“FLEXIBILIZAÇÃO
DO DIREITO DO TRABALHO
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Escrito por Cassio Mesquita Barros
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Comitê jurídico
Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria Coordenação Profª ADA PELLEGRINI
Flexibilização do Direito do Trabalho
(Palestra proferida pelo Prof. Cássio
Mesquita Barros)
Cassio de Mesquita Barros (*)Advogado. Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro da Comissão de Peritos na Interpretação e Aplicação das Normas Internacionais do Trabalho da OIT. Membro da Comissão Permanente de Direito Social do Ministério do Trabalho do Brasil. I – APRESENTAÇÃO
O estudo que empreendemos procura
abordar o tema numa perspectiva internacional e comparada. Para isso nos
pareceu útil adotar o seguinte método:
1 - consagrar
a 1ª Parte ao conceito de flexibilidade,
nos perguntando se é possível formular uma definição jurídica de
flexibilidade ou na falta de qualidades próprias, desenvolver algum conceito
sobre ela seja aceitável pelo direito do trabalho.
2 - A 2ª parte,
examinar os fatores econômicos, políticos e culturais que tem suscitado a
flexibilização.
3 - A 3ª parte,
será dedicada a examinar algumas das diferentes formas de flexibilização.
4 - A 4ª parte,
passará em revista os efeitos da flexibilização sobre a relação de trabalho e
em particular sobre os próprios trabalhadores do 3º mundo.
5 - Na última parte,
procuraremos comparar os enfoques da flexibilidade nos países
industrializados e na América Latina, para QUESTIONAR em que medida o que
parece válido para os primeiros é também válido para os segundos.
Vale notar antes que:
a) Flexibilidade é tema que se
encontra no EPICENTRO de intensa POLÊMICA.
b) Além do interesse
científico, é centro de POLÍTICAS SOCIAIS de muitos governos.
c) Constitui Pauta de
NEGOCIAÇÃO COLETIVA.
d) As idéias flexibilidade
fazem parte PROGRAMAS AJUSTE E SANEAMENTO ECONÔMICO de instituições crédito,
tais como, o BCO. MUNDIAL e do FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL quando
países 3º mundo lhes solicitam ajuda.
II – INTRODUÇÃO
a) Em meios empresariais e
círculos governamentais, defensores da flexibilidade usando ARGUMENTOS
ECONÔMICOS, a concebem como POÇÃO MILAGROSA destinada a conjurar grande parte
males que o sofre o mercado de trabalho, tais como, a hipertrofia legislativa
e o hiperprotecionismo em prejuízo da gestão ao emprego, cujas
POSSIBILIDADES se vêm reduzidas.
b) Outros círculos, representando
quase a totalidade do movimento sindical e a grande maioria da doutrina,
parece, ao contrário, considerar a FLEXIBILIZAÇÃO uma POÇÃO MALÉFICA que
renova a velha polêmica presente nas filosofias do Código Napoleão, e nos
desajustes entre o econômico e o social. No século passado, essa polêmica já
estava na ‘RERUM NOVARUM”. Portanto, nada tem de novo
nem de positivo.
É bem possível que a verdade esteja a
meio caminho ou em uma outra configuração de forças, colocadas além da
clivagem do debate que esteja sendo desconsiderada.
III - CONCEITO JURÍDICO
O que se
entende por flexibilidade?
Como tantos conceitos que despertam polêmicas, não constitui uma idéia unívoca.
Arturo S. Bronstein, da OIT, observa
que
“Se há uma idéia comum entre os países seria ela a de que a flexibilidade antes de um conceito afirmativo é uma reação, com respeito a alguma instrução, alguma prática de mercado de trabalho que é diferente da rigidez, que pode existir em outra”.
Cada país pode apresentar, realmente,
uma rigidez.
1 - Na ITÁLIA
- o recrutamento durante anos teoricamente controlado pelo Serviço
Público de Colocação é considerada uma rigidez.
2 - ESPANHA -
os encargos da dispensa, se incluem entre as formas de rigidez.
3 - URUGUAI -
neste país a classificação ocupacional, em sistema estabelecido pelo Consejo
Salários, em virtude de lei de 1943 é acusado de rigidez e fomentar a
inamobilidade da mão de obra no setor industrial.
4 - PERU - neste país o Intervencionismo estatal excessivo, seja no campo individual, seja no coletivo, no tutelar, na esfera legislativa, administrativa e judicial, é considerado o maior fator rigidez.
Se fossemos
seguir a lista de exemplos reveladores de idéias sobre flexibilidade
concluiríamos que seriam tão diferentes como podem ser os diferentes tipos de
rigidez em cada país.
