quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Histórias de togas e becas alimentam folclore de tribunais; veja algumas

“Histórias de togas e becas alimentam folclore de tribunais; veja algumas

Uso dos trajes é obrigatório para ministros e advogados no Supremo.
Ex-ministro conta caso de toga rasgada; defensor foi chamado de 'Batman'.
Mariana Oliveira
Do G1, em Brasília
Entre os muitos elementos que compõem um julgamento na mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF), está o traje usado por ministros e advogados que falam no púlpito: as togas para os magistrados e as becas para os defensores.
Desde o início do julgamento do processo do mensalão, na semana passada, a vestimenta – que é um tipo de capa preta que pode ser longa ou curta – foi responsável por situações engraçadas no plenário do Supremo.
Um advogado quase defendeu a cliente com a beca do avesso. Alertado por uma jornalista, vestiu o traje do jeito correto poucos minutos antes de ir ao púlpito. Outro levou os colegas aos risos ao comentar que comprou uma beca específica para o julgamento pela internet. Um terceiro advogado levou orações dentro da beca.
Embora becas e togas sejam muito parecidas e dois dos principais dicionários da língua portuguesa – Houaiss e Aurélio – afirmem que são palavras sinônimas, para os juristas, há uma diferença primordial: só os juízes usam togas. Os demais atuantes no ramo do direito utilizam becas.
Um ministro tinha uma toga que ficava sempre muito bem guardada. O certo é que a toga rasgou e ninguém percebeu. Ele só se deu conta quando entrava em fila no tribunal com os outros ministros. No outro dia, os jornais deram destaque para o fato, do ministro de toga rasgada"
Carlos Velloso, ex-ministro e ex-presidente do STF
A toga começou a ser usada na Roma Antiga – antes de Cristo – e é um dos símbolos da magistratura. “[Toga] Alerta, no juiz, a lembrança de seu sacerdócio. E incute no povo, pela solenidade, respeito maior aos atos judiciários”, sintetizou o ex-ministro Mário Guimarães no livro “O juiz e a função jurisdicional”.
Uma frase dita por um dos advogados que falaram na semana passada durante o julgamento do mensalão mostra bem a diferença de interpretação entre toga e beca. Ele falava do pai, magistrado, que passou a advogar.
“Papai envergou a toga, mas não se despiu da beca. Isso me mostrou que nós, advogados e juízes, somos irmãos. Por isso, declaro minha honra e emoção de estar nessa tribuna.” A frase é de Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defendeu a acusada Ayanna Tenório, ex-vice presidente do Banco Rural.
Toga rasgada
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, que já presidiu a corte, afirma que a toga, usada em todos os tribunais, é muitas vezes ignorada por magistrados de primeiro grau. Ele lembra, porém, que sempre usava quando era juiz de primeira instância em Minas Gerais. “Eu tinha estado em Paris. Fui visitar a corte e notei o seguinte: a respeitabilidade e austeridade que impunham as togas. Achei interessante e incentivei o uso”, contou.
Era uma beca esvoaçante, grande. Um promotor queria me desqualificar. Começou a citar os presentes e disse: doutor fulano, doutor tal, doutor Marcelo Leal. Então ele olhou e disse: Batman! Quando fui dar aula no outro dia tinha um símbolo do Batman na sala de aula"
Ele explicou ainda que, nos tribunais superiores, o uso da toga é exigido até no dia a dia.
“No trabalho diário, usa-se uma capa curta, sem maiores formalidades. [...] A toga de solenidades é de seda e geralmente é dada aos ministros por amigos, familiares ou pelo estado que ele representa. Existe todo um cuidado, a sala de togas, cada ministro tem um armário. O capinha [auxiliar do ministro] fica com a chave. Em muitos casos, [a toga] tem valor sentimental”, conta Velloso.
O ex-ministro lembrou um caso que, segundo ele, ocorreu quando atuava no extinto Tribunal Federal de Recursos. “Um ministro tinha uma toga que ficava sempre muito bem guardada. O certo é que a toga rasgou e ninguém percebeu. Ele só se deu conta quando entrava em fila no tribunal com os outros ministros. No outro dia, os jornais deram destaque para o fato, do ministro de toga rasgada”, lembrou.

O advogado Marcelo Leal, que também defende réu do processo do mensalão e atua nos tribunais superiores, disse que o uso da toga é opcional, mas que usa por respeito às tradições.

“No nosso estatuto, o uso da beca aparece como direito do advogado. Mas, em alguns tribunais, se subir sem beca, o presidente não vai admitir que o advogado fale”, disse. A lei 8.906/1944, que criou o Estatuto da Advocacia, afirma que é direito do advogado “usar os símbolos privativos da profissão de advogado”, mas não faz referência específica à beca.
Marcelo Leal contou que a beca já foi responsável por confrontos e momentos divertidos em sua atuação como advogado.
“Teve um júri que fui fazer em Aracaju (SE) e esqueci a beca no hotel. Quando cheguei na audiência, percebi e pedi para um estagiário ir buscar. No início, tive que fazer um questionamento e, como o estagiário não tinha chegado, fui sem beca. O promotor, para me deixar desconfortável, disse que tinha uma beca para me emprestar. Eu respondi que não caberia bem em mim a beca da acusação”, lembrou ele, e completou afirmando que atualmente só usa a beca disponível nos tribunais.
O advogado Marcelo Leal ao defender cliente no púlpito do Supremo (Foto: Gervásio Baptista / SCO / STF)
No Supremo, há um armário com becas para advogados que, eventualmente, esquecerem seus trajes. “Eu percebi que colegas de São Paulo trazem as próprias becas. Eu uso a que tiver mesmo”, brincou.
O advogado lembrou ainda outro caso que, segundo ele, o tornou alvo de uma brincadeira na universidade em que lecionava. “Era uma beca esvoaçante, grande. Um promotor queria me desqualificar. Começou a citar os presentes e disse: 'doutor fulano, doutor tal, doutor Marcelo Leal'. Então ele olhou e disse: 'Batman!' Quando fui dar aula no outro dia, tinha um símbolo do Batman na sala de aula”, relembra.
Ele contou ainda ter ouvido de um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral uma versão sobre a origem da obrigatoriedade da beca no púlpito do Supremo Tribunal Federal.

“Quando o Supremo foi instalado em Brasília, não se exigia a beca. Os advogados falavam sem beca. E tinha um advogado antigo, que engordou muito, e as camisas não serviam mais nele. Um botão ficava aberto, aparecendo parte da barriga. O presidente naquela época não gostou e instituiu: a partir de agora, todo mundo usa beca. Então, esse é o motivo da obrigatoriedade. A barriga desse advogado”, contou aos risos”.


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