“Reflexões sobre o
novo código Florestal
·
Evangelina Castilho Duarte* DESEMBARGADORA EVANGELINA CASTILHO DUARTE
Sumário:
1 Introdução. 2 Direito de propriedade e meio ambiente. 3 Novo Código
Florestal. 4 Conclusão. 5 Referências.
1
Introdução
Este trabalho tem a finalidade de debater as
modificações introduzidas pelo novo Código Florestal no âmbito da proteção ao
meio ambiente e sua repercussão sobre o Direito Ambiental.
A comunidade jurídica e, especialmente, os ambientalistas criticam o novo Código Florestal, imputando às suas normas afronta ao meio ambiente e à sua conservação, considerando que há permissão para desmatamento excessivo, sem previsão de recuperação de áreas desmatadas ou degradadas, com introdução de culturas exógenas que seriam prejudiciais ao ecossistema, além de abrandamento na fixação da reserva legal.
A comunidade jurídica e, especialmente, os ambientalistas criticam o novo Código Florestal, imputando às suas normas afronta ao meio ambiente e à sua conservação, considerando que há permissão para desmatamento excessivo, sem previsão de recuperação de áreas desmatadas ou degradadas, com introdução de culturas exógenas que seriam prejudiciais ao ecossistema, além de abrandamento na fixação da reserva legal.
Será feita uma comparação do Código Florestal de 1965, Lei 4.771, e da nova Lei 12.727/12, com a Lei de Política do Meio Ambiente, Lei 6.938/81, e a Lei 9.605/98, que trata de crimes ambientais.
Não
se pode, ainda, perder de vista os preceitos constitucionais que tratam do
direito de propriedade e da proteção ao meio ambiente.
É
que, ao se editarem normas que tratam do uso sustentável das florestas, há
evidente regulação do direito de propriedade, garantido, como direito
fundamental, pela Constituição da República, no art. 5º, XXII, e, também,
no inciso XXIII, que dispõe que a propriedade atenderá a sua função social.
Qualquer
legislação que trate de direito de propriedade, quer seja para assegurá-lo,
quer seja para regulamentá-lo, ou para traçar diretrizes sobre seu exercício,
deve observar a garantia constitucional e a sua função social, que constituem
limitação externa ao domínio.
O
exame da nova legislação conduzirá à conclusão sobre a pertinência e adequação
do Código Florestal à Constituição da República e à legislação vigente.
2
Direito de propriedade e meio ambiente
O
direito de propriedade é direito fundamental assegurado pela Constituição da
República no art. 5º, XXII, sofrendo, porém, limitação, também ditada pela
Carta Magna, em seu inciso XXIII, para atender a sua função social.
O
direito de propriedade é, ainda, considerado um dos pilares da ordem econômica
e social, conforme o art. 170 da CF.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade.
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade.
Já
se pode concluir que a Constituição da República assegura o exercício do
direito da propriedade privada, com fundamento na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, repetindo que se observará a sua função social.
E
o que seria função social da propriedade?
A
resposta é dada pela própria Constituição da República, em seu art. 186,
segundo o qual
Art. 186. A função social é cumprida quando a
propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A
função social da propriedade levará em consideração, portanto, o aproveitamento
racional e adequado da terra, buscando evitar a degradação do meio ambiente, o
uso exaustivo da terra e sua insuficiente recuperação.
Levará
em consideração, ainda, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e a preservação do meio ambiente.
Aqui,
cabe tecer comentários sobre os princípios que regem o direito ambiental.
A
legislação brasileira adota os princípios da precaução e da prevenção, visto
que mais vale prevenir o dano do que repará-lo, haja vista que a reparação, na
maioria das vezes, é insuficiente e às vezes impossível.
A
prevenção é o melhor meio de gerenciamento e conservação da qualidade do meio
ambiente e visa a evitar a ocorrência do dano, assim como a precaução, que está
mais ligada à administração das entidades vinculadas à matéria.
A responsabilidade civil por dano ambiental está
construída com base nas teorias do risco, da responsabilidade pelo fato da
coisa, do poluidor-pagador e do usuário-pagador.
Quem, com sua atividade, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda que essa atividade de risco lhe proporcione um benefício. Nesse aspecto, cuida-se do denominado risco-proveito.
Quem, com sua atividade, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda que essa atividade de risco lhe proporcione um benefício. Nesse aspecto, cuida-se do denominado risco-proveito.
O
dever de indenizar pode decorrer do risco profissional oriundo de uma atividade
laborativa, ou do risco criado. Nesse caso, o agente deve indenizar, tendo em
vista que, em razão de sua atividade ou profissão, criou um perigo.
O
que importa é a existência de situações sociais relevantes, quando a prova da
culpa se torna quase impossível para o lesado.
A
teoria do risco, por sua vez, está subdividida em outras três teorias: do risco
administrativo, do risco integral e do risco criado.
Na
teoria do risco administrativo, a obrigação de reparar o dano independe de
qualquer ato culposo, estando vinculado à lesividade e injustiça do dano
provocado por ato do agente, sendo suficiente a prova da ocorrência da lesão.
Garante-se,
entretanto, o direito de se provar a existência de uma das causas excludentes
da responsabilidade, quais sejam força maior, culpa da vítima, dano eventual -
incerto, decorrente de caso fortuito - e dano que não é direto.
Pela
teoria do risco integral, o empreendedor seria chamado a reparar todo e
qualquer dano, ainda que resultante de dolo ou culpa da vítima, sem
possibilidade de arguição de causas excludentes.
Na
teoria do risco criado, o empreendedor é responsável pelo dano causado ao meio
ambiente em decorrência do risco inerente à sua atividade empresarial.