Ora, tendo em
conta essas DIFERENÇAS, no momento de FORMULAR uma concepção suscetível de
ABRANGER O CONJUNTO DE QUESTÕES que fazem parte do debate sobre a
flexibilização, nos deparamos com o difícil problema de interpretação.
Definição
invocada COM FREQUÊNCIA, devido certamente a autoridade de quem emana é a
formulada no “RAPPORT DAHRENDORF”, nome da personalidade que presidiu o grupo
de peritos de alto nível convocado pelo secretário geral da OCDE (Organização
Cooperação Desenvolvimento Econômico), a saber:
“É a capacidade dos indivíduos na economia e em particular no mercado de trabalho de renunciar a seus costumes e adaptar-se as novas circunstâncias”. Essa definição, entretanto, destaca os aspectos sociológicos e psicológicos da flexibilidade e não tem verdadeiramente um conteúdo normativo. Pode servir como referência geral, enunciar os elementos que fazem parte do debate, mas não parece suficiente para uma doutrina sobre a flexibilidade do direito do trabalho, a qual deve integrar-se de elementos jurídicos. Se pretendemos um conceito jurídico, devemos ir além da definição de DAHRENDORF.
Para fazê-lo
a forma será a de abordar a flexibilidade e relacioná-la a algum princípio
fundamental de Direito do Trabalho que se supõe conter certos elementos de rigidez.
Ora a
flexibilização, nas suas diferentes acepções, provocou na Europa visível
diversificação dos regimes de relações de trabalho, uma individualização dos
contratos de trabalho, e uma espécie de delegação de função normativa protetora
da lei imperativa a favor da convenção coletiva, em proveito da autonomia
sindical, mas sem nenhuma concessão a autonomia individual.
No Brasil a
Constituição de 1988, no art. 7º, conferiu ao acordo e a convenção coletiva o
mesmo caráter de AMBIVALÊNCIA, nas seguintes hipóteses:
Artº 7º, inciso VI, da Constituição
Federal – “irredutibilidade salarial pode deixar de
prevalecer, em face do acordo coletivo”;
Artº 7º, inciso XIII, da Constituição
Federal – “jornada de 8 horas e 44
semanais poderá deixar de ser
observada em face de acordo
coletivo”;
Artº 7º, inciso XVI, da Constituição
Federal – “jornada de 6 horas em regimes de
turnos ininterruptos de revezamento
deixa de ser
imperativa, mediante acordo coletivo”. A pergunta que se formula é a de saber se essas concepções significam o abandono da hierarquia tradicional das fontes do Direito do Trabalho e do princípio de proteção, que se concretiza na expressão latina “FAVOR LABORATORIS”. O princípio de proteção consiste no critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho ao invés de inspirar-se na IGUALDADE DO DIREITO CIVIL, externada na LIBERDADE SOBERANA DE CONTRATAR, sendo a LEI apenas supletiva, se inspira no propósito de estabelecer um AMPARO PREFERENCIAL a uma das partes: O TRABALHADOR.
A resposta é
negativa. A delegação de um papel de proteção dos trabalhadores à AUTONOMIA
COLETIVA, estará sempre fundamentado na lei.
A lei, em
princípio, é a fonte, por excelência, do Direito moderno. A lei não perde a
sua posição hierárquica superior quando fixa os regimes facultativos, dentre
os susceptíveis de serem substituídos ou modificados pela autonomia sindical.
A lei pode modular a delegação, conforme as circunstâncias, até encontrar o
equilíbrio necessário. De outro lado, trata-se de uma “convenção”
que pode ser, na totalidade mais favorável ao trabalhador mesmo que ocorra redução
de certas vantagens ou direitos, em relação ao nível legal de proteção, em
função dos interesses dos trabalhadores avaliados pelo sindicato, no quadro
de uma situação concreta mais ampla.
O Direito do
Trabalho depois de ser por longo tempo o direito das relações de trabalho
subordinado em atividade, pouco a pouco, tornou-se um direito de todos os
trabalhadores, não somente daqueles que estão em atividade, mas também dos
desempregados, em formação profissional, aposentados. O novo direito do trabalho
se interessa por uma visão integral da vida profissional, numa perspectiva de
articular a proteção individual do trabalhador com as soluções
sócio-econômicas e de solidariedade e, atualmente, com a sociedade de
conhecimentos, inclui o treinamento ou o preparo permanente do trabalhador.
