“DIREITO COMPARADO
Responsabilidade Civil nas redes sociais nos EUA
Por Otavio Luiz
Rodrigues Junior: é advogado da União, pós-doutor (Universidade de
Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri Capitant
des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da Asociación
Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).
Nesta quarta e
última coluna, o tema da responsabilidade civil por atos ilícitos cometidos nas
redes sociais é analisado sob a ótica comparatista. Nas últimas semanas,
apresentou-se um quadro de conflitos possíveis envolvendo as redes sociais, com
a visualização de seus agentes e vítimas, além de se expor o estado da arte da
matéria na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Quanto a esse ponto,
ficou evidente que o STJ assentou dois fundamentos para esses casos: a) o
Código de Defesa do Consumidor incide sobre as relações envolvendo usuários e
provedores, ainda que o serviço seja gratuito, não se aplicando, contudo, a
responsabilidade objetiva; b) os provedores só respondem depois de notificados
pela vítima e, passadas 24 horas, se não suprimirem a publicação ofensiva.
É importante
observar como se tem desenvolvido essa questão no Direito Comparado e nada mais
oportuno do que centralizar as pesquisas no Direito norte-americano, espaço
onde surgiram os primeiros conflitos jurídicos envolvendo as redes sociais e o
uso da internet.
Um caso que é
sempre citado como referência nessa matéria é o Cubby, Inc. v
CompuServe Inc., 776 F. Supp. 135 (SDNY 1991)[1], julgado pelo Tribunal dos Estados
Unidos para o Distrito Sul de Nova York (United States District Court for
the Southern District of New York). Os elementos descritivos do julgamento
são os seguintes: a) o provedor de conteúdo CompuServe criou um fórum na
internet, no qual figurava como “editor” e recebia as contribuições dos usuários;
b) a empresa Cubby e Robert Blanchard sentiram-se atingidos por declarações
supostamente difamatórias postadas no fórum e processaram CompuServe, com base
na legislação federal e estadual, que responsabilizavam os editores por
eventuais publicações lesivas em periódicos impressos; c) o provedor sustentou
que não sabia previamente (muito menos teria condições de saber) do conteúdo
ofensivo que foi postado no fórum e que não lhe seria exigível detectar todas
as publicações lesivas e apagá-las de maneira eficiente.
O Tribunal de Nova
York, em um julgamento antecipado da lide (tradução um pouco forçada parasummary
judgment), sem levar o caso a Júri, considerou que o provedor não é
responsável. O acórdão tem diversos capítulos, mas, para o que interessa a esta
coluna, é conveniente centrar-se no problema da veiculação de conteúdo
difamatório. Segundo a District Court for the Southern District of New
York, há um princípio consolidado na jurisprudência de que a
responsabilidade do agente que repete ou republica o conteúdo difamatório é
equivalente a do autor original. No entanto, conforme a jurisprudência das
Cortes de Nova York, os livreiros, jornaleiros e as bibliotecas, que vendem ou
permitem o acesso a publicações com textos difamantes, nunca foram responsabilizados
sob esse fundamento, até porque não conhecem nem tem razão para saber desse
teor ofensivo de tudo o que alienam ou emprestam a seus compradores ou
usuários. Referindo-se a outro precedente, o tribunal anotou que já se eximiu
de responsabilidade um livreiro acusado de ter a posse de uma publicação
pornográfica. Na prática, se isso fosse levado adiante, o livreiro assumiria um
encargo público de censor oficial e isso não era cabível.
No caso dos autos,
salientou a corte nova-iorquina, o produto oferecido por CompuServe, que “está
na vanguarda da revolução da indústria da informação”, é essencialmente, uma
biblioteca eletrônica, com fins lucrativos, que contém um grande número de
publicações e que faz uso das contribuições de seus usuários. A “alta tecnologia
aumentou, de maneira acentuada, a velocidade com a qual a informação é coletada
e processada”, o que permite a um indivíduo, “com um computador pessoal, modem
e uma linha telefônica”, tenha a milhares de notícias e novas publicações dos
Estados Unidos e de todo o mundo. Na prática, a empresa não tem mais controle
sobre tudo o que é publicado em seu fórum, o que a equipara, nesse aspecto, a
uma biblioteca pública, uma livraria ou a uma banca de jornal. Não mais seria
viável que a CompuServe examinasse cada publicação que coloca em seu fórum, sob
o color de se coibir potenciais danos ou evitar conteúdos difamatórios. Segundo
a corte, “a tecnologia está transformando rapidamente a indústria da
informação” e estabelecer a regra do controle prévio é o mesmo que inviabilizar
essa nova atividade econômica.
Ademais, ao longo
da fundamentação, o acórdão fez diversas menções à Primeira Emenda e ao direito
constitucional de liberdade de expressão, o que, de certa forma, também se
conecta com o debate sobre o controle prévio e a assunção de um papel de censor
pelos provedores, tal como exposto nas colunas das últimas semanas.
Em 1996, o
Congresso dos Estados Unidos da América aprovou o Communications
Decency Act(CDA), sancionada pelo presidente Bill Clinton, em cujo artigo
230 está a mais importante referência normativa sobre a responsabilidade dos
provedores de conteúdo. Em larga medida, a opção legal foi influenciada pela
jurisprudência norte-americana, especialmente pelo caso Cubby, Inc. v
CompuServe Inc. As discussões geradas pela nova lei, de modo específico as
relacionadas à liberdade de expressão, dariam uma coluna à parte. Fique-se,
portanto, com o artigo 230 do CDA, assim redigida: “Nenhum provedor ou usuário
de um serviço de computação interativo deve ser considerado como um editor ou
um difusor de qualquer informação fornecida por outro provedor de conteúdo”[2].
