quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Vestido de noiva é bem durável e prazo para reclamar de defeitos aparentes é de 90 dias



Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um vestido de noiva, como o vestuário em geral, enquadra-se na categoria de bem durável e, portanto, conforme o Código de Defesa do Consumidor, é de 90 dias o prazo decadencial para reclamação de defeitos aparentes.

A decisão foi tomada na análise de recurso interposto por uma noiva. Segundo o processo, a consumidora comprou o vestido para seu casamento, realizado em agosto de 2006. Porém, uma semana antes da cerimônia, constatou inúmeros defeitos no vestido, reformado às pressas por um estilista brasiliense, contratado à última hora, já que a loja que originalmente havia confeccionado o vestido se negou a realizar os ajustes necessários.

De acordo com os autos, os vícios já haviam sido notados na data da última prova, em julho de 2006, no entanto, após a reclamação da consumidora, nenhum reparo foi feito. Transcorridos 16 dias do casamento, a compradora notificou formalmente a empresa contratada, que dez dias depois negou o alegado vício no produto. A noiva, então, buscou amparo na Justiça.

Decadência

O juiz de primeira instância extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por julgar que o direito da autora teria sido atingido pela decadência. Ele considerou o prazo decadencial de 30 dias previsto no CDC para a reclamação relacionada a bens não duráveis.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) confirmou a sentença. Segundo o colegiado de segunda instância, peças de roupa seriam produtos não duradouros, principalmente um vestido de noiva, “cujo uso se extingue com a realização da cerimônia”.

Bem durável

O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso interposto no STJ, esclareceu que o produto durável é aquele que “não se extingue pelo uso, levando algum tempo para se desgastar”. Salientou que “ao consumidor é facultada a utilização do bem conforme sua vontade e necessidade”, afirmando que “nenhum produto é eterno, pois, de um modo ou de outro, todos os bens tendem a um fim material em algum momento, já que sua existência está atrelada à sua vida útil”.

Assim, Cueva esclareceu em seu voto que o aspecto de durabilidade do bem inclui a noção de que, um dia, ele perderá sua função. Bens duráveis são aqueles que servirão ao consumidor durante um certo tempo, que pode variar em razão de fatores diversos. Por outro lado, bens não duráveis são aqueles de desgaste imediato, que findam com um “único ato de consumo”, como alimentos, remédios e combustíveis.

Valor sentimental

Para o relator, o vestido de noiva é um bem de uso especial, um artigo de luxo, com valor sentimental e características singulares, que desperta desejos e pode ser, inclusive, resultado de esforço especial para a aquisição. “É notório que, por seu valor sentimental, há quem o guarde para a posteridade, muitas vezes com a finalidade de vê-lo reutilizado em cerimônias de casamento por familiares (filhas, netas e bisnetas) de uma mesma estirpe”, acrescentou o ministro.

Ainda de acordo com o relator, “há pessoas que o mantêm como lembrança da escolha de vida e da emoção vivenciada no momento do enlace amoroso, enquanto há aquelas que guardam o vestido de noiva para uma possível reforma, seja por meio de aproveitamento do material (normalmente valioso), do tingimento da roupa (cujo tecido, em regra, é de alta qualidade) ou, ainda, para extrair lucro econômico, por meio de aluguel (negócio rentável e comum atualmente)”, o que demonstra que a vestimenta, como outra qualquer, “sobreviverá a muitos usos”.

CDC

Por isso, segundo o relator, incide o prazo decadencial de 90 dias, previsto pelo CDC, aplicável às reclamações relativas a vícios aparentes ou de fácil constatação em produtos definidos como bens duráveis, contado da data de entrega efetiva do produto.

No caso, explicou Cueva, o bem entregue não estava em perfeito estado e não correspondia ao modelo previamente combinado entre a consumidora e a empresa que o confeccionou. Tal tipo de vício é perceptível pelo “consumidor médio”, e dispensa conhecimento especializado, por decorrer de análise superficial do produto (simples visualização ou uso), cuja constatação é verificável de plano.

Além disso, o relator ressaltou a frustração das expectativas às vésperas da cerimônia e o transtorno pela necessidade de buscar um profissional às pressas que realizasse os consertos indispensáveis para utilização da roupa no casamento. Para o ministro, as circunstâncias do caso demonstram claramente a angústia e a frustração da pessoa que comprou o vestido para uma ocasião tão especial.

Interrupção do prazo

Em seu voto, Villas Bôas Cueva teceu comentários sobre a interpretação do parágrafo 2º do artigo 26 do CDC, segundo o qual, entre os fatores que “obstam a decadência” do direito de reclamar por vícios do produto ou serviço, está “a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor”.

Segundo o ministro, quando a consumidora apresentou notificação extrajudicial à empresa houve interrupção do prazo decadencial.

Cueva explicou que, embora não haja na lei nenhuma forma específica para tanto, a reclamação pode ser apresentada por vários meios: verbal, seja pessoalmente ou por telefone, ou ainda por escrito, via instrumento enviado pelo cartório de títulos e documentos, por carta registrada ou simples, e-mail, fac-símile, entre outros canais.

A jurisprudência do STJ admite que a simples reclamação verbal é suficiente para interromper a decadência, desde que efetivamente comprovada e direcionada a quem interessa.

Quanto à expressão “obstam a decadência” prevista no artigo 26, parágrafo 2º, do CDC, o ministro afirmou versar uma modalidade de interrupção do prazo decadencial, já que “a melhor doutrina assegura maior amplitude à tutela dos consumidores, cuja hipossuficiência, em regra, norteia as opções do legislador”. É que tal interpretação beneficia sobremaneira o consumidor, que dispõe novamente do prazo completo para exercitar seu direito a partir da resposta negativa do fornecedor.

Processo relacionado: REsp 1161941



Fonte: Superior Tribunal de Justiça

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