A ordem
pública não se torna mais amena no caso de delegação legal à autonomia
sindical. Em todas as circunstâncias visa à lei assegurar a proteção e a
garantia dos interesses do trabalhador como é historicamente a função do
Direito do Trabalho. O que muda é a ordem das prioridades. A “ordem pública”
é constituída de princípios de direito privado que o Estado dá maior relevo
em razão do interesse público em jogo. Pode bem ter seu conteúdo modificado,
conforme as necessidades sociais e circunstâncias do momento histórico. Assim
novas necessidades passam a ser imperativas e cogentes, mantidos os “mínimos
de cultura” de que fala nos SINZHEIMER.
Pelo exposto
as medidas de flexibilização não são incompatíveis com a natureza imperativa
das normas trabalhistas. O princípio de proteção é atenuado mas não
dissolvido.
Sabido que na
flexibilização o que se pede ao Estado e que cumpra a função de regular a
relação de trabalho antes de proteger apenas, podemos com tranqüilidade
conceber uma definição jurídica aceitável de flexibilização, a saber:
“Flexibilidade do
direito do trabalho consiste nas
medidas ou procedimentos de natureza jurídica
que tem a finalidade social e econômica
de conferir as empresas a possibilidade de ajustar a
sua produção, emprego e condições de trabalho
as contingências rápidas ou contínuas do sis-
tema econômico”. IV– FONTES ECONÔMICAS, POLÍTICAS E CULTURAIS DA FLEXIBILIZAÇÃO Fontes econômicas – Indiscutivelmente as raízes das propostas flexibilizadoras se encontram nas modificações econômicas, estruturais e tecnológicas que começaram na Europa a partir dos anos 60. Ao terminar a II Grande Guerra os países da EUROPA OCIDENTAL, entraram na fase dos “TRINTA GLORIOSOS” como os chamou JEAN FOURASTIE em obra conhecida “Lès Treinte glorieuse ou lá revolution invisible”.
O crescimento econômico se originou
dos esforços de reconstrução, favorecidos pelo Plano Marshall, seguida da
extraordinária expansão do comércio internacional. O tipo de economia
implicava na utilização de importantes contingentes de mão de obra gerando
uma economia de plena ocupação, suscetível de elevações salariais. O que
aconteceu o Prof.Celso Lafer relatou no Congresso Nacional, à Comissão de
Relações Exteriores, no painel sobre (a nova ordem mundial) em 1975. O relato
qualificado pelo Deputado Raimundo Diniz, encarregado de comentá-lo, de
“vendaval de cultura e tempestade de conhecimentos específicos”, mostra que
no decorrer da década de 60 houve uma clara tendência do sistema
internacional de converter a “guerra fria” em “convivência pacífica”. Nessa
“ordem pública de coexistência pacífica” o conflito e a competição operaram
no quadro de uma ampla confrontação industrial e tecnológica que levou a
internacionalização e a uma interdependência da economia mundial. Na década
de 70 o controle da oferta de petróleo pelos países, grandes produtores,
provocou a 2ª. Redistribuição de poder no sistema internacional. O impacto
conjunto dos dois processos de redistribuição do poder no
sistema internacional colocou em “xeque” a ordem econômica do segundo após guerra. Fontes políticas – Nessa época houve apreciável progresso social qualitativo , pois a legislação melhorou numerosas garantias do trabalhador, até que em muitos países os salários cresceram mais depressa do que a PRODUTIVIDADE da mão de obra. A legislação de proteção ao emprego estabelece inclusive a proibição da despedida imotivada, toda ela posterior ao fim da 2ª. Guerra. Esses progressos tiveram projeções sociais e políticas aportando os elementos básicos de um novo contrato social entre os indivíduos, grupos e classes: o progresso social formou parte do arquétipo do Estado Moderno, da 2ª metade do século XX. O “ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL”.
Este foi
acusado de impor em muitos setores cargas tributárias excessivas, suscetíveis
de afetar a competitividade das empresas e o dinamismo da economia. Correntes
NEOKEYSIANAS sustentavam ser função do estado assegurar pleno emprego e os
neoliberais, chamados com freqüência de monetaristas que a política
governamental devia concentrar-se no combate a inflação, enquanto a
microeconomia influenciaria o emprego e a falta de trabalho. daí a revisão da
proteção social bastava um passo.
Fontes culturais – Sob o ângulo dos efeitos diretos na estrutura do emprego, entre todos os fatores flexibilizadores, os mais importantes não são os econômicos-tecnológicos, nem políticos, mas sim os culturais advindos das pressões psico-sociais dos próprios trabalhadores atingidos.
