“Indiciamento da pessoa jurídica à luz da aplicação
da teoria da dupla imputação nos crimes ambientais
Bruno Fontenele Cabral:
Delegado de Polícia Federal em Brasília (DF).
Elaborado em 11/2012.
É possível o indiciamento da pessoa jurídica sem
que haja o indiciamento de seu representante legal (pessoa física), desde que
seja adotado o entendimento do STF que afasta a aplicação da teoria da dupla
imputação.
Inicialmente, cumpre destacar que o
indiciamento é o ato privativo da autoridade policial que ocorre quando no
curso do inquérito policial surgem indícios da responsabilidade penal do
investigado. O indiciamento é portanto, ato vinculado e privativo da autoridade
policial (poder-dever). Para melhor entendimento do assunto, calha registrar
que o indício pode ser definido como a circunstância conhecida e provada que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de
outras circunstâncias. Dessa forma, o indiciamento deve ser fundamentado e
motivado pela autoridade policial, sob pena de constituir um ato arbitrário
passível de controle judicial. [1]
Assim, o momento do indiciamento
ocorre quando, no transcurso do inquérito policial, a autoridade policial
consegue construir um lastro probatório ou indiciário nos autos que aponte para
a responsabilidade do investigado. Dessa maneira, o delegado de polícia estará
obrigado a proferir despacho fundamentado de indiciação nos autos do inquérito
policial, apontando os pressupostos de fato e de direito e a tipificação do
delito cometido, ou seja, as suas razões de decidir. [2]
Portanto, a fundamentação da decisão de
indiciamento deverá estar de acordo com as provas ou indícios carreados nos
autos do inquérito policial, pois as razões do indiciamento é um direito
subjetivo do indiciado, tendo em vista que o investigado tem o direito de saber
o porquê da determinação de uma medida que altera substancialmente o seu status
na investigação. [3]
Por fim, de acordo com o princípio
constitucional do direito ao silêncio, o indiciado tem o direito de permanecer
calado, o que deverá constar expressamente no auto de qualificação e
interrogatório, devendo a autoridade policial efetivamente informá-lo sobre a
possibilidade de exercê-lo (situação não flagrancial). [4]
Após uma breve introdução do
instituto do indiciamento, é importante destacar que o indiciamento da pessoa
jurídica é um tema pouco desenvolvido pela doutrina. Tal possibilidade de
indiciamento encontra-se intimamente relacionada à aplicação da teoria da dupla
imputação nos casos que envolvem a responsabilidade penal da pessoa jurídica e
de seu responsável legal (pessoa física).
Inicialmente, é oportuno mencionar
que a Constituição Federal de 1988 criou no Brasil a responsabilidade penal da
pessoa jurídica, ao dispor no parágrafo 3º do art. 225 que: “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. [5]
Posteriormente, o disposto no
mencionado § 3º do art. 225 da CF, norma constitucional evidentemente de
eficácia limitada, veio a ganhar aplicabilidade quando foi regulamentado pela
Lei 9.605/98, que no seu artigo 3º, assim estabelece: “Art. 3º: as pessoas
jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme
o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse
ou benefício da sua entidade”. [6]
Questão polêmica que se discute na
doutrina e na jurisprudência está relacionada ao fato da responsabilidade penal
da pessoa jurídica depender, ou não, da responsabilização da pessoa física que
atua em seu nome.
De acordo com a "Teoria da dupla
imputação", a responsabilidade penal da pessoa jurídica só ocorre quando
há, simultaneamente, a imputação do ente moral e da pessoa física que atua em
seu nome ou ainda em seu benefício. [7], [8], [9].
Há de se mencionar que a teoria da
dupla imputação é consagrada no STJ nos seguintes julgados:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE.
DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA
IMPUTAÇÃO. Admite-se a
responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que
haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em
seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender
a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa
física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº
564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005
(Precedentes). Recurso especial provido. (REsp 889528/SC, 5ª Turma,
rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007, v.u., DJ 18/06/2007, p. 303). [10]
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES
CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA
IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO PREJUDICADO.
I - Admite-se a
responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que
haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em
seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender
a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa
física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº
564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005
(Precedentes).
II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa
jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que
teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração
da persecutio criminis in iudicio (Precedentes).
III - Com o
trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia,
resta prejudicado o pedido referente à nulidade da citação. Recurso
provido. (RMS 20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006,
v.u., DJ 14/08/2006,p. 304).[11]
No entanto, o STF, em decisão datada
de 06/09/2011, afastou a necessidade de aplicação da teoria da dupla imputação,
e firmou o entendimento de que é possível a condenação de pessoa jurídica pela
prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física
relativamente ao mesmo delito. Senão vejamos: [12]
“É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime
ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo
delito. (...) Reputou-se que a Constituição
respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para
efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). RE 628582 AgR/RS
rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011.
