“Histórias
de togas e becas alimentam folclore de tribunais; veja algumas
Uso dos
trajes é obrigatório para ministros e advogados no Supremo.
Ex-ministro
conta caso de toga rasgada; defensor foi chamado de 'Batman'.
Mariana
Oliveira
Do G1, em
Brasília
Entre os
muitos elementos que compõem um julgamento na mais alta corte do país, o
Supremo Tribunal Federal (STF), está o traje usado por ministros e advogados
que falam no púlpito: as togas para os magistrados e as becas para os
defensores.
Desde o
início do julgamento do processo do mensalão, na semana passada, a vestimenta –
que é um tipo de capa preta que pode ser longa ou curta – foi responsável por
situações engraçadas no plenário do Supremo.
Um advogado
quase defendeu a cliente com a beca do avesso. Alertado por uma jornalista,
vestiu o traje do jeito correto poucos minutos antes de ir ao púlpito. Outro levou
os colegas aos risos ao comentar que comprou uma beca específica para o
julgamento pela internet. Um terceiro advogado levou orações dentro da beca.
Embora becas
e togas sejam muito parecidas e dois dos principais dicionários da língua
portuguesa – Houaiss e Aurélio – afirmem que são palavras sinônimas, para os
juristas, há uma diferença primordial: só os juízes usam togas. Os demais
atuantes no ramo do direito utilizam becas.
Um ministro
tinha uma toga que ficava sempre muito bem guardada. O certo é que a toga
rasgou e ninguém percebeu. Ele só se deu conta quando entrava em fila no
tribunal com os outros ministros. No outro dia, os jornais deram destaque para
o fato, do ministro de toga rasgada"
Carlos
Velloso, ex-ministro e ex-presidente do STF
A toga
começou a ser usada na Roma Antiga – antes de Cristo – e é um dos símbolos da
magistratura. “[Toga] Alerta, no juiz, a lembrança de seu sacerdócio. E incute
no povo, pela solenidade, respeito maior aos atos judiciários”, sintetizou o
ex-ministro Mário Guimarães no livro “O juiz e a função jurisdicional”.
Uma frase
dita por um dos advogados que falaram na semana passada durante o julgamento do
mensalão mostra bem a diferença de interpretação entre toga e beca. Ele falava
do pai, magistrado, que passou a advogar.
“Papai
envergou a toga, mas não se despiu da beca. Isso me mostrou que nós, advogados
e juízes, somos irmãos. Por isso, declaro minha honra e emoção de estar nessa
tribuna.” A frase é de Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defendeu a
acusada Ayanna Tenório, ex-vice presidente do Banco Rural.
Toga rasgada
O
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, que já presidiu a
corte, afirma que a toga, usada em todos os tribunais, é muitas vezes ignorada
por magistrados de primeiro grau. Ele lembra, porém, que sempre usava quando
era juiz de primeira instância em Minas Gerais. “Eu tinha estado em Paris. Fui
visitar a corte e notei o seguinte: a respeitabilidade e austeridade que
impunham as togas. Achei interessante e incentivei o uso”, contou.
Era uma beca
esvoaçante, grande. Um promotor queria me desqualificar. Começou a citar os
presentes e disse: doutor fulano, doutor tal, doutor Marcelo Leal. Então ele
olhou e disse: Batman! Quando fui dar aula no outro dia tinha um símbolo do
Batman na sala de aula"
Ele explicou
ainda que, nos tribunais superiores, o uso da toga é exigido até no dia a dia.
“No trabalho
diário, usa-se uma capa curta, sem maiores formalidades. [...] A toga de
solenidades é de seda e geralmente é dada aos ministros por amigos, familiares
ou pelo estado que ele representa. Existe todo um cuidado, a sala de togas,
cada ministro tem um armário. O capinha [auxiliar do ministro] fica com a
chave. Em muitos casos, [a toga] tem valor sentimental”, conta Velloso.
O
ex-ministro lembrou um caso que, segundo ele, ocorreu quando atuava no extinto
Tribunal Federal de Recursos. “Um ministro tinha uma toga que ficava sempre
muito bem guardada. O certo é que a toga rasgou e ninguém percebeu. Ele só se
deu conta quando entrava em fila no tribunal com os outros ministros. No outro
dia, os jornais deram destaque para o fato, do ministro de toga rasgada”,
lembrou.
O advogado
Marcelo Leal, que também defende réu do processo do mensalão e atua nos
tribunais superiores, disse que o uso da toga é opcional, mas que usa por
respeito às tradições.
“No nosso
estatuto, o uso da beca aparece como direito do advogado. Mas, em alguns
tribunais, se subir sem beca, o presidente não vai admitir que o advogado
fale”, disse. A lei 8.906/1944, que criou o Estatuto da Advocacia, afirma que é
direito do advogado “usar os símbolos privativos da profissão de advogado”, mas
não faz referência específica à beca.
Marcelo Leal
contou que a beca já foi responsável por confrontos e momentos divertidos em
sua atuação como advogado.
“Teve um
júri que fui fazer em Aracaju (SE) e esqueci a beca no hotel. Quando cheguei na
audiência, percebi e pedi para um estagiário ir buscar. No início, tive que
fazer um questionamento e, como o estagiário não tinha chegado, fui sem beca. O
promotor, para me deixar desconfortável, disse que tinha uma beca para me
emprestar. Eu respondi que não caberia bem em mim a beca da acusação”, lembrou
ele, e completou afirmando que atualmente só usa a beca disponível nos
tribunais.
O advogado
Marcelo Leal ao defender cliente no púlpito do Supremo (Foto: Gervásio Baptista
/ SCO / STF)
No Supremo,
há um armário com becas para advogados que, eventualmente, esquecerem seus
trajes. “Eu percebi que colegas de São Paulo trazem as próprias becas. Eu uso a
que tiver mesmo”, brincou.
O advogado
lembrou ainda outro caso que, segundo ele, o tornou alvo de uma brincadeira na
universidade em que lecionava. “Era uma beca esvoaçante, grande. Um promotor
queria me desqualificar. Começou a citar os presentes e disse: 'doutor fulano,
doutor tal, doutor Marcelo Leal'. Então ele olhou e disse: 'Batman!' Quando fui
dar aula no outro dia, tinha um símbolo do Batman na sala de aula”, relembra.
Ele contou
ainda ter ouvido de um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral uma versão
sobre a origem da obrigatoriedade da beca no púlpito do Supremo Tribunal
Federal.
“Quando o
Supremo foi instalado em Brasília, não se exigia a beca. Os advogados falavam
sem beca. E tinha um advogado antigo, que engordou muito, e as camisas não
serviam mais nele. Um botão ficava aberto, aparecendo parte da barriga. O
presidente naquela época não gostou e instituiu: a partir de agora, todo mundo
usa beca. Então, esse é o motivo da obrigatoriedade. A barriga desse advogado”,
contou aos risos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Qualquer sugestão ou solicitação a respeito dos temas propostos, favor enviá-los. Grata!