quinta-feira, 25 de julho de 2013

Breves indicações sobre o procedimento penal italiano

“Breves indicações sobre o procedimento penal italiano

Ângelo Jannone: advogado, licenciado da Polícia Judiciária italiana, vice-presidente de Segurança da Telecom Itália América Latina

O código e outras leis especiais na Itália atribuem à polícia judiciária (ou a alguns oficiais ou agentes judiciários) a titularidade de alguns atos com poderes de iniciativa, enquanto para outros atos a polícia judiciária pode ser delegada pelo Ministério Público.
O Código de Processo Penal italiano, adotado em 1988, é de tipo acusatório misto (não tão diferente do brasileiro). Ainda que baseado fundamentalmente no princípio da formação da prova na fase oral pública do processo, através do contraditório das partes – acusação e defesa – e do exame cruzado dos testemunhos, o Código italiano prevê também:
- uma fase de investigações preliminares, caracterizada pelo procedimento investigativo, pelo sigilo (salvo exceções), pela forma escrita e pela função principal do Ministério Público (que é chamado também para instaurar em seguida a ação penal);
- uma segunda fase – chamada audiência preliminar – na qual um juiz aprecia a tipologia das fontes de provas coletadas e decide sobre requisição do MP para o exercício da ação penal. Com modificações legislativas sucessivas no código, o GUP (juiz da audiência preliminar) possui hoje grandes poderes requisitoriais, tanto por assemelhar-se mais a um Juiz Instrutor típico dos procedimentos inquisitoriais. Trata-se do mesmo juiz que, na fase das investigações preliminares, decide acerca da ordem de medidas cautelares, das interceptações e seqüestros, e da requisição de incidente probatório (ver adiante).
- um debate público, no qual as provas máximas (documentais, orais e técnicas) se formam ex-novo no contradditorio delle parti (Contraditório das Partes) e exame cruzado, exceto os que permitam a formação de algumas delas na fase das investigações preliminares por intermédio do instrumento denominado de incidente probatório, instrumento que pode ser comparado no Brasil às medidas cautelares. Como exemplo, podemos citar as interceptações telefônicas após a perícia, outro gênero de avaliação técnica não-repetível, depoimento efetuado com o exame entrecruzado em incidente probatório etc. ou através de rogatórios internacionais (pelas partes cabíveis).
Na fase das indagações preliminares, a polícia judiciária assume seguramente um posto importantíssimo e opera em estreita conexão com o Ministério Público, que é o titular no rumo das investigações.
O código e outras leis especiais atribuem à polícia judiciária (ou a alguns oficiais ou agentes judiciários) a titularidade de alguns atos com poderes de iniciativa, enquanto para outros atos a polícia judiciária pode ser delegada pelo Ministério Público.
Acerca da relação entre o Ministério Público e a polícia judiciária, sob o perfil normativo, o código se predeterminava no seu surgimento, e com base no princípio constitucional do art. 109 ("A Autoridade Judiciária dispõe diretamente da polícia judiciária") a centralizar tudo sob a administração do Ministério Público, vinculando excessivamente à instituição a polícia judiciária com normas e relativas interpretações bastante específicas.
Um exemplo entre os vários existentes é o art. 327 do Código Penal italiano: o Ministério Público conduz as investigações e dispõe diretamente da polícia judiciária. Em 2001 foi agregado o seguinte: "...que, mesmo depois da comunicação do conhecimento do crime, continuam a desenvolver atividade por iniciativa própria de acordo com a modalidade indicada nas articulações sucessivas."
Com o correr dos anos e das experiências aplicáveis, a responsabilidade do Ministério Público foi redirecionada à garantia e direção processual das investigações preliminares, para que não se debilitasse o profissionalismo da polícia judiciária.
Diz-se, de qualquer modo, que dita polícia conta com poderes coercitivos e invasivos da privacidade muito limitados (prisão em flagrante, detenção de indiciado em situação de emergência, prisão preventiva em situação de emergência, mandado em caso de procura de armas, drogas e foragidos da lei). A maior capacidade da polícia judiciária é a de desenvolver da melhor maneira os atos e as operações que o código define como "atípicos".
Os atos mais invasivos são vinculados, em grande parte, à autorização do Giudice delle Indagini Preliminari (GIP, ou juiz de investigações preliminares), que pode :
- autorizar interceptações de comunicações (telefônicas, ambientais, dados de transmissão);
- dispor de medidas cautelares (coercitiva e interceptiva).
Com relação à obrigação de comunicar a notícia-crime, foi desenvolvida com o tempo uma distinção fundamental, que corresponde a uma diversificada proposta metodológica:
