“A indenização pelo erro judiciário: a Suprema
Corte do Reino Unido e a Corte Europeia de Direitos Humanos
Rômulo de Andrade Moreira: Procurador-Geral de Justiça Adjunto para
Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor
Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na
graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e
Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de
Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela
Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J.
Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da
Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto
Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de
Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário).
Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro
vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério
Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos
Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias
obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
Elaborado em 07/2013.
A Suprema Corte do Reino Unido decidiu que não era mais preciso provar
ser inocente para fazer jus à reparação pelo erro judiciário. Até então, o
governo inglês só pagava indenização para aqueles condenados que começaram a
cumprir a pena.
No dia 11 de maio do ano de 2011, a Revista Consultor Jurídico, em
matéria assinada por Aline Pinheiro, correspondente da revista na Europa,
publicou a seguinte manchete: “Vítimas da Toga - Justiça britânica amplia
conceito de erro judicial”.
A notícia dava conta que naquele dia a Suprema Corte do Reino Unido
acabava de decidir que não era mais preciso provar ser inocente para fazer jus
à reparação pelo erro judiciário, decisão das mais importantes da história do
país, pois até então, o governo inglês só pagava indenização para aqueles que
tivessem sido condenados, começaram a cumprir a pena e depois conseguiram
comprovar a inocência.
A jornalista aproveitou a oportunidade e explicou que eram “quatro
situações que levavam a Corte de Apelações na Inglaterra a anular uma
condenação com base em novas provas. Até então, só era reconhecido o erro
judicial quando a prova nova comprovasse a inocência do réu. Por uma maioria
apertada, cinco a quatro, os julgadores da corte máxima britânica ampliaram o
conceito de erro judicial para abranger também os casos em que a Corte de
Apelações anulava a condenação do réu porque surgiram provas que, se tivessem
sido apresentadas no julgamento, o corpo de jurados não teria decidido pela
condenação.As outras duas situações ficam de fora do conceito de erro judicial:
quando é incerto se as provas novas impediriam ou não a condenação e quando
houve algum erro grave no processo investigatório.”
Para ilustrar a matéria, a jornalista apontou três casos de pessoas
condenadas por homicídio que foram analisados pela corte. Escreveu:
“Em dois deles, a condenação foi anulada pela
Corte de Apelações depois que os condenados conseguiram comprovar que o júri se
baseou na confissão deles para dar o veredicto, mas que havia indícios
razoáveis de que eles só confessaram porque foram torturados por policiais.
Esses dois casos foram enquadrados na segunda situação e, para a maioria dos
juízes, fazem jus à reparação por erro judicial.O terceiro recurso era de um
acusado que teve a sua condenação anulada porque a defesa não se valeu de
provas colhidas pela própria Polícia e que poderiam levar a sua absolvição.
Para a maioria dos julgados, esse não se encaixa em nenhuma das situações
simplesmente porque não houve prova nova. Não foi esse o motivo que levou à
anulação da condenação e não foi considerado erro judicial.Na Inglaterra,
depois que o corpo de jurados condena uma pessoa e a pena é fixada, ela começa
já a cumprir pena. Só em alguns casos, consegue suspender temporariamente a condenação.
O direito de reparação de vítimas de erro judicial está previsto no Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, da ONU, ratificado
pelo Reino Unido em 1976. Uma lei inglesa de 1988 transpõe o dispositivo para o
ordenamento jurídico nacional, estabelecendo que tem direito a indenização uma
pessoa que teve a sua condenação criminal revertida ou foi absolvida mais tarde
porque novos fatos mostraram, sem dúvidas consistentes, que houve erro
judicial.” (utilize este link para ler a decisão em
inglês:http://s.conjur.com.br/dl/decisao-suprema-corte-reino-unido7.pdf).
Tal decisão, evidentemente acertada, não fez tabula rasa das
consequências desastrosas de um erro judiciário, que efetivamente deve ser
reparado por quem o cometeu, ou seja, o Estado (com direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa). Neste sentido muito claros dois
dispositivos constitucionais: art. 5º. LXXV e art. 37, § 6º.
