“Criança
e adolescente.
Participação e protagonismo na democracia
brasileira
Helio Feltes
Filho: Advogado privado e assessor jurídico
do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Novo
Hamburgo, RS). Formado pela UNISINOS e pós-graduando em Ética, Educação e
Direitos Humanos pela UFRGS.
Elaborado em 08/2013.
Na condição de
sujeitos de direito, detentores de garantias fundamentais, crianças e
adolescentes têm o direito e o dever de participar de instâncias políticas
deliberativas, sobretudo quando estas têm o propósito de definir políticas
endereçadas a esse mesmo público.
Resumo: O
objeto deste paper é abordar a participação efetiva e legitimada de crianças e
adolescentes em instâncias de decisões políticas, no contexto da democracia
brasileira. Isto porque – em que pese a condição de incapacidade deste público
(total e/ou parcial) para a prática de atos da vida civil, e a inexistência, no
âmbito constitucional, de direitos políticos aos menores de dezesseis anos,
implicando, assim, na impossibilidade de alistamento eleitoral de modo a
afastar condições de elegibilidade e possibilidade de escolha em sufrágio
universal – vemos a emergência de um conceito recente a ser respeitado, que é o
protagonismo infanto-juvenil, fruto da condição de sujeitos de direito trazida
pela Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), somado às
disposições da recente Lei nº 12.852/2013 (Estatuto da Juventude). Assim,
buscar-se-á alinhar alguns institutos e ditames normativos, a fim de embasar a
conclusão de que a participação ativa e propositiva deste segmento social no
jogo democrático – mormente quanto às discussões que lhe atinjam diretamente –
é um direito fundamental, impondo-se, por isso, o seu respeito e garantia de
concretização.
Palavras-chave: Direito. Democracia. Direitos Políticos
e Direitos Fundamentais. Estatuto da Criança e do Adolescente. Protagonismo.
Sumário: Introdução. 1. Conselhos de Direito e
Políticas no campo democrático. 2. Breves considerações sobre cidadania e
direitos políticos. 3. Sobre a capacidade para os atos da vida civil e o
exercício de direitos. 4. Criança e adolescente, sujeitos de direito. 5. Do
protagonismo infanto-juvenil. 5.1. Conceitos e normatizações. 5.2. Do
protagonismo juvenil na Lei nº 12.852/2013 – Estatuto da Juventude. 6. Ato
infracional: responsabilização do adolescente por suas escolhas. 7. Da condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento. 8. Conclusão. 9. Referências.
INTRODUÇÃO
O processo democrático enseja uma
infinidade de abordagens. Para este trabalho, insta balizar o debate no que se
refere à forma de participação legitimada de crianças e adolescentes em
instâncias de decisões políticas, no caso, junto aos Conselhos de Direito e de
Políticas, uma forma de participação direta da sociedade civil na gestão
pública.[1]
Experiências
assim, de gestão através de Conselhos, surgiram no ambiente da ditadura
militar, mas tiveram avanço significativo a contar da Constituição Federal de
1988, que firmou a base jurídica para a concretização desta forma de
participação e controle social.
O presente trabalho partirá de uma
análise da democracia participativa praticada através destes órgãos colegiados
(desde a CF/88), abordando-se a implantação deste sistema em 1990 no campo das
políticas voltadas à criança e ao adolescente, conforme diretrizes adotadas
pela Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).[2]
O problema a ser enfrentado na pesquisa
diz respeito ao aparente paradoxo entre as normas que consagram a proteção
integral à criança e ao adolescente, elevando-osà condição de sujeitos de
direito, capazes de exercer atos de cidadania e participação política – com
destaque para os artigos 227 da CF/88, 3º, 15 e 16 do ECA, Resoluções e
orientações do CONANDA[3], além de instrumentos internacionais da
Organização das Nações Unidas (ONU) – e os dispositivos legais que, por sua
vez, suprimem a capacidade civil para o menor de 16 anos e conferem direitos
políticos somente a partir dos 16 anos, previsões estas que se observam nos
artigos 3º e 4º do Código Civil e artigo 14 da CF/88.
A verdade é que, embora os
menores de 16 anos sejam enquadrados pelo Código Civil como incapazes para os
atos da vida civil, e pela Magna Carta, não serem contemplados com direitos
políticos, há que se considerarem os novos paradigmas trazidos pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, notadamente a condição de cidadania e titulação de
direitos fundamentais, conforme dispositivos que desde já, cabem ser
transcritos:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam
de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Art. 15. A criança e o adolescente têm
direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade
compreende os seguintes aspectos:
II - opinião e expressão;
VI - participar da vida política, na
forma da lei;
A
condição de sujeitos de direitos resulta na possibilidade de participação ativa
da criança e do adolescente nas questões que lhes dizem respeito, seja no
âmbito familiar, comunitário ou político.
Advém
daí a ideia do protagonismo infanto-juvenil, que se traduz num grande desafio a
ser vencido por uma sociedade adulta, moldada na cultura menorista, da
criança-objeto.
Assim,
a pesquisa será feita com base em conceitos doutrinários, análise da
legislação, Resoluções, relatórios e demais instrumentos, inclusive
internacionais, buscando compor um convívio harmônico no mundo jurídico, ao
efeito de concluir pela necessidade de garantir a concretização deste direito
fundamental da criança e do adolescente, que é o protagonismo sobre suas
próprias vidas, o que enseja a participação ativa destes sujeitos em decisões
de caráter político a eles relacionadas.
Ou seja, em que pese as disposições dos
artigos 3ºe 4º do Código Civil e do artigo 14 da CF/88, a criança e o adolescente
podem e devem participar do processo democrático e político num sentido amplo,
o que nos permite falarmos em direitos políticos infanto-juvenis.