O Direito do
Trabalho construiu o ARQUETIPO do emprego industrial, do SEXO MASCULINO em
regime de JORNADA COMPLETA que entrava MUITO JOVEM para o mercado de
trabalho. Durante várias décadas esse modelo se manteve INALTERADO mesmo com
a irrupção da mulher no emprego industrial para substituir os HOMENS
mobilizados pelas GUERRAS. O setor TERCIÁRIO em razão das mudanças relatadas
substituiu o SETOR INDUSTRIAL como principal fonte de emprego. O trabalho da
mulher passou a ser, em alguns casos EQUIVALENTE ao do homem. Este passou a
ingressar mais tarde no MERCADO DE TRABALHO como resultado do prolongamento
da ESCOLARIDADE.
O serviço “PART TIME” constitui hoje a principal forma de flexibilização no países industrializados. As pressões psico-sociais da nova cultura atingem a pessoa do TRABALHADOR cujo círculo está condicionado a uma outra tradição e a uma outra cultura. V - TIPOS DE FLEXIBILIZAÇÃO
Os componentes simultaneamente
presentes, embora em proporções variáveis, que determinam a característica
dominante na dinâmica nacional, podem ser considerados os seguintes:
1) FLEXIBILIDADE NA REMUNERAÇÃO
2) FLEXIBILIDADE NA UTILIZAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO 3) FLEXIBILIDADE EM RELAÇÃO À ESTABILIDADE NO TEMPO DE DURAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. Podemos considerar esses tipos de flexibilização em 3 exemplos contrastantes, a saber:
1º exemplo
Estados Unidos da América do Norte – No caso dos EEUU a doutrina do “EMPLOYMENT AT WILL”, traduzido pela doutrina do emprego descricionário está, em direito, atrelada a plena liberdade do empregador de fixar os termos e as condições do contrato de trabalho. As limitações provém da negociação coletiva ou, então, do fato de certas empresas se guiarem por uma política de aproximação, simpática, com seus empregados.
Para evitar a
sindicalização decidem algumas empresas respeitar regras vizinhas das
engendradas pelas convenções coletivas. A lógica global do poder do
empregador regular o número de empregados, e a duração do trabalho em função
de suas necessidades, não é contestada. Mas, em compensação, regras estritas
se impõem quanto à gestão do pessoal, no que se refere ao recrutamento,
promoção, afastamento por falta grave. No que toca a organização do trabalho
cuida-se de: amenizar as restrições relativas à mobilidade dos trabalhadores
ligadas à criação de novas unidades de produção e de negociar os limites dos
salários submetidos a regras estáveis através do tempo na indexação sobre o
custo de vida e aumento da produtividade. As “negociações de concessão”, como
no caso Chrysler permitiram as empresas sindicalizadas a partir dos anos 70
obter substanciais economias.
Em relação à
despedida a regra geral é o princípio da DESPEDIDA POTESTATIVA (“termination
at will”), mas já a partir dos anos 60 muitos acordos coletivos começaram a
consagrar importantes limitações. Com o tempo muitas empresas sem acordo
coletivo, limitam voluntariamente, a faculdade de rescindir as relações de
trabalho nos “LAY OFFS POLICY”, excetuando motivos relacionados à capacidade,
a conduta do trabalhador ou então baseados nas necessidades da empresa,
do estabelecimento ou do serviço, utilizando-se da fórmula da convenção da
OIT nº 158.
Nesse quadro
o recurso às formas precárias de emprego, se é crescente não constitui
prioridade. São aspectos mencionados de mobilidade e salários com as
diferentes prestações a ele ligadas que constituem o jogo central da
flexibilidade.
2º exemplo
Reino Unido – A situação jurídica da Inglaterra tem ponto de partida formalmente vizinho ao dos EEUU, mas o objetivo estratégico das empresas e dos governos revela-se diferente: ele se dirige às condições de utilização da força de trabalho. As cifras salariais são mais altas do que a dos EEUU (2,4% em 1988) e mostram uma tendência de elevação. A ação principal visa contornar as imposições do SINDICALISMO. Regras convencionais e costumeiras definem minuciosamente o conteúdo das TAREFAS, a classificação das empresas, as FRONTEIRAS de trabalho qualificado, numa só expressão as “Working Practices”.
Sucessão de
leis e conflitos sociais “exemplares” foram manejadas com tenacidade pelos
Sindicatos. A lição que parecem ter deixado é a de que não visa à ação
empresarial tanto a redução dos custos de trabalho senão a dos poderes
sindicais sobre as condições de utilização da força de trabalho. Nos
confrontos públicos a um nível descentralizado, formal e informal, empregadores
e sindicatos, encontraram a solução típica dos “acordos de flexibilização”.
Estes não cobrem a não ser u’a minoria de trabalhadores, mas traduzem um
movimento mais geral. O índice de desemprego é muito elevado.
