DIREITOS HUMANOS
“A
incidência de crimes violentos permaneceu alta. Muitas vezes, a resposta das
autoridades envolveu força excessiva e torturas. Jovens negros ainda
constituíam uma parte desproporcional das vítimas de homicídio. Houve denúncias
de torturas e maus-tratos no sistema carcerário, que se caracterizou por
condições cruéis, desumanas e degradantes. Trabalhadores rurais, povos
indígenas e comunidades quilombolas (descendentes de escravos fugitivos)
sofreram intimidações e ataques. Remoções forçadas em áreas rurais e urbanas
continuaram sendo motivo de grave preocupação.
A situação socioeconômica continuou a melhorar, com mais pessoas saindo
da pobreza extrema. Entretanto, as moradias e as fontes de subsistência dos
povos indígenas, dos trabalhadores rurais sem terras, das comunidades de
pescadores e dos moradores de favelas em áreas urbanas continuaram sendo
ameaçadas por projetos de desenvolvimento.
Em novembro, o Brasil foi reeleito para o Conselho de Direitos Humanos
da ONU. Embora tenha criticado as violações ocorridas no conflito armado da
Síria, o país absteve-se em uma resolução da Assembleia Geral que manifestava
preocupação com a situação dos direitos humanos no Irã.
Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda constitucional que
permite o confisco de terras nas quais se comprove o uso de trabalho escravo.
No fim do ano, a reforma ainda aguardava aprovação do Senado.
Em maio de 2012, a presidente Dilma Rousseff criou a Comissão Nacional
da Verdade, com mandato para investigar violações dos direitos humanos
ocorridas entre 1946 e 1988. No decorrer do ano, foram realizadas investigações
com base em registros, bem como audiências para colher testemunhos. Entretanto,
o fato de algumas audiências terem transcorrido em segredo suscitou
preocupações. O estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade levou à criação
de diversas comissões da verdade em âmbito estadual, como nos estados de
Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Contudo, persistiram os temores
sobre a capacidade do Brasil enfrentar a impunidade por crimes contra a
humanidade enquanto a Lei da Anistia de 1979 estiver em vigor. Em 2010, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos considerou que a Lei da Anistia brasileira
não tinha validade jurídica.
Procuradores federais iniciaram ações penais contra integrantes dos
serviços de segurança acusados de sequestro durante os governos militares
(1964-1985). Os procuradores argumentaram que tais crimes são
"contínuos", ou seja, ainda perduram; portanto, não estão cobertos
pela Lei da Anistia.
Os estados continuaram a adotar práticas policiais repressivas e
discriminatórias para enfrentar a violência criminal armada, que matou dezenas
de milhares de pessoas. Jovens negros do sexo masculino constituíam um número
desproporcional dessas vítimas, sobretudo no Norte e Nordeste do país.
Em alguns estados, houve queda no número de mortes, geralmente
decorrente de ações de segurança pública locais. Na cidade do Rio de Janeiro,
por exemplo, a política de implementação das Unidades de Polícia Pacificadora foi
estendida para novas favelas, contribuindo para a redução dos índices de
homicídio.
Em janeiro, o governo federal reduziu em quase 50 por cento o
financiamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(PRONASCI). Apesar de o governo ter prometido implementar algumas políticas
importantes para assegurar maior proteção, como, por exemplo, o Plano de
Prevenção à Violência Contra a Juventude Negra, denominado “Juventude Viva”,
temia-se que essas políticas carecessem de financiamento adequado.
Nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os homicídios cometidos
por policiais continuaram a ser registrados como "autos de
resistência" ou "resistência seguida de morte". Apesar das
evidências de que esses casos envolviam o uso de força excessiva e de que,
possivelmente, seriam execuções extrajudiciais, poucos foram efetivamente
investigados. Em novembro, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
aprovou uma resolução pedindo que todos os estados parassem de registrar
homicídios cometidos por policiais como "autos de resistência" ou
"resistência seguida de morte". A resolução pedia ainda que todos os
homicídios cometidos por policiais fossem investigados, que as provas periciais
fossem resguardadas e que as estatísticas sobre homicídios policiais fossem
publicadas regularmente. No fim do ano, a resolução estava sob análise do
governo do estado de São Paulo, com vistas a introduzir, em 2013, alterações
sobre como denominar os homicídios cometidos por policiais, bem como adotar
medidas de preservação das cenas de crimes.
