CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.2019.

As Principais Alterações no Novo Código de Ética Médica Brasileiro.

A preocupação com a saúde é uma função primordial do ser humano.[1] Historicamente, essa função manifestou-se intrinsecamente relacionada a um complexo aspecto cultural ligado não apenas à compreensão do que é doença, mas também do que é saúde, cuidado, tratamento, cura e, mais recentemente, humanização da relação histórica que há entre médico e paciente, bem como respeito às autonomias presentes e proteção das vulnerabilidades expressas ou não – e, aqui, refiro-me não apenas à vulnerabilidade do paciente, mas também a do médico.[2]
Diante da complexidade que essa relação primordial à natureza humana pode assumir, desde a formulação da ciência médica como a conhecemos no mundo ocidental há uma inerente preocupação com o aspecto ético com o seu comprometimento com a busca pela saúde e cura, com sua conduta perante o paciente, seus colegas e a sociedade, entre outros aspectos.
Neste contexto é que o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM 2.217/2018 no Diário Oficial de 1.º de novembro de 2018 que estabelece o novo Código de Ética Médico (CEM), trazendo inovações que levaram em conta as “as propostas formuladas ao longo dos anos de 2016 a 2018 e pelos Conselhos Regionais de Medicina, pelas entidades médicas, pelos médicos e por instituições científicas e universitárias”.
O novo Código mantém substancialmente o texto do Código de 2009, com alguns importantes avanços inclusos de forma pontual, representando importante avanço para compreender a conduta eticamente esperada na prática médica brasileira em situações complexas e cotidianas. O novo Código entrará em vigor 180 dias após a data de sua publicação, ou seja, em 1.º de maio de 2019.
Considerando isso, o presente artigo analisará pontualmente algumas das principais alterações no novo Código de Ética Médica.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Na lista dos princípios fundamentais, o novo CEM acrescentou um novo princípio aos demais 25 que já constavam no CEM/2009:
XXVI – A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados.
O dever do médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade já estava previsto desde o CEM/2009 no Inciso V do rol de Princípios Fundamentais e foi repetido no CEM/2018. Ao trazer esse novo princípio, não se quer reafirmar a previsão afirmativa do uso do desenvolvimento científico pelo médico, mas estabelecer que o exercício da medicina possui uma “reserva do possível”, ou seja, embora o estado da arte científica médica possa estar em um estágio significativamente avançado em algum lugar de desenvolvimento científico, não representa uma obrigação ao exercício da medicina utilizá-lo, pois a disponibilidade representa uma reserva de possibilidade.
Vê-se aqui a manifesta existência de uma obrigação de exercício da “melhor medicina disponível e possível”, e não de uma medicina utópica quanto aos meios técnicos e científicos disponíveis. E, se a previsão de atualização do conhecimento permanece e o novo princípio manifesta-se acerca da possibilidade, há um mínimo necessário de garantia de técnica médica que precisa ser respeitado em proteção à saúde do paciente e da dignidade da atividade médica, conforme se depreende dos direitos dos médicos constantes nos incisos V e VI.[3]
O novo princípio também estabelece preocupação com o resultado dos meios técnicos e científicos disponíveis, devendo a prática da medicina se pautar pelos melhores resultados. Tal formulação não apenas é um desdobramento das diversas preocupações com a máxima bioética de beneficência[4], como também reafirma o estabelecido no artigo 4.º da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos[5]. Assim, dentre os meios técnicos e o conhecimento científico disponível à aplicação, é necessário considerar os possíveis resultados para justificar a escolha.
DIREITOS DOS MÉDICOS
Duas inovações marcam o rol do direito dos médicos.
A primeira diz respeito ao trabalho e exercício da medicina em condições que não sejam dignas do exercício da profissão ou que possam prejudicar o paciente, o médico ou terceiros.
Substancialmente, o conteúdo normativo está preservado, como se pode ver pela comparação adiante, sendo alterado apenas a comunicação que deve ser feita da análise de falhas no sistema de saúde disponível ao paciente e que se espera seja exercido pelo médico, bem como do exercício do direito à recusa de atendimento em casos onde a condição de trabalho não sejam dignas e possam oferecer risco à saúde dos envolvidos.
CEM 2009CEM 2018
III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as  julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.
IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente  sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina.IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho   não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais.   Nesse caso, comunicará  com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.

A alteração do dever de comunicação ao Comitê de Ética da instituição para uma condição (“quando houver”) é um reconhecimento de que a cultura dos comitês de ética ainda não está profundamente desenvolvida, como se gostaria seja para resolver de litígios como melhor proteger o desenvolvimento da relação médico-paciente.
