O
credor de cheque sem fundos deve receber juros de mora a partir da data
da primeira apresentação do título que tem seu pagamento negado pelo
banco devido ao saldo insuficiente na conta. A regra está prevista no
artigo 52, inciso II, da Lei 7.357/85 - a Lei do Cheque.
O
dispositivo estabelece que o portador do cheque pode exigir do devedor
os juros legais desde o dia da apresentação. Com base nessa regra, a
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso
especial de uma devedora que pretendia fazer com que os juros fossem
cobrados apenas a partir da citação na ação de cobrança. Em seu recurso,
ela apontou violação ao artigo 219 do Código de Processo Civil (CPC),
que estabelece que a citação constitui em mora o devedor.
Mora ex re
O
ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, destacou que o artigo
219 do CPC, assim como o 405 do Código Civil de 2002, devem ser
interpretados à luz do ordenamento jurídico.
A
mora a partir da citação prevista nesses dispositivos tem aplicação
residual para casos de mora ex persona - quando não há prazo certo para o
adimplemento da obrigação ou liquidez (indeterminação quanto ao seu
valor). Ainda assim, ocorre se não houve prévia constituição em mora do
devedor por outra forma legalmente admitida. Nessa hipótese, a mora
começa a contar com a citação do devedor.
Contudo,
Salomão apontou que o caso é de mora ex re, por se tratar de obrigação
certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto - prevista
legalmente a sua consumação com a simples apresentação do cheque. A
constituição da mora está prevista na Lei do Cheque.
Para
o relator, essa interpretação acerca da mora ex re tem singela razão de
ser. “Sendo o devedor sabedor da data em que deve ser adimplida a
obrigação líquida - porque decorre do título -, descabe advertência
complementar por parte do credor”, explicou. Assim, havendo obrigação
líquida e exigível em determinada data, desde que não seja daquelas em
que a própria lei afasta a constituição de mora automática, o
inadimplemento ocorre no vencimento.
O
ministro esclareceu que a citação implica caracterização da mora apenas
se ela já não tiver ocorrido pela materialização de uma das diversas
hipóteses indicadas no ordenamento jurídico. Uma dessas hipóteses é a
previsão expressa em lei de que a mora conta da primeira apresentação do
cheque.
O caso
O
processo começou com uma ação de cobrança, ajuizada em outubro de 2008,
contra a emitente de um cheque no valor de R$ 241,67, com data de
janeiro do mesmo ano. O título foi recebido de terceiro, em pagamento
por serviços jurídicos. Ao ser apresentado ao banco, foi devolvido por
insuficiência de fundos.
O juízo de primeiro grau em Porto Alegre
julgou procedente o pedido da ação, fixando os juros de mora a contar
da citação. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul reformou a sentença apenas para estabelecer os juros a partir da
primeira apresentação do cheque.
Contra
essa decisão, a emitente do cheque recorreu ao STJ. Mas a Turma,
analisando a situação pela primeira vez sob a ótica da Lei do Cheque,
manteve a decisão de segundo grau.
O
relator registrou que, mesmo que o debate não fosse concentrado na Lei
do Cheque, o resultado seria o mesmo, com base no Código Civil. O artigo
394 considera em mora o devedor que não paga. Já o artigo 397
estabelece que o inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu
termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
Honorários
A
devedora também questionou no recurso o valor dos honorários
advocatícios sucumbenciais, arbitrados em R$ 500. Argumentou que era
exorbitante, uma vez que a demanda seria singela, que ela reconheceu o
débito e fez proposta para o pagamento parcelado da dívida. Além disso, o
montante supera o valor nominal do cheque.
Para
Salomão, ainda que os honorários ultrapassem o proveito econômico
perseguido na ação, eles não são exorbitantes e estão de acordo com o
disposto no artigo 20, parágrafo 4º, do CPC.
Segundo
o dispositivo, ainda que se trate de sentenças condenatórias, nas
causas de pequeno valor os honorários serão fixados conforme apreciação
equitativa do juiz, observados o grau de zelo do advogado, o lugar da
prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho
realizado e o tempo despendido. O valor dos honorários foi mantido.
Processo relacionado: REsp 1354934
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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