No estado de São Paulo, o número de homicídios aumentou de forma
significativa, revertendo a redução alcançada nos oito anos anteriores. Entre
janeiro e setembro, foram registrados 3.539 homicídios – um aumento de 9,7 por
cento com relação ao mesmo período do ano anterior. O número de homicídios
cometidos por policiais também aumentou de forma acentuada: mais de 90 pessoas
foram mortas somente no mês de novembro. Na visão da própria polícia, de
especialistas acadêmicos e dos meios de comunicação, esse aumento deveu-se à
intensificação dos confrontos entre policiais e a principal organização
criminosa do estado, o Primeiro Comando da Capital (PCC). Para combater essa
violência, anunciou-se uma iniciativa conjunta dos poderes federal e estadual,
sob o comando do recém-designado Secretário Estadual de Segurança Pública.
- Em
maio, três integrantes da tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo
(ROTA) foram presos. Eles foram acusados de executar extrajudicialmente um
suposto membro do PCC durante uma operação policial na Penha, zona oeste
de São Paulo, nesse mesmo mês. Uma testemunha descreveu como os policiais
detiveram um dos suspeitos e, depois, o espancaram e o mataram a tiros
dentro de uma viatura policial.
Membros da polícia continuaram envolvidos com atividades corruptas e
criminosas. No Rio de Janeiro, apesar de alguns avanços no provimento da
segurança pública, as milícias (grupos criminosos formados, em parte, por
agentes da lei ainda ativos ou que já deixaram a função) continuaram a dominar
muitas favelas da cidade.
- Em
outubro, integrantes da milícia Liga da Justiça teriam feito ameaças de
morte contra os proprietários de uma das empresas de vans da capital,
advertindo-os que parassem de operar em quatro áreas da cidade. A suspensão
deixou cerca de 210 mil pessoas sem conexão de transporte. As ameaças
foram parte das tentativas do grupo de obter o controle dos serviços de
transporte na zona oeste da cidade.
Em julho, o Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura manifestou
preocupação com a prática generalizada da tortura e com o fato de as
autoridades não assegurarem a realização de investigações e de processos
judiciais efetivos. A fim de combater e prevenir a tortura, as autoridades
federais e algumas autoridades estaduais recorreram a iniciativas como o Plano de
Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura. Para que essas iniciativas
tenham êxito, é fundamental a aprovação da legislação federal que criará um
Mecanismo Preventivo Nacional, conforme estabelecido no Protocolo Facultativo à
Convenção da ONU contra a Tortura. No entanto, grupos de direitos humanos
manifestaram preocupação com uma alteração feita na lei para permitir que a
Presidência da República tenha exclusividade na seleção dos integrantes do
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Considera-se que tal
disposição possa estar em conflito com o Protocolo Facultativo da ONU e com os
Princípios relativos ao Estatuto das Instituições Nacionais para a Promoção e
Proteção dos Direitos Humanos ('Princípios de Paris').
O Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura elogiou o mecanismo
estadual do Rio de Janeiro pela independência de sua estrutura e por seus
critérios de seleção, bem como por seu mandato. Temia-se, porém, que o
mecanismo não estivesse recebendo integralmente seus recursos.
O número de pessoas encarceradas continuou a aumentar. Um déficit de
mais de 200 mil vagas no sistema carcerário implica em condições cruéis,
desumanas e degradantes serem extremamente frequentes. No estado do Amazonas,
uma visita da Anistia Internacional constatou que os detentos eram mantidos em
celas fétidas, superlotadas e inseguras. Mulheres e menores eram detidos nas
mesmas unidades que os homens. Houve vários relatos de tortura, tais como
sufocamento com sacola plástica, espancamentos e choques elétricos. A maioria
dessas denúncias envolvia policiais militares do estado.
Centenas de comunidades foram condenadas a viver em condições
deploráveis porque as autoridades não garantiram seu direito à terra. Ativistas
rurais e líderes comunitários foram ameaçados, atacados e assassinados.
Comunidades indígenas e quilombolas corriam maiores riscos, geralmente por
causa de projetos de desenvolvimento.