- Crimes evidentes (como homicídio e assalto): o MP assume a imediata direção das investigações. O espaço de iniciativa da polícia judiciária é mais limitado. Prevalência das investigações técnico-científicas;
- Crimes não evidentes (como delitos associativos, crimes econômicos): há uma verdadeira e própria fase pré-processual finalizada, sobretudo, na elaboração da notícia-crimeNo passado, considerava-se que a simples delação anônima ou de uma fonte reservada constituía semprenotitia criminis. Isso significava fazer com que se impusesse a obrigação de a polícia judiciária relatar imediatamente o delito ao Ministério Público. Ainda que o parecer não seja pacificamente aceito, hoje se acredita que a notizia anonima imponha à polícia judiciária a obrigação de solicitar para conseguir (ou não) uma notificação de crime (por exemplo, por intermédio da busca ao lugar indicado e a apreensão da droga). Nesta fase (não de todo pacificamente reconhecida), sob o aspecto metodológico da complexa investigação, é importante o processo de inteligência, isto é, a procura e a avaliação cruzada das informações, através de:
- conversas investigativas com suspeitos detidos;
- fontes de informação;
- a análise de investigações já processadas;
- o exame de movimentações financeiras suspeitas ou de outras movimentações que se fazem necessárias nas transações comerciais;
- atividades dinâmicas (serviços de vigilância) com auxílio de tecnologia (como por exemplo o dispositivo de localização – GPS);
- análise de dados referentes aos contratos públicos coletados pelo Osservatorio Appalti Publici (uma instituição recente na Administração Pública italiana, de 1998, a qual compete analisar as licitações de obras públicas, que troca informações com a Procuradoria Nacional Antimáfia).
Desta maneira se alcança a estruturação e o alicerce de uma notitia criminis, à possibilidade de conceber e organizar (com as hipóteses praticáveis) uma atividade investigativa e um relatório preliminar pelo Ministério Público.
Certamente permanecem abertas uma série de questões próprias dos crimes não evidentes, como por exemplo: quem, e com base em quais critérios, decide sobre quem e o quê investigar? Se o poder/dever de procurar e estruturar a notizia criminis está no alto da estrutura da polícia judiciária, ela deveria responder sobre a linha da política criminal que indica os objetivos/prioridades estratégicas governamentais.
Isso significa transferir a responsabilidade das escolhas, no plano político/governamental que, por sua vez, é chamado a respeitar os empenhos assumidos, inclusive, por exemplo, na base dos acordos internacionais.
É inevitável que isso gere conflitos entre poderes do Estado, querendo a magistratura assumir e exercitar de fato esta função. Em resposta à questão, o Código de Processo Penal italiano não contribui para esclarecer as dúvidas: o art. 330 atribui, de fato, seja à polícia judiciária seja ao Ministério Público, o poder/dever de tomar conhecimento do delito por iniciativa ou de ter a notícia do crime apresentada (denúncia de oficiais públicos e encarregados de serviço público, denúncias privadas, laudos médicos, queixas ou ações penais privadas).
A favor da possibilidade de iniciativa investigativa forte e autônoma, inclusive por parte da Autoridade Judiciária (Promotores do Ministério Público), foi implantada a Procura Nazionale Antimafia (Procuradoria Nacional Antimáfia), órgão de coordenação e conexão das 26 Direções Distritais Antimáfia, instituída na sede das Procure Generali (Procuradorias Gerais).
Nascida no ano de 1991, com as Direções Distritais Antimáfia, a Procura Nazionale Antimafia – Procuradoria Nacional Antimáfia – (ou Direzione Nazionale Antimafia – Direção Nacional Antimáfia), sendo também um órgão da magistratura, se configura com base nos próprios encargos sintetizados no art. 371 bis do Código de Processo Penal, como um órgão de encaminhamento, estímulo e coordenação investigativo das sindicâncias nos delitos de máfia e de análise e elaboração de informações concernentes ao crime organizado.
É endossada pela DIA (Direzione Investigativa Antimafia-interforze – Direção Investigativa Antimáfia-interforça) e pelos Serviços Centrais de Polícia Judiciária (ROS dos Carabineiros, SCO da Polícia do Estado e SCICO da Guarda de Finança), aos quais a lei demanda também deveres de conexão investigativa.
Em outros termos, pretendeu-se criar um sistema único integrado, para suportar aquela fase importante pré-procedimental de análise, articulação investigativa e processual, com a finalidade de identificar os novos caminhos investigativos a serem percorridos”.

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