quarta-feira, 24 de julho de 2013

Informação

São Paulo inova legislação de combate ao trabalho degradante e análogo à escravidão


O Estado de São Paulo possui legislação que pune com rigor a exploração de trabalho em condições análogas à escravidão. Sancionada em 28/1, a nova lei estabelece que empresas flagradas utilizando trabalho escravo perderão suas inscrições no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), serão fechadas e não poderão realizar qualquer transação formal. A autuação vale tanto para as envolvidas diretamente quanto as beneficiárias indiretas. Atinge ainda os sócios envolvidos, que ficam impedidos de entrar com nova inscrição por dez anos. A lei estadual foi criada a partir de projeto do deputado Carlos Bezerra Jr. (PSDB).

São Paulo declara tolerância zero a esse crime. Quem explora visa ao lucro a qualquer custo. Nada melhor do que causar prejuízo a quem lucra e lucra muito com isso. São Paulo dá um recado. O lucro a qualquer custo jamais vai se sobrepor aos direitos humanos, diz Bezerra.

A Lei 14.946/2013, aprovada pela Assembleia no final do ano passado, concluiu uma etapa crucial para a sua aplicação efetiva com a assinatura do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no dia 13/5, do decreto que a regulamentou e estabeleceu as condições formais para a rigorosa aplicação das penalidades. Havia uma portaria editada em fevereiro pela Secretaria estadual da Fazenda que dificultava a punição das empresas, uma vez que o processo de cassação do cadastro do ICMS só poderia ser iniciado após condenação penal, transitada em julgado, de pessoa vinculada à empresa que tivesse feito exploração de trabalho escravo.

Segundo informações de auditores e procuradores do Trabalho, não há no Brasil condenação criminal pela prática desse crime. A lei aprovada em São Paulo atinge economicamente os que fizerem uso dessa prática. A lei contra trabalho escravo inovou ao prever restrições que acarretarão prejuízo àqueles que lucram com esse crime. O viés econômico trazido pela medida é uma de suas inovações. Deve, inclusive, influenciar na lógica do mercado paulista. A criação dessa lei deverá inibir a concorrência desleal, ressalta Luiz Carlos Fabre, procurador do trabalho.

A nova legislação foi motivada por uma série de denúncias feitas pelo Ministério Público do Trabalho sobre casos de trabalhos forçados no Estado de São Paulo. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, da qual o deputado Carlos Bezerra é vice-presidente, apurou, nos últimos dois anos, diversos casos de trabalho degradante ocorridos em oficinas de confecção e no segmento da construção civil, envolvendo empresas renomadas desses setores. Esses casos demonstram que as práticas de exploração do trabalho escravo não mais se restringem apenas ao meio rural, mas se espalham por diversos setores modernos da economia que operam nos grandes centros urbanos.

Referência nacional e mundial

Ao assinar o decreto de regulamentação, o governador Geraldo Alckmin afirmou que a legislação deve ser replicada em todo país. Agora, com a regulamentação, podemos proibir as empresas de exercer a atividade econômica. Se todo mundo tomar essa iniciativa, vamos acabar com essa situação aviltante no Brasil inteiro. Esperamos que os demais Estados da federação também o façam, disse.

O coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Luiz Machado, ressaltou que medidas como essas tornaram o Brasil referência global no combate ao trabalho escravo. A posição é endossada pela Organização das Nações Unidas (ONU), por sua relatora para Formas Contemporâneas de Escravidão, Gulnara Shahinian, que aponta a lei como referência mundial no combate à escravidão moderna.

A nova legislação paulista ganhou alcance internacional. Depois da sua oficialização, surgiram propostas de parcerias da ONG Free The Slaves para que medidas semelhantes a essa sejam aplicadas na África e na Ásia. Também foi firmado um termo de cooperação com o embaixador norte-americano do Escritório para Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas, para a criação de um fórum binacional, com bases em São Paulo e na Califórnia, reunindo especialistas e estudiosos no tema, para o subsídio de mais iniciativas no combate a escravidão contemporânea e a defesa dos Direitos Humanos, informou o deputado Carlos Bezerra.

Quadro nacional

Dados do Ministério do Trabalho de 2012 mostram que houve no país aumento de 14,37% no número de trabalhadores libertados em comparação com o ano de 2011. A fiscalização federal resgatou 2.849 trabalhadores em situações consideradas análogas à de escravo no ano passado.

De acordo com informação do setor de inspeção do Trabalho, o aumento do número de resgatados deve-se ao fato de as ações fiscais terem sido realizadas em regiões não inspecionadas habitualmente e por ter ocorrido aumento no meio urbano do emprego desse tipo de mão de obra.