A propósito, é cediço que no Brasil a coisa julgada no Processo Penal,
tratando-se de uma sentença condenatória ou absolutória imprópria (aquela na
qual se aplica uma medida de segurança ao réu inimputável)[1], é
sempre relativa, em razão da figura da Revisão Criminal (esta ação constitutiva
negativa, no Brasil, teve origem no Decreto nº. 848, de 11 de outubro de 1890 e
tem sede constitucional). Nela temos o juízo revidente ou rescidente
(desconstituição da sentença) e o juízo revisório ou rescisório (substituição
da sentença). No caso de anulação do processo, apenas o juízo revidente.A
legitimidade para agir é do próprio condenado, ou do seu representante legal
(no caso da absolvição imprópria do inimputável por doença mental) ou dos seus
sucessores (cônjuge, ascendente, descendente e irmão, nesta ordem de
preferência: art. 623, c/c art. 36, ambos do Código de Processo Penal). O
interesse de agir é a coisa julgada e a possibilidade jurídica do pedido é uma
sentença condenatória ou absolutória imprópria.
Podemos ainda identificar a possibilidade jurídica da causa de pedir,
que são as três hipóteses legais de cabimento da ação revisional (art. 621, I,
II e III), sendo possível a dilação probatória. É também cabível, a meu ver,
pois a questão é polêmica, em relação às decisões proferidas no Tribunal do
Júri, tanto o juízo revidente/rescindente quanto o juízo rescisório/revisório
(neste sentido, ver Habeas Corpus nº 19.419 - DF – Superior Tribunal de Justiça
- RT 811/557). Por óbvio que não é necessário o recolhimento à prisão do autor
da ação (Enunciado 393 da súmula do Supremo Tribunal Federal). O respectivo
procedimento está previsto no Código de Processo Penal e a competência na
Constituição Federal e nas Constituições estaduais, sendo perfeitamente
possível o julgamento extra ou ultra petita, desde que seja para,
evidentemente, favorecer o autor, pois não se admite a reformatio in pejus,
inclusive a indireta.Permite-se, ademais, a reiteração da ação (com os mesmos
elementos), desde que haja novas provas (ainda que haja identidade de ações),
nos termos do art. 622, CPP.
O nosso Código de Processo Penal não exige que o autor da Revisão
Criminal prove a sua inocência para que ela seja julgada procedente (mesmo
porque o ônus de demonstrar a culpa do condenado cabe ao réu nesta ação: o
Ministério Público, que o denunciou, acusou-o e pediu, nas alegações finais ou
em sede recursal, a sua condenação).
Ademais, basta que o condenado deduza um pedido de natureza cível
(reconhecimento pelo Tribunal do direito a uma justa indenização pelos
prejuízos sofridos); neste caso, entendemos indispensável a citação da Fazenda
Pública, pois será quem arcará com eventual pagamento (art. 630, CPP).
Ocorre que agora (12 de julho de 2013), a mesma revista e também a mesma
jornalista, publicaram a seguinte matéria: “Limbo Jurídico - Europa minimiza princípio
da presunção de inocência.”, nestes termos:
“A Corte Europeia
de Direitos Humanos validou a existência de um terceiro veredicto: absolvição
teórica(?). Os juízes decidiram que um réu que foi condenado, cumpriu sua pena
e depois teve sua condenação anulada diante de novas provas não é,
necessariamente, inocente. Não tem direito de reclamar indenização por danos
morais pelo tempo que ficou preso. A decisão da corte é final.” Evidentemente
que este julgamento menoscaba oprincípio da presunção de inocência“ao
estabelecer que, se a condenação é anulada e não é feito novo julgamento, o réu
não pode ser considerado um inocente erroneamente condenado. Não é vítima de
erro judicial. Tecnicamente, ele é um inocente aos olhos da Justiça, mas que já
passou anos atrás das grades e não vai receber nenhuma compensação por
isso.”Absurdo!
