domingo, 2 de junho de 2013

“A difícil tarefa de quantificar o dano moral

As reclamações trabalhistas voltadas para a reparação de dano moral começaram a chegar à Justiça do Trabalho a partir da  Emenda Constitucional 45/2004, que, ao ampliar a sua competência, incluiu, no artigo 114 da Constituição da República, a previsão de processar e julgar "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho". A partir daí, além do ajuizamento de novas ações, o Judiciário Trabalhista passou a receber grande número de processos remetidos às Varas e Tribunais do Trabalho pela Justiça Comum – que detinha anteriormente essa competência.
A possibilidade de reparação pecuniária de um dano não material, que atinge pessoas físicas ou jurídicas em bens como a liberdade, a honra, a reputação, a integridade psíquica, a segurança, a intimidade, a imagem e o nome, está prevista no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição. O  Código Civil de 2002 trata expressamente da matéria no artigo 186, ao afirmar que comete ato ilícito "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral".
Esses dois instrumentos legais, apesar de tratarem do tema de forma mais conceitual, são os principais balizadores das decisões da Justiça do Trabalho que envolvem os pedidos concretos de reparação. A dificuldade, portanto, se estabelece desde o início, sobretudo diante da vasta gama de situações que motivam tais pedidos. "A relação de trabalho é campo propício à prática de lesão aos direitos da personalidade do trabalhador", afirma o ministro Walmir Oliveira da Costa, especialista no tema e autor do livro "Dano Moral nas Relações Laborais – Competência e Mensuração".
Do "capacete de morcego" ao acidente fatal
A variedade dos casos julgados pelo TST nos últimos anos confirma essa avaliação. Há inúmeras ações nos quais os trabalhadores são submetidos a situações vexatórias, e a "criatividade" parece inesgotável.
Em algumas empresas, vendedores que não cumprem metas têm de pagar "prendas" ridículas, como se vestir de palhaço ou correr com um capacete de morcego em volta de uma praça pública. Um cinegrafista da RedeTV! era chamado pela apresentadora, ao vivo, em programa noturno, de "Todinho" ("porque é marronzinho e tem um canudinho pequenininho").
Em Santa Catarina, um operador de telemarketing era tratado pelos chefes e colegas de "cavalo paraguaio", enquanto um ferroviário ganhou dos colegas o apelido de "javali" – aquele que já valeu alguma coisa para a empresa, mas não valia mais. Recentemente, outro vendedor ganhou ação contra a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) porque as reuniões "motivacionais" tinham como convidadas garotas de programa e strippers..
Outro tipo de dano é o decorrente de acidentes de trabalho e doenças profissionais, que podem deixar sequelas duradouras ou permanentes na esfera individual. Essas incluem a impossibilidade de realizar tarefas cotidianas como pentear o cabelo ou fazer a higiene pessoal, devido a lesões por esforço repetitivo (LER).
Também deformidades irreversíveis causadas, por exemplo, por queimaduras de segundo e terceiro grauqueimaduras de segundo e terceiro grau podem gerar a obrigação de indenizar por dano moral. Em dois processos diferentes, uma trabalhadora - que teve mais da metade do corpo queimado – e os pais dela  foram indenizados.
Há, ainda, os acidentes fatais, como o do operário eletrocutado numa mina de carvão . Nesses casos, a reparação do dano pode ser reclamada na Justiça do Trabalho pelos herdeiros.
Eterna vigilância
São recorrentes, ainda, processos em que o trabalhador se sente invadido em sua privacidade pelo excesso de fiscalização e de vigilância do empregador. São inúmeros os casos, por exemplo, de revistas pessoais na saída do expediente. A jurisprudência do TST costuma considerar violação da intimidade quando a revista envolve contato físico e excesso de exposição – como quando o trabalhador é obrigado a tirar a roupa, por exemplo, ou é apalpado.
A segunda parte desta matéria especial, que será publicada amanhã (23), tratará em mais detalhes deste tema.
Mão dupla
Embora a situação seja bem menos comum, é possível que o empregador acione a Justiça do Trabalho em busca da reparação por dano moral causado pelo empregado no âmbito da relação de trabalho. Isso é possível, por exemplo, em casos em que o trabalhador divulgue informações sigilosas ou desabonadoras sobre a empresa, ou é responsável pelo vazamento de segredo industrial, ou, de alguma forma, afete a reputação do empregador.
Em abril de 2010, o TST julgou um caso desse tipo: um veterinário foi condenado a indenizar uma empresa agropecuária em R$ 1 mil pela cobrança indevida de valores a clientes que não estavam inadimplentes, causando prejuízo à imagem da empresa. Em Minas Gerais, o Santander ganhou ação contra um caixa demitido por efetuar saques de benefícios previdenciários de terceiros, e foi indenizado em R$ 1 mil.
Punir, compensar e prevenir
Uma vez caracterizado o dano, a etapa seguinte é o arbitramento do valor da indenização – ou compensação, como prefere o ministro Walmir Oliveira da Costa. Para ele, o termo "indenização" pressupõe a restituição de algo perdido, o que não é o caso na lesão de caráter subjetivo. Além da compensação propriamente dita, a indenização tem ainda outras duas finalidades: punir o causador do dano e prevenir a ocorrência de novas situações passíveis de gerar danos.
