“Tutela inibitória e internet: o processo civil
aplicado na proteção da privacidade
JULIANA
DE CAMARGO MALTINTI
RESUMO: O presente ensaio tem por
objetivo apresentar a Tutela Inibitória (tutela preventiva definitiva) e
discutir o impacto desta tutela jurisdicional na Sociedade da Informação, no
que diz respeito a sua aplicação como técnica processual tendente a impedir, de
forma direta e definitiva, a violação do direito à privacidade (direito à
honra; à imagem; à intimidade; à vida privada) causado pelo avanço tecnológico,
em especial, pela Internet. A sociedade evoluiu, novos direitos surgiram, no
início da década de 90, e estão surgindo através da denominada “revolução
tecnológica”, principalmente pela massificação e ampliação da Internet,
enquanto meio de comunicação rápido e global. Com isso, o Direito passa a
enfrentar alguns desafios na sociedade contemporânea conhecida como Sociedade
da Informação. Pois, apesar da Internet ter trazido uma série de vantagens à
vida moderna, reduzindo as barreiras de tamanho, tempo e distância entre
pesquisadores, empresas e governos, proporcionando o crescimento do
conhecimento, baseado no acesso fácil e rápido à informação. Por outro lado,
acarretou em um indesejável incremento à violação dos direitos à privacidade e
intimidade, visto que tem sido utilizada para a prática de atividades ilícitas,
exigindo a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, ou seja, a prestação
da tutela inibitória na proteção da privacidade.
PALAVRAS-CHAVE: TUTELA INIBITÓRIA – TUTELA PREVENTIVA DEFINITIVA – TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA. TÉCNICA PROCESSUAL ADEQUADA. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – INTERNET. DIREITO À PRIVACIDADE.
ABSTRACT: The present assay has for objective to present the Inibitória Guardianship (definitive preventive guardianship) and to argue the impact of this jurisdictional guardianship in the Society of the Information, in what its application says respect as tending procedural technique to hinder, of direct and definitive form, the breaking right it to the privacy (right to the honor; to the image; to the privacy; to the private life) caused by the technological advance, in special, for the Internet. The society evolved, new rights had appeared, at the beginning of the decade of 90, and is appearing through the called “technological revolution”, mainly for the massificação and magnifying of the Internet, while media global fast e. With this, the Right one passes to face some challenges in the society known contemporary as Society of the Information. Therefore, although the Internet to have brought a series of advantages to the modern life, reducing the barriers of size, time and distance between researchers, companies and governments, providing the growth of the knowledge, based on the easy and fast access to the information. On the other hand, it caused an undesirable increment to the breaking of the rights to the privacy and privacy, since she has been used for the practical one of illicit activities, demanding the installment of an effective jurisdictional guardianship, that is, the installment of the inibitória guardianship in the protection of the privacy.
KEYWORDS: INIBITÓRIA GUARDIANSHIP - DEFINITIVE PREVENTIVE GUARDIANSHIP - EFFECTIVE JURISDICTIONAL GUARDIANSHIP. ADJUSTED PROCEDURAL TECHNIQUE. INFORMATION SOCIETY - INTERNET. PRIVACITY RIGHT.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. A garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e da efetividade da jurisdição – 3. Técnica processual adequada e a sociedade da informação - 4. A tutela inibitória e a efetividade da tutela dos direitos - 5. A tutela inibitória na proteção do direito à privacidade - 6. Conclusão - 7. Referências Bibliográficas.
1.
Introdução
O
presente estudo visa apresentar uma tutela jurisdicional diferenciada, pouco
tratada no Brasil, denominada de tutela inibitória ou tutela preventiva
definitiva, positiva ou negativa, capaz de impedir, de forma direta e
definitiva, a violação do direito material daquele que se socorre ao Poder
Judiciário.
A
Constituição Federal brasileira, dispõe, no artigo 5º, XXXV, que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”,
garantindo o direito de ação, isto é, o direito ao acesso a uma atividade
jurisdicional do Estado, bem como o direito a uma devida resposta do
judiciário. Por isso, este dispositivo constitucional é, ao mesmo tempo, fonte
dos princípios fundamentais da inafastabilidade da jurisdição e da efetividade
da jurisdição, de tal forma que para que se tenha efetividade é necessário que
no menor espaço de tempo o processo confira a quem tem direito tudo aquilo a
que faz jus.
