No
Brasil, a maioria das obrigações contratuais dos profissionais liberais
é considerada de meio. Ou seja, o resultado esperado pelo consumidor
não é necessariamente alcançado, embora deva ser buscado.
De
acordo com a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), “a obrigação de meio limita-se a um dever de
desempenho, isto é, há o compromisso de agir com desvelo, empregando a
melhor técnica e perícia para alcançar um determinado fim, mas sem se
obrigar à efetivação do resultado”.
Para
o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma, nas obrigações de meio
é suficiente que o profissional “atue com diligência e técnica
necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado”.
O
médico que indica tratamento para determinada doença não pode garantir a
cura do paciente. O advogado que patrocina uma causa não tem o dever de
entregar resultado favorável ao cliente. Nessas hipóteses, caso o
consumidor não fique satisfeito com o serviço prestado, cabe a ele
comprovar que houve culpa do profissional. Por essa razão, as chances de
obter uma reparação por eventuais danos causados por negligência,
imperícia ou imprudência do prestador de serviços são menores.
Condição
Existem,
em menor escala, situações em que o compromisso do profissional é com o
resultado - o alcance do objetivo almejado é condição para o
cumprimento do contrato. Nancy Andrighi explica que “o contratado se
compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da
própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta”.
Grande
parte da doutrina considera que o cirurgião plástico que realiza
procedimento estético compromete-se com o resultado esperado por quem se
submeteu à sua atuação. O STJ tem entendido que, nessa espécie, há
presunção de culpa do profissional, com inversão do ônus da prova. Em
outras palavras, cabe a ele demonstrar que o eventual insucesso não
resultou de sua ação ou omissão, mas de culpa exclusiva do contratante,
ou de situação que fugiu do seu controle.
Doutrina francesa
A
distinção entre obrigações de resultado e de meio não está prevista na
legislação brasileira, nem mesmo há consenso na doutrina pátria sobre o
assunto. O entendimento majoritário é aquele formulado por Renè Demogue,
que foi adotado pela doutrina francesa.
Segundo
o jurista francês, nas palavras de Teresa Ancona Lopez, “na obrigação
de meio a finalidade é a própria atividade do devedor e na obrigação de
resultado, o resultado dessa atividade”.
Contudo,
há quem considere, como o professor Pablo Rentería, que a divisão
proposta pela doutrina francesa - a qual atribui ao consumidor o ônus de
provar a culpa do profissional nas obrigações de meio - é contrária à
atual evolução da responsabilidade civil, “dificultando a tutela
jurídica da vítima, em particular do consumidor, vítima da atuação
desastrosa do profissional liberal, a quem se incumbe, via de regra,
obrigação de meios” (Obrigações de Meio e de Resultado: Análise
Crítica).
No
mesmo sentido, o professor Luiz Paulo Netto Lôbo afirma que a
classificação é “flagrantemente incompatível com o princípio da defesa
do consumidor, alçado a condicionante de qualquer atividade econômica,
em que se insere a prestação de serviços dos profissionais liberais”
(Responsabilidade Civil do Advogado).
Veja nesta matéria como o STJ tem se posicionado sobre o tema ante a falta de previsão legal e as divergências doutrinárias.
Procedimento odontológico
Ao julgar o REsp 1.238.746, a
Quarta Turma reconheceu a responsabilidade de um dentista que realizou
tratamento ortodôntico malsucedido. Naquela ocasião, os ministros
entenderam que o ortodontista tem a obrigação de alcançar o resultado
estético e funcional acordado com o paciente. Caso não o faça, deve
comprovar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou
mesmo que o insucesso se deu por culpa exclusiva do paciente.
A
paciente contratou os serviços do dentista para corrigir o
desalinhamento de sua arcada dentária, além de um problema de mordida
cruzada. Segundo ela, o profissional não cumpriu o combinado e ainda lhe
extraiu dois dentes sadios. Diante disso, ela recorreu ao Poder
Judiciário para receber indenização, além de ressarcimento dos valores
pagos ao dentista.