Esta decisãoda Corte Europeia,completamente equivocada sob o ponto de
vista de um Processo Penal garantista, deu-se no caso de uma britânica,Lorraine
Allen, que havia sido condenada a três anos de prisão pelo suposto assassinato
do seu filho de quatro meses. Detalhe: “a condenação foi baseada em laudo
médico que apontou como causa da morte do bebê danos cerebrais comuns em
crianças que são sacudidas com violência.”
Ocorre que “depois que Lorraine já tinha cumprido a pena, novo laudo
médico colocou em dúvida a causa da morte do bebê. Ela recorreu à Corte de
Apelação e a condenação foi anulada. (...) Tecnicamente, ao suspender o
julgamento que a condenou, o que a Corte de Apelação fez foi absolvê-la da
acusação. A britânica começou uma nova batalha na Justiça para receber
indenização por danos morais, alegando que foi vítima de erro judicial.
Fracassou em todas as instâncias por não se encaixar em nenhuma das definições
britânicas de erro judicial.”
Ora, esta decisão é exatamente contrária à da Corte Britânica, pois no
julgamento acima referido os julgadores, ao contrário da Corte Europeia,
ampliaram o conceito de erro judicial “para abranger também os casos em que a
Corte de Apelação anula a condenação do réu porque surgiram provas que, se
tivessem sido apresentadas no julgamento, o corpo de jurados não teria decidido
pela condenação.”Tal e qual ocorreria no Brasil, nos termos do art. 621, III do
Código de Processo Penal.
Ainda segundo a matéria jornalística, este último caso não mais se
encaixou nesse novo conceito de erro judicial “porque a Corte de Apelação
considerou que, com o novo laudo médico, havia uma possibilidade de que o júri
a absolvesse da acusação. Mas, sem essa certeza, não havia como reconhecer que
ela era uma pessoa inocente condenada por erro da Justiça.Para a Corte
Europeia, tanto a lei como a Justiça britânica estão de acordo com a Convenção
de Direitos Humanos. Os juízes europeus explicaram que a absolvição de Lorraine
aconteceu por motivos formais. A Corte de Apelação não analisou o mérito, mas
apenas a possibilidade de um eventual veredicto diferente. De acordo com a
corte europeia, caberia ao júri — e só a ele — analisar a inocência ou
culpabilidade de Lorraine. Sem um novo julgamento, ela não tem como ver sua
inocência reconhecida e não tem direito a se declarar vítima de erro judicial.”
(utilize este link para ler a decisão em inglês).
É óbvio que este segundo julgamento afrontou o princípio da presunção de
inocência, que alguns preferem chamar (sabe-se lá o porquê) de
“não-consideração prévia de culpabilidade, pois “l’imputato è sempre e
solo imputato ai fini del losvolgimento del processo. Quindi
non va considerato nè come innocente, nè come colpevole.”[2]. Outros
autores ainda preferem se referir em princípio da não-culpabilidade e, como
René Ariel Dotti, emprincípio da incensurabilidade. Para mim, é tudo a mesma
coisa.
Por fim, não esqueçamos o mais importante: o art. 5º., LVII da
Constituição proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória” (além do art. 5º., LXI) e o art. 387,
parágrafo único do Código de Processo Penal.”
NOTA
[1] Neste sentido, conferir o art. 8.4 do Pacto de São José da Costa
Rica: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser
submetido a novo processo pelos mesmos fatos.” A chamada Revisão “pro
societate” é encontrada em países como a Alemanha, Portugal, Noruega e
Suíça.
[2]Rogério Lauria Tucci, respaldado naslições de Guglielmo Sabatini
(Direitos e GarantiasIndividuais no ProcessoPenalBrasileiro, São Paulo:
Saraiva, 1993, p. 401).
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