Nota-se
que a Constituição é expressa ao estabelecer o direito de acesso ao Poder
Judiciário para requerer não só uma tutela jurisdicional em razão de violação
de direito, mas também diante de ameaça de sua violação.
Assim, o
dispositivo constitucional garante não apenas um devido processo legal tendente
a uma tutela jurisdicional repressiva, atuada após a lesão do direito, com o
fim de reparar os danos causados ou a sua reintegração, mas também, o acesso a
um processo que visa evitar a lesão do direito, ou seja, uma tutela
jurisdicional preventiva, atuada quando ainda existe apenas a ameaça de lesão
do direito e não sua violação.
A atuação
do Estado-juiz antes da ocorrência do evento lesivo, adotando medidas que
impeçam a sua concretização ou a sua continuação, na maioria das vezes é
tratada em termos de tutela cautelar e tutela antecipada.
Entretanto,
diferentemente do que ocorre com a tutela cautelar e a tutela antecipada, a
tutela inibitória não tem por função evitar a lesão de um direito processual da
parte, impedindo a frustração da eficácia do provimento final.
A tutela
inibitória destina-se a impedir, de forma direta e principal, a violação do
próprio direito material da parte, ou seja, diante de um estado de ameaça de
prática de ato violador de um direito, pode seu titular pedir ao Poder
Judiciário a adoção de medidas que impeçam, de forma definitiva, a prática do
ato contrário aos deveres estabelecidos pela ordem jurídica, ou ainda sua
continuação ou repetição, impedindo a concretização dos atos ameaçados,
fazendo, assim, com que o autor possa usufruir de seu direito in natura.
Até há
pouco tempo a tutela preventiva definitiva só era prevista para casos
específicos, mais ligados à tutela de direitos patrimoniais, como o interdito
proibitório, a ação de nunciação de obra nova e também o mandado de segurança
preventivo, apesar deste não tratar de conflito entre particulares.
Entretanto,
com o advento da Lei 8.952, de 13.12.1994, alterando a redação do artigo 461 do
Código de Processo Civil, sob influência do artigo 84 do Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/1990), viabilizou-se a tutela preventiva definitiva e
genérica, denominada pela doutrina de tutela inibitória, utilizada em qualquer
situação em que haja uma ameaça de violação de direito, na proteção preventiva
de todo e qualquer direito relacionado a uma obrigação de fazer ou não fazer,
posteriormente estendida também às obrigações de entrega de coisa, pela Lei
10.444, de 07.05.2002, que criou o artigo 461-A no Código de Processo Civil.
A
imprescindibilidade de um novo modelo processual é o reflexo da tomada de
consciência de que os direitos precisam ser tutelados de forma preventiva e
genérica, especialmente em razão do advento de novas situações jurídicas
proporcionadas pelo desenvolvimento tecnológico das telecomunicações e da
microeletrônica, em especial pela Internet, impossíveis de serem disciplinadas
pelo ordenamento jurídico.
Para
isso, procurar-se-a, com o presente ensaio, investigar a tutela inibitória
(tutela preventiva definitiva), na busca da chamada “efetividade do processo”,
garantindo todos os direitos estabelecidos pela ordem jurídica, nos termos do
artigo 1º, III, da Constituição Federal, que assegura, além de direitos
patrimoniais, uma série de direitos não patrimoniais, como tutela de direitos
coletivos, individuais e também o direito à privacidade (direito à honra; à
imagem; à intimidade; à vida privada).
2. A
garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e da
efetividade da jurisdição
A
Constituição Federal brasileira dispõe, no artigo 5º, XXXV, que “a lei não
excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Isto significa que
todos têm direito a uma prestação jurisdicional efetiva, ou seja, a ação é um
direito fundamental a uma jurisdição efetiva.
Embora o destinatário
principal desta norma seja o legislador[1],
o acesso à justiça atinge a todos indistintamente, não podendo o legislador,
assim como o administrador e o julgador, impedir que o jurisdicionado vá a
juízo deduzir uma pretensão[2].
Assim,
seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando uma
pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia satisfazê-la, torna-se
necessário à atuação do Estado na prestação da tutela jurisdicional, através do
instrumento processual, a fim de propiciar às partes “acesso à ordem jurídica
justa[3]”.
