“Child custody: o estudo da concessão de guarda no
direito de família norte-americano
Bruno Fontenele Cabral:
Bruno Fontenele Cabral
Delegado de Polícia Federal em Brasília (DF).
Elaborado em 07/2012.
As modalidades de guarda previstas no direito
norte-americano, em especial, a guarda compartilhada (joint physical custody)
busca aproximar, na medida do possível, os pais divorciados do convívio dos
filhos, com o fim especial de evitar o desencadeamento da alienação parental.
O estudo da concessão de guarda de
crianças (child custody) no direito de família norte-americano trata-se de um
tema desafiante, tendo em vista a enorme variedade e diferentes modalidades de
guarda de criança existentes nos Estados Unidos. Deve-se, inicialmente, se ter
em mente que a guarda deve ser sempre analisada levando-se em conta os melhores
interesses dos filhos (best possible solution for the child). Ademais, outro
ponto importante a ser considerado é que a definição da guarda ocorre dentro de
um contexto traumático para os filhos, em razão da separação e divórcio de seus
pais. [1]
No que concerne à guarda de criança
nos Estados Unidos, pode-se afirmar que as modalidades de guarda existentes no
direito norte-americano são as seguintes: [2]
a) Alternating
custody (guarda alternada): é a modalidade de guarda na qual os
filhos passam um período prolongado de tempo com um dos pais e, em seguida,
passam a mesma quantidade de tempo com o outro genitor. No período em que o
filho está com um dos pais, este detém a autoridade exclusiva sobre a criança
ou crianças. Por exemplo: o filho passa um ano sob a responsabilidade da mãe em
Belo Horizonte. Posteriormente passa outro ano com o pai em Brasília.
b) Joint
Custody (guarda conjunta ou compartilhada): é a modalidade de
guarda em que ambos os pais detém a guarda legal (legal custody) e/ou a guarda
física (physical custody).
c) Sole
Custody (guarda exclusiva): é a modalidade de guarda na qual
apenas um dos pais detém a guarda física e legal de uma criança. A guarda
exclusiva (sole custody) atribui a um dos pais todos os direitos legais,
deveres e poderes como um pai, incluindo o direito de tomar todas as decisões.
Na guarda exclusiva, a criança reside com o genitor guardião e o pai não possui
a custódia é dado o direito de visitar a criança. Os direitos limitados e
privilégios do pai sem a guarda foram ampliados na maioria dos estados
norte-americanos para proporcionar ao pai que não possui a guarda o acesso
legal a informações médicas em situações de emergência.
d) Split
Custody (guarda dividida): é a modalidade de guarda pela qual um
dos pais tem a guarda de um filho, enquanto o outro genitor tem a guarda total
sobre o outro filho. Por exemplo, a mãe fica com a guarda de um filho e o pai
fica com a guarda de outro filho. A crítica que se faz a essa modalidade de
guarda é que ocorre a separação dos irmãos.[3]
e) Third-party
Custody (guarda de terceiro): é a modalidade de guarda em
que os filhos não ficam com um dos pais e são colocados sob a guarda de uma
terceira pessoa como, por exemplo, um tio ou um avô.
f) Legal
Custody (guarda legal): refere-se a guarda que dá direito ao genitor
de tomar decisões importantes sobre a saúde, educação e bem-estar da criança.
Por exemplo: é o poder de definir qual colégio a criança vai estudar, ou qual
religião será adotada pela criança. A guarda legal pode ser:
a. Sole
Legal Custody (guarda legal exclusiva): somente um dos
pais detém a autoridade exclusiva de tomar decisões importantes sobre a criança
b. Joint
Legal Custody (guarda legal compartilhada): ambos os pais detém
autoridade para tomar decisões importantes sobre a vida da criança.
g) Physical
Custody (guarda física): está relacionada com as condições de vida da
criança no seu dia-a-dia. É o local em que a criança vive a maior parte do
tempo.
a. Sole
Physical Custody (guarda física exclusiva): a criança vive
exclusivamente com um dos pais, geralmente, a mãe.
b. Joint
Physical Custody, Shared Custody, Shared Parenting ou Dual Residence (guarda
física compartilhada): é a modalidade de guarda pela qual os filhos vivem
por um período prolongado de tempo com um dos pais, e, em seguida, para uma
quantidade similar de tempo com o outro progenitor. É diferente da guarda
alternada, pois aqui ambos os pais detém a autoridade sobre os filhos, enquanto
na guarda alternada apenas um dos pais detém a autoridade exclusiva sobre o
filho.
c. Bird’s
Nest Custody ou Bird-Nesting Theory (Guarda do ninho de pássaro ou
Teoria do Ninho do pássaro): é a modalidade de guarda, na qual os pais vão
e voltam da residência em que seus filhos residem, colocando o ônus da
movimentação e da mudança de residência para os pais, ao invés dos filhos. Ou
seja, os pais orbitam a casa dos filhos.
