terça-feira, 23 de julho de 2013

A missão impossível e perigosa do presidente português

“A missão impossível e perigosa do presidente português

Em Portugal, o presidente Cavaco Silva quer juntar a esquerda e a direita para salvar o país. Se, para muitos, tal parece ser uma missão impossível, para os três maiores partidos não aparenta ser, pois já concordaram com o “negócio”.

Tal como aconteceu em outros países do sul da Europa como a Grécia e a Itália, as exigências dos credores internacionais de cortar as despesas do Estado levaram não só a uma crise econômica, mas também política. O governo dos sociais-democratas portugueses tem enfrentado o descontentamento generalizado por estar efetuando reformas que, sendo aparentemente necessárias, têm levado ao aumento do desemprego, à recessão económica, ao aumento de impostos e à perda generalizada de regalias de muitas classes profissionais. Até na coligação governante, o partido mais pequeno (CDS-PP) tem vindo a protestar contra a falta de medidas de fomento da economia e de excessivo “seguidismo” em relação à política europeia de austeridade. Face ao fracasso dos resultados da redução do défice público, o ministro das Finanças, Victor Gaspar, demitiu-se.
Depois disso, o país entrou na chamada “semana de loucura”.
Começou com a nomeação da nova ministra das Finanças sem a aprovação do segundo partido da coligação, seguiu-se a demissão retaliatória de Paulo Portas, ministro de Estado e das Relações Exteriores sem ter dado informação prévia ao presidente, continuou com a posse da ministra com a coligação em rotura, a ameaça de saída do Governo dos ministros do CDS-PP e, finalmente o recuo e regresso de Paulo Portas ao governo depois de ter dito antes que a sua “demissão era irrevogável”. Toda esta sucessão de acontecimentos levou muitos analistas a falar de “caos”, de “indescritível leviandade”, “mais completa irresponsabilidade” e “total humilhação do presidente da República”.
Após a “birra” de Paulo Portas, o seu colega de coligação, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, cedeu e ofereceu-lhe as áreas mais importantes da governação: a vice-presidência, a coordenação da política econômica, as conversações com a troika e a reforma do Estado, ou seja, os postos-chave do governo. Para um partido que representa menos de 12% do eleitorado, tal “usurpação de poder” foi muito mal vista.
Mesmo assim, reconciliados, os dois líderes apresentaram a nova estrutura do governo ao chefe de Estado para aprovação. Todos achavam que Cavaco Silva, um amante da estabilidade, iria dar o aval ao novo governo.
Ao oitavo dia da crise, o presidente falou e conseguiu surpreender toda a gente. Disse, sobretudo aos líderes da coligação, que não confia neles e que passa a tomar a iniciativa política.
Exigiu que o PSD e CDS-PP (esquematicamente considerados de direita), e o Partido Socialista (esquerda moderada) se entendam para cumprir as exigências da troika, juntando-se num governo de salvação nacional; marcou eleições legislativas antecipadas para 2014 e ainda ordenou que os dois maiores partidos cheguem a acordo para o período pós-troika.
Em resumo: Cavaco Silva dá uma bofetada ao PSD e CDS, amarra o PS à política de austeridade e ignora os outros partidos com representação parlamentar.
Ao decidir não marcar já eleições, o presidente tomou uma decisão de risco: reacendeu a crise quando esta parecia já ter sido ultrapassada, exigiu que o Partido Socialista, o principal partido de oposição, assuma uma política que não é a sua, arriscando-se a ser futuramente penalizado pelos eleitores. Mais do que isso, contribuiu para uma ainda maior descredibilização dos partidos, da própria democracia parlamentar. Formar um governo de salvação nacional é juntar num caldeirão os principais partidos do país e obrigar o PS a trair os seus princípios.
Embora os três partidos já tenham concordado em se sentar à mesa das conversações, o plano do presidente parece ser tão impossível quanto perigoso.
A ideia de salvação nacional levou já ao surgimento de vozes como a do advogado José Miguel Júdice, ex-militante do PSD, que, em recente entrevista ao Jornal de Negócios, fez declarações surpreendentes:
“Um golpe de Estado, uma revolução, enfim, uma rutura. É disto que Portugal precisa para mudar o sistema político e instituir o presidencialismo, a única solução para os problemas do país”.
 Estas palavras são perigosas. Perigosas porque podem incendiar aqueles que acham que os partidos, a democracia, não nos fazem falta. Perigosas porque podem levar a crer que virá algum novo Dom Sebastião numa manhã de nevoeiro para salvar o país. Infelizmente, Portugal já passou por isso durante 48 anos com os resultados conhecidos”.

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