Isto quer
dizer que o acesso à justiça não significa apenas a possibilidade de ingresso
em juízo ou a mera admissão ao processo[4].
É necessário que se tenha efetivo acesso à justiça, ou seja, todos possuem
direito a uma devida resposta do judiciário.
Portanto,
o disposto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição é, ao mesmo tempo, fonte
dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da efetividade da jurisdição[5].
É
importante esclarecer que a tutela jurisdicional efetiva não pode ser
confundida com a celeridade processual, prevista no artigo 5º, LXXVIII, da
Constituição Federal.
Não há
dúvida de que um dos grandes problemas da justiça atualmente está na morosidade
da prestação jurisdicional. Entretanto, a efetividade jurisdicional, não se
resume a isto, pressupõe, de um lado, o equilíbrio entre a celeridade
processual ou duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII) e segurança
processual e, do outro, a denominada máxima coincidência ou processo de
resultados. Esta máxima coincidência é demonstrada na fórmula de Chiovenda,
para quem “Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há
um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire”[6].
Com isso,
a simples celeridade é insuficiente para alcançar a almejada efetividade. O
penoso tempo entre o exercício da ação e a satisfação do direito material não
pode servir de desculpa para o detrimento de outras garantias constitucionais,
tais como a segurança processual, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º,
LV), visto que a celeridade é apenas mais uma das garantias que compõem o
devido processo legal (art. 5º, LIV)[7],
pois, caso contrário, estaríamos diante da insegurança jurídica.
Nesse
sentido, o professor Rodrigo da Cunha Lima Freire, com quem concordamos,
entende que: “só existe jurisdição efetiva quando esta é, ao mesmo tempo,
tempestiva e eficaz no plano material. Portanto, a efetividade da jurisdição
exige que, no menor espaço de tempo possível, o processo confira a quem tem
direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que faz jus”[8].
Daí a
idéia de que nem sempre as partes possuem interesse em uma tutela jurisdicional
dirigida à reparação do dano, pois, muitas vezes, o que se pretende é impedir a
prática, a continuação ou a repetição do ilícito, de forma a concretizar os
direitos fundamentais e invioláveis do cidadão. Pois o jurisdicionado tem
direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada[9],
seja preventiva ou reparatória. Não basta o direito à tutela jurisdicional.
É
fundamental que o juiz tenha consciência dessa realidade, a fim de aplicar o
procedimento adequado ao caso concreto como decorrência do direito à tutela
jurisdicional efetiva.
3. Técnica processual adequada e a sociedade da informação
Nas
últimas décadas o mundo vem experimentando constantes transformações,
especialmente em função da aceleração dos mecanismos de difusão das informações,
potenciados pelo desenvolvimento tecnológico das telecomunicações e da
microeletrônica, os quais rompem fronteiras culturais, políticas e econômicas.
A
facilitação do acesso à informação pelos diversos meios de comunicação, em
especial pela Internet[10],
vem modificando substancialmente as relações sociais, econômicas e jurídicas,
razão pela qual estamos vivendo na denominada Sociedade da Informação[11],
caracterizada pelo surgimento de complexas redes profissionais e tecnológicas
voltadas para a produção e para o uso da informação, a fim de gerar
conhecimento e, por conseqüência, riqueza.
A
Internet trouxe o mundo para dentro de nossos lares, através do acesso fácil,
rápido e global das informações, proporcionando o crescimento do conhecimento
pelas pesquisas. As pessoas podem, inclusive, receber as notícias no exato instante
em que os fatos ocorrem.
Por outro
lado, o avanço tecnológico trouxe sérias preocupações a toda comunidade
jurídica, diante da ausência de regras disciplinadoras da Internet. Um dos
maiores problemas a ser enfrentado pela doutrina refere-se à facilidade que a
Internet propicia na violação da intimidade e da privacidade.
Nos
dizeres de Guilherme Tomizawa:
a internet trouxe consigo um
conflito que pode atingir dimensões imprevisíveis: de um lado, há o direito à
liberdade de informação e imprensa, previsto na Constituição Federal de 1988,
considerado um direito fundamental do homem e ponto de referência de todas as
liberdades reconhecidas na Carta das Nações Unidas, que garante a livre manifestação
do pensamento, a livre expressão da atividade intelectual, artística,
científica, etc. De outro lado, porém, há outro direito, o direito à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, também assegurado pela mesma
Constituição Federal de 1998. O conflito surge no momento em que a era
informacional capacita o mercado para rastrear a vida do cidadão, conhecer seus
hábitos, suas preferências, suas posses, suas finanças, livros que lê, jornais
que assina, coisas que compra, etc, e, com estas informações, montar um banco
de dados que possibilita, entre outras coisas, o envio de propagandas,
informações, enfim, todo tipo de informe publicitário. Esta é uma afronta ao
direito de ser deixado em paz[12].
