O
vizinho de uma mulher idosa, portadora de hérnia, terá de deixar que o
cônjuge ou outras pessoas que a acompanhem transitem por sua
propriedade. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
confirmou a extensão gratuita, para esses acompanhantes, da servidão de
passagem que havia sido garantida à idosa por decisão judicial.
Para
a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, o problema dos autos
não é jurídico, mas uma questão de solidariedade, de colaboração entre
pessoas próximas, fundada na dignidade da pessoa humana.
O
autor do recurso julgado pela Terceira Turma, proprietário do imóvel
onde fora estabelecida a servidão de passagem, pretendia ser indenizado
pelo trânsito de qualquer outra pessoa no local, ainda que estivesse
acompanhando a idosa.
Vendeta
Em
seu voto, a ministra lamentou que causas como essa, de “vendeta
pessoal, completamente desgarrada de proveito jurídico, ou quiçá
econômico”, não só existam como cheguem ao STJ. Ela afirmou perplexidade
diante do caso.
“É
mais que razoável, é esperado que uma pessoa adoentada, portadora de
hérnia de grandes proporções, não transite desacompanhada. E é
absolutamente irracional a pretensão de que ela transite sozinha pela
passagem judicialmente garantida para facilitar-lhe o acesso e a
locomoção, enquanto seu cônjuge ou qualquer outra pessoa que a acompanhe
deva utilizar o caminho regular”, afirmou.
“Questionável,
inclusive, a própria resistência inicial da parte à utilização da
passagem pela companheira do recorrido, pois demonstra inaceitável
desconsideração com os mais comezinhos princípios que regem as relações
sociais, dos quais se deveria extrair a sobriedade necessária para a
composição e, porventura, para a mera aquiescência do pleito inicial de
trânsito, por reconhecido motivo de doença, pela propriedade do
recorrente”, completou a ministra.
Humanidade
“Apropriando-nos,
de forma estreita, do existencialismo de Sartre, para quem ‘o homem
nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo’, pesa, na hipótese, a
ausência de humanidade”, asseverou a relatora.
“Não
se compraz o direito com o exercício desarrazoado das prerrogativas
legais enfeixadas pela propriedade, mormente quando brandidas sem uma
consistente razão jurídica”, acrescentou.
Ela
citou novamente Jean-Paul Sartre para afirmar que “a nossa
responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a
humanidade inteira”.
Ausência de perda financeira
A
ministra entendeu que, como o direito de uso da passagem à idosa já
fora garantido em decisão transitada em julgado, sua extensão ao
companheiro não justificaria indenização.
Para
a relatora, a compensação prevista na lei visa recompor perdas
financeiras pela imposição de limitações permanentes à propriedade do
imóvel que fornece a passagem, o que não ocorreu no caso.
Processo relacionado: REsp 1370210
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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