A
Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) é uma das grandes
conquistas sociais na luta pela moralidade na administração pública.
Desde que foi editada, em 1992, vem sendo utilizada como meio de limitar
a ação dos maus gestores. Para o STJ, entretanto, não se pode punir
além do que permite o bom direito. As sanções aplicadas devem estar
atreladas ao princípio da proporcionalidade.
Esse
princípio tem seu desenvolvimento ligado à evolução dos direitos e
garantias individuais. Ele garante a proibição do excesso e exige a
adequação da medida aplicada. De acordo com Roberto Rosas, no estudo
Sigilo Fiscal e o Devido Processo Legal, o princípio da
proporcionalidade pode ser entendido como o próprio estado de direito,
que se vai desdobrar em vários aspectos e requisitos.
A
solução adotada para efetivação da medida deve estar de acordo com os
fins que justificam sua adoção. “É o meio e fim”, afirma Rosas.
No
que se refere à Lei de Improbidade, de acordo com a jurisprudência do
STJ, cabe ao magistrado dosar as sanções de acordo com a natureza,
gravidade e consequências do ato ímprobo. É indispensável, sob pena de
nulidade, a indicação das razões para a aplicação de cada uma das
sanções, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade (REsp 658.389).
Premissa
O
objetivo da lei é punir os maus gestores. Mas para configurar a
conduta, o STJ considerou que a má-fé é premissa básica do ato ilegal e
ímprobo. Em um julgamento em que se avaliava o enquadramento na lei pela
doação de medicamentos e produtos farmacêuticos entre prefeitos, sem
observância das normas legais, os ministros entenderam que não se deve
tachar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de
correção administrativa.
No
caso analisado pelo Tribunal, o município de Avanhandava (SP) enfrentou
surto epidêmico pela contaminação da merenda escolar. O município foi
ajudado pela prefeitura de Diadema, que doou medicamentos e produtos
farmacêuticos, sem autorização legislativa.
O
Ministério Público de São Paulo pediu inicialmente o enquadramento do
prefeito de Diadema, do ex-prefeito de Avanhandava e da então secretária
de saúde no artigo 10 da Lei de Improbidade, com o argumento de que a
conduta causou prejuízo ao erário. O tribunal local tipificou a conduta
no artigo 11, com a justificativa de que a conduta feriu os princípios
da administração pública (REsp 480.387).
O
STJ reafirmou o entendimento de que a ilegalidade só adquire status de
improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios
constitucionais da administração pública coadjuvados pela má-fé. No
caso, não houve má-fé, e por isso não houve condenação.
Dosimetria da pena
Os
atos de improbidade estão enumerados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei
8.429. Na lei, estão dispostos em três blocos, que tipificam aqueles que
importam enriquecimento ilícito, aqueles que causam prejuízo ao erário e
aqueles que atentam contra os princípios da administração pública.
As
sanções estão arroladas nos incisos de I a III do artigo 12. Entre
elas, estão previstas a suspensão de direitos políticos, que pode variar
de três a dez anos; a perda da função pública, o pagamento de multa, o
ressarcimento ao erário e a proibição de contratar com o poder público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais pelo prazo de três a dez
anos, dependendo do enquadramento da conduta.
O
STJ tem o entendimento de que as penas previstas no artigo 12 não são
cumulativas, ficando a critério do magistrado a sua dosimetria. Esse
entendimento vigora mesmo antes do advento da Lei 12.120/09, que alterou
o caput desse artigo da Lei 8.429 para estabelecer que as penas possam
ser aplicadas isoladamente.
Diz
o artigo 12, em sua nova redação, que o responsável pelo ato de
improbidade, independentemente das sanções penais, civis e
administrativas previstas em legislação específica, está sujeito a
diversas cominações, que podem ser aplicadas “isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”.
À época do julgamento do REsp 534.575, em 2004, e antes da Lei 12.120, a
ministra Eliana Calmon apontava que era insatisfatória a organização do
sistema sancionatório da Lei 8.429, por ter agrupado, em uma mesma
categoria, infrações de gravidade variável, em blocos fechados de
sanções que não obedeciam a um critério adequado (REsp 534.575).