Vale ressaltar a inclusão da figura do Diretor Técnico como um dos destinatários da notificação de recusa de exercício da profissão quando as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Tal conduta permite cientificação célere dos órgãos administrativos das instituições pública ou privada de saúde, que terão a oportunidade de avaliar soluções para suprir tal condição denunciada, preparar-se tecnicamente para responder a avaliações e fiscalizações que ocorrerão após a denúncia além de se prevenirem das consequências jurídicas de prestação de atendimento à saúde indigna, insuficiente e/ou antiética.
A segunda alteração importante se encontra no inciso XI, que trouxe como um Direito do Médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado.
Tal inclusão caminha em consonância com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2008) e sua incorporação por meio do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). As alterações normativas propostas por tais diplomas, além da humanização e afirmação de direitos básicos fundamentais das pessoas com deficiência, refletem a mudança da compreensão do que é a deficiência, saindo do modelo técnico para o modelo social, ou seja, o entendimento de que o fator limitador é o meio em que a pessoa está inserida, e não a deficiência em si, pois as diversas formas de impedimentos experimentadas pelo ser humano passam a ser consideradas como características inerentes à diversidade humana.[6]
Assim, o exercício da profissão pelo médico não poderá sofrer qualquer discriminação caso o profissional conviva com alguma condição que lhe cause alguma restrição pelo meio em que se encontra – reitera-se: a deficiência não é do indivíduo, mas sim do meio que não lhe é suficientemente acessível.[7]
Nesse aspecto, o CFM poderá avançar ainda mais estabelecendo políticas de fomento de meios de acessibilidade que diminuam ou eliminem as restrições que o meio implique ao médico no exercício da medicina. É de se exaltar o avanço feito com a inclusão desse inciso que expressa melhor o que já estava no inciso I[8].
Também é importante ressaltar que, embora o CEM/2018 vá entrar em vigor apenas em maio de 2019, a interpretação do Código atual deve ser feita à luz da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificado pelo Congresso e, por se tratar de Tratado Internacional de Direitos Humanos, ingressa no ordenamento com natureza de norma Constitucional – e o CEM deve ser interpretado à luz da Constituição Federal.
DIREITOS HUMANOS
No Capítulo IV, referente aos Direitos Humanos, acrescentou-se o parágrafo único ao Art. 23, passando a ficar com a seguinte redação:
“É vedado ao médico:
(…)
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Parágrafo único. O médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade.”
A inovação está em estabelecer uma previsão de conduta com cláusulas abertas, ou seja, é necessário interpretar na prática o que seria a conduta que carregaria consigo respeito, consideração e solidariedade. Se, por um lado, gera a insegurança de não estar expressamente estabelecido o que se espera da relação entre colegas, por outro lado permite que a moralidade corporativa atualize automaticamente a forma de se interpretar os axiomas que regem a relação, não dependendo de reformas no Código.
É curioso observar que tenha sido incluso no capítulo de Direitos Humanos, e não no de Responsabilidade Profissional. Embora seja um detalhe simbólico, o que se ressalta é que a boa conduta entre colegas não é apenas um dever do médico, mas também uma contribuição para o desenvolvimento da humanização da saúde e da consolidação dos direitos humanos do paciente.
No próximo artigo, analisaremos as principais alterações no CEM/2018 que aconteceram relativas à relação do médico com o paciente e seus familiares.1


RELAÇÃO COM PACIENTES E SIMILARES
A primeira alteração no sensível tópico que trata da relação de pacientes e similares ocorre no art. 32. Uma sutil alteração promove uma grande mudança no paradigma proposto para o exercício da medicina, ao propor que é vedado ao médico “deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e ao seu alcance, em favor do paciente” (grifamos as alterações). Note-se que a alteração enfatiza que o dever do médico não se encontra apenas no diagnóstico e tratamento, mas também na promoção de saúde e sua prevenção. Quando se fala em promoção, refere-se à conscientização, um ato proativo do médico de intervir quando vê uma condição que não condiga com a condição de manutenção da saúde. Já a prevençãoestabelece a condição de que o médico não é apenas um agente de combate à patologia, mas também inclui em suas atenções a prevenção ativa de doenças.
Outra alteração se encontra no art. 36[3], em especial no § 2.º. A primeira alteração é uma adequação linguística que, embora possa soar simbólica, está repleta de significado: em vez de se referir ao paciente como “portador de moléstia crônica ou incurável”, fala em “por este ter doença crônica ou incurável”. Nesse sutil detalhe se esconde uma profunda compreensão do que é a doença crônica ou incurável, pois, quando se refere à portar, está-se valendo se uma ação que designa transitoriedade, como se tais doenças fossem transitórias e curáveis, que é uma questão de obstinação terapêutica até que se encontre a cura quando, na verdade, se trata de uma condição cujo conhecimento científico ainda não encontrou respostas, sendo necessário adequar as condições existenciais do ambiente e do paciente para melhor adequação de seu bem estar (físico, psíquico e espiritual).
