“Responsabilidade
objetiva: o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor
JORGE A. Q. DE CARVALHO SILVA – Juiz de Direito
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA
Nos primeiros tempos
do direito romano, a responsabilidade era objetiva, dissociada da noção de
culpa e baseada na idéia de vingança privada, embora não tivesse nenhuma
relação com o risco profissional, tal como hoje é concebido (1).
Com o tempo,
abandonou-se a idéia de represália e, a partir da Lex Aquilia,
desenvolveu-se a moderna noção de culpa do autor do dano (2), que progrediu com
o direito de Justiniano até ser consagrada no Código Civil francês de 1804 (3).
Invertida a regra, a
responsabilidade sem culpa tornou-se exceção à responsabilidade subjetiva e
passou a ser tida como um sistema mais rigoroso, que poderia acarretar na
prática conseqüências injustas.
O Código Civil
brasileiro de 1916, inspirado no modelar e referencial Código Napoleão,
representava a preponderância da responsabilidade subjetiva, calcada na culpa,
pois seu art. 159 dispunha, de modo genérico, que aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violasse direito, ou causasse
prejuízo a outrem, ficava obrigado a reparar o dano.
Silvio Rodrigues,
durante a vigência desse Código Civil, dizia que, dentro da concepção
tradicional, a responsabilidade do agente causador do dano só se configurava se
ele agisse culposa ou dolosamente, haja vista a prevalência da teoria da culpa
em relação à do risco (4).
Contudo, havia no
próprio Código Civil de 1916 artigos estabelecendo a responsabilidade
independentemente de culpa, como os arts. 15 (responsabilidade das pessoas
jurídicas de direito público pelos atos de seus agentes que nessa qualidade
causassem danos a terceiros), 1.101 a 1.106 (responsabilidade por vícios
redibitórios) e 1.107 a 1.117 (responsabilidade por evicção), os dois últimos
relativos à responsabilidade contratual (5).
O Código Civil de
1916 representava um modelo liberal-burguês, baseado numa sociedade agrária
voltada para a exportação, em descompasso com a industrialização que ia tomando
conta das economias européia e norte-americana no final do século XIX.
Nesses países, o
advento da sociedade industrial — consistente na adoção de novas tecnologias,
no desenvolvimento do maquinismo e no crescimento e concentração da população
nas cidades —, multiplicara consideravelmente o número de acidentes envolvendo
máquinas e vítimas, tornando a perquirição da culpa uma atividade complexa e,
ao mesmo tempo, insuficiente para a responsabilização civil.
Pois ficara
praticamente impossível à vítima provar a negligência, imprudência, ou
imperícia, por exemplo, do maquinista, ou do dono da máquina industrial
causadora do acidente, sobretudo porque ela não tinha conhecimento técnico para
apontar a falha humana na manutenção ou condução do engenho.
Isso fez com que a
doutrina, no final do século XIX, desviasse os olhos da culpa e voltasse a
atenção para o risco criado pelo proprietário da máquina, deixando de lado
exames de caráter subjetivo, cujo referencial era o comportamento do
"homem médio".
Conseqüência foi o
restabelecimento da antiga responsabilidade sem culpa, agora definida como
responsabilidade objetiva e entendida como a responsabilidade segundo a qual a
atividade criadora de risco é suficiente para responsabilizar quem a exerce,
causando danos a terceiros, independentemente de ter agido com culpa ou dolo.
O direito brasileiro,
sempre influenciado pela cultura européia, não ficou inerte à evolução da nova
doutrina, cuja finalidade era eminentemente social. Antes mesmo do Código Civil
de 1916 entrar em vigor, a responsabilidade objetiva logo foi recepcionada pela
Lei n. 2.681/1912, que a estabeleceu para as empresas de transporte
ferroviário.
Depois, o Decreto n.
24.687/1934 (Lei de Acidentes do Trabalho) fixou a responsabilidade objetiva do
patrão pelo dano causado ao trabalhador, de que resultasse morte ou ferimento;
esse encargo foi agravado pelo Decreto-lei n. 7.036/1944, que confirmou a
responsabilidade mesmo no caso de culpa da vítima.