Cumpre, ainda, destacar que, na
hipótese da guarda conjunta da criança (joint physical custody), cada um dos
pais mantém certos direitos e responsabilidades em relação aos filhos após o
divórcio. Nesse ponto, calha frisar que há uma variação considerável entre os
estados norte-americanos na definição de guarda conjunta. Com a guarda legal
conjunta, ambos os pais detém o poder de tomar decisões sobre seus filhos,
embora em muitos estados norte-americanos, as decisões a serem feitas em
conjunto devem ser especificadas, a fim de se preservar a autoridade. Em
síntese, pode-se afirmar que a guarda conjunta da criança (joint physical
custody) têm a intenção de mostrar para a criança que ela convive com ambos os
pais.[4]
Ademais, cabe mencionar que a
tendência legal na última década nos Estados Unidos tem sido o favorecimento da
chamada “autoridade parental compartilhada” (shared parental legal authority)
em detrimento da “guarda legal compartilhada residencial” (shared residential
custody). Também é importante mencionar que, em circunstâncias muito raras, em
que há uma história de conflito extremo sobre valores educacionais, médicas ou
religiosas, pode ser estabelecido que os pais tenham a guarda conjunta física
(joint physical custody), mas a um dos pais é atribuída a guarda legal
exclusiva (legal custody), que está relacionada ao poder de tomar decisões
importantes sobre a saúde, educação e bem estar da criança.[5]
Nos Estados Unidos, conforme visto
há, ainda, outras formas de guarda que podem ser estabelecidas pelo juiz. Pode
haver a guarda dividida (split custody) e a guarda alternada (alternating
custody). No que tange a essas modalidades de guarda, tem se observado que os
juízes são relutantes e resistentes em conceder a guarda dividida (split
custody), em particular, por causa de uma firme convicção de que os irmãos não
devem ser separados.[6]
Outro aspecto relevante relacionado
ao estudo da guarda no Direito de Família dos Estados Unidos refere-se às
normas para a concessão da guarda. Como regra geral, os Tribunais decidem a
guarda de acordo com os melhores interesses da criança (best possible solution
for the child). Pode-se sustentar, sem a menor sombra de dúvida, o atendimento
ao melhor interesse da criança tem se tornado a diretriz máxima para
determinação da guarda das crianças na maioria dos países. Via de regra, os
melhores interesses da criança são freqüentemente associados com a guarda das
mães, especialmente para crianças pequenas. No entanto, recentemente, nos
Estados Unidos, foi abolida pela lei e pela jurisprudência a preferência pela
guarda da mãe, tendo em vista a necessidade da aplicação da eqüidade em relação
ao gênero. [7]
Ao se tratar do tema da guarda de
crianças após o divórcio nos Estados Unidos, não se pode deixar de se mencionar
o papel desenvolvido pelos atores envolvidos nesse processo, em especial, o
papel dos juízes e das crianças.
MACCOBY & MNOOKIN (1993) afirmam
que o papel dos juízes na concessão da guarda é fundamental, uma vez cumpre a
eles a decisão do processo. No entanto, nos Estados Unidos, os autores
sustentam que 95% das decisões de concessão de guarda são baseadas em prévio
acordo dos pais. Os referidos autores citam, inclusive, um estudo na Califórnia
que demonstrou que apenas 3,5% dos casos de concessão de guarda foram resolvidos
pelos juízes, em razão da ausência de acordo entre os pais.[8]
Além disso, ELROD & RAMSAY (2001)
concluíram que os conflitos judiciais em relação à guarda dos filhos têm
prejudicado gravemente as crianças envolvidas.[9]
Passa-se agora ao estudo do papel da
criança na concessão de guarda. SCOTT et al. (1988) apontam que, dada a
importância de uma determinação da guarda de uma criança, surgem várias
indagações acerca do papel da criança em tal processo. Nos Estados Unidos, a
maioria dos juízes tem entendido que a manifestação de preferência da criança é
relevante para determinar a modalidade de guarda a ser aplicada. No entanto, a
opinião da criança deve ser analisada e sopesada cum grano salis, [10] de
acordo com sua idade e maturidade.[11]
No Brasil, há quem se manifeste em
sentido contrário ao se realizar a oitiva da criança no processo de guarda.