A
obrigação de indenizar estará configurada mesmo quando não existir nexo causal,
bastando o dano, ainda que por culpa exclusiva da vítima, por fato de terceiro,
força maior ou caso fortuito. Basta a existência da atividade empresarial.
Assim,
a indústria têxtil, que utiliza água no seu processo produtivo e lança dejetos
nos leitos dos rios, em consequência das técnicas adotadas, é responsável pelos
danos causados àqueles cursos d’água.
A
teoria do risco integral é a versão mais radical da responsabilidade civil,
pela qual o empreendedor é responsável pela reparação do meio ambiente, ou
indenização aos lesados, independentemente da análise da subjetividade da ação,
conforme posicionamento de Sérgio Ferraz, Edis Milaré, Nélson Nery Júnior e
Toshio Mukai.
Pela
teoria do risco criado, o poluidor é responsável por sua atividade e por consequências
danosas dela decorrentes, admitindo-se as excludentes do caso fortuito, força
maior e ação de terceiros, como defende Patrick Girod, na França.
A
responsabilidade por fato da coisa estabelece que esta surgirá em decorrência
do caráter perigoso da atividade, presumindo-se a causalidade entre a atividade
e o dano, como nos casos de acidentes.
A
responsabilidade do poluidor-pagador foi estipulada na Declaração de Estocolmo,
1972, e consiste em que o dano deve ser ressarcido por aquele que foi beneficiado
pela atividade causadora, ou por quem causou a degradação ambiental, na exata
proporção de sua contribuição nociva.
Daí
evoluiu-se para a teoria do usuário-pagador, segundo a qual aquele que usa os
recursos ambientais deve pagar pelo uso, independentemente da apuração de
danos.
No
Brasil, a doutrina tende a adotar a teroria do risco criado, sendo, ainda,
cautelosa a respeito da teoria do usuário-pagador.
A
preocupação com o meio ambiente é recente. Só surgiu, nos países de primeiro
mundo, depois da degradação de florestas, rios, lagos e mares e após instaladas
consequências irreversíveis para a natureza, tais como destruição da camada de
ozônio, aquecimento global e destruição de florestas temperadas e tropicais.
O
dano ecológico, segundo Roland Drago, sempre existiu, desde a ocupação da Terra
pelo homem. Sua agravação é geométrica por influência do perigo criado pelas
conquistas científicas, que não foram seguidas por medidas preservacionistas.
Poluição
está definida na Lei 6.938/81 como degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, a
segurança e o bem-estar da população, ou criem condições adversas às atividades
sociais e econômicas; ou, ainda, afetem as condições vitais, estéticas ou
sanitárias do meio ambiente; ou, finalmente, lancem matérias ou energia em
desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
O
homem viu-se compelido a preservar o meio ambiente como forma de preservar sua
vida e a das gerações futuras.
No
Brasil, a preservação do meio ambiente foi estatuída como preceito
constitucional no art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
A
responsabilidade civil por dano ecológico vai além da reparação estrita, “todo
prejuízo potencial, que pode advir no futuro, pode e deve ser coibido”,
conforme o mesmo autor.
Aflora,
assim, do preceito constitucional o princípio da prevenção, segundo o qual
incumbe ao Poder Público, como responsável pela autorização de atividades
econômicas, fiscalizar essas atividades para evitar a produção de danos ao meio
ambiente.
A
construção doutrinária, em sua evolução, chegou ao princípio do
poluidor-pagador, que, segundo Sílvio Sávio Venosa, implica a repartição dos
custos sociais do sistema produtivo e distributivo entre aqueles que assumem o
risco da produção, com a finalidade de evitar que o prejuízo ao meio ambiente
venha a ocorrer.
Entretanto,
a análise decorrente do princípio do poluidor-pagador tem levado ao
entendimento de que se torna possível causar danos ao meio ambiente, que serão
reparados somente com o pagamento de indenizações.
Trata-se
de visão distorcida do princípio que visa proteger o meio ambiente, evitando a
poluição e sua degradação. O pagamento é meio punitivo, mas deverá estar acompanhado
de medidas de prevenção e precaução que deverão ser adotadas pelo empreendedor,
com a fiscalização rigorosa do Estado.
O
princípio do poluidor-pagador deve ser aplicado em conjunto com os princípios
da precaução e da prevenção, para que o pagamento pelo dano não se transforme
em permissão para sua realização.
No
que se refere à proteção do meio ambiente, deve-se ter em mente uma ética de
sobrevivência internacional, porquanto o dano ecológico produzido em qualquer
canto do mundo irá repercutir de forma prejudicial nos demais, desencadeando
reações que, muitas vezes, podem ter consequências imprevisíveis e
incalculáveis, como, por exemplo, no caso do desmatamento da Amazônia.
Daí
por que a teoria da reparação do dano ambiental deve ser estatuída sobre a
responsabilidade objetiva, independentemente de se perquirir sobre a existência
de culpa ou de descumprimento de contrato ou norma jurídica.
Basta que o dano decorra da atividade humana para
que o agente seja responsabilizado.
Impossível, portanto, a arguição de excludentes de ilicitude, pois o dano ao meio ambiente é ilícito em si por ferir preceito constitucional estabelecido no art. 225 da CF.
Impossível, portanto, a arguição de excludentes de ilicitude, pois o dano ao meio ambiente é ilícito em si por ferir preceito constitucional estabelecido no art. 225 da CF.
Não
há possibilidade de arguição da legalidade do ato, para que o agente se isente
de responsabilidade, sendo irrelevante que o empreendedor possua licença para o
exercício da sua atividade.
Se
causar dano, será responsável pela reparação.