O Decreto n. 483/1938
responsabilizou o proprietário da aeronave pelos danos causados a pessoas em
terra, por coisas que dela caíssem, assim como por danos derivados das manobras
dos aviões em terra. Essas regras, não modificadas pelo Código Brasileiro do Ar
(Decreto-lei n.32/1966, alterado pelo Decreto-lei n. 234/1967), foram mantidas
pelo atual Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei n. 7.565/1986).
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA NO CDC
Durante muito tempo,
falou-se na responsabilidade objetiva do Estado como exemplo maior para
explicar a responsabilidade sem culpa, considerada exceção à regra da
responsabilidade subjetiva. Da doutrina surgia a diferenciação entre as teorias
da culpa administrativa, do risco administrativo (adotada pelo direito
brasileiro) e do risco integral.
Citavam-se a Lei n.
2.681/1912 (das Estradas de Ferro), o Decreto n. 24.687/1934 (Lei de Acidentes
do Trabalho) e a Lei n. 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), para
justificar outros casos não envolvendo a atividade direta do Estado.
Contudo, foi com a
chegada do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) que houve uma
verdadeira reviravolta na doutrina e jurisprudência, que passaram a dar
especial destaque à responsabilidade sem culpa.
Isso porque a lei de
proteção do consumidor erigiu a responsabilidade objetiva à categoria de
princípio, visando assegurar que o consumidor jamais ficasse indene por não
provar a culpa do fornecedor de produto ou serviço.
Desse modo,
estabeleceu-se a responsabilidade objetiva não só para o fato do produto ou
serviço (acidentes de consumo), como também para os vícios do produto ou
serviço (vícios de adequação) (6).
Segundo a responsabilidade
pelo fato do produto ou serviço, regulada nos arts. 12 a 17 do Código de
Defesa do Consumidor, o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o
fornecedor de serviços respondem, independentemente da existência de culpa,
pelos danos causados aos consumidores, por defeitos de fabricação, por vícios
de informação ou, ainda, por defeitos relativos à prestação do serviço.
Conforme a responsabilidade
por vício do produto ou serviço, regulada nos arts. 18 a 25 do Código de
Defesa do Consumidor, os fornecedores de produtos ou serviços respondem
solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade, independentemente da
verificação da culpa, conquanto a lei não o diga expressamente.
Todavia, é importante
ressaltar que a responsabilidade por vício do produto ou serviço representa uma
evolução da responsabilidade por vícios redibitórios (estabelecida nos arts.
1.101 a 1.117 do CC/1916 e repetida nos arts. 441/446 do CC/2002), conforme a
qual o alienante responde perante o adquirente, sem ter agido com culpa (7).
Esse progresso pode
ser constatado principalmente no fato de que, antes de o Código de Defesa do
Consumidor entrar em vigor, não se falava em vício redibitório na prestação
de serviço, mas tão-somente na coisa recebida em virtude de contrato comutativo,
pressupondo-se o fornecimento de um produto.
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA NO CC/2002
Antonio Junqueira de
Azevedo deu especial destaque ao caput do art. 5º da
Constituição de 1988, ao deduzir do direito à segurança uma obrigação
de segurança, que, por sua natureza, implicaria sempre a regra da
responsabilidade objetiva de quem causasse dano à integridade física e psíquica
de outrem, em qualquer tipo de situação (8).
Para o professor da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a obrigação de segurança
hoje adquiriu autonomia, existindo independentemente de contrato, pois
"pode não haver contrato nem muito menos importa se o contrato é gratuito
ou oneroso" (9).
Admitiu, contudo, a
exceção da responsabilidade subjetiva para danos dessa natureza, desde que
houvesse lei expressa, como o art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor
(responsabilidade dos profissionais liberais), haja vista os preceitos
decorrentes dos princípios jurídicos não serem absolutos (10).
O dispositivo
constitucional citado, entretanto, não parece ter o alcance visado pelo ilustre
professor, pois falar em garantia de inviolabilidade de direitos não significa,
necessariamente, estabelecer um sistema de responsabilidade para a reparação de
danos à integridade física e psíquica da pessoa humana (11).