A jurisprudência
norte-americana, segundo o completo inventário realizado por Ronaldo Lemos,
Carlos Affonso Pereira de Souza e Sérgio Branco, tem-se baseado (não
exclusivamente, mas primordialmente) no artigo 230 do CDA para não
responsabilizar os “provedores por conta de disponibilização, por seus
usuários, de material considerado violador de direitos” [3]. São exemplos dessas decisões, com
enfoque específico para o tipo de conflito que vem sendo estudado nas últimas
colunas:
a) Blumenthal
vs. Drudge (1998): a AOL (American On Line) foi considerada
irresponsável por matérias difamatórias publicadas em uma coluna de fofocas
mantida em seu portal. O provedor não responderia pelos danos, mesmo diante da
circunstância de o colunista Matt Drudge (que ofendeu Sidney Blumenthal) ser
remunerado pela AOL; que processou tanto Drudge quanto AOL. A corte competente
julgou que, nos termos do artigo 230 do CDA, a AOL estava isenta de
responsabilidade, mesmo sendo o colunista remunerado.
b) Jane Doe vs .
America Online (2001): Um dos serviços mais populares na internet, na
década passada, eram as salas de bate-papo. Em uma delas, também mantida pela
AOL, um dos usuários declarou-se interessado na compra de material com conteúdo
ligado à pedofilia. Uma das usuárias moveu ação contra a AOL, sob a alegação de
que o provedor deveria responder quando seu serviço se prestasse à difusão de
pornografia infantil. O Tribunal da Flórida, que apreciou o caso, decidiu com
base no artigo 230 do CDA, mas é de ser registrado o voto vencido do juiz
Lewis, para quem a interpretação adotada terminou por abrir espaço para
diversas condutas ilícitas no âmbito da internet, concedendo aos provedores de
conteúdo uma verdadeira “imunidade total”. Para o voto dissidente, a interpretação
do Tribunal da Flórida “incentiva e protege a participação dos provedores de
conteúdo como verdadeiros cúmplices silenciosos”, o que não parece ter sido a
verdadeira intenção do Congresso dos Estados Unidos.[4]
c) Doe vs. Bates
(2006): John e Jane Doe processaram Mark Bates e o provedor Yahoo!, em razão
de Bates haver postado fotos com pornografia infantil em um grupo de discussões
da mencionada empresa. O Tribunal Distrital para o Distrito Leste do Texas
eximiu o provedor de qualquer responsabilidade, por entender que só a pessoa
natural (Bates) que havia divulgado o material obsceno é que deveria ser
punido, seguindo-se os termos do art. 230 do CDA.[5]
d) Barrett vs.
Rosenthal (2006): Neste caso, que foi julgado
pela Suprema Corte do Estado da Califórnia, possui os seguintes elementos
descritivos: a) Stephen J. Barrett e Timothy Polevoy mantinham um site dedicado
a expor fraudes no sistema de saúde norte-americano; b) Ilena Rosenthal
coordenava um grupo de discussão na internet, no qual foram
proferidos ataques a Barrett e a Plevoy, todos com forte conteúdo difamatório.
No Tribunal, após intensas discussões, não se admitiu a condenação de Rosenthal
tomando-se por fundamento o artigo 230 do CDA e reverteu o julgamento das
instâncias inferiores, que consideram haver sido cometido ilícito, na medida em
que, mesmo após a notificação das vítimas, a ofensa persistiu.
Os precedentes e a
legislação dos Estados Unidos apresentam ao Direito brasileiro um caminho
diferente, marcado pela quase total ausência de responsabilidade dos provedores
de conteúdo e agentes afins. Como bem ressalta Luiz Antônio Freiras de Almeida,
no modelo norte-americano, “o único responsável é o autor da informação ilícita
e a vítima deveria acionar o autor do ato lesivo de sua honra, não respingando
qualquer responsabilidade civil sobre os provedores de serviço intermediários e
provedores de conteúdo nas mais diversas atividades — backbone, acesso
à Internet, correio eletrônico, blogs, chats, hospedagem ou
armazenamento principal, sites de relacionamento etc. —, tenham feito ou não
controle editorial prévio e ainda que estivessem cientes do conteúdo ilícito”.[6]
[2] No original:
“No provider or user of an interactive computer service shall be treated as
the publisher or speaker of any information provided by another information
content provider”.
[3] Sugere-se
consultar: LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de; BRANCO, Sérgio.
Responsabilidade civil na internet: uma breve reflexão sobre a experiência
brasileira e norte-americana. Revista de direito das comunicações,
v. 1, n. 1, p. 80-99, jan./jun. 2010.
[4] Disponível
em:http://www.kentlaw.edu/faculty/rwarner/classes/legalaspects/preventing_access/IntermediaryLiability/cases/Jane_doe_v_AOL.htm.
Acesso em 2-4-2013.
[5] Disponível
em: http://pt.scribd.com/doc/13857396/Doe-v-Bates-ED-Tex-Jan-18-2006-Report-and-Recommendation-of-US-Mag-Judge.
Acesso em 2-4-2013.
[6] ALMEIDA, Luiz
Antônio Freitas de. Violação do direito à honra no mundo virtual: a (ir)
responsabilidade civil dos prestadores de serviço da internet por fato de
terceiros. MIRANDA, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; FRUET, Gustavo
Bonato. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2012. p. 259.
Otavio Luiz
Rodrigues Junior é advogado da União, pós-doutor (Universidade
de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri
Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da
Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).
Revista Consultor
Jurídico, 3 de abril de 2013”
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