“Pensamento único
não combina com a democracia
Autor: Nelson Missias de Morais é
desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e secretário-geral da AMB
(Associação dos Magistrados Brasileiros)”.
Agredir
juiz no Brasil está virando mania. Até há pouco tempo respeitava-se a sua
autoridade e decisões, embora isso nunca tenha impedido o justo direito de
recorrer a outra instância contra essa ou aquela sentença. Como é da lei, como
é da democracia e do Estado de Direito.
Nos
últimos dez anos, por conta da crescente judicialização, resultado da
redemocratização do país, paradoxalmente, alguns, quando têm seus interesses
contrariados, passaram a agredir a honra do juiz, a ameaçá-lo e até mesmo a
matá-lo, como aconteceu naquela triste noite de 11 de agosto de 2011, quando a
combativa e dedicada magistrada Patrícia Acioli recebeu 21 tiros da
intolerância com a Justiça. Não há dúvida de que aqueles disparos foram contra
o próprio Estado de Direito.
O
país mudou, está mais democrático, o juiz também mudou e está mais próximo do
cidadão e integrado ao mundo em que vive. Hoje é um profissional que conhece
melhor a realidade brasileira, das capitais e do interior. Está presente e mais
próximo ao cidadão e, mesmo sem segurança, atua de forma dedicada na
pacificação social em todos os rincões do país.
Como
agente político, esse profissional também quer ter vez e voz no processo de
decisões e não é mais aquele que se recolhia ao seu próprio mundo para decidir
sobre o destino dos outros à luz dos limitados códigos, como se a construção
desses não fosse fruto da experiência humana.
Ao
longo do tempo, o magistrado conquistou, legitimamente, o direito de participar
e de se organizar para ser ouvido e dar sua contribuição na melhoria da
qualidade de vida das pessoas e das instituições democráticas. Nesse contexto,
as associações de classe tem um papel fundamental que são, na verdade, o braço
político da magistratura.
Acompanhar
e participar das decisões do Congresso Nacional, como a que criou, por exemplo,
quatro Tribunais Regionais Federais, é legítimo e garantido pela Constituição,
que, por sua inspiração democrática, clama cada vez mais por participação do
cidadão e de suas organizações, até para legitimar as decisões dos três poderes
constituídos.
São
conquistas democráticas que nem o presidente de um poder pode tirar.
Desde
2008, e mais intensamente a partir de 2011, as associações de magistrados têm
pregado no deserto junto aos três poderes constituídos a defesa das melhorias
das condições de trabalho e na própria carreira. Nesse período, conseguiram
apenas 15% de correção nos seus subsídios, em três parcelas anuais, a partir de
janeiro deste ano, ante uma perda inflacionária até aqui de 36%.
Como
outras categorias, ouviram ‘não’ às suas mais justas reivindicações, como o
resgate do adicional por tempo de serviço e a paridade entre ativo e inativo,
pautadas no incentivo e aprimoramento da carreira. Nem por isso desistiram ou
vão desistir de buscar melhorias para todo o sistema, que, ao final, serão
revertidas para o cidadão brasileiro, razão e destinatário final da
distribuição de justiça.
Democracia
é assim mesmo. É a construção coletiva do direito e dos avanços e requer
tolerância, respeito, paciência e, principalmente, diálogo sem o qual prevalece
apenas o poder absoluto de quem se considera acima das leis e da Constituição.
Democracia também é debate, divergência, pluralismo de idéias e opiniões. Numa
democracia plena não há donos do Estado, nem pensamento único, ainda que um ou
outro considere que suas idéias sejam as mais corretas.
Faltam
respeito e valorização a essa classe, que, além de vocacionada, não pode
exercer outra atividade que não a de levar e distribuir justiça por este país,
aonde quer que viva o cidadão, nas mais longínquas comarcas.
O
Judiciário é aquela última instância, última trincheira do cidadão, quando
todos os outros poderes e órgãos falharam ou se omitiram. É aquela voz que a
Constituição cidadã resgatou em favor da preservação dos direitos do fraco
perante os fortes, independentemente de pressões e de poderes econômico e
político. Ninguém poderá silenciá-lo, nem mesmo a força do poder e dos
palácios. Os juízes não são súditos, ao contrário, são protagonistas da prestação
de Justiça e da democracia.
Como
é de conhecimento público, há dez anos tramitava no Congresso Nacional uma
proposta de Emenda Constitucional destinada à criação dos Tribunais Federais,
de modo a diminuir a sobrecarga verificada no 2º grau de jurisdição desse ramo
do Poder Judiciário e facilitar o acesso do cidadão à Justiça.
A
proposta legislativa, de autoria do senador mineiro Arlindo Porto, teve o apoio
das associações de magistrados, da Ordem dos Advogados do Brasil, de
governadores de estado, ministros, senadores e deputados e do próprio Conselho
Nacional de Justiça, órgão responsável pela administração do Judiciário. Foi
votada em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado.
Sua
aprovação não foi “açodada” muito menos “sorrateira”; nem as associações
atuaram na “surdina”, ao contrário, sempre o fizeram de modo público e oficial.
A importância dos novos Tribunais Regionais Federais já foi suficientemente
apontada em estudos e debates feitos ao longo de uma década.
De
acordo com dados de 2011, pelos 1.223 juízes do 1º grau da Justiça Federal são
recebidos 940 mil processos novos por ano, ao passo que no 2º grau, com 134
desembargadores, são recebidos 525 mil.
Se
posicionar contra a proposta sob o argumento de desrespeito à competência da
iniciativa soa mais como atestado de confissão de quem deveria fazê-lo e se
omitiu. Aliás, em se tratando de emenda constitucional não há que se falar em
vício de iniciativa. Enfim, não se trata de uma atuação “sorrateira”.
Representa, acima de tudo, um compromisso com o aprimoramento da Justiça
Federal no Brasil e com o cidadão que reclama por uma Justiça mais próxima e
ágil”
.
http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/artigos/detalhe-47.htm#.UaeFZtKyBx0.
Acesso: 30/5/2013
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