Torna-se
patente a relevância dos atos lícitos, mas causadores de danos ressarcíveis e
suscetíveis de responsabilidade objetiva ou por risco. Embora lícitos, os atos
podem causar dano; e, se assim ocorrer, haverá responsabilidade do agente.
Resta,
assim, estatuída verdadeira limitação ao direito de propriedade, uma vez que o
proprietário poderá usar, gozar e dispor de seus bens, desde que sua atuação
não cause danos ao ambiente, limitando-se seu uso com a instituição de reservas
legais, áreas de proteção ambiental, áreas de preservação permanente, visando à
preservação da qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
As
reparações de danos ambientais devem circular em torno desses dois polos:
retorno ao estado anterior e condenação em dinheiro, uma não exclui a outra,
ainda segundo Sílvio Sávio Venosa.
A
responsabilidade por dano ambiental, como dito, é objetiva, decorrente do risco
integral, como adotado, inicialmente, por Hermann Benjamin, abrandada para
risco criado.
O
princípio do poluidor-pagador evoluiu para o princípio do usuário-pagador, já
adotado no Brasil em questões hidrográficas, cobrando-se pela utilização de água,
especialmente na bacia do Rio Parnaíba.
Em
consequência, não só o usuário direto arcará com o pagamento pela utilização do
recurso natural, pois lançará o valor pago como contribuição nos custos de seu
produto ou serviço. Daí resulta que é a coletividade que, ao final, estará
pagando pela utilização do recurso.
Observa-se
que, na aplicação do preceito constitucional, art. 225, todos, Estado e
coletividade, são responsáveis pela preservação do meio ambiente, impedindo-se
a utilização até a exaustão dos recursos naturais, que são indispensáveis para
a preservação da vida saudável das gerações atuais e futuras.
Logo,
nem só o poluidor deverá arcar com a preservação, mas toda a comunidade nela
interessada.
O
Estado, como fiscalizador da ação empreendedora da iniciativa privada, é
responsável direto pelo cumprimento da sua atividade de fiscal e de instituidor
de mecanismos e normas de preservação.
Verificado
o dano ambiental, deverá responder, também objetivamente, pela reparação, sendo
possível, ainda, compeli-lo a criar novos mecanismos de proteção ambiental
mediante os meios processuais existentes, tais como ajustamentos de conduta,
ação civil pública, ação popular.
Haverá
sempre solidariedade passiva pela reparação do dano ecológico, resultando disso
que, sendo impossível individualizar-se o responsável pelo dano, todos serão
solidariamente responsáveis, bastando que atuem em atividade da qual tenha
decorrido a poluição, conforme Fábio Dutra Lucarelli (Responsabilidade civil
pelo dano ecológico. RT, v. 700, p. 16).
Cabe
ao lesado a escolha daquele que será acionado, facultando-se a este buscar o
ressarcimento contra os demais envolvidos, ou contra o causador direto do dano,
se lhe for possível identificá-lo. Porém, por aplicação analógica do Código de
Defesa do Consumidor, não se deve permitir a denunciação à lide dos demais
responsáveis solidários, para se evitar demora na reparação. O ressarcimento
poderá ser buscado em ação autônoma, posteriormente proposta.
Tais
considerações são necessárias, porquanto o Código Florestal vem corroborar essa
política de proteção ao meio ambiente, com controvérsias sobre possível
abrandamento no manejo das florestas e matas, especialmente quanto à sua
recuperação com espécies exógenas.
3
Novo Código Florestal
A
edição do novo Código Florestal constitui avanço na legislação, mas causa
preocupação em virtude da revogação da Lei de 1965, que era norma avançada para
sua época, contendo preceitos que atendiam às expectativas de uso da
propriedade e de preservação do meio ambiente, então construídas.
Porém,
os tempos são outros, as preocupações são mais profundas com a preservação do
meio ambiente e a utilização da propriedade. Na época do Código revogado, nem
sequer se discutia a função social da propriedade, que, de forma tênue e
tímida, foi inserida no Estatuto da Terra, lei esta que pouco foi aplicada.
A
Constituição de 1988 estabeleceu o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, sendo obrigação do Poder Público e da coletividade defendê-lo e
preservá-lo para as gerações presentes e futuras.
O
art. 225 da CF estipula em seu § 1º:
[...]
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Vê-se,
pois, que é norma constitucional o dever de preservação do meio ambiente, assim
como de proteção da fauna e flora.
Aqui
se insere a aplicação do Código Florestal, que tem o objetivo de proteger a
fauna e a flora naturais, à evidência, para preservar o meio ambiente, e não
como um fim em si mesmo, mas como meio de acautelamento da vida.
A
preservação dos recursos naturais é indispensável à conservação do meio
ambiente para as atuais e futuras gerações. Ao fim, para preservar a vida no
planeta, e não apenas para sustentar a vida atual, nos moldes conhecidos.
Não
se pode afastar da análise das leis ambientais, muito menos do Código
Florestal, que a preservação deve caminhar com a busca do desenvolvimento, que,
na atualidade, é chamado de desenvolvimento sustentável, porque se pretende o
crescimento econômico e financeiro, sem se descuidar da preservação dos
recursos naturais que o propiciam. E só será alcançado se os bens naturais
forem protegidos e preservados.
Para
se estudar o novo Código Florestal, é necessária uma comparação, embora
sucinta, das suas normas com aquelas contidas no Código revogado, em especial
no que se refere aos princípios que inspiraram as duas leis: a área de
preservação permanente, a área de reserva legal e a recomposição de áreas
degradadas. Desse estudo comparativo, pode-se concluir se as novas regras serão
eficazes para a conservação das florestas e matas naturais.