A publicação, em julho, pela Advocacia Geral da União, da polêmica
Portaria 303 provocou protestos de povos indígenas e de ONGs em todo o Brasil.
A portaria permitiria que mineradoras, projetos hidrelétricos e instalações
militares se estabelecessem em terras indígenas sem o consentimento livre,
prévio e informado das comunidades afetadas. No fim do ano, a portaria estava
suspensa até uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
No fim de 2012, tramitava no Congresso uma proposta de emenda
constitucional, a PEC 215, que transferiria a responsabilidade pela demarcação
de terras indígenas e quilombolas dos órgãos oficias para o Congresso Nacional.
Temia-se que, se aprovada, a emenda politizasse o processo e ameaçasse
proteções constitucionais.
Grandes obras de infraestrutura continuaram provocando impactos danosos
sobre os povos indígenas. As iniciativas que há muito vêm sendo empreendidas
para identificar e demarcar terras indígenas continuaram paralisadas.
- Apesar
de uma série de protestos e contestações judiciais, a construção da
hidrelétrica de Belo Monte foi levada adiante. Em agosto, os trabalhos
foram suspensos após um tribunal federal ter concluído que os povos
indígenas não haviam sido devidamente consultados; porém, a decisão foi
revogada pelo Supremo Tribunal Federal.
No estado do Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas Guarani-Kaiowá
continuaram a sofrer intimidações, violências e ameaças de remoção forçada de
suas terras tradicionais.
- Em
agosto, depois de reocupar suas terras tradicionais no Mato Grosso do Sul,
a comunidade Guarani-Kaiowá de Arroio-Korá foi atacada por pistoleiros que
atearam fogo às plantações, gritaram insultos e dispararam tiros. Segundo
testemunhas, os atiradores sequestraram o indígena Eduardo Pires. No fim
do ano, seu paradeiro ainda era desconhecido.
- Em
outubro, confrontada com uma ordem de despejo, a comunidade de Pyelito
Kue/Mbarakay, no Mato Grosso do Sul, divulgou uma Carta Aberta ao governo
e ao judiciário brasileiros, na qual denunciava estar vivendo praticamente
sob sítio, cercada por pistoleiros e sem o devido acesso a alimentos e a
cuidados de saúde. Nesse mesmo mês, uma indígena da comunidade de Pyelito
Kue/Mbarakay foi estuprada diversas vezes por oito pistoleiros que, logo
após, interrogaram-na a respeito da comunidade. Na semana seguinte, um
tribunal federal suspendeu a ordem de despejo até a conclusão de um
relatório antropológico que identificaria oficialmente as terras
indígenas.
Comunidades quilombolas que lutam por seus direitos constitucionais à
terra continuaram a sofrer violências e ameaças de remoção forçada da parte de
pistoleiros contratados por proprietários de terras. A situação continuou
crítica no Maranhão, onde ao menos nove comunidades foram submetidas a
intimidações violentas, e dezenas de líderes comunitários foram ameaçados de
morte.
- Em
novembro, a comunidade de Santa Maria dos Moreiras, no município de Codó,
estado do Maranhão, foi invadida por pistoleiros que atiraram contra o
assentamento. O ataque foi uma das tentativas sistemáticas dos
proprietários de terras locais de expulsar a comunidade, recorrendo a
métodos como a destruição de plantações e ameaças de morte contra líderes
comunitários.
Defensoras e defensores dos direitos humanos foram submetidos a ameaças
e intimidações em consequência direta de seu trabalho. Os que desafiavam
interesses econômicos e políticos escusos corriam maior perigo. Uma vez que o
Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos ainda
apresentava problemas em sua implementação, a proteção aos defensores era
inconsistente.
- Nilcilene
Miguel de Lima, uma ativista rural do município de Lábrea, no estado do
Amazonas, foi ameaçada, espancada e expulsa de sua casa em maio, depois de
denunciar a extração ilegal de madeira na região. Embora tenha recebido
proteção armada por meio do Programa Nacional de Proteção, Nilcilene teve
que ser retirada da região quando as ameaças contra ela se intensificaram.
Desde 2007, pelo menos seis trabalhadores rurais foram mortos naquela área
em razão de conflitos por terra.
