fundamental para avaliação e questionamento das posturas assumidas pelo
príncipe. Por isso, devem ser realizadas como mecanismo de salvaguarda do corpo
político, funcionando como freio do governo e reafirmação da soberania popular.
O autor radicaliza sua compreensão sobre o sentido da
representação, ou seja, o que ela acarreta à soberania alcançada com o pacto
político, chegando mesmo a afirmar que, “no momento em que um povo se dá
representantes, não é mais livre, não mais existe” (Id., ib.:188-9).
Como se pode ver, Rousseau é defensor de um modelo de
democracia que sempre se preocupa com a garantia da vontade geral, que não
significa a soma da vontade de todos. Por isso é que ele defende a participação
constante do conjunto das pessoas em assembléias, buscando sempre o consenso. O
que tem que se manifestar nessas assembléias é a vontade geral e não os longos
debates, as dissensões e o tumulto, que são característicos dos interesses
particulares.
Além disso, outra salvaguarda do interesse geral é que não
haja representantes que tomem as decisões pelas pessoas, uma vez que a
soberania não pode se representar sem se destruir. Como afirmam Durkheim
(1980:373) e Jouvenal (1980:422), Rousseau defende a democracia como um modelo
ideal que protege a sociedade política dos usurpadores. No entanto, não
verifica em nenhuma experiência histórica a possibilidade de funcionamento de
um governo tão perfeito, em que governe o maior número e seja o menor número
governado.
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Elielson Carneiro da Silva é doutorando em Ciência Política
da Universidade Estadual de Campinas — Unicamp, e mestre em Sociologia pela
Universidade Estadual Paulista — Unesp, Campus de Araraquara.
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Referências bibliográficas
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In: QUIRINO, Célia Galvão & SOUZA, Maria Tereza Sadak R. de (Orgs.). O
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por tipos e por espécies. In: QUIRINO, Célia Galvão & SOUZA, Maria Tereza
Sadak R. de (Orgs.). O pensamento político clássico, cit.
----------. O contexto social e a constituição do corpo
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(Orgs.). O pensamento político clássico, cit.
GOUGH, J. W. A teoria de Locke sobre a propriedade. In:
QUIRINO, Célia Galvão & SOUZA, Maria Tereza Sadak R. de (Orgs.). O
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----------. A separação de poderes e soberania. In: QUIRINO,
Célia Galvão & SOUZA, Maria Tereza Sadak R. de (Orgs.). O pensamento
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JOUVENAL, Bertrand de. A teoria de Rousseau sobre as formas
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(Orgs.). O pensamento político clássico, cit.
LASLETT, Peter. A teoria social e política dos dois tratados
sobre o governo. In: QUIRINO, Célia Galvão & SOUZA, Maria Tereza Sadak R.
de (Orgs.). O pensamento político clássico, cit.
LASKI, Harold J. O liberalismo europeu. São Paulo: Mestre
Jou, 1973.
LOCKE, John. O segundo tratado sobre o governo. São Paulo:
Ibrasa, 1963.
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