Tanto
o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do
Sul (TJMS) entenderam que o ortodontista faltou com o dever de cuidado e
de emprego da técnica adequada. No STJ, o dentista alegou que não
poderia ser responsabilizado pela falta de cuidados da paciente, que,
segundo ele, não seguiu suas prescrições e procurou outro profissional.
Estético e funcional
“Nos
procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais
da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo
resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho
estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade”, afirmou o
relator, ministro Luis Felipe Salomão.
Salomão
verificou no acórdão do TJMS que, além de o tratamento não ter obtido
os resultados esperados, ainda causou danos físicos e estéticos à
paciente. Ele concordou com as instâncias ordinárias quando afirmaram
que, mesmo que se tratasse de obrigação de meio, o profissional deveria
ser responsabilizado.
A Quarta Turma, em decisão unânime, negou provimento ao recurso do ortodontista.
Fundo de investimento
Para
os ministros da Quarta Turma, não fica caracterizado defeito na
prestação de serviço quando o gestor de negócios não garante ganho
financeiro ao cliente. Embora o agente financeiro seja remunerado pelo
investidor para escolher as aplicações mais rentáveis, ele não assume
obrigação de resultado, mas de meio - de bem gerir o investimento, na
tentativa de obter o máximo de lucro.
No
julgamento do REsp 799.241, o colegiado afastou a responsabilidade
civil do gestor de um fundo de investimento pelos prejuízos sofridos por
cliente com a desvalorização do Real ocorrida em 1999.
Ao
analisar o processo, o ministro Raul Araújo afirmou que, “sendo a perda
do investimento um risco que pode, razoavelmente, ser esperado pelo
investidor desse tipo de fundo, não se pode alegar defeito no serviço,
sem que haja culpa por parte do gestor”.
Para
o ministro, a culpa do gestor não ficou comprovada. “A abrupta
desvalorização do real, naquela ocasião, embora não constitua um fato de
todo imprevisível no cenário econômico, sempre inconstante, pegou de
surpresa até mesmo experientes analistas do mercado financeiro”, disse.
Além
disso, segundo o ministro, o consumidor buscou aplicar recursos em
fundo arriscado, objetivando ganhos muito maiores que os de
investimentos conservadores, “sendo razoável entender-se que conhecia
plenamente os altos riscos envolvidos em tais negócios especulativos”.
Rinoplastia
Sérgio
Cavalieri Filho ensina que, “no caso de insucesso na cirurgia estética,
por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do
médico que a realizou, cabendo-lhe elidir essa presunção mediante prova
da ocorrência de fator imponderável capaz de afetar o seu dever de
indenizar” (Programa de Responsabilidade Civil).
Em outubro de 2013, a
Terceira Turma do STJ analisou o caso de um paciente que teve de se
submeter a três cirurgias plásticas de rinoplastia para corrigir um
problema estético no nariz. Ele não ficou satisfeito com o resultado das
duas primeiras operações e decidiu buscar o Poder Judiciário para
receber do cirurgião responsável indenização por danos materiais e
morais (REsp 1.395.254) .
Vencido
o prazo estabelecido pelo cirurgião para que o nariz retornasse ao
estado normal, o operado verificou que a rinoplastia não tinha dado
certo. O médico realizou nova cirurgia, dessa vez sem cobrar. Contudo,
segundo alegou o paciente, o novo procedimento agravou ainda mais o seu
quadro, levando-o a procurar outro médico para realizar a terceira
cirurgia.
O
juiz de primeira instância julgou o pedido improcedente e o Tribunal de
Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a sentença com base em prova
pericial, a qual teria comprovado que a cirurgia plástica foi realizada
em respeito às normas técnicas da medicina.
A
ministra Nancy Andrighi constatou que, para afastar a responsabilidade
do médico, o TJSC levou em consideração apenas a conclusão da perícia
técnica, deixando de aplicar a inversão do ônus da prova.