E, ainda,
complementa o autor, “verifica-se, hodiernamente, que no meio navegável
eletrônico, dados pessoais, propagandas ou imagens não autorizadas são livremente
veiculadas denegrindo e maculando a intimidade e a vida privada de outrem[13]”.
As
mudanças provocadas pela Sociedade da Informação trazem a necessidade do
direito regular as novas relações jurídicas surgidas. Torna-se cada vez mais
urgente a inserção das ciências jurídicas, a fim de proporcionar questões
satisfatórias às novas exigências e necessidades do ser humano.
Nesse
sentido, afirma Sérgio Cruz Arenhart:
A sociedade evolui, trazendo
novos paradigmas do Direito, novos direitos a serem reconhecidos e novas
situações a serem enfrentadas. Justamente com esta evolução, o processo é
sempre conclamado a adaptar-se às circunstâncias e a oferecer formas de tutela
adequadas a tais novas situações[14].
Diante
das novas relações jurídicas, surge o Direito na Sociedade da Informação, no
qual o operador do direito deverá atuar ativamente a fim de fornecer elementos
normativos capazes de solucionar os conflitos criados pela Internet.
Assim,
ainda que o Direito não tenha capacidade de acompanhar a dinâmica da Internet,
é imprescindível adaptar-se as mudanças sociais, uma vez que a atuação do
Direito depende do conhecimento da realidade para poder ordenar as relações
entre os cidadãos. O papel do jurista é tornar o abismo que separa a realidade,
o direito e o processo o menor possível, dotando o sistema jurídico de soluções
às novas situações reais, de forma mais breve possível[15].
Portanto,
a transformação da sociedade e o surgimento de novas relações jurídicas exigem
que o processo civil seja adaptado às novas realidades e à tutela das várias, e
até então desconhecidas, situações de direito substancial, uma vez que sua
principal função é o dever de atender aos desígnios do direito material e estar
atento à realidade social, a fim de propiciar a efetividade jurisdicional. Pois
o processo é uma técnica processual que deve estar sempre a serviço da
efetividade.
Isto
significa que diante da dinâmica da sociedade, o juiz está autorizado a
encontrar a técnica processual mais adequada às necessidades do direito
material. E, estas técnicas, devem ser subordinadas ao direito fundamental à
jurisdição efetiva. Não existe técnica única para servir a todos os perfis do
direito material.
Ensina o
professor Luiz Guilherme Marinoni:
Se as tutelas dos direitos
(necessidades no plano do direito material) são diversas, as técnicas
processuais devem a elas se adaptar. O procedimento, a sentença e os meios
executivos, justamente por isso, não são neutros às tutelas (ou ao
direito material), e por esse motivo não podem ser pensados a sua distância.
De modo que não há como adiar a identificação e, portanto, a classificação das
tutelas. Apenas assim se poderá pensar na técnica processual civil adequada. Na
verdade, para que a relação entre o processo civil e o direito material não
fique somente no discurso (que então seria meramente retórico), é urgente
classificar as tutelas. É preciso perceber que, diante do direito processual
contemporâneo, a classificação das sentenças somente ter razão de ser quando
pensada a partir da classificação das tutelas[16].
Daí surge
a necessidade das tutelas específicas, tendo como espécie a tutela preventiva
definitiva, denominada Tutela Inibitória, fruto do direito fundamental à
jurisdição efetiva, capaz de conferir tutela jurisdicional adequada às novas
situações jurídicas, freqüentemente de conteúdo não patrimonial ou
prevalentemente não patrimonial, em que se concretizam os direitos fundamentais
do cidadão.
A tutela
inibitória exige a estruturação de um procedimento autônomo, que desemboque em
uma sentença que possa impedir a prática, a repetição ou a continuação da violação
da intimidade e da privacidade praticados pela internet.