É disso que decorre a alteração final do § 2.º do art. 36, ao dizer que continuará a assisti-lo e a propiciar-lhe os cuidados necessários, inclusive os paliativos” (grifamos os acréscimos). O que se propõe com tal alteração é demonstrar que os cuidados paliativos não são uma medida extrema, mas sim que é um recurso ordinário e válido, devendo ser utilizados quando necessário, pois os cuidados paliativos são a intervenção médica utilizada em situação de ortotanásia – diferente do equívoco recorrente de compreensão que costuma-se ocorrer entre pesquisadores e aplicadores do Direito.[4] Uma mudança como tal, no Código de Ética Médica, começa a demonstrar a consolidação de uma nova cultura em relação à presença da terminalidade de vida como uma condição que necessita igualmente ser humanizada e acompanhada pelo ato médico, não resistida e postergada pela obstinação terapêutica, mas sim compatibilizada enquanto continuação e parte dos cuidados necessários.
Outra importante alteração se encontra no art. 37, que causou bastante polêmica por tratar do atendimento médico à distância com a seguinte vedação:
Art. 37 Prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa.
§1º O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina.
§2º Ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina.
(grifamos as alterações)
Como se percebe, não se impede o atendimento emergencial de um paciente pelo whatsapp ou outros aplicativos, como sói acontecer, até porque historicamente isso também era feito por uma ligação (quando ainda se usava o telefone para ligar). O que há é uma obrigação clara de confirmar os dados informados pelo paciente, bem como ratificar ou retificar o diagnóstico e prescrições. A vedação que vem ao final do caput, “diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa” não se refere à consultas à distância, mas sim à utilização de canais de comunicação que atinjam difusamente receptores leigos contendo informações para autodiagnostico e consequentes prescrições. É o caso de algum artigo médico em um site que diga: se você tiver estes sintomas, tome tal remédio. O “meio de comunicação de massa”, ao qual se refere essa vedação, são meios de canais que tenha um receptor difuso, não diz respeito aos meios de comunicação que são usados por um grande número de pessoas que tenha receptor definido.
Reiterou-se, no § 1.º, a possibilidade da telemedicina, a ser regulamentada pelo CFM posteriormente. Uma tentativa ocorreu logo após a divulgação do novo Código de Ética Médica, com a Resolução 2.227/2018. Todavia, tamanha foi a repercussão e críticas que os conselheiros efetivos do CFM decidiram revogar a resolução menos de um mês após a sua publicação devido às críticas e ao alto número de contribuições de alterações. Assim, as boas práticas realizadas até o momento, em conformidade com os princípios gerais do Código, permanecem até que nova Resolução venha informando os critérios a se observar.
Também acrescentou-se o parágrafo segundo, que traz como conduta ética a observância às normas específicas sobre comunicação social. É o caso das Resoluções 1.974/2011, 2.126/2016 e 2133/2015, que estabelecem critérios para a relação dos médicos com a imprensa, utilização de redes sociais e participação em eventos, divulgação de assuntos médicos, sensacionalismo, autopromoção e afins.
DOCUMENTOS MÉDICOS
No que diz respeito à documentação médica, tivemos algumas importantes alterações.
A primeira delas está no art. 87, que acrescentou o § 3.º:
Art. 87 Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
§1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.
§2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.
§3º Cabe ao médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário de alta ao paciente ou, na sua impossibilidade, ao seu representante legal. (grifamos os acréscimos)
Cria-se, com isso, a obrigação de um relatório contendo resumo das principais informações do quadro do paciente acerca e de sua condição de alta. É um documento distinto do próprio prontuário, que fica guardado pelo médico ou pela instituição que assiste ao paciente. O sumário de alta apresenta não apenas informação compreensível pelo paciente ou seu representante legal, como também registra para futura análise as condições em que se encontrava o paciente quando teve alta. Informações mais detalhadas e técnicas devem ser obtidas no prontuário.
Também alterou-se o sigilo dos documentos médicos, deixando mais claro quais os limites do sigilo. Acreditava-se, vulgarmente, que o sigilo médico seria um direito absoluto, causando estranheza ou dúvidas quando judicialmente solicitava-se informações protegidas pelo sigilo. Para tanto, o art. 89 deixa expresso que é vedado liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa em juízo por questões de responsabilização jurídica (cível, criminal ou administrativo-ética). É possível também liberar cópias do prontuário quando autorizado por escrito pelo paciente, que poderá estabelecer as condições de liberação (estudos científicos, biógrafos, familiares etc.)
ENSINO E PESQUISA MÉDICA
Três importantes alterações ocorrem no âmbito da ética prevista ao ensino e pesquisa médica.
