“ Suspensão dos
direitos políticos é auto-executável
JEFERSON MOREIRA DE CARVALHO -
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo
Nos bancos acadêmicos, quando se estuda Direito
Constitucional, logo de inicio deve-se estudar a aplicabilidade das normas
constitucionais, e por isso o professor ensina que na Constituição existem as
denominadas “normas de eficácia plena” e normas “sem eficácia plena”.
Ensina-se e aprende-se outras denominações, mas em
síntese, normas de eficácia plena são aquelas normas constitucionais que tão
logo promulgada a Constituição irradiam seus efeitos no sistema jurídico, isto
é, a eficácia surge no momento da promulgação, e norma sem eficácia plena são
aquelas que mesmo promulgada a Constituição, e estando elas em plena vigência
não produzem efeito. Exige-se a elaboração de uma norma infraconstitucional
para que elas tenham eficácia, para que elas produzam efeito.
Para ilustrar e fortalecer nossa afirmação temos a
lição de Gilmar Ferreira Mendes e outros no sentido de que “consideram-se
auto-executáveis as disposições constitucionais bastantes em si, completas e
suficientemente precisas na sua hipótese de incidência e na sua disposição,
aquelas que ministram os meios pelos quais se possa exercer ou proteger o
direito que conferem, ou cumprir o dever e desempenhar o encargo que elas
impõem; não auto-aplicáveis, ao contrário, são as disposições constitucionais
incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz indispensável à
mediação do legislador editando normas infraconstitucionais regulamentadoras” (inCurso
de Direito Constitucional. 4ªed. Saraiva/IDP. 2009. SP. p.49/50).
Extremamente lúcido o ensinamento.
Vamos a uma situação concreta.
Dispõe o art. 15, III da Constituição Federal: É
vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão ou só se dará
nos casos de: I-..., II-..., III- condenação criminal transitada em julgado,
enquanto durarem seus efeitos.
Parece-nos, datissima maxima venia, que
aquele cidadão que seja condenado criminalmente com decisão transitada em
julgado, tem seus direitos políticos suspensos, por um mandamento
constitucional, não cabendo a um ou outro Poder da União precisar decidir sobre
esta suspensão.
A suspensão surge como um efeito da condenação, não
havendo necessidade de decisão estranha aos autos da condenação criminal para
que se dê a suspensão dos direitos.
Leciona José Afonso da Silva que “Pelo art. 15 já é
fácil concluir que dependem de decisão judicial a perda dos direitos políticos
consequentemente o cancelamento da naturalização e a suspensão em virtude de
incapacidade civil absoluta e de condenação criminal, porque em todos esses
casos a medida é consequência de outro julgamento. Vem como um efeito
secundário da sentença” (inComentário Contextual à Constituição.
8ªed.Malheiros. 2012. SP. p.236).
A simples leitura mostra que a suspensão dos
direitos políticos em razão de uma decisão judicial criminal transitada em
julgado se apresenta como mero efeito secundário. Isto é, a decisão judicial
que impõe condenação criminal tem como efeito imediato a suspensão dos direitos
políticos. Não há mais o que discutir. Não há mais o que decidir. Cumpre-se o
mandamento constitucional.
Ainda cabe a pergunta: A norma constitucional que
determina a suspensão dos direitos políticos pelo transito em julgado de
sentença penal condenatória tem aplicação imediata, é norma de eficácia plena,
é auto-executável?
O estudioso Alexandre de Moraes responde a questão
demonstrando decisões do Supremo Tribunal Federal, nossa Corte Constitucional,
ao transcrever ementas que afirmam a auto-aplicabilidade do art. 15, III da
Constituição Federal.
“A norma inscrita no art. 15, III da Constituição
reveste-se de auto-aplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata
incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa... (STF-1ªT-Ag. Rg. em
RMS nº 22.470-7- Rel. Min Celso de Melo. Informativo STF, nº46)”.
Demonstra ainda outras decisões no mesmo sentido e
precedentes (in Constituição do Brasil Interpretada, 6ªed. Atlas,
SP, 2006, p. 601).
Da ementa transcrita parcialmente é possível
interpretar que havendo condenação criminal transitada em julgado o efeito
imediato é a suspensão dos direitos políticos, não havendo necessidade de
qualquer outra decisão posto que a norma é de eficácia plena, não exige
regulamentação infraconstitucional.
É a supremacia da Constituição.
Ainda, Uadi Lamêgo Bulos escreve que a suspensão
dos direitos políticos “é a privação temporária dos direitos políticos ativo
(votar) e passivo (ser votado)”.
Em seguida, leciona que deve haver a comunicação ao
juiz eleitoral, pelo que se interpreta (in Direito Constitucional
ao alcance de todos, Saraiva, SP, 2009, p.359).
Também, Vladimir Oliveira da Silveira e Mônica
Bonetti Couto, no sentido de que “A Constituição atual não menciona a
necessidade de edição de lei regulamentadora no que diz respeito a semelhante
previsão, reconhecendo-se, assim, sua eficácia plena e aplicabilidade imediata
de seu comando”. (in Direito Eleitoral e Processual
Eleitoral- Temas Fundamentais. RT. SP. 2012.p 140).
A vista disso, havendo alguma condenação criminal
transitada em julgado pelo Supremo Tribunal Federal de qualquer ocupante de
cargo eletivo, data maxima venia, cabe apenas a Corte
comunicar o juízo eleitoral quanto à suspensão dos direito políticos, e este
juízo comunicar ao Poder Legislativo ou Poder Executivo corresponde que o
condenado está temporariamente com os direitos políticos suspensos, e por
consequência, ocorreu e perda do mandato por ausência de uma das condições de
elegibilidade que é o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, $3º, II
da Constituição Federal).
Cabe afirmar, para finalizar, que não é Poder
Judiciário que está decidindo pela suspensão dos direitos políticos, mas sim a
suspensão ocorre por um mandamento constitucional que os poderes da União ou do
Estado não podem se furtar a cumprir.
Não cabe ao Poder Judiciário ou ao Poder
Legislativo decidir se havendo uma condenação criminal transitada em julgado o
condenado perde o cargo eletivo que exerce, pois é a ordem constitucional,
escrita pelo legítimo Poder Constituinte, que determina claramente que havendo
a condenação criminal transitada em julgado há a suspensão dos direitos
políticos.
Com direitos políticos suspensos não é possível
ocupar cargo público eletivo, por consequência dá-se a perda do eventual cargo
ocupado.
Sujeito a todas as criticas jurídicas e politicas é
o pensamento”.
Jeferson Moreira de Carvalho é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor da
Escola Judiciária Eleitoral Paulista e coordenador da Área de Direito Eleitoral
da Escola Paulista da Magistratura.
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