Desta
forma, atualmente, a finalidade do processo é a prestação da tutela
jurisdicional efetiva, de modo que os procedimentos tornam-se menos
importantes.
Explica o
professor José Roberto dos Santos Bedaque:
O sistema processual não deve ser
concebido como uma camisa-de-força, retirando do juiz a possibilidade de adoção
de soluções compatíveis com as especificidades de cada processo. As regras do
procedimento devem ser simples, regulando o mínimo necessário à garantia do
contraditório mas, na medida do possível, sem sacrifício da cognição
exauriente. (...) É preciso, todavia, que o processualista não perca de vista a
função indiscutivelmente instrumental desse meio estatal de solução de controvérsias,
para não transformar a técnica processual em verdadeiro labirinto, em que a
parte acaba se arrependendo de haver ingressado, pois não consegue encontrar a
saída. O mal reside, portanto, no formalismo excessivo[17].
Portanto,
o direito processual deve proporcionar mecanismos adequados à efetivação do
direito, ou seja, não basta o reconhecimento formal de um direito, é preciso
reconhecer este direito de forma efetiva através da tutela adequada, caso
contrário, significa não oferecer tutela ao direito em questão. Por isso, as
tutelas dos direitos materiais devem ser pensadas nas perspectivas das técnicas
processuais adequadas, para, a partir daí, se extrair a máxima efetividade do
processo.
4. A tutela inibitória e a efetividade da tutela dos direitos
A tutela
inibitória é fundamental para a efetividade da tutela dos direitos não
patrimoniais, denominados “novos direitos”[18],
como a proteção da privacidade na Sociedade da Informação.
O direito
à privacidade, em um sentido genérico e amplo, envolve todas as manifestações
da esfera íntima, da privada e da personalidade, consagrados no texto
constitucional, como direitos a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas[19].
Estes
direitos de conteúdo não patrimonial, dependem de obrigações continuativas de
não fazer, ou de obrigações de fazer infungíveis, dificilmente passíveis de
execução através das formas tradicionais.
Além
disto, tais direitos, quase sempre conflitam com outros direitos igualmente
assegurados na Constituição Federal. Assim, por exemplo, o direito à
privacidade pode entrar em choque com o direito à liberdade de informação,
ambos considerados direitos fundamentais (art. 5º, X, V, IX e XIV). Neste caso,
cabe ao juiz solucionar o conflito entre dois direitos, que deve ser eliminado
através da regra da aplicação da proporcionalidade[20].
A
Internet, muitas vezes, é causa da colisão entre direitos fundamentais diferentes
(direito à privacidade e direito à liberdade de informação). A solução para
tais colisões, segundo Robert Alexy[21],
depende do caso concreto, mediante a ponderação dos direitos em jogo, o que
acaba reconduzindo a proteção ao núcleo fundamental ao próprio princípio da
proporcionalidade.
Por isso,
os direitos da personalidade não podem ser garantidos por uma tutela
ressarcitória, ou seja, que atue apenas após a lesão do direito. A natureza não
patrimonial dos “novos direitos” exige a tutela ao direito do próprio bem.
Assim,
ensina o professor Luiz Guilherme Marinoni, “admitir que tais direitos somente
podem ser tutelados através da técnica ressarcitória é o mesmo que dizer que é
possível a expropriação destes direitos, transformando-se o direito ao bem em
direito à indenização”.(...) E completa: “uma tal expropriação seria absurda
quando em jogo direitos invioláveis do homem[22]”.
Nesse
mesmo sentido, diz Andrea Proto Pisani[23]:
O surgimento das novas relações
jurídicas, próprias à sociedade de massa, também revela a fragilidade do
sistema fundado na técnica ressarcitória. O direito à saúde, o direito ao meio
ambiente saudável, os direitos do consumidor, não podem ser efetivamente
tutelados através da tutela ressarcitória. A natureza não patrimonial dos
“novos direitos” é incompatível com o simples ressarcimento. A tutela
ressarcitória diz respeito ao patrimônio; não ao direito ao bem. Desta forma, a
tutela ressarcitória, por definição, mostra-se incapaz de assegurar os “novos
direitos”.
Portanto,
o comportamento ilícito, envolvendo os “novos direitos”, caracterizado,
normalmente, como atividades de natureza continuativa e repetitiva, como a
difusão de notícias lesivas à privacidade de alguém, exige a prestação de uma
tutela capaz de evitar a proliferação de ilícitos.