- A
ativista ambiental Laísa Santos Sampaio, do assentamento Praia Alta
Piranheira, em Nova Ipixuna, no estado do Pará, continuou a receber
ameaças de morte. As ameaças começaram após o assassinato de sua irmã,
Maria do Espírito Santo da Silva, e de seu cunhado, José Cláudio Ribeiro
da Silva, por matadores de aluguel em maio de 2011. No fim de 2012, ela
ainda não havia recebido proteção, pois o Programa de Proteção não estava
operante no estado.
- Em
Magé, no estado do Rio de Janeiro, o presidente da organização local dos
pescadores, a Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), Alexandre
Anderson de Souza, e sua esposa, Daize Menezes, receberam uma série de ameaças
de morte. A Ahomar vem realizando uma campanha contra a construção de um
complexo petroquímico na Baía da Guanabara, no estado do Rio de Janeiro.
Ao fim de junho de 2012, os corpos de dois pescadores membros ativos da
Ahomar, Almir Nogueira de Amorim e João Luiz Telles Penetra, foram
encontrados na baía. Ambos estavam amarrados.
Em 2012, projetos de infraestrutura urbana, muitos deles em preparação
para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, resultaram na
remoção forçada de diversas comunidades em todo o Brasil. As remoções foram
realizadas sem que os moradores fossem informados de modo completo e oportuno
sobre as propostas governamentais que afetariam suas comunidades. As
autoridades tampouco estabeleceram um processo genuíno de negociação com as
comunidades para estudar alternativas à remoção e, quando necessário, para
oferecer a devida indenização compensatória ou moradias alternativas adequadas
na mesma área. Em vez disso, as famílias foram levadas para áreas distantes em
moradias inadequadas, geralmente com limitação de acesso a serviços básicos, em
locais com graves problemas de segurança.
- No
Morro da Providência, no centro do Rio de Janeiro, 140 casas haviam sido
demolidas até o fim do ano como parte de um projeto de revitalização
urbana da zona portuária da capital, onde cerca de 800 casas foram
selecionadas para remoção.
Algumas das comunidades removidas foram transferidas para locais
distantes na zona oeste do Rio, onde muitas áreas são dominadas por milícias.
Famílias que vivem em conjuntos habitacionais nos bairros do Cosmos, Realengo e
Campo Grande relataram ter sido ameaçadas e hostilizadas por integrantes de
milícias, sendo que muitas foram forçadas com violência a abandonar seus
apartamentos.
- Em
janeiro, mais de seis mil pessoas foram despejadas da área conhecida como
Pinheirinho, em São José dos Campos, no estado de São Paulo. Essas pessoas
residiam no local desde 2004. Durante a ação, a polícia utilizou balas de
borracha, gás lacrimogênio e cães treinados. O despejo foi executado mesmo
com uma ordem judicial para que a ação fosse suspensa, enquanto o governo
federal ainda negociava para encontrar uma solução que possibilitasse a
permanência dos moradores. Os residentes não foram notificados com
antecedência, nem tiveram tempo suficiente para retirar seus pertences de
casa. As autoridades não ofereceram acomodações alternativas adequadas
para os moradores e, no fim do ano, a maioria estava vivendo em condições
degradantes em abrigos improvisados e em outros assentamentos irregulares.
Uma Comissão Parlamentar Municipal de Inquérito foi aberta em São Paulo
para investigar os numerosos incêndios que destruíram diversas favelas, muitas
delas localizadas em áreas nobres da capital. Em setembro, 1.100 pessoas
ficaram desabrigadas devido a um incêndio na favela do Morro do Piolho. Em
novembro, 600 moradores perderam suas casas em consequência de um incêndio que
destruiu a favela de Aracati. Em julho, cerca de 400 pessoas ficaram sem teto
por causa de um incêndio na favela de Humaitá. Em setembro, moradores da favela
do Moinho queixaram-se de ter sido impedidos pela polícia de reconstruir suas
casas depois que um incêndio destruiu a maioria das residências da comunidade.
Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres continuaram ameaçados.
Em março, o Superior Tribunal de Justiça absolveu um homem acusado de
estuprar três meninas de 12 anos, argumentando que elas seriam "trabalhadoras
do sexo". A decisão, que suscitou condenação nacional e internacional, foi
anulada, em agosto, pelo mesmo tribunal”.
http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos/.
Acesso: 16/8/2013
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