São Paulo inova legislação de combate ao trabalho degradante e análogo à escravidão
O
Estado de São Paulo possui legislação que pune com rigor a exploração
de trabalho em condições análogas à escravidão. Sancionada em 28/1, a
nova lei estabelece que empresas flagradas utilizando trabalho escravo
perderão suas inscrições no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), serão fechadas e não poderão realizar qualquer
transação formal. A autuação vale tanto para as envolvidas diretamente
quanto as beneficiárias indiretas. Atinge ainda os sócios envolvidos,
que ficam impedidos de entrar com nova inscrição por dez anos. A lei
estadual foi criada a partir de projeto do deputado Carlos Bezerra Jr.
(PSDB).
São
Paulo declara tolerância zero a esse crime. Quem explora visa ao lucro a
qualquer custo. Nada melhor do que causar prejuízo a quem lucra e lucra
muito com isso. São Paulo dá um recado. O lucro a qualquer custo jamais
vai se sobrepor aos direitos humanos, diz Bezerra.
A
Lei 14.946/2013, aprovada pela Assembleia no final do ano passado,
concluiu uma etapa crucial para a sua aplicação efetiva com a assinatura
do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no dia 13/5, do decreto
que a regulamentou e estabeleceu as condições formais para a rigorosa
aplicação das penalidades. Havia uma portaria editada em fevereiro pela
Secretaria estadual da Fazenda que dificultava a punição das empresas,
uma vez que o processo de cassação do cadastro do ICMS só poderia ser
iniciado após condenação penal, transitada em julgado, de pessoa
vinculada à empresa que tivesse feito exploração de trabalho escravo.
Segundo
informações de auditores e procuradores do Trabalho, não há no Brasil
condenação criminal pela prática desse crime. A lei aprovada em São Paulo
atinge economicamente os que fizerem uso dessa prática. A lei contra
trabalho escravo inovou ao prever restrições que acarretarão prejuízo
àqueles que lucram com esse crime. O viés econômico trazido pela medida é
uma de suas inovações. Deve, inclusive, influenciar na lógica do
mercado paulista. A criação dessa lei deverá inibir a concorrência
desleal, ressalta Luiz Carlos Fabre, procurador do trabalho.
A
nova legislação foi motivada por uma série de denúncias feitas pelo
Ministério Público do Trabalho sobre casos de trabalhos forçados no
Estado de São Paulo. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de São Paulo, da qual o deputado Carlos Bezerra é
vice-presidente, apurou, nos últimos dois anos, diversos casos de
trabalho degradante ocorridos em oficinas de confecção e no segmento da
construção civil, envolvendo empresas renomadas desses setores. Esses
casos demonstram que as práticas de exploração do trabalho escravo não
mais se restringem apenas ao meio rural, mas se espalham por diversos
setores modernos da economia que operam nos grandes centros urbanos.
Referência nacional e mundial
Ao
assinar o decreto de regulamentação, o governador Geraldo Alckmin
afirmou que a legislação deve ser replicada em todo país. Agora, com a
regulamentação, podemos proibir as empresas de exercer a atividade
econômica. Se todo mundo tomar essa iniciativa, vamos acabar com essa
situação aviltante no Brasil inteiro. Esperamos que os demais Estados da
federação também o façam, disse.
O
coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Luiz Machado, ressaltou que
medidas como essas tornaram o Brasil referência global no combate ao
trabalho escravo. A posição é endossada pela Organização das Nações
Unidas (ONU), por sua relatora para Formas Contemporâneas de Escravidão,
Gulnara Shahinian, que aponta a lei como referência mundial no combate à
escravidão moderna.
A
nova legislação paulista ganhou alcance internacional. Depois da sua
oficialização, surgiram propostas de parcerias da ONG Free The Slaves
para que medidas semelhantes a essa sejam aplicadas na África e na Ásia.
Também foi firmado um termo de cooperação com o embaixador
norte-americano do Escritório para Monitoramento e Combate ao Tráfico de
Pessoas, para a criação de um fórum binacional, com bases em São Paulo
e na Califórnia, reunindo especialistas e estudiosos no tema, para o
subsídio de mais iniciativas no combate a escravidão contemporânea e a
defesa dos Direitos Humanos, informou o deputado Carlos Bezerra.
Quadro nacional
Dados
do Ministério do Trabalho de 2012 mostram que houve no país aumento de
14,37% no número de trabalhadores libertados em comparação com o ano de 2011. A fiscalização federal resgatou 2.849 trabalhadores em situações consideradas análogas à de escravo no ano passado.
De
acordo com informação do setor de inspeção do Trabalho, o aumento do
número de resgatados deve-se ao fato de as ações fiscais terem sido
realizadas em regiões não inspecionadas habitualmente e por ter ocorrido
aumento no meio urbano do emprego desse tipo de mão de obra.