1. CONSELHOS DE
DIREITO E POLÍTICAS NO CAMPO DEMOCRÁTICO:
A
Constituição Federal de 1988 apresentou enormes avanços em relação aos direitos
sociais, introduziu instrumentos de democracia direta (plebiscito, referendo e
iniciativa popular), instituiu a democracia participativa e abriu a
possibilidade da criação de mecanismos de controle social, como, por exemplo,
os conselhos de direitos, de políticas e de gestão de políticas sociais
específicas.
Neste
novo ambiente democrático, portanto, o exercício da cidadania não se
circunscreve apenas à possibilidade de escolha de representantes políticos, mas
da efetiva participação da sociedade na gestão pública.
Segundo
FARIA e RIBEIRO (2010):
O
retorno à democracia no Brasil, no fim do século passado, foi marcado pelo
esforço singular de vinculá-la, não só ao aperfeiçoamento das instâncias
tradicionais de participação, mas também à ampliação e a institucionalização de
novos espaços participativos. A Constituição Federal de 1988 revelou-se, neste
sentido, o ponto de partida deste esforço. Como se sabe, a partir daí uma nova
legislação participativa foi implementada, viabilizando a abertura e a
posterior institucionalização de um conjunto de novos canais de participação.
Passadas mais de duas décadas, estas “inovações” vê se revelando um grande
desafio prático e teórico.[4]
No mesmo
sentido, CUNHA (2010) fala sobre a produção, pelo Estado Brasileiro, de um
conjunto de inovações normativas e institucionais, destacando primeiramente a
democratização da gestão estatal:
Uma
primeira trata da democratização da gestão estatal, expressa na introdução do
direito de participação da sociedade civil na formulação e no controle de
diversas políticas públicas, o que tem se traduzido na criação de instituições
vinculadas ao Poder Executivo, nos três níveis da federação, como conselhos,
comitês, comissões, dentre outros. Isso tem provocado mudanças no padrão de
decisão das burocracias e dos gestores públicos, levando-os a submeter suas
propostas de política a colegiados cuja composição inclui representantes de
segmentos da sociedade civil, assim como submeter-se ao controle desses
colegiados, algo impensável numa administração estritamente burocráticas, cujas
decisões são mais técnicas e gerenciais e menos políticas.[5]
No tocante às políticas públicas
dirigidas à população infanto-juvenil, cumpre dizer que esta participação da
sociedade civil na gestão, em nível federal, é exercida, fundamentalmente, no
âmbito do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente),
criado pela Lei nº 8242/1991.[6]
Alinhado
a este, temos os conselhos estaduais e municipais, todos incumbidos de
praticar, em suas esferas de atuação e por determinação legal, o controle
social, compreendido pela formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e
fiscalização das políticas públicas. Cabe também a estes órgãos, a fiscalização
de entidades de atendimento, o controle na distribuição de verbas públicas ao
setor privado entre outras atribuições.
2. BREVES
CONSIDERAÇÕES SOBRE CIDADANIA E DIREITOS POLÍTICOS:
O
regime democrático implica no irrestrito exercício da cidadania, por todos os
sujeitos igualmente.
Nas
palavras de Dallari (1998):
A
cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de
participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania
está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando
numa posição de inferioridade dentro do grupo social.[7]
Certo dizer então que neste universo de
faculdades cidadãs, estão compreendidos os chamados direitos políticos, que
SILVA (2004), citando Pimenta Bueno, esclarece como sendo “as prerrogativas, os
atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de
seu país, intervenção direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a
intensidade de gozo desses direitos”.[8]
Visando a este trabalho, importa
atenção ao que dita a Constituição Federal em seu artigo 14, que relaciona os
direitos políticos à possibilidade de votar e ser votado (o que se dá pelo alistamento
eleitoral), faculdade quenãovai
conferida aos menores de 16 anos:
Art. 14. A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto
são:
I - obrigatórios para os maiores de
dezoito anos;
II - facultativos para:
(...)
c) os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos.
§ 3º - São condições de elegibilidade,
na forma da lei:
(...)
III - o alistamento eleitoral;
Portanto,
o exercício da cidadania no tocante aos direitos políticos – estes
compreendidos dentro do conceito constitucional – são facultados tão-somente a
partir dos 16 anos de idade. A interpretação literal nos remete à conclusão
lógica de que o sujeito menor de 16 não possui direitos políticos.
Esta
ideia, ao que parece, está ligada ao conceito de (in)capacidade civil, o que
discorremos a seguir.
3. SOBRE A
CAPACIDADE PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL E O EXERCÍCIO DE DIREITOS:
A
capacidade para os atos da vida civil em geral, está regulada no Código Civil,
Lei nº 10.406/2002, artigos 3º e 4º:
Art. 3º São absolutamente incapazes
de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática
desses atos;
III - os que, mesmo por causa
transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º São incapazes,
relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em
tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem
desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Para o presente estudo, interessa-nos a
questão etária, prevista nos incisos I de ambos os artigos: o indivíduo menor
de 16 anos é absolutamente incapaz para exercer atos da vida civil (noção
semelhante ao exercício de direitos políticos tratado anteriormente),
impondo-se que nestes casos, seja representado por adulto capaz. Superando os
16, adquire capacidade relativa,
ensejando sua assistência.
Contudo,
as regras acima – que impõem limitações ao exercício de direitos civis tendo
por base o critério da idade – não se constituem absolutas, posto que
relativizadas por meio de outros dispositivos legais. Ou seja, a regra da
incapacidade civil dos artigos 3º e 4º, de modo algum cria entraves para que o
menor de 16 anos pratique inúmeros atos que exigem, inclusive, autonomia
pessoal. Aqui já começamos a adentrar no cerne do nosso debate.