Esses trabalhadores foram encontrados em 255 ações fiscais realizadas em áreas urbanas e rurais pelas equipes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel e de Grupos de Fiscalização das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego. Com as ações fiscais, houve pagamento total de R$ 9,5 milhões em verbas rescisórias aos resgatados. No ano passado, foram aplicados 3.695 autos de infração, emitidas 2.336 guias de seguro-desemprego e assinadas 500 carteiras de trabalho durante as operações.

O Estado de São Paulo apareceu em quarto lugar no ranking divulgado pelo Ministério do Trabalho, que considera o número de resgatados nos meios rural e urbano. Foram 95 trabalhadores encontrados pelos fiscais no setor da construção civil que trabalhavam em situações consideradas análogas à de escravos. Em primeiro lugar está o Estado do Pará com 150 trabalhadores resgatados.

Trabalho análogo ao de escravo é aquele em que a pessoa é submetida a condições degradantes, como correr riscos no ambiente de trabalho (locais sem higiene, fiação exposta com risco de incêndio), jornadas exaustivas (acima de 12 horas, como prevê a lei), servidão por dívida (tem a liberdade cerceada por dívida com o empregador) e outras.

Sistema de combate ao trabalho escravo

Segundo Leonardo Sakamoto, jornalista e estudioso do assunto, a cada ano, milhares de trabalhadores pobres são recrutados para trabalhar em fazendas, carvoarias, canteiros de obras e oficinas de costura e submetidos a condições degradantes de trabalho, sem possibilidade de romperem a relação com o empregador, sob ameaças que vão de torturas psicológicas a espancamentos e assassinatos. Essa forma de exploração é chamada de trabalho análogo ao de escravo, escravidão contemporânea ou nova escravidão e está prevista como crime no Código Penal (artigo 149), com pena de dois a oito anos de reclusão.

Como nota Sakamoto, o número de trabalhadores envolvidos nessas condições é relativamente pequeno se comparado com a população economicamente ativa do país, porém não desprezível. De 1995 quando o sistema de combate ao trabalho escravo contemporâneo foi criado pelo governo federal até hoje, mais de 44 mil pessoas foram resgatadas dessa situação, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego.

Em 12 de setembro de 2002, por meio da Portaria nº 231, foi instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, no âmbito do Ministério Público do Trabalho, para promover ação articulada do órgão voltada para o controle do trabalho forçado em suas diversas formas. A atual estrutura governamental em âmbito federal para proposição de políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho escravo foi criada em 2003, com a instituição da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), sob a coordenação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SEDH), integrada por diversos representantes de governo, de trabalhadores, de empregadores e da sociedade civil, com o objetivo de combater e prevenir a prática do trabalho escravo, através da implementação das ações do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, do acompanhamento de projetos de lei, e da avaliação de propostas de estudos e pesquisas. O documento norteador dessas políticas é o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado em 2002 por uma Comissão Especial do Conselho de Direitos da Pessoa Humana.

A alteração do art. 149 do Código Penal permitiu a explicitação das condutas que caracterizam a redução de alguém à condição análoga à de escravo. A Lei federal 10.803, que alterou o artigo 149 do Código Penal, caracterizou o crime de redução da pessoa à condição análoga à de escravo. A redação anterior do dispositivo era aberta (apenas definia como crime reduzir alguém à condição análoga à de escravo) e estava praticamente em desuso. A nova redação teve o mérito de fixar uma tipificação mais precisa de quais condutas caracterizam o crime, incluindo a escravidão por dívida e a decorrente da sujeição dos trabalhadores a condições degradantes, tipos mais comuns que já vinham sendo identificados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o que indiretamente contribuiu também para estancar as alegações de que não havia um conceito moderno desse tipo de prática no ordenamento jurídico brasileiro.

Uma outra estratégia recente foi a criação do Cadastro de Infratores, no final de 2003, com a edição da Portaria 1.150, em 18 de novembro, do Ministério da Integração Nacional, relativa à recomendação aos bancos públicos que se abstenham de conceder financiamento ou qualquer outro tipo de assistência envolvendo recursos sob a supervisão do MIN às pessoas físicas e jurídicas que explorassem o trabalho análogo ao de escravo, desde que houvesse fiscalização e imposição de penalidade administrativa em caráter definitivo pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Na mesma data, foi editada a Portaria 1.234 do Ministério do Trabalho e Emprego (reeditada em 2004, como Portaria 540, em 15/10 e substituída pela Portaria Interministerial nº 02, em 12/5/2011) instituindo o Cadastro de Empregadores Infratores, vulgarmente conhecido como Lista Suja.


Fonte: Assembléia Legislativa de São Paulo

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