Mas é importante
ressaltar que o pensamento de Antonio Junqueira de Azevedo tem influenciado a
doutrina e auxiliado quem defende que a responsabilidade objetiva, tal como se
encontra hoje no Código Civil de 2002, está colocada hoje em pé de igualdade
com a responsabilidade subjetiva, de maneira que uma não seja mais importante
que a outra (12).
Assim, se por um lado
o art. 186 desse mesmo código estabeleceu a culpa como requisito para a
responsabilização civil (13), por outro, o art. 927, parágrafo único, definiu a
obrigação de indenizar,independentemente de culpa, da seguinte forma:
"Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (14)"
Não há dúvida de que
esse parágrafo único e o art. 186 do Código Civil de 2002 são cláusulas
gerais (15,16)que possuem uma série de conceitos jurídicos
indeterminados e normativos (como negligência, imprudência, dano, moral,
atividade normalmente desenvolvida, risco), cujos sentido e alcance dependem de
um juízo de valoração objetiva a ser feito pelo aplicador da lei (17).
Por isso Silvio
Rodrigues, ao comentar o projeto de lei, dizia que a regra — hoje contida no
parágrafo único do art. 927 —, abria uma porta para ampliar os casos de
responsabilidade civil, confiando ao prudente arbítrio do Poder Judiciário o
exame do caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito,
mas também, indiretamente, por eqüidade (18).
O parágrafo único do
art. 927, pelo visto, é deveras amplo, abrangente o bastante para afastar a
idéia de que seria exceção ao sistema da responsabilidade subjetiva.
Sua natureza genérica
pode ser deduzida também da comparação com o art. 931 do mesmo código, este sim
regra complementar e particular que responsabiliza os empresários individuais e
as empresas, independentemente de culpa, pelos produtos postos em circulação.
A redação do art.
927, parágrafo único, do Código Civil, dada sua amplitude, ainda permite ao
intérprete superar até mesmo o conceito de "atividade perigosa",
pressuposto para aplicação da regra segundo boa parte da doutrina.
Ocorre que a redação
original do projeto do Código Civil de 2002 falava em "grande risco para
os direitos de outrem", enquanto as legislações italiana (19) e portuguesa
(20), ao tratarem do assunto, diziam respeito à "atividade perigosa".
Isso levou parte do
pensamento jurídico brasileiro a associar a atividade referida
no parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002 com a "atividade
perigosa" que contivesse em si "uma grave probabilidade, uma notável
potencialidade danosa, em relação ao critério da normalidade média e revelada
por meio de estatísticas, de elementos técnicos e da própria experiência comum
(...)" (21).
O legislador,
entretanto, ao excluir do Código Civil de 2002 a expressão "grande
risco", que estava no projeto, deu a entender que qualquer atividade,
normalmente desenvolvida, que, por sua natureza, implicar risco aos direitos de
outrem, obrigará o autor a reparar o dano, independentemente do grau de
periculosidade (22).
A posição liberal
adotada no art. 927, parágrafo único, representa louvável progresso em
responsabilidade civil, propiciando indenização a quem quer que sofra dano
causado por qualquer tipo de atividade que, normalmente desenvolvida por
outrem, possa, por sua natureza, implicar risco.
Ainda no que diz
respeito aos atos ilícitos, a responsabilidade objetiva pode ser verificada no
arts. 932 e 933, que estabelecem a responsabilidade dos pais em relação aos
filhos; do tutor e curador em relação aos pupilos e curatelados; do empregador
ou comitente quanto aos empregados e prepostos; dos donos de hotéis pelos
hóspedes; e dos que gratuitamente houverem participado nos produtos de crime.
O art. 938 do Código
Civil de 2002 manteve a responsabilidade objetiva daquele que habita prédio por
dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido
(regra contida no art. 1.529 do CC/1916).