Em
exemplo, falemos da questão do trabalho: ao mesmo tempo em que o indivíduo
menor de 16 anos é absolutamente incapaz para os atos da vida civil, pode,
desde que com idade mínima de 14 anos, exercer atividade laborativa, observada
a regra constitucional abaixo:
CF,
ARTIGO 7º. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXIII
- proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e
de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos;
Portanto, um adolescente de 14 anos, em
que pese seja – para o Código Civil – incapaz para demandar em juízo, contrair
empréstimos ou firmar contratos, é apto a integrar o mercado de trabalho (na
condição de aprendiz), e com isso, produzir impacto em sua vida
social e familiar, assumir responsabilidades profissionais, recolher para a
previdência social, enfim, somar esforços para o crescimento do país.
Mais: sem adentrar na polêmica que o
assunto suscita, até mesmo ao menor de 14 anos – para o qual o trabalho é proibido na
interpretação literal da Constituição – determinadas situações restam
excepcionadas por autorização judicial,
de forma a possibilitar a estes infantes o exercício de atividade (trabalho),
remunerada ou não, de cunho artístico, esportivo ou na área da beleza/moda. Eis
o fundamento:
ECA. Art. 149. Compete à autoridade
judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
II - a participação de criança e
adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.
Convenção nº 138 da OIT (Organização Internacional do Trabalho),
promulgada no Brasil pelo Decreto Presidencial nº 4134 de 15/02/2002.
Art. 8º.
1. A
autoridade competente poderá conceder, mediante prévia consulta às organizações
interessadas de empregadores e de trabalhadores, quando tais organizações
existirem, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de ser
admitido ao emprego ou de trabalhar, que prevê o artigo 2 da presente
Convenção, no caso de finalidades tais como as de participar em representações
artísticas.
2. As
permissões assim concedidas limitarão o número de horas do emprego
ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que esse
poderá ser realizado.
Sob outro viés, também temos a
possibilidade da antecipação da maioridade pela emancipação (a
partir de 16 anos), pelo casamento, pela colação de grau ou constituição de
empresa entre outras situações.[9]
Tais ocorrências, igualmente,relativizam as regrasdos artigos 3º e 4º,
constituindo-se em acontecimentos excepcionais que se sobrepõem à regra geral
da capacidade civil, que é fundada puramente no fenômeno etário. Isto é,
ocorrendoalgumas destas hipóteses, o fato de ainda não ter atingido a idade
prevista, acabatornando-se uma formalidadedesprezada frente a outro
fato que
reconhece uma condição de maturidade, digamos, prematura.
Acompanhando
esses enlaces legais, é forçoso mencionar a percepção nítida, advinda de um senso
comum, de estar-se diante de uma geração infanto-juvenil que evolui e se impõe
com maior rapidez que outrora, sobretudo, em função da fartura e rapidez da
informação que lhes é disponibilizada.
Aliás, este é um dos pretextos para as
constantes discussões sobre a redução da idade penal de 18 para 16 anos. O mais
recente exemplo disso é a PEC 33/2012.[10]
Na
mesma linha, tramitam dois Projetos de Lei na Câmara dos Deputados (PL
6934/2010 e PL 6967/2010), ambos no sentido de permitir o direito de dirigir veículos
automotores já a partir dos 16 anos, alterando o Código de Trânsito que prevê a
possibilidade somente aos 18.
Repisando,
tem-se até aqui: uma regra civil formal, que, usando o critério etário (16 e 18
anos), estabelece limites à capacidade e incapacidade para os atos da vida,
assim como uma previsão constitucional de direitos políticos que contam somente
a partir dos 16 anos.
Contudo,
existem previsões legais que permitem ao menor de 16 anos, a prática de atos
como a atividade laborativa, sem falar da própria antecipação da maioridade
pelo casamento ou outras formas.
O que se quer dizer, portanto, é que o
universo legislativo, ao mesmo tempo em que apresenta limitações de direitos em
razão da idade, também admite a possibilidade de excepcionar estas regras, avalizando
a ideia de que a maturidade e capacidade são condições que podem se apresentar
muito antes dos 16 anos.Esta noção é essencial para a conclusão
a ser apresentada neste trabalho.
Referiu-se
também a nítida compreensão que existe em relação à criança e ao adolescente de
hoje, isto é, que avançam mais rapidamente ao conhecimento, fruto do desenho da
sociedade tecnológica.
Enfim, compreendida a criança e o
adolescente neste contexto, qual seja, de maturidade e capacidade reconhecidas
em lei mesmo antes dos 16 anos, passa-se a adentrar com mais foco na questão
central deste artigo: a participação deste público no
processo democrático, compondo instâncias de decisões políticas.
Isto
é, em que pesem as limitações do Código Civil e Constituição Federal para o
exercício de direitos civis e políticos, tem-seno ECA – além das percepções
trazidas acima, fundadas em outras normas – o fundamento para que a criança e o
adolescente, mesmo abaixo dos 16 anos, participem de forma propositiva na
tomada de decisões e na construção de políticas públicas.
4. CRIANÇA E ADOLESCENTE,
SUJEITOS DE DIREITO:
Anteriormente,
abordou-se a democracia e a participação direta da sociedade na gestão pública
por meio de Conselhos de Direito e Políticas.
Significa
dizer que, ser membro de um Conselho de Direito é exercer a cidadania, propor,
debater e aprovar questões de profundo interesse e importância para a
sociedade, conforme atribuições conferidas por lei a estes colegiados.
O que se
busca abordar aqui é que esta possibilidade de integrar um Conselho –
relacionada ao exercício da cidadania – não está ligada, necessariamente, à
condição de capacidade civil tal como preceituada no Código Civil. Igualmente,
essa possibilidade extrapola os limites impostos pela norma constitucional do
artigo 14.