Ao mesmo
tempo mais recentemente os conflitos retornavam relativamente mais raros não
obstante os delegados de trabalhadores experimentem uma opinião positiva
sobre o seu papel nas empresas. Sob a pressão do desemprego, da concorrência,
mediante ACORDOS TACITOS E INFORMAIS os Sindicatos parecem resignados a
caminharem em direção a flexibilidade produtiva.
3º exemplo
França e Espanha – A evolução nesses países corresponde à situação dos países onde a gestão de mão de obra mostra-se interpenetrada por regras resultantes da legislação do trabalho. Trata-se de países que conheceram múltipla modificação nos dispositivos jurídicos do contrato de trabalho.
A Espanha
herdou da era franquista um direito de trabalho marcado pelo sabor
corporativo. O princípio do “garantismo autoritário” fez do contrato de
duração indeterminada a norma e da estabilidade de emprego, uma regra.
Somente a
repressão política oferecia uma via para o afastamento do empregado. A
conjunção do retorno à DEMOCRACIA política, e o advento da crise
desequilibrou o sistema. A ambigüidade da evolução resulta da combinação de
dois objetivos: de um lado à vontade de integrar a economia espanhola na
lógica do mercado no seio da Comunidade Européia conduziu a expandir as
margens da liberdade das empresas, para melhorar a posição concorrencial. De
outro lado, o nível excepcionalmente elevado de desempregados, levou os
sucessivos governos a multiplicar os dispositivos visando favorecer a
inserção ou reinserção profissional das categorias de mão de obra mais
atingidas pela recessão. O resultado foi uma multiplicação de novas formas de
contrato de trabalho: 12 regimes de contrato de trabalho foram sucessivamente
criados. O recurso ao tempo parcial foi liberado das condições restritivas
que lhe eram impostas. Enfim, na intenção de beneficiar os trabalhadores
jovens foram inventadas diversas fórmulas de contratos e concebidas
subvenções ou isenções para o empregador. As técnicas dos contratos
temporários destinados a enfrentar as condições de uma severa reestruturação
industrial e de um desequilíbrio massivo de mercado de trabalho, numa segunda
fase, estão sendo perenizadas em nome da flexibilidade.
Na França o
legislador também diversificou as formas jurídicas do emprego e as regras se
dirigiram diretamente à liberdade. Assim a lei de 3 de julho de 1986 suprimiu
a autorização administrativa exigida para as dispensas por razões econômicas
que a lei francesa não define, mas a jurisprudência dos tribunais a exemplo
da alemã, entende quando ocorre baixa dos pedidos, reserva de capital, disponibilidade
de caixa e perda de mercado estrangeiro.
A lei de 13
de novembro de 1982 prevê que podem ser assinados acordos coletivos
derrogatórios: assim a derrogação “in pejus” tornou-se possível.
VI –ESQUEMAS BÁSICOS DE EVOLUÇÃO
Em inventário comparativo permite distinguir três esquemas básicos de evolução:
1 –sistemas dotados de uma
plasticidade suficiente nos quais a evolução se faz sem modificar
qualitativamente os compromissos sociais do período anterior. As margens
adicionais de liberdade para as empresas são criadas na periferia do contrato
de trabalho central;
2 – a busca da flexibilidade exige uma remissão das regras que foram os alicerces dos contratos de trabalho. A estratégia das forças sociais conduz a inovações que repousam na troca de contrapartidas; 3 - países em que a flexibilidade aparece como resultado de uma ofensiva patronal em relação a qual os sindicatos não chegam a sair de uma posição defensiva.
O Japão e a
Alemanha (República Federal Alemã) fornecem boas ilustrações do 1º exemplo. O
Japão com sistema de “EMPREGO VITALÍCIO”, pelos efetivos estáveis de grandes
empresas oferece dois instrumentos de flexibilidade, a saber: a mobilidade
interna absoluta no seio de grandes grupos, assegura, sem obstáculos, vastos
deslocamentos de efetivos em função das estratégias de reemprego
intersetorial e o “bônus” salarial permite VARIABILIDADE SALARIAL SUFICIENTE.
O mesmo diagnóstico é válido para a ALEMANHA onde as empresas se beneficiam
da moderação dos sindicatos em matéria salarial e aceitam a REESTRUTURAÇÃO
INDUSTRIAL. Outra margem de flexibilização é o contrato a tempo parcial com
as mulheres e TEMPO DETERMINADO COM IMIGRANTES. A eficácia dual da
aprendizagem assegura forte mobilidade da mão de obra qualificada e forma de
combater o desemprego dos jovens.