No campo do direito
administrativo, o Código Civil de 2002 repetiu o de 1916 e a Constituição da
República, estabelecendo no art. 43 que as pessoas jurídicas de direito público
interno são civilmente responsáveis pelos atos de seus agentes que nessa
qualidade causarem danos a terceiros.
Nas obrigações, o
Código atual manteve como sendo objetiva a responsabilidade por vício
redibitório (arts. 441 a 446), ampliando os prazos para o adquirente reclamar
por defeito desse tipo.
Também a responsabilidade
por evicção continuou sendo objetiva, porque o alienante permaneceu
responsável, independentemente de culpa, pela perda da coisa em virtude de
apreensão judicial ou policial (art. 447 a 457), quando o adquirente não sabia
do risco ou se, dele informado, não o tinha assumido.
O Código Civil de
2002 deixou claro que a responsabilidade do transportador de pessoas é
objetiva, haja vista não estar isento de reparar os danos causados por culpa de
terceiro, ressalvada, porém, a força maior como excludente (arts. 734 e 735).
A responsabilidade
objetiva ainda pode ser verificada nos arts. 884 a 886, relativos ao
enriquecimento sem causa, e nos arts. 939 e 940, concernentes ao credor que
demanda o devedor antes de vencida a dívida, bem como ao que o faz por dívida
já paga (arts. 1.530 e 1.531 do CC/1916).
COMPARAÇÕES
Comparadas a
responsabilidade objetiva estabelecida no Código Civil de 2002 e a firmada no
Código de Defesa do Consumidor (1990), percebe-se que tanto o primeiro quanto o
segundo adotaram a teoria do risco profissional, responsabilizando o
fabricante, o prestador de serviço e também o comerciante pelos danos causados
pelos produtos ou serviços colocados em circulação.
A prestação de
serviço, conquanto não esteja inserida no art. 931 do Código Civil, que trata
dos produtos postos em circulação, está contida na redação do art. 927,
parágrafo único: "atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
(que) implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
Conforme o Enunciado
n. 42, da Jornada de Direito Civil, "o art. 931 amplia o conceito de fato
do produto existente no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, imputando
responsabilidade civil à empresa e aos empresários individuais vinculados à
circulação dos produtos" (23).
Pelo vício de
segurança, o comerciante passa a ser responsabilizado não apenas subsidiariamente como
estabelece o art. 13 do CDC, mas solidariamente, porque sua
atividade pode ser interpretada como criadora de risco (art. 927, caput),
na medida em que coloca produto em circulação (art. 931).
Comparado ao Código
de Defesa do Consumidor, o Código Civil de 2002 é mais abrangente, porque
estabelece a responsabilidade objetiva sem diferenciar a condição da vítima,
consumidora ou não (se bem que o art. 17 do CDC seja norma de extensão,
equiparando quaisquer vítimas do evento danoso aos consumidores).
Para quem sustenta
que a culpa concorrente da vítima atenua a responsabilidade do
fornecedor — a despeito de o art. 12, § 3º, III, do Código de Defesa do
Consumidor mencionar culpa exclusiva —, o art. 945 do Código
Civil de 2002 serve como reforço:
"Se a vítima
tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será
fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor
do dano".
Essa é a posição de
Carlos Roberto Gonçalves, para quem o dispositivo do Código de Defesa do
Consumidor, relativo à culpa exclusiva do consumidor, não teria mais aplicação
(24).
Contudo, a idéia de
revogação pela lei posterior (argumento do ilustre jurista) não leva em
consideração o Código de Defesa do Consumidor como microssistema normativo, que
estabelece regras e princípios próprios para as relações de consumo, somente
modificáveis por normas da mesma natureza.
Ademais, porque a
responsabilidade pelo fato do produto ou serviço não admite discussão sobre a
culpa do autor do dano, não há como aplicar aos casos relacionados a ressalva
do art. 945 do Código Civil de 2002, que fala "em confronto com a (culpa)
do autor do dano".
Se isso ocorresse,
estaria sendo negada a natureza da responsabilidade objetiva, na medida em que
a comparação das culpas (confronto) pressupõe a análise da culpa do autor do
dano.