Assim,
para impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, surge a tutela
inibitória, definida pelo professor Luiz Guilherme Marinoni:
a tutela inibitória, configurando-se
como tutela preventiva, visa a prevenir o ilícito, culminando por
apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e não como uma
tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória. Quando
se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim impedir a
prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à
reparação do dano[24].
A imprescindibilidade
da tutela inibitória é o reflexo da tomada de consciência de que os direitos
precisam ser tutelados de forma preventiva e genérica, especialmente em razão
do advento de novas situações jurídicas proporcionadas pelo desenvolvimento
tecnológico das telecomunicações e da microeletrônica, em especial pela
Internet, impossíveis de serem disciplinadas pelo ordenamento jurídico. O
processo deve adaptar-se a esses “novos direitos”, a fim de oferecer formas de
tutela adequadas às novas situações reais, na busca da chamada “efetividade do
processo[25]”,
garantindo todos os direitos estabelecidos pela ordem jurídica, nos termos do
artigo 1º, III, da Constituição Federal, que assegura, além de direitos
patrimoniais, uma série de direitos não patrimoniais, como tutela de direitos
coletivos, individuais e também o direito à privacidade (direito à honra; à
imagem; à intimidade; à vida privada).
5. A tutela inibitória na proteção do direito à privacidade
A
evolução social e tecnológica, em função da aceleração dos mecanismos de
difusão das informações proporcionados, especialmente, pela Internet, permite
um contato mais próximo das pessoas e, por conseqüência, a violação mais
freqüente de sua esfera íntima. Em nome do direito à informação, a pessoa é
devassada em sua vida particular, na busca pela melhor notícia, imagem, segredo
ou por aquela de maior impacto.
Surge a
necessidade de adequação do direito às novas situações, no intuito de preservar
o mínimo da esfera de privacidade do ser humano, impedindo sua confusão com o
ente social.
De Cupis
advertia para a proteção dos direitos da personalidade: “La persona è al centro
del diritto; e il diritto civile è il suo primo centro d’ irradiazione[26]”
A
Constituição Federal, no artigo 5º, X, estabelece que: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Dá-se
importância aos direitos de conteúdo não patrimonial, tais como os direitos da
personalidade, inerentes à pessoa e à sua dignidade (art. 1º, III, CF).
Para
Maria Helena Diniz, os direitos da personalidade são:
direitos subjetivos da pessoa de
defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida,
alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes
separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de
pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral
(honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade
pessoal, familiar e social)[27].
Dentre os
direitos da personalidade, destaca-se o direito à privacidade que, em um
sentido genérico e amplo, envolve todas as manifestações da esfera íntima, da
privada e da personalidade, consagrados no texto constitucional como direitos a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas[28].
A
privacidade[29]
é “o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob
seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que
condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito[30]”.
A esfera de inviolabilidade é ampla, “abrange o modo de vida doméstico, nas
relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem,
pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros do indivíduo[31]”.
São
inegáveis as conquistas proporcionadas pela disseminação da Internet. Porém, em
contraposição, a Internet surge trazendo preocupações a toda comunidade
jurídica, uma vez que propicia facilmente a violação da intimidade e da
privacidade das pessoas.
Isto
porque, este meio de interação possibilita o monitoramento de todos os passos
do internauta. Assim, a cada operação realizada, se seguida, podem informar
sobre seus dados pessoais, contas bancárias, hábitos de compra, interesses,
preferências, tornando-se alvo de fácil manipulação.
Nesse
sentido, esclarece Arthur Miller:
(...) o computador, com sua
insaciável sede de informação (...) chegará a ser o centro de um sistema de
vigilância permanente que converterá a sociedade em que vivemos num mundo
transparente, em que nossa casa, nossas finanças, nossas associações e
instituições, nossa condição física e mental aparecerá una a qualquer
observador[32].
Desta
forma, é evidente que a Internet constitui ameaça à intimidade e à privacidade.
Costa Junior, afirma que:
(...) o mais desconcertante é
tomar conhecimento de que as pessoas, condicionadas pelos meios de divulgação
da era tecnológica sentem-se compelidas a renunciar à própria intimidade. O
conceito de vida privada, como algo precioso, parece estar sofrendo uma
deformação progressiva em muitas camadas da população. Realmente, na moderna
sociedade de massas, a existência da intimidade, privatividade, contemplação e
interiorização vem sendo posta em xeque, numa escala de assédio crescente, sem
que reações proporcionais possam ser notadas[33].