O fato é
que o conceito de (in)capacidade civil do Código Civil, bem serve para regular
as relações civis, enquanto os direitos políticos constitucionais, por sua vez,
devem ser compreendidospelaparticipação em eleições regulamentares para cargos
eletivos do Poder Executivo e Legislativo, plebiscitos e referendos.
Certo é
que estas normas não afrontam as previsões do ECA, uma lei especial que galga a
criança e o adolescente à condição de plena cidadania, ou seja, passam a ser
tratados como sujeitos de
direito, portanto, indivíduos a quem se atribuem direitos e obrigações,
nos termos dos seus artigos 3º, 15 e 16, todos já transcritos anteriormente na
introdução deste trabalho.
Essa
condição de cidadania é resultante do ditame constitucional contido no artigo
227, que traz a lume a Doutrina da Proteção Integral.[11]
A
respeito, extrai-se do Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária (2006)[12] que:
O
reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos é
resultado de um processo historicamente construído, marcado por transformações
ocorridas no Estado, na sociedade e na família. Como já expresso anteriormente
no Marco Legal, do ponto de vista doutrinário, o Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar
e Comunitária incorpora, na sua plenitude, a “doutrina da proteção integral”,
que constitui a base da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
De acordo
com essa doutrina jurídica, a criança e o adolescente são considerados
“sujeitos de direitos”. A palavra “sujeito” traduz a concepção da criança e do
adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e
vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como
seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo participar das decisões
que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas
capacidades e grau de desenvolvimento.
5. DO PROTAGONISMO
INFANTO-JUVENIL:
5.1.
Conceitos e normatizações:
Partindo
da condição de sujeitos de
direito, decorre que o público infanto-juvenil é apto ao pleno exercício
da cidadania de maneira a participar, integrar, opinar e, na maior parte das
vezes, protagonizar as ações e debates que dizem respeito aos seus próprios
direitos.
O
protagonismo de crianças e adolescentes, parte do pressuposto de que estes
sujeitos têm a competência para pensar, manifestar-se e agir, transcendendo os
limites do seu entorno pessoal e familiar, influindo nos acontecimentos da sua
comunidade. Desta forma, esta postura protagonista pode gerar mudanças
decisivas na realidade social, política, cultural e demais áreas onde este
indivíduo encontra-se inserido. Em suma, este protagonismo se faz pelo
envolvimento em processos de discussão, decisão e execução de ações.
É esta a realidade que se está vislumbrando na seara dos Conselhos de Direito e
Políticas: a inclusão do público alvo destas políticas, dentro dos eventos e
atos deliberativos que ali ocorrem.
Conforme
texto extraído da internet (2012), sob o título Resolução do CONANDA estimula
protagonismo nas conferências, “O protagonismo juvenil vem
sendo defendido há anos pelo CONANDA, ganhando força em 2009, quando 1/3 dos
delegados da 8ª Conferência Nacional eram crianças e adolescentes”.[13]
Conforme
a matéria acima, o CONANDA editou a Resolução nº 149 de 26/05/2011, dispondo
sobre a participação de crianças e adolescentes para a constituição das
comissões organizadoras da IX Conferência dos Direitos da Criança e do
Adolescente, nas etapas municipais e estaduais.[14]
A
Resolução orientou os Conselhos dos estados e dos municípios a criarem
mecanismos que garantissem a efetiva participação de crianças e adolescentes
nas comissões organizadoras, respeitando a proporção de uma criança e/ou
adolescente para dois adultos.
Refere
ainda que na Comissão organizadora da etapa nacional da Conferência, o CONANDA
já havia contado com a participação de cinco adolescentes, sendo um
representante de cada região do país, que participaram dos debates e
contribuíram com as decisões do grupo.
Mais: o
CONANDA também vem construindo o Plano
Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes[15],
documento que se encontra para consulta popular, que contém eixos, diretrizes e
objetivos estratégicos da Política Nacional de Promoção dos Direitos da Criança
e do Adolescente para os próximos dez anos.
Um dos
eixos do Plano foi destinado exclusivamente a promover o protagonismo juvenil, nos
seguintes termos:
EIXO 3 –
PROTAGONISMO E PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Diretriz
06 – Fomento de estratégias e mecanismos que facilitem a participação
organizada e a expressão livre de crianças e adolescentes, em especial sobre os
assuntos a eles relacionados, considerando sua condição peculiar de
desenvolvimento, pessoas com deficiência e as diversidades de gênero,
orientação sexual, cultural, étnico-racial, religiosa, geracional, territorial,
nacionalidade e opção política.
Objetivo
Estratégico 6.1 - Promover o protagonismo e a participação de crianças e
adolescentes nos espaços de convivência e de construção da cidadania, inclusive
nos processos de formulação, deliberação, monitoramento e avaliação das
políticas públicas.
Objetivo
Estratégico 6.2 - Promover oportunidades de escuta de crianças e adolescentes
nos serviços de atenção e em todo processo judicial e administrativo que os
envolva.
Objetivos
Estratégico 6.3 – Ampliar o acesso de crianças e adolescentes, na sua
diversidade, aos meios de comunicação para expressão e manifestação de suas
opiniões.
Solidificando
a compreensão sobre o protagonismo, BRENER (2004)[16] menciona a utilização deste termo na área
educacional por Antonio Carlos Gomes da Costa:
A palavra
protagonismo vem de “protos”, que em latim significa principal, o primeiro, e
de “agonistes”, que quer dizer lutador, competidor. Este termo, muito utilizado
pelo teatro para definir o personagem principal de uma encenação, foi
incorporado à Educação por Antonio Carlos Gomes da Costa, educador mineiro que
vem desenvolvendo uma nova prática educativa com jovens.