No artigo 21, a
alteração da Lei 12.120 fez constar que a aplicação das sanções
previstas independe da ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo
quanto à pena de ressarcimento; e da aprovação ou rejeição das contas
pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.
Ação especialíssima
A
ação de improbidade é instrumento em que se busca responsabilização.
Segundo o ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal), em um
dos seus julgados, a ação tem natureza especialíssima, qualificada pela
singularidade do seu objeto, que é aplicar penalidade a administradores
ímprobos e outras pessoas, físicas ou jurídicas, que com eles se
acumpliciam.
Na
prática, trata-se de ação de caráter repressivo, semelhante à ação
penal e diferente de outras ações com matriz constitucional, como a ação
popular, cujo objetivo é desconstituir um ato lesivo, ou a ação civil
pública, para a tutela do patrimônio público, cujo objeto é de natureza
preventiva, desconstitutiva ou reparatória (REsp 827.445).
Relativamente
à aplicação das sanções, o STJ tem entendimento de que, não havendo
enriquecimento ilícito nem prejuízo ao erário, mas apenas inabilidade do
administrador, não são cabíveis as punições previstas na Lei de
Improbidade, que, segundo a jurisprudência, alcança o administrador
desonesto, não o inábil (REsp 213.994).
Para
o STJ, ato administrativo ilegal só configura improbidade quando revela
indícios de má-fé ou dolo do agente. No julgamento de um recurso, a
Segunda Turma não reconheceu ilicitude em ação movida contra ex-prefeita
de São João do Oriente, pequeno município localizado no leste de Minas
Gerais, que se esqueceu de prestar contas das três últimas parcelas de
um convênio - firmado com o governo estadual - para a construção de
escola (REsp 1.140.544).
A
ex-prefeita foi acusada de causar prejuízo ao município por meio de
conduta omissiva. A irregularidade fez com que o município fosse
inscrito no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do
governo federal, o que causou restrições à assinatura de novos
convênios.
Ao
julgar a matéria no STJ, a ministra Eliana Calmon alertou para o texto
literal do artigo 11, inciso VI, da Lei 8.429, que dispõe que constitui
ato de improbidade deixar de prestar contas quando o agente público
estiver obrigado a fazê-lo. No entanto, a simples ausência dessa
prestação não impõe a condenação do agente, se não vier acompanhada da
“comprovação de elemento subjetivo, a título de dolo genérico” - ou
seja, se não forem demonstrados indícios de má-fé.
Prejuízos ao erário
O
entendimento da Corte é que a aplicação das penalidades previstas no
artigo 12 exige que o magistrado considere, no caso concreto, a extensão
do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
“Assim,
é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à
gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais
não devem ser aplicadas, indistintamente, de maneira cumulativa”,
destacou no julgamento de um recurso o ministro Luiz Fux (REsp 713.537)
Não retroage
O
STJ firmou jurisprudência no sentido de que a Lei de Improbidade não
retroage nem para efeitos de ressarcimento ao erário. A Segunda Turma
rejeitou recurso do Ministério Público Federal em ação contra o
ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello.
O
órgão ministerial pedia a condenação do ex-presidente a reparar
supostos danos ao erário causados por atos cometidos antes da vigência
da lei, mas após a promulgação da Constituição de 1988.
Por
maioria, a Turma, seguindo o voto do ministro Castro Meira, entendeu
que a Lei de Improbidade não pode ser aplicada retroativamente para
alcançar fatos anteriores à sua vigência.
O
ministro Humberto Martins, que acompanhou essa posição, destacou em seu
voto-vista que, para os fatos ocorridos antes da entrada em vigor da
lei, é possível o ajuizamento de ação visando ao ressarcimento de
prejuízos causados ao erário, mas a ação deve ser baseada no Código
Civil de 1916 ou qualquer outra legislação especial que estivesse em
vigor à época (REsp 1.129.121).
A
regra é que uma lei disciplina os fatos futuros e não os pretéritos,
salvo se expressamente dispuser em sentido contrário, não podendo, de
forma alguma e sob nenhum pretexto, retroagir para prejudicar direitos e
impor sanções.
Processos
relacionados: REsp 658389, REsp 480387, REsp 534575, REsp 827445, REsp
213994, REsp 1140544, REsp 713537 e REsp 1129121
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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