“A missão
impossível e perigosa do presidente português
Em Portugal, o presidente Cavaco Silva
quer juntar a esquerda e a direita para salvar o país. Se, para muitos, tal
parece ser uma missão impossível, para os três maiores partidos não aparenta
ser, pois já concordaram com o “negócio”.
Tal como aconteceu em outros países do
sul da Europa como a Grécia e a Itália, as exigências dos credores
internacionais de cortar as despesas do Estado levaram não só a uma crise
econômica, mas também política. O governo dos sociais-democratas portugueses
tem enfrentado o descontentamento generalizado por estar efetuando reformas
que, sendo aparentemente necessárias, têm levado ao aumento do desemprego, à
recessão económica, ao aumento de impostos e à perda generalizada de regalias
de muitas classes profissionais. Até na coligação governante, o partido mais
pequeno (CDS-PP) tem vindo a protestar contra a falta de medidas de fomento da
economia e de excessivo “seguidismo” em relação à política europeia de
austeridade. Face ao fracasso dos resultados da redução do défice público, o
ministro das Finanças, Victor Gaspar, demitiu-se.
Depois disso, o país entrou na chamada
“semana de loucura”.
Começou com a nomeação da nova ministra
das Finanças sem a aprovação do segundo partido da coligação, seguiu-se a
demissão retaliatória de Paulo Portas, ministro de Estado e das Relações
Exteriores sem ter dado informação prévia ao presidente, continuou com a posse
da ministra com a coligação em rotura, a ameaça de saída do Governo dos
ministros do CDS-PP e, finalmente o recuo e regresso de Paulo Portas ao governo
depois de ter dito antes que a sua “demissão era irrevogável”. Toda esta
sucessão de acontecimentos levou muitos analistas a falar de “caos”, de
“indescritível leviandade”, “mais completa irresponsabilidade” e “total
humilhação do presidente da República”.
Após a “birra” de Paulo Portas, o seu
colega de coligação, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, cedeu e
ofereceu-lhe as áreas mais importantes da governação: a vice-presidência, a
coordenação da política econômica, as conversações com a troika e
a reforma do Estado, ou seja, os postos-chave do governo. Para um partido que
representa menos de 12% do eleitorado, tal “usurpação de poder” foi muito mal
vista.
Mesmo assim, reconciliados, os dois
líderes apresentaram a nova estrutura do governo ao chefe de Estado para
aprovação. Todos achavam que Cavaco Silva, um amante da estabilidade, iria dar
o aval ao novo governo.
Ao oitavo dia da crise, o presidente
falou e conseguiu surpreender toda a gente. Disse, sobretudo aos líderes da
coligação, que não confia neles e que passa a tomar a iniciativa política.
Exigiu que o PSD e CDS-PP
(esquematicamente considerados de direita), e o Partido Socialista (esquerda
moderada) se entendam para cumprir as exigências da troika,
juntando-se num governo de salvação nacional; marcou eleições legislativas
antecipadas para 2014 e ainda ordenou que os dois maiores partidos cheguem a
acordo para o período pós-troika.
Em resumo: Cavaco Silva dá uma bofetada
ao PSD e CDS, amarra o PS à política de austeridade e ignora os outros partidos
com representação parlamentar.
Ao decidir não marcar já eleições, o
presidente tomou uma decisão de risco: reacendeu a crise quando esta parecia já
ter sido ultrapassada, exigiu que o Partido Socialista, o principal partido de
oposição, assuma uma política que não é a sua, arriscando-se a ser futuramente
penalizado pelos eleitores. Mais do que isso, contribuiu para uma ainda maior
descredibilização dos partidos, da própria democracia parlamentar. Formar um
governo de salvação nacional é juntar num caldeirão os principais partidos do
país e obrigar o PS a trair os seus princípios.
Embora os três partidos já tenham
concordado em se sentar à mesa das conversações, o plano do presidente parece
ser tão impossível quanto perigoso.
A ideia de salvação nacional levou já
ao surgimento de vozes como a do advogado José Miguel Júdice, ex-militante do
PSD, que, em recente entrevista ao Jornal de Negócios, fez declarações
surpreendentes:
“Um golpe de Estado, uma revolução,
enfim, uma rutura. É disto que Portugal precisa para mudar o sistema político e
instituir o presidencialismo, a única solução para os problemas do país”.
Estas palavras são
perigosas. Perigosas porque podem incendiar aqueles que acham que os partidos,
a democracia, não nos fazem falta. Perigosas porque podem levar a crer que virá
algum novo Dom Sebastião numa manhã de nevoeiro para salvar o país.
Infelizmente, Portugal já passou por isso durante 48 anos com os resultados
conhecidos”.
Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/2013_07_15/A-missao-impossivel-e-perigosa-do-presidente-portugues-5586/. Acesso: 23/7/2013
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