Dentro da
ideia de protagonismo juvenil proposta por Gomes da Costa, o jovem é tomado
como elemento central da prática educativa, que participa de todas as fases
desta prática, desde a elaboração, execução até a avaliação das ações
propostas. A ideia é que o protagonismo juvenil possa estimular a participação
social dos jovens, contribuindo não apenas com o desenvolvimento pessoal dos jovens
atingidos, mas com o desenvolvimento das comunidades em que os jovens estão
inseridos. Dessa forma, segundo o educador, o protagonismo juvenil contribui
para a formação de pessoas mais autônomas e comprometidas socialmente, com
valores de solidariedade e respeito mais incorporados, o que contribui para uma
proposta de transformação social.
Por fim,
a participação e protagonismo juvenil também estão previstos em documentos
internacionais. Prevê o artigo 12 da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução nº 44/25
de 20/11/1989, sendo ratificada pelo Brasil em 24/09/1990 e promulgada em nosso
território pelo Decreto nº 99.710 de 21/11/1990:
Artigo 12
1. Os
Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de
exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo
devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua
idade e maturidade.
2. Para
este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos
judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através
de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas
pelas regras de processo da legislação nacional.
5.2. Do
protagonismo juvenil na Lei nº 12.852/2013 – Estatuto da Juventude:
A recente
aprovação do Estatuto da Juventude, lei publicada em 05/08/2013, vem sedimentar
de modo definitivo, a ideia do protagonismo, promovendo a autonomia,
emancipação e participação social e política do jovem, nos termos dos
princípios contidos no seu artigo 2º.
A lei em
questão define o jovem como aquele entre 15 e 29 anos. Portanto, passa a ser
aplicado em cotejo como ECA, já que trata de direitos de adolescentes a partir
de 15 anos.
O texto
legal fala por si:
Art.
4º O jovem tem direito à participação social e política e na
formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude.
Parágrafo
único. Entende-se por participação juvenil:
I - a
inclusão do jovem nos espaços públicos e comunitários a partir da sua concepção
como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos
processos políticos e sociais;
II - o
envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por
objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do
País;
III - a
participação individual e coletiva do jovem em ações que contemplem a defesa
dos direitos da juventude ou de temas afetos aos jovens; e
IV - a
efetiva inclusão dos jovens nos espaços públicos de decisão com direito a voz e
voto.
Art.
5º A interlocução da juventude com o poder público pode realizar-se
por intermédio de associações, redes, movimentos e organizações juvenis.
Parágrafo
único. É dever do poder público incentivar a livre associação dos jovens.
Art.
6º São diretrizes da interlocução institucional juvenil:
I - a
definição de órgão governamental específico para a gestão das políticas
públicas de juventude;
II - o
incentivo à criação de conselhos de juventude em todos os entes da Federação.
6. ATO INFRACIONAL:
RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE POR SUAS ESCOLHAS:
Buscando
cercar ainda mais as argumentações, parece providencial também traçar um
singelo paralelo entre o tema deste trabalho com a responsabilização pela
prática de ato infracional. Explica-se:
Como
estamos vendo, o indivíduo, ainda que abaixo dos 18 ou 16 anos de idade, deve
participar ativamente e, sempre que possível, de maneira autônoma (sem
intermediários e representantes), dos acontecimentos sociais e políticos sob
seu entorno, visto tratar-se de sujeito de direito, capaz de exercer direitos
por si, conforme permissivos legais citados.
Tal
compreensão, qual seja, de que estes indivíduos possuem capacidade para opinar
e praticar atos, vai reforçada ainda mais pela ideia da responsabilização por
atos infracionais, que ocorre já a partir
dos 12 anos, através de um sistema socioeducativo contemplado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente.[17]
Ora, as
aplicações de medidas socioeducativas demonstram que o indivíduo, a contar de
seus 12 anos, tem condições de suportar uma responsabilização, a qual sempre
terá um caráter pedagógico, podendo variar de uma simples advertência até a
própria privação de sua liberdade.[18]
Portanto,
na medida em que este adolescente pode sofrer sanções por atos praticados,
está-se a reconhecer sua capacidade de compreensão sobre as suas necessidades,
conferindo-lhe um empoderamento para as suas próprias decisões.
Ora, prever
medidas rigorosas de responsabilização, antes de mais nada, traduz o ideal de
liberdade e dignidade do ser humano, já que a cidadania também se exerce no
cumprimento de deveres e obrigações. E na legislação pátria isso ocorre já a
partir dos 12 anos de idade
7. DA CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO:
Toda esta
discussão que diz respeito à participação da criança e do adolescente em
instâncias deliberativas do processo democrático, deve observar o estágio de
desenvolvimento pessoal destes indivíduos, suas condições intelectuais,
psicológicas, enfim, observando-se a sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
O artigo
6º do ECA determina que a interpretação de suas normas deverão levar em conta a
condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento destes
indivíduos: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a
que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres
individuais e coletivos, e a
condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. (grifo
nosso).
Nos
termos da introdução do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006),
“O desenvolvimento da criança e, mais tarde, do adolescente, caracteriza-se por
intrincados processos biológicos, psicoafetivos, cognitivos e sociais que
exigem do ambiente que os cerca, do ponto de vista material e humano, uma série
de condições, respostas e contrapartidas para realizar-se a contento.”[19]
Assim,
certo é que esta participação efetiva, com papel de protagonista nas ações
políticas, deve ser concretizada sem perder de vista tal princípio. Por se
tratar de um ser humano em crescimento, a criança e o adolescente deve receber
tratamento especial ao ser cobrado em suas obrigações e responsabilidades,
assim como, na hipótese em que lhe sejam outorgadas as faculdades para o
exercício de direitos.