Contudo,
segundo a ministra, nas obrigações de resultado, o uso da técnica
adequada na cirurgia não é suficiente para isentar o médico da culpa
pelo não cumprimento de sua obrigação. “Se, mesmo utilizando-se do
procedimento apropriado, o profissional liberal não alcançar os
resultados dele esperados, há a obrigação de indenizar”, ressaltou.
Para
Andrighi, devido à insuficiência da prova pericial realizada e da
necessidade de inversão do ônus da prova, “o acórdão recorrido merece
reforma”.
Perda do prazo
De
acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, a obrigação assumida pelo
advogado, em regra, não é de resultado, mas de meio, “uma vez que, ao
patrocinar a causa, obriga-se a conduzi-la com toda a diligência, não se
lhe impondo o dever de entregar um resultado certo”.
Dessa
forma, Salomão explica que o profissional responde pelos erros de fato e
de direito que venha a cometer no desempenho de sua função, “sendo
certo que a apuração de sua culpa ocorre casuisticamente, o que nem
sempre é uma tarefa fácil”.
Em março de 2012, a
Quarta Turma negou provimento ao recurso especial de uma parte que
pretendia receber indenização do advogado que contratou para interpor
recurso em demanda anterior, em razão de ele ter perdido o prazo para
recorrer.
Para
Salomão, relator do recurso, é difícil prever um vínculo claro entre a
negligência do profissional e a diminuição patrimonial do cliente. “O
que está em jogo, no processo judicial de conhecimento, são apenas
chances e incertezas que devem ser aclaradas em juízo de cognição”,
afirmou.
Isso
quer dizer que, ainda que o advogado atue de forma diligente, o sucesso
no processo judicial não depende só dele, mas também de fatores que
estão fora do seu controle. Os ministros concluíram que o fato de o
advogado perder o prazo para contestar ou interpor recurso não resulta
na sua automática responsabilização civil (REsp 993.936).
Cirurgia de mama
Há
o entendimento pacificado no STJ de que a responsabilidade dos médicos
em cirurgias estéticas é com o resultado. E quando a cirurgia apresenta
natureza mista, ao mesmo tempo estética e reparadora? Nessa hipótese, “a
responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser
analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua
parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora”, ensina a
ministra Nancy Andrighi.
Em setembro de 2011, a
Terceira Turma julgou o caso de uma mulher que foi submetida a cirurgia
de redução dos seios porque era portadora de hipertrofia mamária
bilateral. O procedimento tinha objetivo de melhorar sua saúde e sua
aparência, entretanto, o resultado da cirurgia foi frustrante. As mamas
ficaram com tamanho desigual e cicatrizes muito aparentes, além disso,
houve retração do mamilo direito.
O
juízo de primeiro grau negou os pedidos feitos pela paciente na ação
indenizatória ajuizada contra o médico e o Hospital e Maternidade Santa
Helena. Para o magistrado, “as complicações sofridas pela autora devem
ser consideradas como provenientes de caso fortuito, a excluir a
responsabilidade dos réus”.
Danos morais
O
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deu parcial provimento ao
recurso da paciente, para condenar os responsáveis ao pagamento de danos
morais.
No
STJ, ao julgar recurso contra a decisão, a ministra Nancy Andrighi
disse que, “ainda que se admita que o intuito primordial da cirurgia era
reparador, o médico jamais poderia ter ignorado o seu caráter estético,
mesmo que isso não tivesse sido consignado no laudo que confirmou a
necessidade da intervenção”.
Ela
acrescentou que o uso da técnica adequada na cirurgia não é suficiente
para isentar o recorrente da culpa pelo não cumprimento de sua
obrigação. “Se, mesmo utilizando-se do procedimento apropriado, o
recorrente não alcançou os resultados dele esperados, há a obrigação de
indenizar”, declarou.
Quanto
à indenização, Andrighi sustentou que o valor arbitrado pelo TJMG,
correspondente a 85 salários mínimos, “nem de longe se mostra excessivo à
luz dos julgados desta Corte, a ponto de justificar a sua revisão”
(REsp 1.097.955).
Processos relacionados: REsp 1238746, REsp 799241, REsp 1395254, REsp 993936 e REsp 1097955
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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