VII – EFEITOS DA FLXEBILIZAÇÃO SOBRE A RELAÇÃO DE TRABALHO E EM PARTICULAR SOBRE OS PRÓPRIOS TRABALHADORES
Para avaliar
convenientemente esses efeitos, é necessário considerar que a TENDÊNCIA é
ASSOCIAR FLEXIBILIDADE e PRECARIEDADE DE EMPREGO e das CONDIÇÕES DE TRABALHO.
Certamente os termos NÃO SÃO SINÔNIMOS, pois existem TRABALHADORES no âmbito
de ALGUMA MODALIDADE de trabalho considerado forma de flexibilidade, por
exemplo, em REGIME DE HORÁRIO FLEXÍVEL que SÓ POR ISSO NÃO SÃO PRECÁRIOS –
Horários variáveis, ao contrário, podem representar apreciável MELHORIA de
condições de trabalho. A INDIVIDUALIZAÇÃO de salários pode propiciar
melhorias de REMUNERAÇÃO.
certos trabalhos especializados, podem encontrar mais VANTAGENS do que INCONVENIENTES nas modalidades ATIPICAS de contratos de serviços;
Mulheres – para um grande número de
mulheres, o TRABALHO A TEMPO PARCIAL é às vezes a ÚNICA FORMA de conciliar as
RESPONSABILIDADES FAMILIARES COM ASPIRAÇÕES PROFISSIONAIS;
Ao mesmo tempo, mesmo incluídas no
campo da RELAÇÃO DE TRABALHO, supostamente regular, não deixam de ser
PRECÁRIOS, e os GANHOS SÃO EXÍGUOS ou a relação não é estável devido à
debilidade econômico-financeira da empresa que os emprega.
A precariedade embora não seja atributo
da Flexibilidade pode ser por esta facilitada. Na empresa moderna as
atividades que não se insertam no âmbito de sua especialização, devem ser, em
princípio, transferidas a terceiros. São inumeráveis as formas contratuais
utilizadas: sub-empreitada, mão de obra temporária, trabalho à domicílio,
trabalho autônomo, etc.. A tendência é a especialização vertical e flexível.
A empresa é um módulo de serviços especializados utilizando-se das diversas
formas de integração de outras empresas ou de serviços flexibilizados. A
PROLIFERAÇÃO das formas de empregos “ATIPICOS”, em muitas economias
industrializadas, apresenta evolução preocupante, sendo impressionante o
catálogo de empregos atípicos nas chamadas alternativas flexíveis como
advertiu o DIRETOR GERAL DA OIT na 4ª Conferência Regional Européia, em
Genebra, 1987.
Trabalhos empíricos que examinaram a questão sob o ângulo da articulação entre o setor formal e informal, como explica ALEJANDRO PORTES, pesquisador do CENTER FOR ADVANCED STUDY OF INTERNATIONAL DEVELOPMENT, da UNIVERSIDADE DE MICHIGAN, permitem compreender melhor o que se passa no TERCEIRO MUNDO e convidam a maior reflexão sobre as relações entre a flexibilização e precarização no quadro específico da América Latina. Nos países menos desenvolvidos o fato de empresas modernas incentivarem o uso da mão de obra desprotegida pode surpreender aqueles que se utilizam das estatísticas oficiais para analisar tais economias. A pesquisa realizada nas cidades mais industrializadas da AMÉRICA LATINA encontrou uma CADEIA de MERCADO INFORMAL de VENDAS A VAREJO URBANA dos produtos tais como ALIMENTOS, CIGARROS, JORNAIS E REVISTAS. Ao se utilizarem das redes de distribuição informal as indústrias eliminam substanciais custos de manutenção de um contingente permanente de vendas.
O estudo dos
exemplos de conexão em várias cidades sugere que a atividade aparentemente
desordenada de uma massa de vendedores e comerciantes de rua (cena familiar
nas cidades do Terceiro Mundo) está, na verdade, sendo coordenada por um
grupo de intermediários dependentes de empresas organizadas formalmente.
Um segundo
tipo de vínculo está representada no resultado de uma segunda pesquisa de
campo. Esta resume pesquisas entre trabalhadores mais marginais, tais como os
que recolhem refugos de depósitos de lixo das ruas durante a noite. Esses
trabalhadores, aparentemente autônomos, segundo os dados, terminam
abastecendo grandes indústrias formais com quantidades significativas de
substitutos de matéria prima por uma fração de seus preços de mercados. Os
coletores, são de fato, trabalhadores industriais externos autônomos de
grandes empresas.