Em
interessante estudo elaborado por Jean Paul Metzger, da Universidade de São
Paulo, essas questões são abordadas apenas com relação ao Código Florestal de
1965, mas se prestam como ponto de partida para a análise da nova lei.
A primeira questão a ser abordada é a reserva
legal, que no Código revogado já era tratada, porém com a finalidade de se dar
proteção ao meio ambiente.
A respeito Jean Paul Metzger se manifesta:
A respeito Jean Paul Metzger se manifesta:
O
valor de pequenos fragmentos de RL para a conservação da biodiversidade vem
sendo questionado, levando a propostas de não mais contabilizar essas reservas
por propriedade, mas sim por bacia hidrográfica ou mesmo por bioma, de forma a
agrupar essas áreas em fragmentos maiores, e assim aumentar seu valor
biológico. Esse mecanismo é conhecido como ‘regime de condomínio’ e já foi
inserido no Código Florestal. Essa opção de agregação das RL tem respaldo em
ampla discussão ocorrida nas décadas de 1970 e 1980, que considerava duas
opções principais de conservação: um único fragmento grande, ou vários pequenos
fragmentos de área equivalente ao fragmento grande (em Inglês, Single Large or
Several Small, comumente denominada de SLOSS; ver Simberloff and Abele, 1976,
1982; Diamond, 1975, 1976). Apesar desta questão não considerar fatores
essenciais para uma devida comparação, em particular o tamanho dos fragmentos
pequenos e o grau de isolamento entre eles, a discussão evidenciou que muitos
fragmentos pequenos podem abrigar mais espécies do que um fragmento grande, por
representarem áreas com características distintas, e logo com composições menos
similares. Por outro lado, um fragmento grande é a melhor opção em termos de
manutenção das espécies por longo prazo, pois fragmentos grandes contêm em geral
populações maiores, que são assim mais resistentes a flutuações ambientais,
demográficas ou genéticas (Shaffer, 1987), além de serem menos impactados pelos
efeitos de borda. Enfim, estratégias de conservação que permitam manter as
espécies em longo prazo devem dar prioridade a grandes fragmentos, o que
sustentaria a proposta de agregação de RL de diferentes propriedades numa única
área.
O
Código Florestal de 1965 definia reserva legal como a área localizada no
interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação
permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação
e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao
abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
A
reserva legal já foi tratada por José Bonifácio, o Patriarca da Independência,
sem a conotação de proteção ao meio ambiente, mas com a finalidade de preservar
florestas para o aproveitamento econômico, de exploração de madeiras nobres,
grande fonte de renda ao tempo do Império.
O
Código Florestal de 1965 e o de 2012 são melhores do que as leis de outros
países. A legislação brasileira evitou o desmatamento integral do território
nacional, enquanto na Europa as florestas foram totalmente dizimadas e nos
Estados Unidos pouco sobrou de florestas nativas.
Já
o novo Código define reserva legal como a área localizada no interior de uma
propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de
assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel
rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e
promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de
fauna silvestre e da flora nativa.
Paulo
Bessa Antunes faz referência à natureza jurídica da reserva legal:
Quanto
à natureza jurídica da Reserva Legal, há que se relembrar que ela é uma
obrigação que recai diretamente sobre o imóvel rural, independentemente da
pessoa de seu proprietário; está, pois, ligada à própria coisa, permanecendo
aderida ao bem, enquanto ele existir. O proprietário somente pode dela se
desonerar (a) pela renúncia ao direito sobre a coisa que pode ser manifestada
mediante a utilização de qualquer uma das formas legais aptas para transferir a
propriedade, ou evidentemente pelo (b) perecimento da própria coisa (MILARÉ,
Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei
16.651, de 25 de maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de
2012. São Paulo: RT, 2012, p. 217).
A reserva legal insere-se, pois, no rol das
obrigações reais ou propter rem, que aderem à coisa e a acompanham durante toda
sua existência.
Embora o conceito seja muito semelhante nos dois diplomas legais, constata-se que a lei atual não excetua a área de preservação permanente da reserva legal, permitindo, de forma implícita, que a área total considere ambas, em detrimento da conservação do meio ambiente e em contradição com os princípios da própria lei nova.
Jean Paul Metzer trata da questão:
Embora o conceito seja muito semelhante nos dois diplomas legais, constata-se que a lei atual não excetua a área de preservação permanente da reserva legal, permitindo, de forma implícita, que a área total considere ambas, em detrimento da conservação do meio ambiente e em contradição com os princípios da própria lei nova.
Jean Paul Metzer trata da questão:
Todo
planejamento territorial deveria considerar a heterogeneidade biológica, e um
dos primeiros passos neste sentido é distinguir RL e APP, mantendo estratégias
distintas para a conservação nestas duas situações.
O
segundo mecanismo de flexibilização das RL também já está parcialmente
contemplado no Código Florestal, uma vez que em ‘pequenas propriedades, ou de
posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas
ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em
sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas’ (terceiro parágrafo do
artigo 16). O que se discute, mais recentemente, é a ampliação desta
flexibilização, permitindo que até 50% da RL possa ser composta por espécies
exóticas, como o dendê ou o eucalipto. Qual seria a efetividade da RL em termos
de conservação biológica neste caso? Creio que já temos dados concretos para
responder essa pergunta, em particular vindos de estudos de sistemas
consorciados na Bahia e de plantações de eucalipto na Amazônia e na Mata
Atlântica. Na região de Ilhéus, um grupo de pesquisadores das Universidades
Estaduais de Campinas, São Paulo e Santa Cruz estudou o valor, em termos de
conservação, de um sistema denominado ‘cabruca’, que são plantações de cacau
sombreadas por um dossel de mata (Faria et al., 2006, 2007; Pardini et al.,
2009). A principal conclusão [a] que esses pesquisadores chegaram é que o valor
da cabruca depende do contexto no qual ela se encontra. Em paisagens
predominantemente florestais, com amplas extensões de florestas maduras (ca.