A primeira e a segunda ocorrem no art. 101:
Art. 101 Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.
§1º No caso de o paciente participante de pesquisa ser criança, adolescente, pessoa com transtorno ou doença mental, em situação de diminuição de sua capacidade de discernir, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão.
§2º O acesso aos prontuários será permitido aos médicos, em estudos retrospectivos com questões metodológicas justificáveis e autorizados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
No § 1.º, temos a alteração do termo “menor de idade” por criança, adolescente, pessoa com transtorno ou doença mental, em situação de diminuição de sua capacidade de discernir. Em termos práticos, a diferença se encontra na inclusão de pessoas com transtorno ou doença mental, ou em situação de diminuição de sua capacidade de discernir, vez que criança e adolescente já era previsto pelo Código anterior. No novo Código, pede-se que essas pessoas tenham o consentimento do representante legal, bem como o assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão. Tal medida faz sentido quando estamos falando de menores de idade, todavia, após a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, temos uma significativa alteração no estatuto da capacidade civil, de modo que a curatela (o tal do “representante legal”) passa a ser medida extraordinária. Antes disso, a capacidade legal será exercida em igualdade de condições às demais pessoas (art.  84, caput, da Lei citada), ou por meio do processo de tomada de decisão apoiada (art. 84, § 2.º, da Lei citada). Acreditamos, por isso, que o novo Código poderia também ter avançado com a legislação pátria para melhor se adequar a tais inovações, prevenindo potenciais conflitos ou dúvidas que a prática cotidiana apresentará.
O § 2.º do art. 101, por sua vez, é uma inovação do atual Código que vem em muito boa hora. Uma vez que autorizado pelo sistema CEP/CONEP, a pesquisa científica posterior poderá acessar prontuários médicos anteriores, mesmo sem a autorização prévia do paciente, e especialmente respeitadas as novas diretrizes da nova Lei Geral de Proteção de Dados. Ou seja, preservada a identidade do indivíduo quanto aos seus dados pessoais, pode-se valer de banco de dados de prontuários para fazer levantamento de dados cientificamente relevantes, mormente no âmbito de pesquisas genéticas e outras
A terceira mudança se encontra no art. 106, mantendo substancialmente o entendimento do Código anterior quanto ao uso do placebo em pesquisas científicas. A alteração se encontra na vedação ao uso isolado de placebo na pesquisa médica, quando há método profilático ou terapêutico eficaz. Embora pareça uma pequena mudança, torna-se antiética condutas de abuso de pesquisa científica por médicos que historicamente aconteceram e chocaram a humanidade. Nisso saudamos o avanço do Código, dialogando com a Bioética para prevenir o contexto de abusos científicos que marca o século XX.
PUBLICIDADE MÉDICA
Por fim, a última alteração se encontra no art. 117, que diz respeito a publicidade médica:
Art. 117: Deixar de incluir, em anúncios profissionais de qualquer ordem, seu nome, seu número no Conselho Regional de Medicina, com o estado da Federação no qual foi inscrito e Registro de Qualificação de Especialista (RQE) quando anunciar a especialidade.
Parágrafo único. Nos anúncios de estabelecimentos de saúde, devem constar o nome e o número de registro, no Conselho Regional de Medicina, do diretor técnico. (grifamos as inclusões)
Tal alteração visa fortalecer a figura do registro de qualificação de especialista na associação científica responsável por tal, visando coibir a prática de apresentar-se como “especialista” sem o ser devidamente reconhecido pela associação responsável pelo fornecimento do devido título que reconhece a capacidade técnica especializada. Veda-se, assim, a divulgação de atuação especializada sem que tenha o devido registro de especialista, protegendo pacientes e sociedade de pseudo-especialistas.
Por fim, com muitas virtudes, saudamos o novo Código, esperando que seja interpretado à luz da Constituição e com os preceitos da Bioética, para que possa guiar e orientar médicos, pacientes e sociedade em tempos de conhecimento galopante e de relações complexas e líquidas.
Embora alguns tenham entendido que o novo Código entrará em vigor no dia 30 de abril, a interpretação correta é dia 1.º de maio. Isso porque o Código foi publicado no dia 1.º de Novembro de 2018 e, conforme o art. 3.º da Resolução 2.217/2018, entrará em vigor cento e oitenta dias após a publicação. Certo é que, contando 180 dias à partir de 1.º de novembro, teremos 30 de abril. Ocorre que, nos termos do art. 8.º, § 1.º, da Lei Complementar 95/1998: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.”
Assim, embora não estejamos diante de uma lei, propriamente dita, mas de uma Resolução que produz efeitos jurídicos perante as partes ao qual incide, deve-se manter a segurança jurídica de todos os interessados e, para tanto, deve-se também considerar o mesmo parâmetro de contagem de prazos de vacância normativa.2

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