Um terceiro
tipo é a subcontratação na indústria da construção civil, como é descrita
pelas pesquisas em várias cidades latino-americanas. As empresas de
construção civil, raramente possuem mão de obra assalariada permanente e
estável. Ao invés disso transferem contratos para engenheiros da empresa que
mobilizam suas redes informais.
LOMNITZ cita
o exemplo de um sub-empreiteiro na cidade do México, que comandava uma
organização informal, que em períodos de pico de obras, atingia a 400
trabalhadores. Estes, contudo, recebiam menos de um salário mínimo.
Cadeias de
sub-contratação mais complexas são retratadas em outra pesquisa, representadas
por empresas multinacionais como Bata-Canadá, Sears Roebuck, C&A, etc.,
que sub-empreitam os setores de uso mais intensivo de mão de obra para
oficinas que empregam de 2 a 10 trabalhadores que se situam, na maioria, em
favelas. Quando, nesses casos, a demanda excede a capacidade das instalações
os DONOS DAS OFICINAS INFORMAIS recorrem a trabalhadores informais a
domicílio, na maioria mulheres, que produzem por peça, percebendo remuneração
menor do que o salário mínimo. Arranjos desse tipo são encontrados nas
indústrias de calçados da COLOMBIA e de aparelhos elétricos no MÉXICO. Essa
articulação entre o setor formal e o informal, como assinala Portes, tem sido
convencionalmente descrita na literatura, como se dando entre um setor
“moderno” e um “atrasado” quando “na verdade uma parte da interação se dá
entre atividades do tipo moderno situada, em ambos os lados da linha
divisória de trabalho regulamentado”.
Isso ajuda a
explicar porque em muitos países industrializados, ao contrário das previsões
tanto dos economistas ortodoxos como dos marxistas, o setor informal não
encolheu com a crescente industrialização, mas representa um ponto crescente
da força de trabalho.
VIII – REGULAMENTAÇÕES DO TRABALHO NÃO REFLETEM AAS NECESSIDADES DOS TRABALHADORES Muitos países do 3º Mundo implantaram regulamentações do trabalho que, ao menos no papel, “pouco tem a invejar” os países avançados. A mobilização da classe trabalhadora forneceu o ESTÍMULO principal. Contudo as regulamentações em BOA PARTE do 3ª mundo não refletem simplesmente as necessidades dos trabalhadores mas são influenciadas também por IDÉIAS, VALORES, e práticas difundidas no estrangeiro. Como anota Alejandro Portes:
“uma
das principais características de uma situação
de subdesenvolvimento é que ela é definida a partir
daquelas situações que a transcendem do
mundo desenvolvido vem não
apenas máquinas, tecnologia e capital, mas também
idéias e formas institucionais”.
Assim como se
impõem soluções tecnológicas, capital, dos países avançados freqüentemente as
soluções sociais são seguidas mesmo quando os problemas a que remetem não são
os mesmos.
Esse processo
de difusão das leis trabalhistas, nelas incluídas as de seguridade social, do
Terceiro Mundo, pode explicar o PARADOXO de ter classes trabalhadoras que
ainda dependem de uma PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA direta para SOBREVIVER,
paralelamente, a promulgação de SOFISTICADAS LEIS junto a MINISTÉRIOS,
TRIBUNAIS e JUÍZES para fazê-las cumprir. Essas leis e burocracias têm
conseqüências na realidade social e tais conseqüências diferem daquelas que
os róseos preâmbulos levariam a supor.
IX – DIFICULDADES DE APLICAR A LEGISLAÇÃO DO TRABALHO
A dificuldade
básica da aplicação da legislação produtora do 3º Mundo é a existência de uma
grande massa de mão de obra excedente, nem toda ela sem qualificação.
Empresas modernas se confrontam com um DILEMA entre cumprir a aparatosa regulamentação
e serem ASSOBERBADAS com leis, convenções, CUSTOSAS E INFLEXÍVEIS, ou tentar
contorná-las com a chance de lucros extras. Uma vez que uma empresa “drible”
as outras precisam fazer o mesmo.
As pressões
da competição geralmente levam as empresas a se decidirem pela COMBINAÇÃO DE
AMBAS AS PRÁTICAS, e a situação tende a se estabilizar nesse ARRANJO
TRABALHISTA MISTO no qual as empresas observam mínimo necessário da
legislação de modo a evitar sanções governamentais, ou denúncias
públicas, recorrendo às fórmulas alternativas flexíveis, (subcontratações, a
trabalhadores assalariados “disfarçados”, que trabalham para as empresas
modernas sem serem por elas formalmente contratados). A estratégia
desenvolvimentista voltada para exportação encoraja o processo ou
desobediência das leis. Ex: - já aconteceu com a indústria exportadora de
couro do Uruguai de haver o governo concordado em manter-se nas fábricas os
aspectos menos especializados e custosos e sub-empreitar o restante para os
artesãos. As ZPE (Zonas Especiais de Produção) são outro exemplo de estímulos
da economia de exportação. Localizadas longe dos sindicatos o que tem de
especial é que nelas não se aplica nem a legislação trabalhista, nem a
tributária, nem talvez lei alguma.
