“APOIO À PEC 37
(APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS PRIVATIVA DAS CORPORAÇÕES POLICIAIS)
ALDEMARIO ARAUJO CASTRO
Como Conselheiro Federal da OAB, integrante da bancada da OAB/DF, emprestei meu
voto para a formação da deliberação amplamente majoritária referida. Em função
desse voto, fui provocado, nos últimos dias, por vários colegas advogados e
mesmo por não-advogados, como o meu pai, para justificar a posição sustentada
no plenário do CFOAB. A provocação é compreensível, sobretudo diante de
uma equivocada campanha midiática que aponta a PEC no 37
como a "PEC da Impunidade".
Meu
posicionamento parte de uma cuidadosa leitura da Constituição, tal como posta
pelo constituinte originário. Com efeito, em dois dispositivos o Texto Maior
trata explicitamente de “apuração de infração penal”. São os parágrafos
primeiro e quarto do artigo 144. Nesses comandos, a “apuração de infrações
penais” é expressamente cometida às corporações policiais designadas na Carta
Magna (Polícia Civil e Polícia Federal).
Ao
Ministério Público, no art. 129 do Texto Maior, o constituinte inaugural
reservou os seguintes e relevantíssimos papéis: a) titular da ação penal; b)
controle externo da atividade policial e c) requisição da instauração de
inquéritos policiais e diligências no âmbito desses procedimentos.
Perceba-se
que o constituinte não menciona clara e expressamente em momento algum, como
fez para as polícias, competências investigatórias criminais para o Ministério
Público. E há uma razão para tanto. O constituinte inicial desenhou um equilibrado
sistema estatal de atuação em relação às infrações penais. Em indiscutível
defesa do regime democrático e dos direitos fundamentais, o Texto Maior
reservou a investigação criminal à Polícia, a acusação ao Ministério Público e
o julgamento ao Poder Judiciário. A distribuição equilibrada e ponderada de
poderes estatais nessa seara é de uma clareza solar e busca alcançar os fins
constitucionais especialmente nobres antes aludidos.
Admitir
que o Ministério Público possui poderes implícitos de investigação criminal, a
partir da leitura do art. 129, inciso IX, da Constituição, importa em
desequilibrar o balanceamento do sistema construído pelo constituinte primário.
Não é por razão diversa que o referido dispositivo constitucional contém a
seguinte cláusula “desde que
compatíveis com sua finalidade”
(para a definição e exercício de outras funções não-expressamente registradas).
Ora, não é compatível com as finalidades do Ministério Público conduzir
diretamente a investigação penal. O constituinte, sem dúvida razoável nesta
afirmação, colocou o Ministério Público fora (numa posição externa) do
inquérito policial. Os nobres integrantes dessa valorosa instituição atuam no
inquérito policial de “fora para dentro”. Afinal, o controle é externo e a
instauração do procedimento ou realização de diligências são requisitados, não
são pura, simples e diretamente realizados.
Ressalte-se
que na Lei Orgânica do Ministério Público Federal (Lei Complementar no 75,
de 1993) não existe nada parecido ou próximo de uma competência investigatória
no campo criminal para o Parquet. É
sintomático e elucidativo que a Constituição não trate dessa competência e o
legislador da Lei Orgânica do Ministério Público também não o faça. Só há uma
explicação razoável para essas “ausências”: a competência em debate não figura
entre o rol de atuações da instituição ministerial.
Observe-se
ainda que o constituinte define a possibilidade do Ministério Público
requisitar a abertura de inquérito policial e a realização de diligências no
seio do procedimento instaurado. Assim, aplicada a mais elementar lógica
formal, não tem sentido dizer que alguém pode determinar a abertura do
procedimento e intervir nele de fora para dentro, inclusive realizando seu
controle, se pode realizá-lo diretamente.
Aqui
cabe destacar que o Ministério Público, instituição que merece todo prestígio,
pode e deve combater a impunidade, em níveis preocupantes, exercendo suas
missões constitucionais de controle externo da atividade policial e requisição
da instauração de inquéritos e diligências investigatórias. O exercício intenso
e efetivo dessas missões constitucionais, com amplo respaldo social e institucional,
colocariam o combate à criminalidade em patamares consideravelmente superiores.
Nesses rumos as energias do Parquetpodem
e devem ser gastas com os merecidos aplausos da sociedade brasileira.
O
argumento “quem pode mais pode menos” não se aplica à matéria. Primeiro, porque
não é um raciocínio lógico absoluto com utilização escorreita em todos os
quadrantes e casos do universo jurídico. Segundo, porque é preciso verificar a
natureza das competências consideradas e se essas não foram expressamente
atribuídas a outros atores institucionais. Terceiro, é preciso estar atento
para a construção de um eventual sistema para o exercício equilibrado de
funções estatais complementares que não se confundem e não devem se confundir.
Na
polarização do debate em torno da PEC no 37 uma
das vítimas é o Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Trata-se de
expediente, adotado com fundamento em resoluções do Conselho Superior do
Ministério Público e do Conselho Nacional do Ministério Público, para
viabilizar, segundo consta, centenas de investigações criminais, já em curso,
conduzidas por membros da instituição. Entendo, na linha da argumentação
anterior, que esses procedimentos são indevidos ou inválidos como substitutos
dos inquéritos policiais. Entretanto, como meros instrumentos de aprofundamento
ou esclarecimento de elementos que o Ministério Público já detém, para melhor
instrução da denúncia ou mesmo conclusão de que essa não cabe, são
perfeitamente válidos.
São
preocupantes os rumos da decisão, ainda não concluída, do Supremo Tribunal
Federal no Recurso Extraordinário no 593727.
Nesse caso, o STF aponta para o reconhecimento de poderes investigatórios
criminais para o Ministério Público em dimensões consideráveis. Esse dado demonstra
a necessidade jurídica de aprovação da PEC no 37
para adequada e clara fixação da decisão do constituinte originário.
Importa
anotar que a solução (ou caminho de solução) dos graves e significativos
problemas das deficiências policiais no campo da investigação das infrações
penais não passa necessariamente pelo reconhecimento de poderes investigatórios
criminais para o Ministério Público. Esses complexos problemas, com múltiplas
facetas (logísticas, remuneratórias, tecnológicas, de inteligência
investigatória, garantias contra ingerências políticas e econômicas, etc),
precisam ser enfrentados por todos, inclusive o Ministério Público e as
próprias corporações policiais, de forma clara e transparente.
Portanto,
restam evidentes as necessidades política e jurídica de apoiar a PEC no 37.
Não se trata de uma postura contrária ao Ministério Público. Muito menos
consiste em trilhar um caminho de apoio às corporações policiais. Trata-se de
prestigiar a Constituição, o equilíbrio de poderes estatais na seara da
apuração e punição de infrações penais, o regime democrático e os direitos
fundamentais.”
http://www.oab.org.br/publicacoes/detartigo/33.
Acesso: 1º/6/2013
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