“Jurista sugere criação de Procon
das cadeias para fazer valer a lei para presos
Por Vasconcelo Quadros , iG São
Paulo | 17/12/2013 06:00
"Tem que entrar com ações
indenizatórias por danos morais. Isso é juridicamente possível para qualquer
preso que tiver seu direito desrespeitado", diz Ives Gandra
As autoridades devem aproveitar o
encarceramento em massa dos réus do mensalão para humanizar o sistema prisional
brasileiro. A sugestão é do jurista Ives Gandra Martins. A proposta dele: os
governos devem ser pressionados a agir por um mecanismo que puna pecuniariamente
a violação aos direitos do detento.
"Sugiro a criação de uma
espécie de Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) das cadeias,
destinado a defender os presos através de ações indenizatórias sempre que os
direitos legais não forem respeitados, como manda a Constituição", afirma
Gandra Martins. É o jeito, segundo ele, de tornar todos iguais também na
execução das sentenças e na manutenção da segurança prisional, no estrito
cumprimento da lei para todos os detentos.
Para Gandra Martins, o caos
penitenciário, da mesma forma que ocorria com o consumidor até o surgimento dos
Procons, é resultado de um longo e penoso processo de desrespeito que só será
enfrentado quando o descaso e a omissão resultarem em prejuízos ao Estado.
Ele diz que, em vez de melhorar o
sistema para garantir o cumprimento das penas e a ressocialização, o Estado
iguala todos os presos no gozo das péssimas condições e na indignidade de um
sistema humanamente aético.
"Tem que entrar com ações
indenizatórias por danos morais. Isso é juridicamente possível para qualquer
preso que tiver seu direito desrespeitado", sustenta o jurista. Ele diz
que a histórica omissão só se romperá quando o Estado "sentir no
bolso".
Há dois anos, o mutirão
carcerário coordenado pelo então presidente do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, constatou a
permanência ilegal no sistema de 22 mil presos cujas penas haviam expirado.
O sistema penal brasileiro abriga
atualmente cerca de 550 mil detentos, sobre os quais há milhares de recursos
nas varas de execução penal cobrando providências do estado aos direitos previstos
em lei.
Na visão do jurista, um bom
começo poderia ser uma enxurrada de ações contra os casos em que o detento fica
mais tempo do que o devido na prisão, não alcança o regime semiaberto por falta
de estabelecimentos adequados ou é forçado a viver num ambiente inadequado e
indigno como, por exemplo, numa cela superlotada, onde 20 ocupam espaço onde
cabem quatro.
Como integrante da Anistia
Internacional, enquanto a entidade manteve estrutura no Brasil, durante os anos
de chumbo, o jurista engrossou a luta contra a tortura e a favor de condições
dignas nas prisões. Ele afirma que atualmente boa parte dos detentos que
permanecem presos além do tempo da sentença recebe uma suplementar pena de
“cárcere público” – algo semelhante ao crime de “cárcere privado” a quem
sequestra.
MENSALÃO
A precariedade das prisões passou
a tema da elite com o mensalão. Primeiro foi o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, que, enquanto o STF aplicava amargas penas aos réus da ação
470 , fez um desabafo que soou como solidariedades aos correligionários e justa
indignação contra o sistema sob sua responsabilidade: “Se fosse para cumprir
muitos anos em uma prisão nossa, eu preferiria morrer”, disse Cardozo na
ocasião.
Agora, réus como o ex-ministro
José Dirceu, preocupados com a perda de contato com o mundo exterior,
reivindicam o direito a comunicação escrita – para ser publicada em seu blog –
e acesso a atividades profissionais, artísticas, desportivas e intelectuais cujo
alcance, previsto em lei, é de todos os detentos.
“O Depen (Departamento
Penitenciário Nacional) executa a política prisional e pertence ao Ministério
da Justiça. Ele (José Eduardo Cardozo) tem a caneta na mão para mudar o
sistema. Essa é uma boa oportunidade”, afirma o advogado Luiz Fernando Pacheco,
defensor do deputado José Genoino, provisoriamente cumprindo prisão domiciliar.
Pacheco compara as varas de
execuções penais a “máquinas de moer carne” e afirma que, por falta de
estrutura mínima e de defensores públicos que representem que não tem dinheiro
para contratar bons advogados, detentos enfermos morrem nas prisões sem acessar
direitos. “Essa é uma boa oportunidade de humanizar o sistema prisional como um
todo”, afirma.
Pacheco crê que a omissão dos
governos transforma-se também em um problema de segurança pública. “Abandonado
ao Deus dará, o detento é cooptado por quadrilhas. Se ele entra na prisão por
um delito como tráfico, sai de lá com ‘curso superior’ no crime”, alerta. O
advogado lembra que o descaso com o preso comum foi o embrião que gerou
quadrilhas como Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho, que
ocuparam nas cadeias o espaço negligenciado pelos governos”.
Leia tudo sobre: cadeia • procon
dos presos • sistema prisional
Acesso: 17/12/13
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