(...)“Função Ético-Social do Direito Penal
"A missão do
Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo
social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados
bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva,
mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos
possíveis infratores do risco da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de
compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o
respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela convicção da sua
necessidade e justiça.
A natureza do Direito
Penal de uma sociedade pode ser aferi da no momento da apreciação da conduta.
Toda ação humana está sujeita a dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser
apreciada em face da lesividade do resultado que provocou (desvalor do
resultado) e de acordo com a reprovabilidade da ação em si mesma (desvalor da
ação).
Toda lesão aos bens jurídicos tutelados
pelo Direito Penal acarreta um resultado indesejado, que é valorado
negativamente, afinal foi ofendido um interesse relevante para a coletividade.
Isso não significa, porém, que a ação causadora da ofensa seja,
necessariamente, em si mesma sempre censurável. De fato, não é porque o
resultado foi lesivo que a conduta deva ser acoimada de reprovável, pois
devemos lembrar aqui os eventos danosos derivados de caso fortuito, força maior
ou manifestações absolutamente involuntárias. A reprovação depende não apenas
do desvalor do evento, mas, acima de tudo, do comportamento consciente ou
negligente do seu autor.
Ao ressaltar a visão
puramente pragmática, privilegiadora do resultado, despreocupada em buscar a
justa reprovação da conduta, o Direito Penal assume o papel de mero difusor do
medo e da coerção, deixando de preservar os valores básicos necessários à
coexistência pacífica entre os integrantes da sociedade política. A visão
pretensamente utilitária do direito rompe os compromissos éticos assumidos com
os cidadãos, tomando-os rivais e acarretando, com isso, ao contrário do que
possa parecer, ineficácia no combate ao crime. Por essa razão, o desvalor
material do resultado só pode ser coibido na medida em que evidenciado o
desvalor da ação. Estabelece-se um compromisso de lealdade entre o Estado e o
cidadão, pelo qual as regras são cumpridas não apenas por coerção, mas pelo
compromisso ético-social que se estabelece, mediante a vigência de valores como
o respeito à vida alheia, à saúde, à liberdade, à propriedade etc.
Ao prescrever e
castigar qualquer lesão aos deveres ético-sociais, o Direito Penal acaba por
exercer uma função de formação do juízo ético dos cidadãos, que passam a ter
bem delineados quais os valores essenciais para o convívio do homem em
sociedade.
Desse modo, em um
primeiro momento sabe-se que o ordenamento jurídico tutela o direito à vida,
proibindo qualquer lesão a esse direito, consubstanciado no dever ético-social
"não matar". Quando esse mandamento é infringido, o Estado tem o
dever de acionar prontamente os seus mecanismos legais para a efetiva imposição
da sanção penal à transgressão no caso concreto, revelando à coletividade o
valor que dedica ao interesse violado. Por outro lado, na medida em que o
Estado se torna vagaroso ou omisso, ou mesmo injusto, dando tratamento díspar a
situações assemelhadas, acaba por incutir na consciência coletiva a pouca
importância que dedica aos valores éticos e sociais, afetando a crença na
justiça penal e propiciando que a sociedade deixe de respeitar tais valores,
pois ele próprio se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no
acatamento a tais deveres, através de sua morosidade, ineficiência e omissão.
Nesse instante, de
pouco adianta o recrudescimento e a draconização de leis penais, porque o
indivíduo tenderá sempre ao descumprimento, adotando postura individualista e
canalizando sua força intelectual para subtrair-se aos mecanismos de coerção. O
que era um dever ético absoluto passa a ser relativo em cada caso concreto, de
onde se conclui que uma administração da justiça penal insegura em si mesma
torna vacilante a vigência dos deveres sociais elementares, sacudindo todo o
mundo do valor ético. Desse conteúdo ético-social do Direito Penal resulta que
sua missão primária não é a tutela atual, concreta dos bens jurídicos, como a
proteção da pessoa individualmente, a sua propriedade, mas sim, como ensina
Hans Welzel, " ... asegurar Ia real vigencia (observancia) de los valores
de acto de la conciencia jurídica; ellos constituyen el fundamento más sólido
que sustenta el Estado y la sociedad. La mera protección de bienes jurídicos
tiene sólo un fin preventivo, de carácter policial y negativo. Por el
contrario, Ia misión más profunda deI Derecho Penal es de naturaleza
ético-social y de carácter positivo" (Derecho penal alemán, 11. ed., 4.
ed. castellana, trad. del alemán por los profesores Juan Bustos Ramírez y
Sergio Yafiez Pérez, Ed. Jurídica de Chile, 1997, p. 3.).
Para Welzel, "
... más esencial que el amparo de los bienes jurídicos particulares concretos
es Ia misión de asegurar en los ciudadanos el permanente acatamiento legal ante
los bienes jurídicos; es decir, Ia fidelidad frente aI Estado, el respeto de Ia
persona" (La teoría de ia acción finalista, trad. Eduardo Friker, Buenos
Aires, Depalma, 1951, p.12.).
Em áspera crítica à
concepção simbólica e promocional do Direito Penal, Welzel lembrou a Ordenança
de 9 de março de 1943, expedida pelo Ministro da Justiça do Reich visando
reduzir o número de pessoas não pertencentes à raça ariana na Alemanha,
descriminalizou-se o aborto praticado por estrangeiras, punindo-se apenas o
cometido por alemãs. "Aquí se demonstraron visiblemente los límites deI
pensar utilitario" (La teoria, cit., p.12.). O aborto era incriminado não
por causa de seu conteúdo moralmente reprovável, nem passou a ser permitido
devido à adequação ao novo sentimento social de justiça; muito ao contrário,
foi largamente empregado como meio de realização da política racista e
discriminatória do regime nazista. Como esperar, assim, acatamento espontâneo a
uma norma criada com propósitos amorais? Diferentemente dessa desprezível visão
utilitária, o Direito Penal deve ser compreendido no contexto de uma formação
social, como matéria social e política, resultado de um processo de elaboração
legislativa com representatividade popular e sensibilidade capaz de captar
tensões, conflitos e anseios sociais.
Derecho penal alemán, 11. ed., 4. ed.
castellana, trad. del alemán por los profesores Juan Bustos Ramírez y Sergio
Yafiez Pérez, Ed. Jurídica de Chile, 1997, p. 3.
La teoría de ia acción finalista, trad.
Eduardo Friker, Buenos Aires, Depalma, 1951, p.12.
Capez, Fernando, Curso de Direto Penal,
parte geral, vol. 1, Saraiva, 10ª ed., 2006
(Revista Realizada por Suelen
Anderson - Acadêmica em
Ciências Jurídicas - 04 de outubro de 2009)”
http://www.dji.com.br/dicionario/direito_penal.htm.
Acesso: 21/9/2013
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