A
propósito, viu-se anteriormente que a questão da condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento também está mencionada no artigo 12 da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança da ONU, transcrito quando se tratou do
protagonismo (item 2.5).
Na mesma
linha, para finalizar, cabe aludir trecho do Relatório da Sessão Especial da
Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança (2002):
As
crianças, incluindo os adolescentes, devem ter permissão para exercitar seu
direito de expressar livremente suas opiniões, de acordo com sua capacidade,
desenvolver sua auto-estima e adquirir conhecimentos e habilidades, como
aquelas necessárias para a resolução de conflitos, a tomada de decisões e a
comunicação, a fim de enfrentar os desafios da vida. O direito das crianças e dos
adolescentes de se expressar livremente deve ser respeitadoe
promovido e seus pontos de vista devem ser levados em conta em todos os
assuntos que lhes dizem respeito, dando-se a devida importância a essas
opiniões em função
da idade e da maturidade das crianças. É
preciso alimentar a energia e a criatividade das crianças e dos adolescentes
para que possam participar ativamente no desenvolvimento do seu ambiente, da sociedade
em que vivem e do mundo que herdarão. É preciso dar atenção e apoio às crianças
menos favorecidas e marginalizadas, incluindo especialmente os adolescente,
para que possam ter acesso aos serviços básicos, desenvolver sua auto-estima e
se preparar para ter responsabilidade sobre a própria vida. Faremos tudo que
estiver ao nosso alcance para desenvolver e implementar programas para promover
a participação expressiva das crianças e dos adolescentes, nos processos de
tomada de decisão, nas famílias, nas escolas e em níveis local e nacional.
(grifo nosso).[20]
8. CONCLUSÃO:
Sabe-se
que a participação livre e voluntária nos movimentos políticos é permitida a
todos, sem limite de idade.
O
presente trabalho, contudo, visou abordar o enquadramento de crianças e
adolescentes neste ambiente, porém, especificamente dentro de esferas
decisórias que compõem o processo democrático, de modo a possibilitar o exercício
efetivo e a influência na feitura de políticas públicas. No caso, junto aos
Conselhos de Direito e Políticas, organismos de controle social que integram a
Administração Pública.
Verificou-se
que este fenômeno é recente na prática dos Conselhos, dando-se com base nas
diretrizes do ECA, em Resoluções, no Plano Decenal dos Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes do CONANDA, assim como na própria CF/88 e em documentos
internacionais, todos no sentido de conferirem à criança e ao adolescente uma
condição de sujeitos de direito, de cidadãos, dotados de capacidade para livre
opinião, manifestação e participação na vida política.
O debate
central fez-se ao confrontar esta realidade às normas do Código Civil, que
limitam a capacidade para o exercício de direitos, bem como ao artigo 14 da
Constituição Federal que, ao tratar de direitos políticos, confere-os
tão-somente a contar dos 16 anos de idade.
O
desenvolvimento do artigo mostrou que a capacidade civil regulada pelo Código
Civil está embasada no critério puramente etário, ou seja, uma aplicação
pragmática, sem considerar outras circunstâncias. Ao mesmo tempo, estas mesmas
regras não se mostram fechadas e absolutas, porquanto é possível antecipar a
maioridade por meios alternativos como o casamento, emancipação entre outras
formas, o que denota a compreensão pelo legislador, de que a maturidade pode se
apresentar mesmo antes dos 16 anos.
Na mesma
linha, referiu-se a possibilidade de atividade laborativa desde os 14 anos (ou
até antes, excepcionalmente), o que implica em responsabilidades econômicas e
sociais a este indivíduo, em etapa anterior aos 16 e 18 anos. No mesmo sentido,
a responsabilização por ato infracional a contar dos 12 anos, o que pode
acarretar até mesmo a privação de liberdade.
Portanto,
o contexto normativo reconheceque o indivíduo menor de 16 anos é dotado sim, de
plenas faculdades e capacidades para assumir certos encargos.
Sustentou-se
também que a Constituição Federal, por sua vez, ao prever direitos políticos
somente a partir dos 16 anos, está se referindo ao ato de votar e ser votado em
eleições regulamentares para cargos políticos ao Executivo e Legislativo, ou ao
exercício do sufrágio em outras modalidades (plebiscito e referendo).
Todavia,
a questão dos direitos políticos (tê-los ou não tê-los) merece ser
contextualizada aos ditames do ECA, do Estatuto da Juventude e demais normas
correlatas, de onde se conclui que a criança e o adolescente não podem ser
alijados dos processos democráticos compreendidos de uma forma mais ampla. Ao contrário, na condição de sujeitos de
direito, detentores de garantias fundamentais, este público tem o direito e o
dever de participar de instâncias políticas deliberativas, sobretudo quando
estas têm o propósito de definir políticas endereçadas a esse mesmo público.
Portanto,
em que pesem as disposições dos artigos 3ºe 4º do Código Civil e do artigo 14
da CF/88, esta arejada visão nos permite falarmos em direitos políticos
infanto-juvenis.
O
protagonismo da criança e do adolescente, entendido como esta participação
ativa, propositiva e legitimada é um direito fundamental, devendo ser cumprido
e respeitado em quaisquer espaços democráticos do cotidiano, seja em Conselhos
de Direito, escolas e demais instituições afins, o que Bobbio (1985)[21] chama de democracia social:
O
processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea não ocorre
apenas através da integração da democracia representativa com a democracia
direta, mas também, e sobretudo, através da extensão da democratização –
entendida como instituição e exercício de procedimentos que permitem a
participação dos interessados nas deliberações de um corpo coletivo – a corpos
diferentes daqueles propriamente políticos.
(...)