Sobre o tema, é oportuna a seguinte leitura:[12]
“não se pode conceber que uma criança, ou mesmo adolescente, seja Juiz de
seu próprio destino. Permitir que os filhos “decidam” com querem ficar em processos de
dissolução familiar atenta não só contra a dignidade dos incapazes, mas contra
a dignidade dos pais, da família, da própria sociedade. Imagine-se frente ao
Juiz, o Promotor, o Escrivão, os Advogados, provavelmente pessoas que nunca
tinha visto antes, declarando a opção por quem se “ama mais”, se é possível ao
filho ou aos pais, expressarem valoração maior de amor do que a própria
natureza lhes impõe. A aquiescência com a oitiva
dos filhos em Juízo é medida que privilegia o conflito familiar. Logo, o primeiro dever do Promotor de Justiça é de manifestar
contrariedade à inquirição dos incapazes em Juízo. Se, absolutamente
imprescindível, que seja realizado por profissionais de detenham conhecimento
técnico suficiente para esclarecer quais os motivos da opção momentânea”
No entanto, no que tange à
manifestação da criança no processo de guarda, é importante registrar que a
Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (1989) prevê expressamente, no
artigo 12 que os Estados devem garantir a uma criança o direito de ser ouvido
no processo de custódia, quer diretamente ou através de um representante.[13]
Questão atual das mais tormentosas e
fascinantes no Direito norte-americano refere-se à possibilidade da criança ser
representada por um curador durante o processo que discute sua guarda. Não são
raros os casos em que a litigiosidade envolvida no processo de divórcio e
discussão sobre a guarda dos filhos coloque os pais em lados opostos e, muitas
vezes, se perde de vista os melhores interesses da criança. O bem-estar da
criança e seus interesses podem ser prejudicados em um ambiente formado por
pais em conflito. No Brasil, tal papel de defender os direitos da criança e do
adolescente incumbe ao Ministério Público, que deve atuar no sentido da
mitigação dos conflitos familiares.[14]
Nesse ponto, também não se pode
deixar de se lembrar uma das mais belas figuras existentes no direito
brasileiro. Trata-se do chamado “curador ao ventre”, nos casos em que o pai
estiver falecido, ou não for conhecido, e a mãe não estiver no exercício do
poder familiar, hipótese em que o juiz nomeará um curador para defender os
interesses do nascituro. [15]
Por fim, resta tecer alguns
comentários sobre a possibilidade de modificação da guarda. Deve-se ter a
compreensão de que as decisões acerca da guarda de filhos não são definitivas,
podendo ser alteradas pelas partes ou pelo tribunal. Nos Estados Unidos, por
exemplo, um estudo demonstrou que durante um período de 03 (três) anos e meio,
havia uma quantidade razoável de mudanças das decisões de guarda. A guarda dos
filhos pelas mães tem se mostrado a forma mais estável de guarda. Já a
modalidade de guarda física compartilhada (joint physical custody), apesar de
promissora, tem apresentado certa instabilidade, com 51% de mudanças.[16]
Ante o exposto, sem a menor pretensão
de esgotar o presente tema, e considerando a necessidade de maiores estudos
sobre o assunto em análise, verifica-se que as modalidades de guarda previstas
no direito norte-americano, em especial, a guarda compartilhada (joint physical
custody) busca aproximar, na medida do possível, os pais divorciados do
convívio dos filhos, para se evitar o desencadeamento da alienação parental
(parental alienation), que é a situação em que o ex-cônjuge, geralmente o
detentor da guarda da criança, intencionalmente tenta afasta seu filho do
relacionamento com outro genitor, situação esta que tem causado danos
irreparáveis para os filhos e para o genitor excluído do convívio familiar”.[17], [18], [19], [20], [21], [22] e [23].”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1.