Para a
defesa desses “novos direitos” torna-se inviável a indenização por perdas e
danos, a fim de reparar o dano causado, uma vez que tais direitos exigem a
prestação de uma tutela jurisdicional capaz de protegê-los de forma imediata e
preventiva (tutela inibitória), agindo, portanto, não após, de maneira
sancionatória (tutela repressiva), mas antes da prática do ato
antijurídico.
Segundo
os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:
Quando se pensa em tutela
inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim impedir a prática, a
continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à reparação do
dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção da prática, da
continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela ressarcitória é
saber quem deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano
ressarcível ter sido produzido ou não com culpa[34].
A
Constituição Federal, fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), não
só garante uma série de direitos não patrimoniais, como afirma expressamente no
artigo 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”, ou seja, assegura, além de um devido processo legal
tendente a tutela jurisdicional repressiva, atuada após a lesão do direito, o
acesso à tutela jurisdicional preventiva, diante da ameaça de violação do
direito.
A tutela
preventiva é requerida via ação inibitória, constituindo ação de cognição
exauriente. Nada impede, contudo, que a tutela inibitória seja concedida
antecipadamente, no curso da ação inibitória, como tutela antecipatória, o que
acontece em grande número de casos, já que apenas a inibitória antecipada
poderá corresponder ao que se espera da tutela preventiva[35].
A
inibitória, postulada diante de qualquer tipo de direito, destina-se a evitar,
de forma direta e principal, a violação do próprio direito material da parte,
através de uma decisão ou sentença capaz de impedir a prática, a repetição ou a
continuação do ilícito, fundamentada nos artigos 461 e 461-A do Código de
Processo Civil e artigo 84 do Código de Defesa do Consumido.
Esta
tutela preventiva tem sido incluída pela doutrina como espécie autônoma de
classificação das tutelas, aderente à situação material. Pois, atualmente, não
é possível estudar o processo sem uma técnica específica para o direito
material. A tutela jurisdicional dos direitos da personalidade exige técnica
específica, qual seja, a tutela inibitória, mecanismo adequado para a proteção
genérica e específica, de cognição exauriente e definitiva, apta a solucionar
fática e juridicamente o conflito de interesses dos direitos invioláveis dos
cidadãos, como os direitos da personalidade, uma vez que tais direitos são
insuscetíveis de traduzir-se em termos econômicos.
Assim,
considera Barbosa Moreira[36]:
(...) em grande número de
hipóteses, a tutela específica é a única, na verdade, capaz de
aproveitar ao credor; ou, pelo menos, entre o proveito que ela lhe assegura e o
proveito que lhe poderá proporcionar qualquer outra modalidade de tutela medeia
distância tão considerável, que a mera outorga de tutela não específica quase
se resolve, na prática, em denegação de tutela. Quando o benefício a que faz
jus o credor é de natureza puramente econômica, e as conseqüências da lesão
suscetíveis de ser eliminadas, a restauração do estado anterior e a composição
dos danos porventura causados podem representar, ao menos em certa medida,
solução satisfatória. Fora daí, porém, não raro acontecerá que a redutio in
pristinum se mostre impraticável, e o benefício não tenha ‘equivalente’. É
o que as mais das vezes se dá no campo dos direitos da personalidade e nos
‘interesses coletivos’: uma vez divulgado o fato da vida íntima que se devia
manter em segredo, ou destruída a rocha que aformoseava a paisagem, toda
providência de caráter sancionatório constituirá, simplesmente, para o lesado
em seu direito à intimidade, ou para a comunidade das pessoas interessadas na
preservação das belezas naturais, melancólico ‘prêmio de consolidação’”.
No
entanto, é notória a deficiência em relação à tutela inibitória (tutela
preventiva) no direito brasileiro, apesar de ser a tutela jurisdicional
adequada aos direitos da personalidade.
Isto
porque, para uma efetiva tutela dos direitos da personalidade é necessário o
uso de um provimento imediato e, ainda, que seja outorgado ao lesado seu
idêntico interesse violado. A honra, por exemplo, uma vez violada, jamais
poderá ser restaurada em sua forma primitiva.