50%), e também com presença de manchas de florestas secundárias (16%) e áreas
produtivas florestadas (no caso, cabrucas, que cobrem 6% da paisagem, e
seringais), as cabrucas conseguem manter uma parcela considerável das
comunidades estudadas (samambaia, sapos, lagartos, morcegos e aves). No
entanto, em outra paisagem vizinha, na qual as cabrucas dominam a paisagem (ca.
82%), e os remanescentes florestais são reduzidos (ca. 5%) e fragmentados,
estes sistemas são extremamente empobrecidos e mantêm uma parcela pequena da biodiversidade
regional (Faria et al., 2006, 2007). Ou seja, a ocorrência ou manutenção da
fauna e flora nativa em cabrucas depende da existência de uma fonte de espécie
próxima relativamente extensa. Isso significa que, em paisagens
predominantemente florestais, tais quais as que se quer conservar na Amazônia,
sistemas similares ao das cabrucas poderiam ser considerados como boas
alternativas de uso sustentável de recursos naturais em parte da RL (sendo que
a extensão destas áreas deve ser estudada com cuidado). No entanto, em outras
regiões do Brasil, onde a vegetação nativa já está consideravelmente reduzida e
fragmentada, RL formadas por sistemas que intercalam espécies plantadas de
interesse econômico com espécies nativas teriam reduzido valor conservacionista,
e esta opção deveria ser evitada.
A
reserva legal se justifica como instituto jurídico aplicável ao solo com
vocação agrícola, pois, como se depreende de sua definição normativa, é área
que, obrigatoriamente, deve ser mantida hígida com vistas a assegurar o uso
sustentável dos recursos naturais e a reabilitação dos processos ecológicos das
áreas que foram desflorestadas com vistas à implantação de atividades agrícolas
ou rurais, conforme lição de Paulo de Bessa Antunes (MILARÉ, Édis; MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de
maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: RT,
2012, p. 229).
Assim,
a reserva legal poderá ser cancelada com abrangência da área de proteção
permanente nela inserida.
Porém,
o novo Código, em seu art. 12, estipula que todo imóvel rural deve manter área
com cobertura de vegetação nativa, a título de reserva legal, sem prejuízo das
normas sobre as áreas de preservação permanente, observados percentuais mínimos
em relação à área do imóvel, que, na lei revogada, não eram estipulados.
Parece
haver uma aparente contradição que, entretanto, não se verifica, pois há
indicação de que as áreas são consideradas em separado como necessário.
Conclui-se,
pois, sobre o tema que, embora haja permissão para se considerarem as duas
áreas - reserva legal e de preservação permanente -, de forma englobada, não se
abrandou sua regulamentação, sendo indispensável a existência de ambas, em
atendimento à Lei 6.938/81, que não foi revogada.
Sobre
o tema discorre Paulo de Bessa Antunes (MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de maio de 2012,
e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: RT, 2012, p. 240):
As
áreas de preservação permanente que forem incluídas no cômputo da reserva legal
não perderão tais características, permanecendo sob o regime que lhes é
próprio, inclusive para fins de supressão. A medida é acertada e não traz
qualquer prejuízo ao proprietário rural.
A
boa novidade do Código Florestal de 2012 é que o art. 16 permite a instituição
de reserva legal em regime de condomínio ou coletiva entre proprietários
rurais.
Sendo
o condomínio uma forma de exercício do direito de propriedade, em que vários
proprietários dividem direitos e obrigações em relação à coisa, na proporção de
suas cotas-partes, poderá haver afetação de parte do bem de cada unidade
autônoma para constituição da reserva legal, em conjunto, alcançando o total
necessário para atender à legislação.
Nesse
caso, os condôminos serão responsáveis pela manutenção da área de reserva
legal, por sua conservação, e se obrigam, na proporção de sua cota-parte, pela
ofensa ao dever de preservação, observada aquela solidariedade que inspira a
Lei 6.938/81.
Trata-se
de mecanismo para ser adotado por condomínios rurais e por pequenos
proprietários que seriam afetados sobremaneira pela constituição de área de
reserva legal independente e que atende à finalidade científica do instituto,
por permitir que sua concentração, criando uma área maior, facilite a
percolação defendida por Jean Paul Metzger.
Se
o imóvel tiver reserva legal em extensão superior à exigida por lei, admite-se
que o proprietário utilize a parte que sobejar em favor de terceiros, com
incentivos econômicos e títulos criados pelo novo Código Florestal.
Outro
ponto que está imbricado com a reserva legal é a área de preservação
permanente, tratada também na Lei 9.638/81, Lei de Política do Meio Ambiente.
O
Código de 1965 definia área de preservação permanente como a área protegida,
coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o
fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas.
Trata-se
de definição consentânea com a Lei 9.638/81, pois enfatiza a função de
preservação de recursos naturais e humanos.
Já
o Código de 2012 define a área de proteção ambiental como aquela, coberta ou
não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o
fluxo gênico da fauna e flora e proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas.
A
polêmica em relação à nova lei, editada em tempos de conscientização ambiental,
de preocupação ecológica, não só pela proteção do meio ambiente, mas com vistas
à preservação da vida para a atual e futuras gerações, é a delimitação da área
de preservação permanente, por sua abrangência com a reserva legal, sem
separação de uma e outra, e pelos termos do art. 4º e do art. 15, desde que
implementados os requisitos ali fixados.
Cabe
aqui o comentário de Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo, sobre a
necessidade e a importância de fixação da área de proteção permanente, em
relação ao local em que está situada, para preservação dos cursos d’água, das
florestas e, especialmente, da fauna.