Uma vez
conquistado o direito à participação política, o cidadão das democracias mais
avançadas percebeu que a esfera política está por sua vez incluída numa esfera
muito mais ampla, a esfera da sociedade em seu conjunto, e que não existe
decisão política que não esteja condicionada ou inclusive determinada por
aquilo que acontece na sociedade civil.
(...)
Hoje,
quem deseja ter um indicador de desenvolvimento democrático de um país deve
considerar não mais o número de pessoas que têm direito de votar, mas o número
de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce
o direito de voto. Em outros termos, quem deseja dar um juízo sobre o
desenvolvimento da democracia num dado país deve pôr-se não mais a pergunta
“Quem vota?”, mas “Onde vota?”.
Por
óbvio, esta participação política deve levar em conta a condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento destes sujeitos, entenda-se, a condição de maturidade
e capacidade cognitiva.
De fato,
chama atenção este cenário em que crianças e adolescentes – de um lado – não
estão aptos a responderem pelos atos civis da própria vida – mas de outro –
podem integrar um órgão colegiado normativo, onde manifestarão diretamente suas
opiniões, sem intermediários, influenciando em decisões administrativas e na
construção de políticas públicas.
De
qualquer modo, em se tratando de ferramentas democráticas existentes no Estado
Democrático de Direito, como é o caso dos Conselhos de Direitos e Políticas, a
ideia de participação e protagonismo infanto-juvenil não fere a lei civil ou a
CF/88, mas, como já dito,traz uma inovação no conceito
fechado de incapacidade e alarga a noção de direitos políticos.
Participar
da vida política, manifestar livre opinião, colaborar nas decisões, na
construção de diretrizes e políticas públicas, constitui-se num direito
fundamental da criança e do adolescente, devendo, por isso, ser respeitado e
garantido pela sociedade e pelo Estado.
A forma
de concretização disto ainda é um desafio. As ocasiões e os limites desta
participação ainda são alvos de debates nas centenas de Conselhos espalhados
pelo país. E os entraves desta construção não dizem respeito apenas à mera
regulamentação, mas ao esforço que será necessário para uma mudança cultural,
que efetivamente faça enxergar a nossa criança e o nosso adolescente como
cidadãos capazes de se expressarem, de manifestar suas vontades, enfim, de
agregarem valor ao processo democrático”.
9.
REFERÊNCIAS:
BRASIL.
Constituição Federal de 1988. Artigos 14 e 227.
BRASIL.
Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA). Artigos 3º, 15, 16, 88, 103, 104 e 112.
BRASIL.
Lei nº 8242 de 12 de outubro de 1991. Artigos 1º e 2º.
FARIA,
Cláudia Feres e RIBEIRO, UriellaCoello. Artigo: Entre o legal e o real: o que
dizem as variáveis institucionais sobre os conselhos municipais de políticas
públicas, pg. 57. Obra: A dinâmica da participação local no Brasil. AVRITZER,
Leonardo (organizador). Cortez Editora, 2010.
CUNHA,
Eleonora Schettini M. Artigo: Inclusão social e política: o desafio
deliberativo dos conselhos municipais de Assistência Social, pg. 93. Obra: A
dinâmica da participação local no Brasil. AVRITZER, Leonardo (organizador).
Cortez Editora, 2010.
DALLARI, Dalmo.
Direitos Humanos e Cidadania. Pg. 14. São Paulo: Moderna, 1998.
SILVA,
José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Pg. 344. Editora
Malheiros. 23º Edição, 2004.
BRASIL.
Lei nº 10.406/2002 (Código Civil). Artigo 3º, 4º e 5º.
PEC
33/2012 (Proposta de Emenda à Constituição). Autoria: senador Aloysio Nunes
(PSDB-SP), em tramitação no Congresso Nacional.
Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária, aprovado pela Resolução Conjunta nº 01 do
CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e CNAS
(Conselho Nacional de Assistência Social) de 13/12/2006. Pg. 26. Documento em
PDF pelo endereço:
http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdfdht/plano_nac_convivencia_familiar.pdf.
Artigo de
Raphael Gomes da Rede ANDI Brasil, Brasília (DF), datado de 10/04/2012,
intitulado Resolução do CONANDA estimula protagonismo nas
conferências.Endereço:http://www.direitosdacriança.org.br/em-pauta/2011/08/resolucao-do-conanda-estimula-protagonismo-nas-conferencias,
BRASIL.
CONANDA. RESOLUÇÃO nº 149, de 26 de maio de 2011. Dispõe sobre a participação
de crianças e adolescentes nas comissões organizadoras da IX Conferência
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nas Conferências Estaduais,
Distrital e Municipais.
Plano
Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Endereço para consulta
do documento que se encontra para consulta:
http://portal.mj.gov.br/sedh/conanda/Politica%20e%20Plano%20Decenal%20consulta%20publica%2013%20de%20outubro.pdf
BRENER,
Sylvia Branca, em artigo publicado no site
http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/5649e039-9334-482f-9431-d9059a580ad3/Default.aspx,
sob o título O que é protagonismo juvenil?em 30/06/2004.
UM MUNDO
PARA AS CRIANÇAS – ONU 2002. Relatório da Sessão Especial da Assembléia Geral
das Nações Unidas sobre a Criança. As metas
das Nações Unidas para o Milênio.http://www.unicef.org/brazil/pt/um_mundo.pdf
BOBBIO,
Norberto. Estado Governo Sociedade. Para uma teoria geral da política. Pg.
155/7. Ed. Paz e Terra (1985).
Notas
[1]BRASIL.
CF/88. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
[2]A Lei nº
8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) expressa que a criação
de Conselhos com participação da sociedade integra as “diretrizes” da política
de atendimento:
Art. 88.