O problema se estabelece porque a legislação não fixa critérios objetivos: ela usa termos genéricos como "proporcionalidade", "razoabilidade", "extensão do dano" e "equitativamente". "A operação judicial na fixação da reparação de dano moral é das mais difíceis e complexas, porque o legislador deixou ao critério prudencial do juiz a atribuição de quantificar o valor da indenização", admite o ministro.
O primeiro passo é identificar o dano da forma mais objetiva possível e, a partir daí, classificar a lesão moral (leve, grave ou gravíssima, segundo a intensidade ou o grau de culpa). A partir daí, entram outros critérios, como a repercussão do dano na esfera social e a capacidade econômica do ofensor.
Para chegar a um montante "proporcional e razoável" à "extensão do dano", muitas vezes o juiz se vale, além daConstituição e do Código Civil , de outros subsídios, como a pena de multa prevista no artigo 49 do Código Penal ou o artigo 53 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967), antes de ser considerada incompatível com a Constituição pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130. "Esses critérios são apenas indicativos e não determinantes, e dependem dos fatos e circunstâncias do caso concreto", explica Walmir Oliveira da Costa.
A análise do caso concreto permitirá ao juiz considerar, na dosagem da indenização, circunstâncias agravantes ou atenuantes, como ocorre na fixação da pena criminal. A negligência do empregador que expõe ilegalmente um trabalhador a riscos desnecessários, por exemplo, exigirá uma indenização maior do que a resultante de um caso fortuito – ainda que, nos dois casos, o trabalhador tenha sofrido o mesmo tipo de lesão. É o caráter punitivo da pena.
Na apreciação do caráter didático ou preventivo, um aspecto relevante é o poder econômico do empregador. Isso não significa que uma ofensa sofrida pelo empregado de uma microempresa seja menos grave do que aquela sofrida por um trabalhador de uma multinacional – mas, para que a pena cumpra sua função didática de prevenir novas ofensas, ela tem de ser maior para a grande empresa.
Por outro lado, também não significa que o empregado, apenas por trabalhar para uma empresa de grande poder econômico, deva, só por isso, receber uma indenização milionária. "A pena deve representar um montante razoável do patrimônio do ofensor, para que ele não persista na conduta ilícita, mas é preciso que haja equilíbrio entre o dano e o ressarcimento", observa o ministro.
Patamares mínimos e máximos
A busca de critérios de caracterização e valoração do dano moral já foi objeto de diversas iniciativas legislativas, mas ainda não se converteu em lei. A mais recente é o Projeto de Lei (PL) 523/2011, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.
Ele inclui entre as hipóteses suscetíveis de indenização o assédio moral, a exposição vexatória no ambiente de trabalho, e o descumprimento de normas técnicas de medicina do trabalho. Prevê ainda indenizações entre dez e 500 salários mínimos, calculadas a partir de uma fórmula que tem como parâmetro "a média aritmética obtida entre o potencial econômico comprovado das partes envolvidas" nos casos em que a vítima é a parte com menor potencial.
No Senado Federal, o PLC 169/2010 aguarda designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Proveniente da Câmara dos Deputados, o projeto propõe alterações no artigo 953 do Código Civil para acrescentar um parágrafo. O texto proposto diz que, "na fixação da indenização por danos morais, o juiz, a fim de evitar o enriquecimento indevido do demandante, levará em consideração a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa, a posição social ou política do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado".
Disparidades e uniformização
A ausência de parâmetros objetivos pode gerar valores díspares para danos semelhantes, ou valores exorbitantes para danos leves, ou ainda valores ínfimos para danos graves. Nesses casos, a parte que se considera prejudicada pode recorrer ao TST, mas a intervenção do Tribunal para modificar decisões dessa natureza muitas vezes esbarra em dificuldades processuais.
Explica-se: de acordo com a jurisprudência (Súmula nº 126), o TST, na condição de instância recursal extraordinária, não examina mais fatos e provas. Com isso, torna-se difícil avaliar se o valor fixado nas instâncias inferiores foi ou não adequado ou proporcional ao dano – a não ser que o acórdão regional descreva em detalhes o quadro que deu origem à condenação e orientou a fixação do valor.
Antes de recorrer, portanto, a parte que pretende reduzir ou majorar o valor da indenização deve se certificar de que o acórdão contenha elementos suficientes para permitir que o TST avalie a adequação do valor arbitrado e possa, se for o caso, alterá-lo. "Se isso não estiver claro, deve-se entrar com embargos de declaração no próprio TRT, para que ele esclareça todos os pontos que se considerar necessário", orienta o ministro Walmir. Caso contrário, há grande possibilidade de que o recurso não possa ser conhecido pelo TST”.

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