A
efetividade destas faixas de vegetação remanescente certamente depende de uma
série de fatores, dentre eles o tipo de serviço ecossistêmico considerado e a
largura de vegetação preservada.
Por
exemplo, há dados que indicam que larguras de 30 m seriam suficientes para as
matas ripárias retirarem da água do lençol freático boa parte dos nitratos
vindos dos campos agrícolas (Pinay and Décamps, 1986). No entanto, dada suas
múltiplas funções, incluindo a fixação de solo, proteção de recursos hídricos e
conservação de fauna e flora, deve-se pensar na largura mínima suficiente para
que esta faixa desempenhe de forma satisfatória todas as suas funções. Por
consequência, a definição desta largura no âmbito do Código Florestal deveria
respeitar a função mais exigente. Eu não pretendo aqui fazer uma ampla revisão
sobre a influência da largura das APP, mas penso que a conservação da
biodiversidade possa ser um dos fatores mais limitantes para a definição de
larguras mínimas, e por isso foquei minha revisão neste aspecto, dando ênfase
ao caso das matas ripárias.
Em
termos biológicos, os corredores são reconhecidos como elementos que facilitam
o fluxo de indivíduos ao longo da paisagem. Em paisagens fragmentadas, quando o
habitat original encontra-se disperso em inúmeros fragmentos, isolando e
reduzindo o tamanho das populações nativas, a sobrevivência das espécies
depende de suas habilidades de se deslocarem pela paisagem.
Nestas
condições, os corredores podem ter papel capital, pois muitas espécies não
conseguem usar ou cruzar áreas abertas criadas pelo homem, nem quando se trata
de áreas muito estreitas como estradas (Develey and Stouffer, 2001), e a existência
de uma continuidade na cobertura vegetacional original é assim essencial.
Dentre os benefícios dos corredores, já comprovados por pesquisa no Brasil,
estão o aumento da diversidade genética (Almeida Viera and de Carvalho, 2008),
o aumento da conectividade da paisagem, possibilitando o uso de vários pequenos
fragmentos remanescentes de habitat, que isoladamente não sustentariam as
populações (Awade and Metzger, 2008; Boscolo et al., 2008; Martensen et al.,
2008), a amenização dos efeitos da fragmentação (Pardini et al., 2005), e o
potencial de amenizar os impactos de mudanças climáticas, numa escala temporal
mais ampla (Marini et al., 2009).
A
importância de florestas ripárias foi evidenciada em diferentes biomas
brasileiros, e para diferentes grupos taxonômicos. A maior parte dos estudos
foi feita na Floresta Atlântica (Metzger et al. 1997; Uezu et al. 2005;
Marinho-Filho and Verissimo 2007; Keuroghlian and Eaton 2008; Maltchik et al.
2008; Martensen et al. 2008), mas existem dados também para Floresta Amazônica
(Lima and Gascon 1999; Michalski et al. 2006; Lees and Peres 2008), Caatinga
(Moura and Schlindwein 2009), Pantanal (Quigley and Crawshaw 1992) e Cerrado
(Tubelis et al. 2004). Em relação aos grupos taxonômicos, há dados para árvores
(Metzger et al. 1997), anfíbios (Lima and Gascon J.P. Metzger, Conservação e
Natureza, 2010, 8(1), no prelo 1999; Maltchik et al. 2008), aves (Tubelis et
al. 2004; Uezu et al. 2005; Martensen et al. 2008), grandes mamíferos (Quigley
and Crawshaw 1992; Marinho-Filho and Verissimo 2007; Keuroghlian and Eaton
2008; Lees and Peres 2008), pequenos mamíferos (Lima and Gascon 1999) e abelhas
(Moura and Schlindwein 2009).
Não
há dúvidas de que, independentemente do bioma ou do grupo taxonômico
considerado, toda paisagem deveria manter corredores ripários, dados os seus
benefícios para a conservação das espécies.
Os
benefícios dos corredores podem estar relacionados à largura, extensão,
continuidade e qualidade dos corredores (Laurance and Laurance 1999), à
topografia e largura das áreas de influência ripária (Metzger et al. 1997),
entre outros fatores, mas sem dúvida o fator mais importante é a largura. Esta
largura afeta a qualidade do habitat, regulando a área impactada pelos efeitos
de borda, i.e. pelas modificações microclimáticas e pelo aumento das
perturbações que ocorrem nas bordas destes habitats. Em ambiente florestal, há
aumento da luminosidade e do ressecamento do ar e do solo, além de um aumento
na entrada de espécies invasoras e generalistas (vindas de áreas antrópicas), e
de perturbações ocasionais (rajadas de vento, queimadas) que excluem algumas
espécies nativas, mais especializadas em sombra, e levam a uma maior
mortalidade. Esses efeitos de borda podem variar em extensão em função das
espécies e dos processos considerados, e também de acordo com as
características físicas do local, em particular com a orientação solar, a
latitude e o tipo de matriz de ocupação adjacente, que influenciam na
quantidade de radiação solar incidente. De uma forma geral, os efeitos mais
intensos ocorrem nos 100 primeiros metros (Laurance et al, 2002), o que implica
que corredores com menos de 200 m são formados essencialmente por ambientes de
borda, altamente perturbados. Assim, alguns autores sugerem que corredores
estreitos perderiam parte de sua utilidade, por favorecerem unicamente espécies
generalistas, que suportam os efeitos de borda (Santos et al, 2008; Lopes et
al, 2009). Espécies mais estritamente florestais necessitariam de corredores de
pelo menos 200 m de largura (Laurance and Laurance 1999; Lees and Peres 2008).