Tal discussão sobre a aplicação, ou
não, da teoria da dupla imputação é relevante quando se considera o
indiciamento da pessoa jurídica, pois o atual entendimento do STF permite que a
autoridade policial determine o indiciamento da pessoa jurídica, sem que haja o
indiciamento da pessoa física.[13]
Ademais, é importante salientar que o
indiciamento da pessoa jurídica envolve algumas peculiaridades. No que concerne
ao auto de qualificação e interrogatório, via de regra, o ente jurídico será
interrogado por meio da pessoa física de seu representante legal. No entanto, é
perfeitamente cabível a indicação de um preposto, tanto quando este for um
maior conhecedor dos fatos em questão, quanto no caso do representante legal
ser também investigado no mesmo inquérito policial, podendo ocorrer o chamado
conflito de interesses. [14]
Outro ponto fundamental que envolve a
responsabilização penal da pessoa jurídica e seu indiciamento, e talvez o
principal, consiste no aspecto de que o crime tenha sido praticado em prol do
interesse ou benefício da pessoa jurídica. Desse modo, se o dirigente da pessoa
jurídica realizar um ato que em nada interesse ou beneficie a empresa, ainda
que a utilize para seus fins ilícitos, não haverá de se falar na
responsabilização e no indiciamento da pessoa jurídica, mas sim na
responsabilização pessoal e no indiciamento apenas de seu representante legal
(pessoa física).[15]
Ante o exposto, sem a menor pretensão
de se esgotar o presente tema, e considerando a necessidade de maiores estudos
sobre o indiciamento das pessoas jurídicas, conclui-se que:
a) É
possível o indiciamento da pessoa jurídica sem que haja o indiciamento de seu
representante legal (pessoa física), desde que seja adotado o entendimento do
STF que afasta a aplicação da teoria da dupla imputação (vide RE 628582 AgR/RS
Rel. Min. Dias Toffoli).
b) Caso
seja adotado o entendimento consagrado pelo STJ no sentido da aplicação da
teoria da dupla imputação nos casos de responsabilidade penal da pessoa
jurídica, a pessoa jurídica somente poderá ser indiciada se houver o
indiciamento de seu responsável legal (pessoa física)”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. A
teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20659>. Acesso em:
28 nov. 2012.
2. BRASIL. Presidência da República.
Constituição Federal de 1988. Disponível em: ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
>.
Acesso em: 25 nov. 2012.
3. BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. REsp 889528/SC, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007.
DJ 18/06/2007, p. 303. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>.
Acesso em: 28 nov. 2012.
4.BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. RMS 20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006. DJ
14/08/2006, p. 304. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>.
Acesso em: 28 nov. 2012.
5.BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
RE 628582 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>.
Acesso em: 28 nov. 2012.
6. CABRAL, Bruno Fontenele &
SOUZA, Rafael Pinto Marques de. Manual Prático de Polícia Judiciária. Salvador:
Ed. Jus Podivm, 2012.
7. CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões
legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>.
Acesso em: 26 nov. 2012.
8. LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade
Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para
reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade
Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf>.
Acesso em: 26 nov. 2012.
9. Ministério Público do Estado do
Rio Grande do Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos
crimes ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>.
Acesso em: 25 nov. 2012.
10. THOMÉ, Romeu. Manual de Direito
Ambiental. Juspodivm, 1ª edição. Salvador: 2011.
NOTAS:
[1] CABRAL, Bruno Fontenele & SOUZA, Rafael
Pinto Marques de. Manual Prático de Polícia Judiciária. Salvador: Ed. Jus
Podivm, 2012.
[2] CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões
legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>.
Acesso em: 26 nov. 2012.
[3] CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões
legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>.
Acesso em: 26 nov. 2012.
[4] CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões
legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>.
Acesso em: 26 nov. 2012.
[5] BRASIL. Presidência da República.
Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 25 nov. 2012.
[6] BRASIL. Presidência da República.
Constituição Federal de 1988. Disponível em: ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
>.
Acesso em: 25 nov. 2012.
[7] LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade
Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia
apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público –
SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf>.
Acesso em: 26 nov. 2012.
[8] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental.
Juspodivm, 1ª edição. Salvador: 2011. P. 589/591.
[9] BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. A
teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20659>. Acesso em:
28 nov. 2012.
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp
889528/SC, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007. DJ 18/06/2007,
p. 303. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em:
28 nov. 2012.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS
20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006. DJ 14/08/2006, p.
304. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso
em: 28 nov. 2012.
[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 628582
AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>.
Acesso em: 28 nov. 2012.
[13] Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes
ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>.
Acesso em: 25 nov. 2012.
[14] Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes
ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>.
Acesso em: 25 nov. 2012.
[15] Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes
ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>.
Acesso em: 25 nov. 2012”.
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