“PROCESSO CIVIL
Processo eletrônico e
prazos processuais: vigência plena da regra do art. 191 do CPC
02/04/2013 por Flávio Luiz Yarshell Advogado. Professor Titular do Departamento de Direito
Processual da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo.
O
desafio de tornar mais ágil e célere a tramitação dos processos é sabidamente
complexo e não poderá ser superado pela adoção de soluções simplistas.
Antes
de tudo, é preciso considerar que a justiça não se resolve em estatísticas,
ainda que elas possam ser uma ferramenta útil para o diagnóstico das causas da
morosidade e, portanto, para que sejam encontradas soluções. O conceito de
produtividade mal se ajusta à ideia de fazer justiça porque, por mais
massificadas que tenham se tornado as relações na sociedade contemporânea,
atrás de cada processo ainda há pessoas de carne e osso, a reclamar dedicação e
empenho para que se faça justiça naquele caso concreto. Não se pode e não se
deve, em suma, aplicar à solução de controvérsias pelo Judiciário uma espécie
de lógica de guerra.
Também
é preciso considerar que a busca de soluções equilibradas e efetivas para
problema de tal dimensão encontra hoje pouco campo nas alterações legislativas,
não obstante a grande expectativa que alguns nutram em relação à aprovação do
novo Código de Processo Civil, que tramita perante o Congresso Nacional. O
Diploma vigente – já consideravelmente desfigurado por sucessivas reformas
pontuais – certamente apresenta imperfeições. Mas, a esta altura o problema
crucial da Justiça está mais na disponibilidade e gestão de recursos materiais
e humanos do que nas deficiências das regras legais. A lei nova pode ajudar,
mas é uma ilusão imaginar que ela resolverá problemas estruturais.
Há,
é certo, um campo no qual decididamente a alteração legislativa abre as portas
para uma efetiva mudança da realidade, justamente porque traz novas ferramentas
de gestão dos processos judiciais: é o campo do processo eletrônico. Ele não é
apenas uma esperança para o futuro. Conforme já salientei ao prefaciar obra de
ilustre Magistrado paulista sobre o tema, o processo eletrônico é parte de
nossa realidade e o emprego dos recursos a ele inerentes precisa se expandir
rapidamente, sempre com a preocupação de que, mesmo na busca da eficiência,
deve ser preservada a garantia do devido processo legal.
Nesse
contexto, tive a atenção despertada para os desdobramentos do processo
eletrônico sobre a disciplina dos prazos processuais. Mais especificamente,
surpreendi-me com decisão – cuja origem agora não vem ao caso, para que estas
considerações não ganhem sabor de suposta e improdutiva polêmica – segundo a
qual o art. 191 do CPC (que confere prazo em dobro a litigantes com
procuradores distintos) seria inaplicável ao processo eletrônico, uma vez que
nele não haveria restrições para vista dos autos.
Com
a devida vênia, interpretação dessa natureza é equivocada e gera insegurança
incompatível com o que legitimamente se espera do processo judicial.
Regras
sobre prazos são parte importante da disciplina da relação jurídica processual
e, portanto, estão sujeitas ao princípio da legalidade. Se a lei que regulou o
processo eletrônico nada estabeleceu a respeito, não é lícito ao intérprete
presumir regra que restrinja de prerrogativa até então vigente.
As
normas processuais sobre prazos – de cuja falta de observância podem decorrer
prejuízos relevantes para as partes, sem falar na responsabilidade funcional
dos advogados – devem ser interpretadas à luz dos princípios constitucionais da
segurança e da confiança legítima. Inteligência que simplesmente tenha por
implicitamente derrogada a regra do art. 191 do CPC não se coaduna com tais
postulados e, portanto, não se harmoniza com o conteúdo do devido processo
legal (CF, art. 5º, inciso LIV).
Nem
se diga que interpretação dessa ordem se justificaria em nome da duração do
processo em tempo razoável. Embora a redução de prazos possa até contribuir em
alguma medida para a celeridade processual, é mais do que sabido que a demora
na prestação jurisdicional está relacionada ao tempo “morto” do processo, isto
é, aquele no qual os autos repousam nos escaninhos (ainda que eletrônicos...),
à espera de andamento e de decisão.
Por
isso (e agora sim se justifica explicitar a origem), tem razão decisão do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, segundo a qual “O escopo do dispositivo
[art. 191] é o de garantir a ampla defesa e o contraditório, mormente porque,
sendo o prazo comum, de regra, os procuradores só teriam vista dos autos em
cartório, podendo retirá-los somente após prévio ajuste e por petição, como previsto
no § 2º, do art. 40, do CPC. II. A despeito de não se vislumbrar prejuízo aos
litisconsortes, mormente porque, no processo eletrônico, os procuradores teriam
simultaneamente disponível a integralidade das peças dos autos, devem às partes
ser conferido prazo em dobro, vez que a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro 2006,
que dispôs sobre a informatização do processo judicial, não revogara ou
afastara a incidência do art. 191, do CPC, tampouco criara qualquer exceção à
aplicação deste dispositivo no processo eletrônico” (cf. AI
0015332-92.2012.4.02.0000, Rel. Des. Sergio Schwaitzer; DEJF 06/12/2012, p.
431).
Busquemos
expandir os benefícios do processo eletrônico e sua aptidão para agilizar a
justiça; mas nunca ao preço de gerar injustiças e de comprometer segurança e
confiança, valores que são pilares de qualquer sistema jurídico”.
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