Embora
o legislador atual tenha mais conhecimento das interferências da ação humana no
meio ambiente, tenha mais conhecimento técnico e científico dos resultados
dessa interferência, foram mantidas as larguras mínimas das faixas marginais e
das áreas de entorno de lagos e lagoas, bem como em relação às zonas rurais e
urbanas contidas na lei revogada.
Vê-se,
pois, que o legislador não avançou em técnica, não aproveitou seu conhecimento,
tampouco a grande discussão travada nas audiências públicas realizadas ao longo
da tramitação da nova lei para buscar efetiva proteção ao meio ambiente e, em
particular, às florestas e matas nativas.
O
Código Florestal de 2012 determina que a vegetação situada em área de
preservação permanente deverá ser mantida pelo proprietário, possuidor ou
ocupante a qualquer título.
Nesse
ponto a lei nova avançou porque responsabiliza não só o proprietário, mas o possuidor
ou ocupante a qualquer título, impondo-se observar que os movimentos sociais de
reivindicação de terras são também responsáveis pela preservação das APPs, em
clara sinalização de que lhes será cobrada por atuação ofensiva ao meio
ambiente.
O
terceiro ponto a ser discutido é a recomposição da reserva legal e das áreas de
preservação permanente, que, segundo o art. 17, § 4º, dever ser iniciada em
dois anos a contar da publicação da lei, e ser concluída nos prazos
estabelecidos pelo Programa de Regularização Ambiental, tratado no art. 59.
De
conformidade com o disposto no art. 61-A, nas áreas de preservação permanente,
é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris,
de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho
de 2008, sendo vedada a instalação de outras atividades em data posterior.
Os
diversos parágrafos do dispositivo legal tratam da recomposição das áreas,
dependendo da sua situação geográfica, permitindo, em alguns casos, adoção de espécies
nativas, e, em outros, de espécies exóticas e nativas, na proporção de 50% cada
uma.
A
mesma permissão é encontrada no art. 66, que beneficia o proprietário ou
possuidor que detinha, em 22 de julho de 2008, área de reserva legal em
extensão inferior ao estabelecido no art. 123, que poderá regularizar sua
situação, adotando a recomposição da área, mediante plantio intercalado de
espécies nativas com exóticas ou frutíferas, em sistema agroflorestal, conforme
parâmetros indicados no parágrafo terceiro.
Aqui,
mais uma vez, é pertinente a lição de Jean Paul Metzger, quando trata da teoria
da percolação, amplamente utilizada em ecologia para questões de conectividade
biológica.
Esse
conjunto de dados indica a necessidade de se manter 60 a 70% do habitat original
para que a paisagem tenha uma estrutura adequada para fins de conservação.
Valores mais baixos de cobertura nativa ainda poderiam resultar em estruturas
favoráveis para conservação, mas isso unicamente no caso de haver forte
agregação deste habitat (Metzger 2001). Porém, como o controle sobre a
agregação das RL não é uma tarefa fácil em termos operacionais, esta opção não
deveria ser considerada.
Na
Amazônia, onde temos um vasto patrimônio biológico e genético ainda pouco
conhecido, e relativamente conservado, dever-se-ia manter paisagens com pelo
menos 60% de cobertura (Metzger 2002), ou de preferência com mais de 70%, para
se evitar os efeitos iniciais da redução brusca do tamanho dos fragmentos.
Com essas considerações científicas, pode-se
concluir que a permissão de recomposição de áreas de preservação permanente e
de reserva legal com espécies exóticas causará impacto grave no meio ambiente,
prejudicando, em especial, a fauna, que não se beneficiará da vegetação
indispensável para sua sobrevivência.
A nova lei cria o Cadastro Ambiental Rural, que inexistia no regime do Código Florestal de 1965, que consiste no registro eletrônico de âmbito nacional, no sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - Sinima, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
A nova lei cria o Cadastro Ambiental Rural, que inexistia no regime do Código Florestal de 1965, que consiste no registro eletrônico de âmbito nacional, no sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - Sinima, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
Seu
objetivo é de promover e apoiar a regularização ambiental de imóveis rurais
para recuperação de áreas de preservação permanente.
Trata-se
de avanço para o controle da situação dos imóveis rurais, com a finalidade de
cumprir os objetivos da lei, sendo obrigatório.
Com
a instituição do Cadastro Ambiental Rural, que será gerido por órgão ambiental
estadual, e por ele emitido de forma virtual, a Reserva Legal, doravante,
quando for instituída, não será registrada em Cartório de Registro de Imóveis.
É
mecanismo que afasta a característica de publicidade e de aderência erga omnes
da área de reserva legal em relação à propriedade, e conferida pela atual
sistemática fundada no registro público.
Embora
o órgão estadual, que providenciará o registro das novas áreas de reserva legal
seja público, não serão preservadas aquelas características, que garantem a
preservação da área de reserva legal, impedindo sua utilização em detrimento do
meio ambiente, e sua oposição a terceiros.
Não
se trata, no entanto, do abrandamento ou limitação da Reserva Legal, cuja
existência está assegurada pelos arts. 3º, III, 12 a 16, 17 a 24.
Observa-se,
contudo, que o art. 12, §§ 3º e 4º, condiciona a supressão de novas áreas de
floresta ou outras formas de vegetação nativa à autorização do órgão ambiental
estadual e ao registro da propriedade no Cadastro Ambiental Rural, permitindo a
redução da área de Reserva Legal para até 50% para fins de recomposição se o
município tiver mais de 50% da área ocupada por unidades de conservação da
natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas.