A este
propósito, são as palavras de Giacobbe[37]:
(...) a lesão da esfera da
personalidade do sujeito, pelas características que desta são típicas, não
consente dilações na intervenção da tutela e, uma vez realizada, não pode ser,
de regra, removida com provimentos sucessivos de garantia dos direitos da
personalidade, podendo-se conseguir, ao menos em regra, apenas através da
adoção de medidas preventivas de tutela. Sob este aspecto não devem ser
olvidadas aquelas posições sobretudo da doutrina, que propugna um repensar – de
iure condendo – da disciplina dos direitos da personalidade, em ordem à
tutela em relação às lesões que possam ser determinadas, sobretudo com
referência à matéria da colheita e difusão das notícias que hoje se põem como o
terreno mais delicado de agressão à esfera da personalidade do sujeito.
Portanto,
é imprescindível a tutela preventiva, denominada de tutela inibitória, na
proteção da privacidade frente à Internet, uma vez que consiste na tutela
jurisdicional adequada às novas situações jurídicas. Entretanto, não podemos
deixar de lado os provimentos reparatórios, já que a tutela preventiva não pode
ser efetivada sempre. Porém, é necessário esclarecer que tais medidas
reparatórias são mecanismos secundários, somente recorríveis quando não for
possível proteger o direito através da tutela preventiva.
Lembramos
o ensinamento de Gilberto Dupas, no tocante ao crescimento da tecnologia e o
uso inevitável da Internet:
Se não formos capazes de
subordinar o desenfreado avanço tecnológico à moderação da moral e da razão –
ou seja, ao bom uso da autodeterminação -, nossa espécie poderá estar
pavimentando o caminho do poema de Robinson Jeffers: Um dia a Terra vai-se
coçar, e sorrir, e sacudir para fora a humanidade[38].
6. Conclusão
Nas
últimas décadas o mundo vem experimentando constantes transformações, potenciados
pelo desenvolvimento tecnológico das telecomunicações e da microeletrônica.
A
facilitação do acesso à informação pelos diversos meios de comunicação, em
especial, pela Internet, vem modificando substancialmente as relações sociais,
econômicas e jurídicas. Vive-se hoje uma verdadeira revolução tecnológica.
São
indiscutíveis as conquistas advindas da disseminação da Internet. Ela trouxe
uma série de vantagens para a vida moderna; reduziu as barreiras de tamanho,
tempo e distância entre pesquisadores, empresas e governos, proporcionando o
crescimento do conhecimento, baseado no acesso fácil e rápido à informação.
Por outro
lado, a Internet surge trazendo sérias preocupações à comunidade jurista,
diante da ausência de regras. Uma das principais questões discutidas, refere-se
ao incremento à violação dos direitos à privacidade e à intimidade. Pois a era
informacional possibilita o rastreamento da vida do cidadão, ou seja, permite
que seus hábitos, interesses, preferências, finanças, sejam conhecidos por
todos os internautas.
Porém, é
certo que a evolução tecnológica é irreversível. Assim, a transformação da
sociedade e o surgimento de novas relações jurídicas exigem que o processo
civil seja adaptado às novas realidades jurídicas, uma vez que sua principal
função consiste no dever de atender aos desígnios do direito material e estar
atento à realidade social, a fim de propiciar a efetividade jurisdicional.
Daí a
necessidade do presente estudo que teve por finalidade suscitar a utilização e,
eventuais, discussões sobre a tutela jurisdicional diferenciada, pouco tratada
no Brasil, denominada de tutela inibitória, capaz de atender aos direitos da
personalidade, de forma efetiva.
Isto
porque a tutela inibitória, caracterizada como uma tutela jurisdicional
preventiva, consiste na técnica processual adequada tendente a impedir a
prática, a continuação ou a repetição, de forma direta e definitiva, da
violação do direito à privacidade (direito à honra; à imagem; à intimidade; à
vida privada), causado pelo avanço tecnológico, em especial, pela internet, na
Sociedade da Informação, nos termos do artigo 461 do Código de Processo Civil.
Portanto, a tutela inibitória visa prevenir o ilícito, apresentando-se como uma
tutela anterior à sua prática, e não uma tutela dirigida à reparação do dano”.
7.
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Juliana de Camargo Maltinti é mestranda em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (Uni-FMU/SP). Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD/SP). Advogada em São Paulo.
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