No campo das
obrigações, especialmente no do vício redibitório, cuja responsabilidade se dá
independentemente de culpa, o Código Civil de 2002 garantiu um prazo maior para
o adquirente da coisa propor ação contra o alienante, ao adotar um sistema
semelhante ao Código de Defesa do Consumidor.
Pelo Código Civil de
1916, o adquirente da coisa móvel só tinha 15 dias para enjeitar a coisa móvel
(art, 178, § 2º) e seis meses para recusar a coisa imóvel, ambos a partir da
tradição (art. 178, § 5º, IV).
O art. 445 do Código
Civil de 2002 ampliou os prazos de 15 para 30 dias, no caso da coisa móvel, e
de seis meses para um ano, no caso da coisa imóvel.
Tal como o art. 26, §
3º, do Código de Defesa do Consumidor, o art. 445 do Código Civil estabeleceu a
regra de que o prazo começa a contar a partir do momento em que o adquirente
tiver ciência do vício.
O § 1º do art. 445 do
Código Civil, todavia, restringiu a aplicação dessa regra aos vícios
que, por sua natureza, só puderem ser conhecidos mais tarde e ao definir
um limite de 180 dias para bens móveis e um ano para imóveis, exceções não
previstas no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, o
Código Civil de 2002 estabeleceu no art. 446 que não corre o prazo decadencial
durante a constância da cláusula de garantia, não obstante o adquirente esteja
obrigado a denunciar o vício nos trinta dias seguintes à verificação, sob pena
de decadência.
Isso pode beneficiar
o consumidor, porque parte da doutrina e jurisprudência tem entendido que as
garantias legal e contratual se integram, iniciando-se ao mesmo tempo os
prazos para reclamação, de maneira que expirado o prazo da garantia legal,
restaria o término do prazo da garantia contratual.
CONCLUSÕES
No campo da
responsabilidade aquiliana, o Código Civil de 2002 representa para a vítima um
avanço em relação ao Código de Defesa do Consumidor, porque reforça a todos,
consumidores ou não, a garantia da responsabilidade objetiva.
A despeito de não
erigir a responsabilidade objetiva à categoria de princípio de indenização, tal
como fez o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil de 2002 coloca esse
tipo de responsabilidade em pé de igualdade com a responsabilidade subjetiva,
tornando possível ao intérprete utilizar a cláusula geral do art. 927, parágrafo
único, para alcançar um número infindável de casos.
Com efeito, os
conceitos "atividade normalmente desenvolvida", "natureza"
e "risco", utilizados pelo mencionado artigo, dada sua indeterminação
permitem ao intérprete aplicar a responsabilidade objetiva a todos os casos
envolvendo danos à integridade física e psíquica da pessoa humana.
Nesse sentido, o
Código Civil de 2002 recepciona a doutrina de Antônio Junqueira de Azevedo,
para quem a violação do dever genérico de respeito à segurança da pessoa humana
implica a responsabilização do autor do dano, independentemente de culpa.
No campo da
responsabilidade contratual, o Código Civil de 2002 avança na responsabilidade
por vício redibitório, ampliando os prazos para o adquirente não-consumidor
exercitar seus direitos contra o alienante.
Dessa feita, pode-se
concluir que o Código Civil de 2002 reforçou não só a garantia da vítima de ser
indenizada pelo risco gerado por uma atividade normalmente desenvolvida por
alguém (arts. 927, parágrafo único, e 931), como também a garantia do
adquirente da coisa móvel ou imóvel em relação aos vícios redibitórios”.
Jorge Alberto Quadros
de Carvalho Silva é juiz de Direito em São Paulo e mestre em Direito Civil pela
Universidade de São Paulo.
NOTAS:
José de Aguiar Dias acredita que a
noção de culpa sempre fora precária no direito romano, onde jamais chegou a ser
estabelecida como princípio geral ou fundamento da responsabilidade (Da
Responsabilidade Civil, p. 42). Para Roberto Senise Lisboa, o direito
primitivo dos povos demonstra que o causador do dano sempre foi considerado o
responsável pelo prejuízo, sem nenhuma cogitação sobre culpa, sendo a
responsabilidade objetiva uma velha teoria cuja existência antecede a teoria da
responsabilidade subjetiva (Responsabilidade civil nas relações de consumo,
p. 20 e 22).