BRANDES JR. Parental Alienation. NY Law Journal. Disponível em:
. Acesso em: 8
jul 2012.
2. Child
Custody. Parents Who live separately. Disponível em:
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Acesso em: 04 jul. 2012.
3.
DARNALL D. Parental Alienation Conference; 1999. Disponível em
. Disponível em: 8 jul 2012.
4.
DARNALL D. Parental alienation: not in the best interest of the
children. LD Law Rev v.75, p. 323-364, 1999.
5.
ELROD, l. D. & RAMSAY, S. H. High-conflict custody cases: reforming
the system for children— conference report and action plan." Family
Law Quarterly, v. 34, 2001.
6.
FONSECA, Priscila Maria Pereira Côrrea. Síndrome de alienação parental. Disponível
em: . Acesso
em: 02 jul. 2012.
7.
GARDENER RA. Recent trends in divorce and custody litigation.
Academy Forum; v. 29, 1985.
8.
KELLY. Joan B. The determination of child custody in the United States.
Disponível em:
.
Acesso em: 02 jul. 2012.
9.
MACCOBY, E. E, & MNOOKIN, R. H. Dividing the child. Cambridge:
Harvard University Press, 1993.
10.
Organização das Nações Unidas. Convenção da ONU sobre os Direitos da
Criança (1989). Disponível em:
. Acesso em: 05 jul.
2012.
11.
SCOTT, E. S.; REPPUCCI, N. D; & ABER, M. Children's preference in
adjudicated custody decisions. Georgia Law review. v. 22, 1988.
12.
SOUZA, Luciano Machado. A atuação do Ministério Público na gestão de
conflitos que envolvam a guarda de filhos de pais separados. Disponível em:
.
Acesso em: 02 jul. 2012.
13.
STAN-HAYWARD, F.N.F. A guide to the parental alienation syndrome.
Disponível em: . Acesso em: 2 jul
2012.
14.
TEXAS FATHERS FOR EQUAL RIGHTS. The father guide: coping with parental
alienation. Disponível em:
. Acesso em: 2 jul. 2012.
NOTAS
NOTAS
[1] Child Custody. Parents Who live separately.
Disponível em:
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Acesso em: 04 jul. 2012.
[2] KELLY. Joan B. The determination of
child custody in the United States. Disponível em:
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Acesso em: 02 jul. 2012.
[3] KELLY. Joan B. The determination of
child custody in the United States. Disponível em:
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Acesso em: 02 jul. 2012.
[4] KELLY. Joan B. The determination of
child custody in the United States. Disponível em:
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Acesso em: 02 jul. 2012.
[5] KELLY. Joan B. The determination of
child custody in the United States. Disponível em:
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Acesso em: 02 jul. 2012.
[6] KELLY. Joan B. The determination of
child custody in the United States. Disponível em:
.
Acesso em: 02 jul. 2012.
[7] Child Custody. Parents Who live separately.
Disponível em:
.
Acesso em: 04 jul. 2012.
[8] MACCOBY, E. E, & MNOOKIN, R. H. Dividing
the child. Cambridge: Harvard University Press, 1993.
[9] ELROD, l. D. & RAMSAY, S. H. high-conflict
custody cases: reforming the system for children— conference report and action
plan." family law quarterly, v. 34, p. 589 a 606, 2001.
[10] Cum grano salis: Algo que deve ser
interpretado com ceticismo, não levar ao pé da letra ou literalmente.
[11] SCOTT, E. S.; REPPUCCI, N. D; & ABER, M.
(1988). Children's preference in adjudicated custody decisions.
Georgia Law review. v. 22, p. 1035 a 1050.
[12] SOUZA, Luciano Machado. A atuação do
Ministério Público na gestão de conflitos que envolvam a guarda de filhos de
pais separados. Disponível em:
.
Acesso em: 02 jul. 2012.
[13] Organização das Nações Unidas. Convenção
da ONU sobre os Direitos da Criança (1989). Disponível em: .
Acesso em: 05 jul. 2012.
[14] SOUZA, Luciano Machado. A atuação do
Ministério Público na gestão de conflitos que envolvam a guarda de filhos de
pais separados. Disponível em: .
Acesso em: 02 jul. 2012.
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