Há
um evidente risco de redução da área da Reserva Legal, se for admitido que
determinados municípios possuem mais de 50% da sua área ocupada por unidades de
conservação da natureza de domínio público, situação só vivenciada em alguns
municípios do estado do Rio Grande do Sul. E mais, o abrandamento da área de
Reserva Legal em terras indígenas homologadas permite sua redução ou
eliminação, pois nesses locais a fiscalização é tênue, sob a justificativa de
autonomia dos indígenas.
O
art. 78-A estipula que, após cinco anos da publicação da lei, as instituições
financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades,
para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no Cadastro
Ambiental Rural.
É
penalidade muito branda em comparação à norma que se quer cumprir, ao objetivo
da criação do cadastro e ao espírito da lei.
Impõe-se,
ainda, observar que o novo Código Florestal não prevê penalidades para aqueles
que descumprirem seus preceitos, senão aquela do art. 78-A, deixando assim a
punição para os que infringirem o direito florestal para as Leis 6.938/81 e
9.605/98.
O
Código Florestal de 1965 considerava como contravenções penais as infrações aos
seus dispositivos, conforme art. 26, prevendo penalidades variáveis e
consentâneas com os descumprimentos.
Na atualidade, vige a Lei 9.605/98, que prevê
penalidades nos arts. 6º a 13 e tipifica como crimes as condutas descritas nos
arts. 29 e seguintes.
A punição pelas ofensas ao meio ambiente, seja em relação às florestas e matas nativas, seja de outra natureza, será conforme a Lei 9.605/98.
A punição pelas ofensas ao meio ambiente, seja em relação às florestas e matas nativas, seja de outra natureza, será conforme a Lei 9.605/98.
Com
a vigência do novo Código Florestal, instaurou-se discussão sobre a
intertemporalidade da lei, com pretensão de incidência das novas regras em
processos em andamento, concluindo o egrégio Superior Tribunal de Justiça que o
novo código não prevê anistia geral, universal e incondicional das penalidades
antes aplicadas.
Em
voto magistral, o eminente Ministro Herman Benjamin salienta que “a recuperação
do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de
rigor”.
E
mais, “vale dizer, a regra geral é que os autos de infração lavrados continuam
plenamente válidos, intangíveis e blindados, como ato jurídico perfeito que são
- apenas sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa, no
aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC”.
Em
conclusão, “é de ser inviável a aplicação da norma mais recente com a
finalidade de validar ato praticado na vigência da legislação anterior que,
expressamente, contrariou a lei então em vigor”.
A
respeito da aplicação das normas do novo código às situações pretéritas, Paulo
de Bessa Antunes (in MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código
Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de maio de 2012, e à Med. Prov.
571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p.
223) cita Paul Roubier:
Um
dos mais importantes autores a teorizar sobre o chamado ‘direito transitório’
foi o professor francês Paul Roubier, que elaborou teoria com amplo espectro
para a qual ele se utilizou do conceito de situação jurídica, distinguindo
diferentes momentos: (a) a criação, (b) os efeitos em curso e (c) a extinção,
sugerindo a seguinte solução: a criação de uma situação jurídica (inclusive
aquisição de um direito), assim como os efeitos já produzidos são e continuam
sendo regidos pela lei em vigor, no momento da criação ou da aquisição, assim
como suas causas de extinção procedem, com ‘efeito imediato’, da nova lei. Em
outras palavras, a nova lei apreende imediatamente a situação em curso, mas não
pode modificar, sob pena de agir retroativamente, as consequências que tais
situações já produziram.
Impõe-se
frisar que o Código Florestal de 2012 só trata de anistia para atos praticados
até 22 de julho de 2008 e desde que haja inscrição no Cadastro Ambiental Rural,
não atingindo atos praticados após essa data.
4
Conclusão
Constata-se
que os objetivos do Código Florestal, indicados no art. 1º-A, são nobres e
voltados para a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa, com
afirmação da importância estratégica da atividade agropecuária e das demais
formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na
melhoria da qualidade de vida da população, estipulando a responsabilidade
comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a
sociedade civil, na criação de políticas de preservação e restauração da
vegetação nativa.
Entretanto,
tais objetivos, nobres e voltados para a preservação do meio ambiente, são
assegurados de forma tímida e incoerente em relação à importância do bem a ser
protegido.
A
nova lei, com os vetos presidenciais, não resultou em aprimoramento do sistema
de proteção ao meio ambiente.
Porém,
como ainda estão em vigor as Leis 6.938/81 e a Lei 9.605/98, de proteção ao
meio ambiente e de crimes contra o meio ambiente, a aplicação do Código
Florestal deverá ser conjugada com os dispositivos daqueles diplomas legais, de
forma a garantir a conservação da natureza com vistas à sua preservação para a
atual e futuras gerações”.
5
Referências
BORDALIS,
Andre S. Tutela jurisdicional del medio ambiente. Universidad Austral de Chile:
Editorial Fallos.
BRASIL.
Câmara dos Deputados. Relatório Aldo Rebelo. Centro de Documentação e
Informação Coordenação Edições Câmara, Brasília, 2010.
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2009.
HUTCHISON,
Tomas. Dano ambiental. Buenos Aires: Rubinzal-Culzon Editores.
METZGER,
Jean Paul. O Código Florestal tem base científica? Universidade de São Paulo.
Disponível em: .
MILARÉ,
Édis. Ministério Público e a responsabilidade civil nas atividades
modificativas do meio ambiente, Revista dos Tribunais, v. 623, p. 35-39.
MILARÉ,
Édis; MACHADO, Paulo Afonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei
12.651, de 25 de maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de
2012. São Paulo: RT, 2012.
STOCO,
Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São
Paulo: RT, p. 267”.
http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/artigos/detalhe-46.htm#.UofSRXC-ox0
. Acesso: 16/11/13
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