terça-feira, 25 de junho de 2013

“PROCESSO CIVIL

Processo eletrônico e prazos processuais: vigência plena da regra do art. 191 do CPC

02/04/2013 por Flávio Luiz Yarshell Advogado. Professor Titular do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo.

O desafio de tornar mais ágil e célere a tramitação dos processos é sabidamente complexo e não poderá ser superado pela adoção de soluções simplistas.

Antes de tudo, é preciso considerar que a justiça não se resolve em estatísticas, ainda que elas possam ser uma ferramenta útil para o diagnóstico das causas da morosidade e, portanto, para que sejam encontradas soluções. O conceito de produtividade mal se ajusta à ideia de fazer justiça porque, por mais massificadas que tenham se tornado as relações na sociedade contemporânea, atrás de cada processo ainda há pessoas de carne e osso, a reclamar dedicação e empenho para que se faça justiça naquele caso concreto. Não se pode e não se deve, em suma, aplicar à solução de controvérsias pelo Judiciário uma espécie de lógica de guerra.

Também é preciso considerar que a busca de soluções equilibradas e efetivas para problema de tal dimensão encontra hoje pouco campo nas alterações legislativas, não obstante a grande expectativa que alguns nutram em relação à aprovação do novo Código de Processo Civil, que tramita perante o Congresso Nacional. O Diploma vigente – já consideravelmente desfigurado por sucessivas reformas pontuais – certamente apresenta imperfeições. Mas, a esta altura o problema crucial da Justiça está mais na disponibilidade e gestão de recursos materiais e humanos do que nas deficiências das regras legais. A lei nova pode ajudar, mas é uma ilusão imaginar que ela resolverá problemas estruturais.

Há, é certo, um campo no qual decididamente a alteração legislativa abre as portas para uma efetiva mudança da realidade, justamente porque traz novas ferramentas de gestão dos processos judiciais: é o campo do processo eletrônico. Ele não é apenas uma esperança para o futuro. Conforme já salientei ao prefaciar obra de ilustre Magistrado paulista sobre o tema, o processo eletrônico é parte de nossa realidade e o emprego dos recursos a ele inerentes precisa se expandir rapidamente, sempre com a preocupação de que, mesmo na busca da eficiência, deve ser preservada a garantia do devido processo legal.

Nesse contexto, tive a atenção despertada para os desdobramentos do processo eletrônico sobre a disciplina dos prazos processuais. Mais especificamente, surpreendi-me com decisão – cuja origem agora não vem ao caso, para que estas considerações não ganhem sabor de suposta e improdutiva polêmica – segundo a qual o art. 191 do CPC (que confere prazo em dobro a litigantes com procuradores distintos) seria inaplicável ao processo eletrônico, uma vez que nele não haveria restrições para vista dos autos.

Com a devida vênia, interpretação dessa natureza é equivocada e gera insegurança incompatível com o que legitimamente se espera do processo judicial.

Regras sobre prazos são parte importante da disciplina da relação jurídica processual e, portanto, estão sujeitas ao princípio da legalidade. Se a lei que regulou o processo eletrônico nada estabeleceu a respeito, não é lícito ao intérprete presumir regra que restrinja de prerrogativa até então vigente.

As normas processuais sobre prazos – de cuja falta de observância podem decorrer prejuízos relevantes para as partes, sem falar na responsabilidade funcional dos advogados – devem ser interpretadas à luz dos princípios constitucionais da segurança e da confiança legítima. Inteligência que simplesmente tenha por implicitamente derrogada a regra do art. 191 do CPC não se coaduna com tais postulados e, portanto, não se harmoniza com o conteúdo do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV).

Nem se diga que interpretação dessa ordem se justificaria em nome da duração do processo em tempo razoável. Embora a redução de prazos possa até contribuir em alguma medida para a celeridade processual, é mais do que sabido que a demora na prestação jurisdicional está relacionada ao tempo “morto” do processo, isto é, aquele no qual os autos repousam nos escaninhos (ainda que eletrônicos...), à espera de andamento e de decisão.

Por isso (e agora sim se justifica explicitar a origem), tem razão decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, segundo a qual “O escopo do dispositivo [art. 191] é o de garantir a ampla defesa e o contraditório, mormente porque, sendo o prazo comum, de regra, os procuradores só teriam vista dos autos em cartório, podendo retirá-los somente após prévio ajuste e por petição, como previsto no § 2º, do art. 40, do CPC. II. A despeito de não se vislumbrar prejuízo aos litisconsortes, mormente porque, no processo eletrônico, os procuradores teriam simultaneamente disponível a integralidade das peças dos autos, devem às partes ser conferido prazo em dobro, vez que a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro 2006, que dispôs sobre a informatização do processo judicial, não revogara ou afastara a incidência do art. 191, do CPC, tampouco criara qualquer exceção à aplicação deste dispositivo no processo eletrônico” (cf. AI 0015332-92.2012.4.02.0000, Rel. Des. Sergio Schwaitzer; DEJF 06/12/2012, p. 431).

Busquemos expandir os benefícios do processo eletrônico e sua aptidão para agilizar a justiça; mas nunca ao preço de gerar injustiças e de comprometer segurança e confiança, valores que são pilares de qualquer sistema jurídico”.


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