DIAS, José de Aguiar. Da
responsabilidade civil, p. 24.
O art. 1.382 do
Código Civil francês, lei inspirada nas lições de Domat e Pothier, tem a
seguinte redação: "Tout fait quelconque de l´homme, qui cause à autrui um
dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer".
Curso de Direito Civil, p. 10 e 171.
José de Aguiar Dias
cita como exemplo os arts. 1.519, 1.520, parágrafo único, e 1.529 (Da
Responsabilidade Civil, p. 93).
Para Carlos Roberto
Gonçalves, no CDC tanto a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço como
a oriunda do vício do produto ou serviço são de natureza objetiva (Comentários,
p. 85). Roberto Senise Lisboa também classifica a responsabilidade do fornecedor
de produto defeituoso como objetiva (Responsabilidade civil nas relações de
consumo, p. 57).
Roberto Senise
Lisboa, nesse sentido, diz que a responsabilidade do alienante é objetiva (Responsabilidade
civil nas relações de consumo, p. 55).
Art. 5º, caput,
da Constituição da República: "Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
(...)". (destacou-se)
Para Junqueira
de Azevedo, o dever anexo de proteção, decorrente da boa-fé objetiva, pode ser
considerado hoje autônomo, porque, no caput do art. 5º da
Constituição da República, odireito à segurança pessoal adquiriu
autonomia, reforçando a idéia de a responsabilidade objetiva não ser vista mais
como exceção no direito brasileiro. Afirma o professor que, no caputdo
art. 5º, existe uma cláusula geral de segurança, fundamento para uma teoria
desse tipo.
Caracterização jurídica da dignidade da
pessoa humana, p. 22.
, p. 22.
Tanto é que o
Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, declarou,
recentemente, que a segurança de que trata o caput do art. 5º da Constituição
diz respeito à segurança jurídica, revelando a seu modo uma interpretação
diversa do sentido comum, de que o princípio refere-se à incolumidade física e
psíquica da pessoa humana.
Esse é caso do
Professor Gustavo Tepedino, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que
fala em sistema dualista de responsabilidade no Código Civil de
2002(http://www2.uerj.br/~direito/
publicacoes/publicacoes/diversos/tepedino.html).
Art. 186:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito".
O projeto do CC/2002
tinha redação mais restritiva: "Parágrafo único. Também haverá a obrigação
de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, grande risco para os direitos de outrem, salvo
se comprovado o emprego de medidas preventivas tecnicamente adequadas".
Por cláusula geral,
entende-se o tipo abrangendo genericamente situações não previstas na lei, pela
impossibilidade prática de o legislador prever todos os casos possíveis
relacionados à matéria regulada.
Fernando Noronha
também defende ser o parágrafo único do art 927, do Código Civil de 2002,
verdadeira "cláusula geral" (Direito das obrigações, p. 487).
Karl Engish, a
propósito, lembra serem raros no Direito os conceitos absolutamente
determinados, sendo os conceitos jurídicos predominantemente indeterminados (Introdução
ao pensamento jurídico, p. 208 e 209).
Curso de Direito Civil, p. 176.
Art. 2.050 do CC
italiano: "Chiunque cagiona ad altri nello svolgimento di un’attività
pericolosa, per sua natura o per la natura dei mezzi adoperati, è tenuto al
risarcimento se non prova di avere adottato tutte le misure idonee a evitare il
danno".
Art. 493, n. 2, do CC
português: "Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade,
perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é
obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências
exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir".
Bittar, Carlos Alberto. Responsabilidade
civil, p. 93 e 94.
Merece destaque a
interpretação dada pela Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de
Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (11 a 13 de setembro de
2002). Segundo o Enunciado n. 38, "a responsabilidade fundada no risco da
atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do
novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais
membros da coletividade".
Promovida pelo Centro
de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de
setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ.
Comentários, p. 227-228.
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