“Morte de terceirizados no setor elétrico preocupa judiciário
trabalhista
Treze mil volts. Esse foi o choque levado por um eletricista
terceirizado do setor elétrico na cidade de Linhares (ES) quando trabalhava na
construção de uma rede de alta tensão. No acidente, E.Q. perdeu todo o braço
direito, o braço e a mão esquerda ficaram inutilizados, perdeu um testículo e
ainda teve queimaduras por todo o corpo, inclusive no pênis.
Acidentes como esse podem ocorrer também com empregados próprios. O que
vem assustando é a desproporção do dano entre terceirizados e empregados. Dados
recentes do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) informam que a taxa de mortalidade entre terceirizados
chega a ser três vezes superior.
De acordo com o ministro Vieira de Mello Filho, do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), a Justiça Trabalhista tem presenciado um crescimento enorme no
número de acidentes no setor elétrico envolvendo terceirizados.
Negligência
O advogado que cuidou do caso do ex-eletricista, Márcio Oliveira Grassi,
afirma que a empresa foi negligente quanto à vigilância das operações. Para
Grassi, a função deveria ser executada por pessoas altamente capacitadas,
depois de um rigoroso processo de admissão, além da fiscalização constante pela
concessionária. "As empresas do setor de energia elétrica deveriam se
lembrar que a vida humana não tem preço, e que a lucratividade não pode se
sobrepor à falta de segurança dos trabalhadores".
O Professor de Engenharia Elétrica e de Segurança do Trabalho da
Universidade de Brasília – UnB, Alcides Leandro da Silva, explica que a
gravidade do choque depende, fundamentalmente, da intensidade da corrente
elétrica e de seu percurso no organismo, do tempo de contato e das condições
fisiológicas do vitimado. "O tempo para atendimento médico é
crucial". Ainda segundo Silva, as paradas cardiorespiratórias e
queimaduras são frequentes e os equipamentos de proteção e vestimentas
corroboram para redução da corrente efetiva no organismo.
Crise no setor e prestação de serviços
Enquanto o Governo Federal tenta baixar as tarifas de energia elétrica e
faz intervenções em distribuidoras, acidentes com trabalhadores do setor
elétrico ainda estão no fim da linha desse debate. E entre apagões e disputas
políticas, dados da Fundação COGE informam que em 2011 foram contabilizados 79
acidentes fatais em toda força de trabalho.
Todavia, a prestação de serviços é um mercado que vem passando ao longe
da crise. O processo de privatização iniciado na década de 1990 trouxe mudanças
no setor elétrico e abriu uma excelente oportunidade de negócio para empresas
prestadoras de serviços. O último relatório da fundação informa que para cada
empresa detentora da concessão para exploração da atividade existem 37 empresas
contratadas. No ano passado foram criadas 633 empresas prestadoras de serviços,
mas apenas uma concessionária.
Se por um lado a prestação de serviços vem respondendo por boa parte do
PIB, também vem sendo responsável por abarrotar o judiciário trabalhista com
problemas de desrespeito às normas de segurança e higiene do trabalho. Em
linhas gerais, as empresas não conseguem manter a competitividade devido à alta
rotatividade e à falta de mão de obra qualificada. Enquanto um empregado próprio
tem até seis meses de treinamento, prestadoras oferecem 15 dias aos
terceirizados, muitas vezes para realizarem serviços da atividade fim das
concessionárias. O resultado é a precarização dos serviços, e quem paga a conta
são os trabalhadores e, em última análise, o próprio consumidor.
Contexto histórico
Após a abertura política no Brasil na década de 1980, foram adotadas
políticas cujos desdobramentos mais evidentes foram as privatizações de
inúmeras empresas estatais, como a Espirito Santo Centrais Elétricas S.A. –
ESCELSA e a Light Serviços de Eletricidade S.A. Daí surgiram a necessidade de
expansão do mercado e da transformação das regras da divisão do trabalho. Se o
aumento desses mercados tirou milhões de trabalhadores da informalidade e representou
para o Brasil um salto de qualidade nos indicadores internacionais, problemas
como o descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho persistem,
sobretudo na terceirização de serviços.
Segundo analistas do setor elétrico de energia, a terceirização
representa a melhor resposta para o aumento de contratados e os constantes
acidentes. Os representantes das empresas defendem que a terceirização traz
menores custos e maior eficiência e rapidez aos serviços ao consumidor,
enquanto os representantes dos trabalhadores lembram que o serviço prestado
pelas empresas de energia elétrica está entre aqueles que mais recebem
reclamações dos consumidores. Ainda assim, em 2011 o número de contratos no setor
elétrico aumentou em quase 26% em relação a 2010, ao passo que o número de
empregados próprios permaneceu estável.
Para a advogada e professora adjunta de Direito do Trabalho dos cursos
de graduação e pós-graduação da Universidade de Brasília (UnB), Gabriela Neves
Delgado, as premissas normalmente propaladas como pontos positivos da
terceirização, tais como gerência de produção, horizontalização, pronto
atendimento e qualidade total são frágeis porque, em última análise, precarizam
o direito do trabalho. "Se no modelo do estado social de direito você
pensa no pleno emprego, prazo indeterminado, no modelo atual enxuga-se também o
direito do trabalho, e as premissas de proteção ao trabalhador se fragilizam,
sendo a terceirização o maior exemplo disso". Para a professora, o
princípio da continuidade da relação de emprego que antes era regra, hoje mais
parece ser exceção, tamanho o número de contratos terceirizados.
Gabriela ressalta também que, regra geral, o trabalhador terceirizado é
mal qualificado, vive mais situações de desemprego, temor e insegurança, pois a
terceirização pressupõe, segundo ela, uma alta rotatividade no mercado do
trabalho, acarretando uma menor proteção oferecida pela empresa para esse
trabalhador. "Sob o ponto de vista da psicologia e da sociologia do
trabalho, esse trabalhador terceirizado não consegue firmar uma identidade
social por meio do trabalho porque ele não se percebe reconhecido naquele
espaço, já que há uma diferença na espécie de contratação e nas formas de
prestação de serviço", afirma.
Patamar ético
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Luis Phillipe Vieira de
Mello Filho, defende um patamar ético nas relações de trabalho que, segundo
ele, tem sido dado pelas decisões, com a repercussão econômica nas reparações
decorrentes de acidentes. "Acredito que o direito do trabalho tem um papel
ético imprescindível nessa relação do capital-trabalho, porque ele estabelece
um marco mínimo em que o trabalhador quando dispõe sua energia em prol de
outrem seja tratado não como uma coisa, ele não pode ser coisificado, ele não
pode ser um número", afirma. Vieira de Mello concedeu entrevista à Secom,
que pode ser conferida amanhã no nosso site.
Sem paradeiro
Em 2008, E.Q. ajuizou ação contra a prestadora e a concessionária para
receber a indenização por danos morais e físicos. A sentença reconheceu a
ilegalidade na terceirização dos serviços e condenou as empresas à indenização
de R$ 400 mil. Houve recurso para o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região
(ES), mas a prestadora e a concessionária perderam. Em junho deste ano o
processo foi julgado pelo TST, e os ministros da Sexta Turma, por unanimidade,
mantiveram a decisão do regional.
Hoje, sete anos após o acidente, tentamos localizar o trabalhador, mas
ele não foi encontrado. Segundo o seu advogado, o ex-eletricista adquiriu o
vício do alcoolismo após o acidente e está "sem paradeiro".
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