No conceito celetista, empregador é a empresa individual ou coletiva, que assume os riscos do empreendimento, além de admitir, assalariar e dirigir a prestação pessoal de serviços (artigo 2º da CLT). E empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário (artigo 3º da CLT). Ou, nos dizeres da juíza Renata Lopes Vale, empregado é o que abdica de sua liberdade de pautar-se e dos ônus de correr riscos e busca a comodidade remunerada .
Em
sua atuação na 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, a juíza teve de
solucionar um caso em que esses dois conceitos se entrelaçavam, quase se
confundindo. Mas, atenta às especificidades de cada um, a magistrada
concluiu que um corretor de seguros contratado como pessoa jurídica pela
seguradora de um grupo financeiro trabalhou, de fato, como empregado e
declarou nulo o contrato civil celebrado entre ele e as empresas e
Bradesco Vida e Previdência S/A, Banco Bradesco S/A e Bradesco
Administradora de Consórcios S/A. A sentença reconheceu o vínculo
empregatício entre o reclamante e a primeira ré, que é uma seguradora.
As duas outras rés, por formarem grupo econômico, foram condenadas, de
forma solidária, a pagarem as parcelas trabalhistas reconhecidas na
sentença.
O
reclamante foi admitido pela Bradesco Vida e Previdência em 01/04/1998 e
dispensado em 28/05/2004. Após a dispensa formal, permaneceu
trabalhando nas mesmas condições anteriores, vendendo planos de
previdência, seguros de vida, consórcios, cartões de crédito e títulos
de capitalização das rés, tendo sido obrigado a constituir sociedade
empresária para prestar esses serviços. Ao ter o contrato rescindido,
não recebeu quaisquer direitos trabalhistas, convencionais ou
previdenciários.
Em
sua defesa, a primeira ré (Bradesco Via e Previdência) argumentou que o
reclamante foi sócio de empresa com quem manteve vínculo comercial,
inexistindo o alegado vínculo empregatício entre as partes.
Rechaçando
esse argumento, a juíza sentenciante destacou as diferenças entre os
contratos de direito civil e o contrato de trabalho. No primeiro, a
produção dos efeitos jurídicos depende apenas do acordo de vontades. Já
no contrato de trabalho, o que vale é o cumprimento do pactuado e a
realidade vivida pelas partes. Em outras palavras, o contrato de
trabalho somente fica completo pelo fato real de seu cumprimento, sendo a
prestação de serviços, e não o acordo de vontades, o que faz que o
trabalhador se encontre amparado pela legislação trabalhista. A
prestação de serviço é a hipótese ou o pressuposto necessário para a
aplicação do Direito do Trabalho, que depende cada vez menos de uma
relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja
existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde
resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com
o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações
consignadas no contrato não correspondem à realidade carecerão de
qualquer valor. É a realidade dos fatos prevalecendo sobre a aparência
contratual, que se manifesta em todas as fases da relação de trabalho,
pontuou a julgadora.
Ela
chamou a atenção para o fato de que a subordinação jurídica (ou seja, a
sujeição do empregado ao empregador na execução dos serviços) é o mais
forte elemento identificador da relação de emprego. Elemento esse que
ficou evidenciado no caso do processo julgado, mesmo no período em que o
reclamante trabalhou na condição de autônomo.
A
juíza apurou, principalmente a partir do depoimento das testemunhas,
que o reclamante não tinha organização própria capaz de torna-lo patrão
de si mesmo. Até porque ele exercia suas atividades, principalmente,
dentro das dependências da reclamada, onde lhe era oferecida toda a
estrutura necessária para o desenvolvimento de seu trabalho. E ele não
podia se fazer substituir por outra pessoa. Com isso, a juíza concluiu
que a celebração do contrato de direito civil entre as partes (ou seja,
entre a empresa corretora/prestadora de serviços do reclamante a as
empresas rés) somente veio atender à formalidade da Lei nº 4.594/64 e a
vedação legal de se contratar corretor de seguros como empregado. Mas
isso não é obstáculo ao reconhecimento do vínculo empregatício, ante da
realidade dos fatos apurada no processo.
Nesse
cenário, o Juízo de 1º Grau declarou a nulidade do contrato civil e
reconheceu o vínculo empregatício entre o corretor e a primeira ré, no
período de 01/04/1998 a 19/11/2011, e condenou as outras duas
reclamadas, solidariamente, a pagarem ao reclamante as parcelas
reconhecidas na sentença.
( 0000545-20.2012.5.03.0106 RO )
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
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