Esses
trabalhadores foram encontrados em 255 ações fiscais realizadas em
áreas urbanas e rurais pelas equipes do Grupo Especial de Fiscalização
Móvel e de Grupos de Fiscalização das Superintendências Regionais do
Trabalho e Emprego. Com as ações fiscais, houve pagamento total de R$
9,5 milhões em verbas rescisórias aos resgatados. No ano passado, foram
aplicados 3.695 autos de infração, emitidas 2.336 guias de
seguro-desemprego e assinadas 500 carteiras de trabalho durante as
operações.
O
Estado de São Paulo apareceu em quarto lugar no ranking divulgado pelo
Ministério do Trabalho, que considera o número de resgatados nos meios
rural e urbano. Foram 95 trabalhadores encontrados pelos fiscais no
setor da construção civil que trabalhavam em situações consideradas
análogas à de escravos. Em primeiro lugar está o Estado do Pará com 150
trabalhadores resgatados.
Trabalho
análogo ao de escravo é aquele em que a pessoa é submetida a condições
degradantes, como correr riscos no ambiente de trabalho (locais sem
higiene, fiação exposta com risco de incêndio), jornadas exaustivas
(acima de 12 horas, como prevê a lei), servidão por dívida (tem a
liberdade cerceada por dívida com o empregador) e outras.
Sistema de combate ao trabalho escravo
Segundo
Leonardo Sakamoto, jornalista e estudioso do assunto, a cada ano,
milhares de trabalhadores pobres são recrutados para trabalhar em
fazendas, carvoarias, canteiros de obras e oficinas de costura e
submetidos a condições degradantes de trabalho, sem possibilidade de
romperem a relação com o empregador, sob ameaças que vão de torturas
psicológicas a espancamentos e assassinatos. Essa forma de exploração é
chamada de trabalho análogo ao de escravo, escravidão contemporânea ou
nova escravidão e está prevista como crime no Código Penal (artigo 149),
com pena de dois a oito anos de reclusão.
Como
nota Sakamoto, o número de trabalhadores envolvidos nessas condições é
relativamente pequeno se comparado com a população economicamente ativa
do país, porém não desprezível. De 1995 quando o sistema de combate ao
trabalho escravo contemporâneo foi criado pelo governo federal até
hoje, mais de 44 mil pessoas foram resgatadas dessa situação, de acordo
com dados do Ministério do Trabalho e Emprego.
Em
12 de setembro de 2002, por meio da Portaria nº 231, foi instituída a
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, no âmbito do
Ministério Público do Trabalho, para promover ação articulada do órgão
voltada para o controle do trabalho forçado em suas diversas formas. A
atual estrutura governamental em âmbito federal para proposição de
políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho escravo foi
criada em 2003, com a instituição da Comissão Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo (Conatrae), sob a coordenação da Secretaria Nacional
de Direitos Humanos (SEDH), integrada por diversos representantes de
governo, de trabalhadores, de empregadores e da sociedade civil, com o
objetivo de combater e prevenir a prática do trabalho escravo, através
da implementação das ações do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo, do acompanhamento de projetos de lei, e da avaliação de
propostas de estudos e pesquisas. O documento norteador dessas políticas
é o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado em
2002 por uma Comissão Especial do Conselho de Direitos da Pessoa Humana.
A
alteração do art. 149 do Código Penal permitiu a explicitação das
condutas que caracterizam a redução de alguém à condição análoga à de
escravo. A Lei federal 10.803, que alterou o artigo 149 do Código Penal,
caracterizou o crime de redução da pessoa à condição análoga à de
escravo. A redação anterior do dispositivo era aberta (apenas definia
como crime reduzir alguém à condição análoga à de escravo) e estava
praticamente em desuso. A
nova redação teve o mérito de fixar uma tipificação mais precisa de
quais condutas caracterizam o crime, incluindo a escravidão por dívida e
a decorrente da sujeição dos trabalhadores a condições degradantes,
tipos mais comuns que já vinham sendo identificados pelo Ministério do
Trabalho e Emprego, o que indiretamente contribuiu também para estancar
as alegações de que não havia um conceito moderno desse tipo de prática
no ordenamento jurídico brasileiro.
Uma
outra estratégia recente foi a criação do Cadastro de Infratores, no
final de 2003, com a edição da Portaria 1.150, em 18 de novembro, do
Ministério da Integração Nacional, relativa à recomendação aos bancos
públicos que se abstenham de conceder financiamento ou qualquer outro
tipo de assistência envolvendo recursos sob a supervisão do MIN às
pessoas físicas e jurídicas que explorassem o trabalho análogo ao de
escravo, desde que houvesse fiscalização e imposição de penalidade
administrativa em caráter definitivo pelo Ministério do Trabalho e
Emprego. Na mesma data, foi editada a Portaria 1.234 do Ministério do
Trabalho e Emprego (reeditada em 2004, como Portaria 540, em 15/10 e
substituída pela Portaria Interministerial nº 02, em 12/5/2011)
instituindo o Cadastro de Empregadores Infratores, vulgarmente conhecido
como Lista Suja.
Fonte: Assembléia Legislativa de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Qualquer sugestão ou solicitação a respeito dos temas propostos, favor enviá-los. Grata!