No Brasil, México,
Peru, sindicatos independentes PODEROSOS, representam O SETOR PROTEGIDO da
classe trabalhadora. Embora com retórica POPULISTA e até radical a verdade é
que representam apenas UMA FRAÇÃO MAIS BEM REMUNERADA E MAIS ESTÁVEL da
classe trabalhadora, ao lado da qual trabalha o grande proletariado
desprotegido, empregado em OFICINAS ARTESANAIS, pequenas empresas, que ou
estão isentas legalmente da legislação trabalhista ou simplesmente não a
observam.
Esse
proletariado está ligado, POR VÍNCULOS OCULTOS aos olhos do público, as
empresas do setor moderno. A América Latina é um bom exemplo porque é uma
região que vivenciou um desenvolvimento industrial rápido e ininterrupto,
desde o após guerra até 1980.
X – CONCLUSÃO: COMPARAÇÃO ENTRE OS PAÍSES INDUSTRIALIZADOS E A AMÉRICA LATINA
Em que medida
é possível comparar as questões sobre a flexibilidade na Europa e na América
Latina em particular as razões que se encontram na origem dessas questões, e
se são igualmente válidas de um e de outro lado do Atlântico.
1 - Embora o debate se tenha
iniciado na Europa as repercussões se fizerem sentir na América Latina. A
flexibilidade é considerada peça chave dos programas de ajuste econômico
porque se supõem excessivos muitos custos de mão de obra e que a legislação
cria hiperproteção que impede o empregador de administrar a mão de obra. Essa
suposição parece responder a um efeito imitação porque o que existe por traz
da flexibilização, de comum entre a Europa e a América Latina, é a crise
econômica. Mesmo esta é de natureza diferente da européia. A tecnologia não
chegou ainda a América Latina cujas economias são muito fechadas e
protecionistas.
2 – As condições de trabalho prevalentes na Europa sobre as quais se discute a flexibilização são diferentes. A legislação de muitos países da Europa limita consideravelmente a faculdade de despedir sem justa causa. Os procedimentos são minuciosos e custosos. França despedida sem justa causa REAL E SERIA = 50.000 francos = 7.500 dólares; Reino Unido – algo em torno 5.000 libras = 7.800 dólares. Espanha 2 milhões de pesetas, mas não são raras as 17 a 34.000 dólares. América Latina é muito raro dispensas atingirem esses valores. 3 - Na Europa o horário semanal é sempre inferior a 40 horas. América Latina quase sempre superior a 44 semanais.
4 - Os debates na América
Latina exaltam rigidezes que se existem não tem a mesma importância que na
Europa. Os salários no Brasil não são altos em si mesmos, são altos para uma
força de trabalho fixa sem levar em conta as condições do negócio. O fator
que resulta da legislação provém da constituição haver instituído o
pluralismo PARTIDÁRIO de um lado e de outro a UNIDADE SINDICAL numa
contradição que coloca o sindicalismo numa camisa de força.
5 - A flexibilidade do trabalho na Europa é suscetível de ter efeitos sobre os trabalhadores muito menos graves do que na América Latina. A redução dos salários ou a privação do trabalho não significa condenar o trabalhador a passar fome. Na generalidade dos casos tem ele direito a prestação de seguridade social. Pode-se dizer o mesmo no Brasil?
6 - A gestão flexível da mão de
obra na multiplicação de novos tipos e modalidades de relação de trabalho
precário revelam um culto à precariedade na expressão de ROMAGNOLI no
Congresso de Paris em 1989. Embora o nível de proteção do precário seja baixo
na Europa, pode-se bem estimar a repercussão de um culto semelhante na
América Latina quando no Brasil se avalia em 55% da mão de obra nacional inserida
no mercado informal.
7 - Na América Latina a
flexibilização de uma legislação aplicável à minoria dos trabalhadores pode
aumentar a mão de obra desprotegida, agravando a dualidade do mercado de
trabalho que segmenta a classe operária nacional.
(*) Advogado. Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro da Comissão de Peritos na Interpretação e Aplicação das Normas Internacionais do Trabalho da OIT. Membro da Comissão Permanente de Direito Social do Ministério do Trabalho do Brasil. |
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