São diretrizes da política de atendimento:
II -
criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e
do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os
níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações
representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
[3] O CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente) foi criado pela Lei nº 8242/1991. Ver Nota 6 sobre o
detalhamento de suas atribuições.
[4]FARIA,
Cláudia Feres e RIBEIRO, UriellaCoello. Artigo: Entre o legal e o real: o que
dizem as variáveis institucionais sobre os conselhos municipais de políticas
públicas, pg. 57. Obra: A dinâmica da participação local no Brasil. AVRITZER,
Leonardo (organizador). Cortez Editora, 2010.
[5] CUNHA, Eleonora Schettini M. Artigo: Inclusão
social e política: o desafio deliberativo dos conselhos municipais de
Assistência Social, pg. 93. Obra: A dinâmica da participação local no Brasil.
AVRITZER, Leonardo (organizador). Cortez Editora, 2010.
[6]BRASIL.
Lei nº 8242/1991.
Art. 1º
Fica criado o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda).
§ 1º Este
conselho integra o conjunto de atribuições da Presidência da República.
Art. 2º
Compete ao Conanda:
I -
elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as
linhas de ação e as diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88
da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
II -
zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente;
III - dar
apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do
Adolescente, aos órgãos estaduais, municipais, e entidades não-governamentais
para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos
na Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990;
IV -
avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e
Municipais da Criança e do Adolescente;
V -
(Vetado)
VI
- (Vetado)
VII -
acompanhar o reordenamento institucional propondo, sempre que necessário,
modificações nas estruturas públicas e privadas destinadas ao atendimento da
criança e do adolescente;
VIII -
apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos da criança e do
adolescente, com a indicação das medidas a serem adotadas nos casos de
atentados ou violação dos mesmos;
IX -
acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária da União,
indicando modificações necessárias à consecução da política formulada para a
promoção dos direitos da criança e do adolescente;
X - gerir
o fundo de que trata o art. 6º da lei e fixar os critérios para sua utilização,
nos termos do art. 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
[7] DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e
Cidadania. Pg. 14. São Paulo: Moderna, 1998.
[8]SILVA,
José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Pg. 344. Editora
Malheiros. 23º Edição, 2004.
[9]BRASIL.
Lei nº 10.406/2002 (Código Civil)
Art. 5º.
(...)
Parágrafo
único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela
concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,
ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo
casamento;
III -
pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela
colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo
estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego,
desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia
própria.
[10] A PEC 33/2012 (Proposta de Emenda à
Constituição), de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), está em
tramitação no Congresso Nacional e prevê a redução da maioridade penal nos
casos de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, bem como
nos casos de reincidência na prática de lesão corporal grave e roubo
qualificado.
[11]BRASIL.
CF/88. Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[12] O Plano Nacional de Promoção, Proteção e
Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária foi aprovado pela Resolução Conjunta nº 01 do CONANDA (Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e CNAS (Conselho Nacional de
Assistência Social) de 13/12/2006. O trecho foi extraído da pg. 26. Documento
em PDF pelo endereço:
http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdfdht/plano_nac_convivencia_familiar.pdf.
[13]Artigo de
Raphael Gomes da Rede ANDI Brasil, Brasília (DF), datado de 10/04/2012,
intitulado Resolução do CONANDA estimula protagonismo nas
conferências.Endereço:http://www.direitosdacriança.org.br/em-pauta/2011/08/resolucao-do-conanda-estimula-protagonismo-nas-conferencias,
[14]BRASIL.
CONANDA. RESOLUÇÃO Nº 149, DE 26 DE MAIO DE 2011. Dispõe sobre a participação
de crianças e adolescentes nas comissões organizadoras da IX Conferência
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nas Conferências Estaduais,
Distrital e Municipais.
A
PRESIDENTA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE -
CONANDA, com fundamento no art. 35 do Regimento Interno, e considerando a
deliberação
do Conselho em sua 195ª Assembléia Ordinária, realizada no dia 26 de maio de
2011, resolve:
Art. 1º
Garantir a participação de crianças e/ou adolescentes, na comissão organizadora
das Conferências Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais, na proporção de 1
(um) adolescente/criança para 2 (dois) adultos.
Parágrafo
único. Caberá aos Conselhos dos Direitos criarem mecanismos que garantam a
efetiva participação de crianças e/ou adolescentes na comissão organizadora.
Art. 2º
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
[15]Plano
Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Endereço para consulta
do documento que se encontra para consulta:
http://portal.mj.gov.br/sedh/conanda/Politica%20e%20Plano%20Decenal%20consulta%20publica%2013%20de%20outubro.pdf
[16] BRENER, Sylvia Branca, em artigo publicado no
site http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/5649e039-9334-482f-9431-d9059a580ad3/Default.aspx,sob
títuloO que é protagonismo juvenil?em 30/06/2004.
[17]BRASIL.
Lei nº 8069/1990. Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita
como crime ou contravenção penal.
Art. 104.
São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas
previstas nesta Lei.
[18]BRASIL.
Lei nº 8069/1990. Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a
autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I -
advertência;
II -
obrigação de reparar o dano;
III -
prestação de serviços à comunidade;
IV -
liberdade assistida;
V -
inserção em regime de semi-liberdade;
VI -
internação em estabelecimento educacional;
VII -
qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
[19] Ver Nota 10.
[20]Um mundo
para as crianças – ONU 2002. Relatório da Sessão Especial da Assembléia Geral
das Nações Unidas sobre a Criança. As metas
das Nações Unidas para o Milênio.http://www.unicef.org/brazil/pt/um_mundo.pdf
[21] BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade.
Para uma teoria geral da política. Pg. 155/7. Ed. Paz e Terra (1985).
http://jus.com.br/artigos/25143/crianca-e-adolescente/4. Acesso: 26/8/2013
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