“A Prisão Preventiva gera direito à indenização em caso de arquivamento do inquérito policial ou de absolvição na ação penal?

Uma questão bastante controvertida acerca da prisão preventiva é a possibilidade de se exigir judicialmente do Estado uma indenização pelo lapso temporal em que o indiciado ou o acusado passou preso preventivamente e, ao final, teve o seu inquérito policial arquivado ou foi absolvido em ação penal.

Analisando o tema, os tribunais brasileiros têm entendido que o fato de o inquérito policial ter sido arquivado ou de ter sido prolatada absolvição em ação penal, mesmo que, durante o trâmite, indiciado ou acusado tenham sido custodiados cautelarmente, não gera para estes, de per si, o direito de receber indenização, porquanto o Estado, no exercício do jus puniendi, consubstanciado através do devido processo legal, exerce um ato de soberania.

Necessário pontuar que o Estado não pode, através desses atos de persecução criminal, agir de forma arbitrária, ou seja, o poder de polícia deve ser exercido de maneira regular. Assim, havendo qualquer tipo de ilegalidade ou irregularidade no ato que impõe, ou pretende impor, restrições à liberdade de locomoção de qualquer pessoa, pode ela se socorrer, por exemplo, do habeas corpus.

Tal ação constitucional serve justamente para coibir abusos do Estado quando do exercício do seu direito de punir, mas a própria Constituição Federal, ao lado da referida garantia e de outras, como a presunção de violência, possibilita ao Estado, no curso de uma ação penal ou de um inquérito policial, ou até mesmo na ausência deste, impor restrições à liberdade de locomoção de uma pessoa.

Nessa esteira, prevê o Código de Processo Penal que se poderá decretar a prisão preventiva como maneira de garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que exista prova da materialidade do crime e indício suficiente de autoria, dentre outros requisitos.

Dessa forma, se a decisão que determinar a custódia preventiva de uma pessoa obedecer aos requisitos legais e constitucionais, estando bem fundamentada, não surgirá para o preso provisório o direito de ser indenizado, mesmo que o seu inquérito policial seja arquivado ou, ao final da ação penal, que seja absolvido das acusações que lhe foram imputadas.

Compreender de forma diversa seria o mesmo que inviabilizar a persecutio criminis até mesmo por parte do Ministério Público, tendo em vista que a propositura de uma ação penal poderia significar constrangimento passível de ser indenizado, equiparando-se, assim, à “Lei da Mordaça”.

Neste viés, mostra-se bastante valioso averiguar na Constituição Federal a responsabilidade civil do Estado decorrente de ato judiciário, na qual sobressaem duas normas. A primeira delas, regra geral sobre a responsabilidade da Administração, encontra-se no art. 37, § 6º, e estabelece que:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Consagrou-se, assim, a teoria do risco administrativo, segundo o qual a Administração Pública, em decorrência das atividades que desenvolve em prol da coletividade, gera riscos para os administrados, razão pela qual os danos que causar aos particulares devem ser indenizados por esta mesma coletividade que se beneficia dos serviços públicos.

Diante desta norma, tratando de modalidade de responsabilidade objetiva, não se discute acerca de culpa ou dolo do agente público, exigindo-se exclusivamente que o particular experimente um dano e que entre o dano e a atividade estatal exista um nexo de causalidade.

A segunda delas, prevista no art. 5º, inciso LXXV, prescreve que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”, a qual é específica em relação a atos jurisdicionais e estabelece, portanto, os limites da responsabilidade do Estado por erros judiciários.

A questão sob foco diz respeito unicamente à possibilidade de o Estado ser responsabilizado pelo tempo em que o indiciado ou o acusado passou preso preventivamente, sendo obrigado a indenizá-lo, ou seja, refere-se somente ao erro judiciário, até mesmo porque se o inquérito policial foi arquivado ou ainda se aquele foi absolvido, não se trata de prisão por tempo superior à sentença.

Com isso, chega-se à conclusão de que, para que exista o dever de indenizar, é necessário que se prove que a decretação da prisão preventiva tenha decorrido de ilegalidade, de abuso de poder ou, de maneira ampla, de erro judiciário, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 220.982/RS, de relatoria do Ministro José Delgado, cuja ementa parcial segue abaixo.

1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. 3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV, da CF. 6. Recurso especial provido. (julgado em 22/02/2000; 1ª Turma)

Essa é a inteligência, também, do Supremo Tribunal Federal:

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO (CF, ART. 37, § 6º)- CONFIGURAÇÃO - "BAR BODEGA" - DECRETAÇÃO DE PRISÃO CAUTELAR, QUE SE RECONHECEU INDEVIDA, CONTRA PESSOA QUE FOI SUBMETIDA A INVESTIGAÇÃO PENAL PELO PODER PÚBLICO - ADOÇÃO DESSA MEDIDA DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE CONTRA QUEM NÃO TEVE QUALQUER PARTICIPAÇÃO OU ENVOLVIMENTO COM O FATO CRIMINOSO - INADMISSIBILIDADE DESSE COMPORTAMENTO IMPUTÁVEL AO APARELHO DE ESTADO - PERDA DO EMPREGO COMO DIRETA CONSEQÜÊNCIA DA INDEVIDA PRISÃO PREVENTIVA - RECONHECIMENTO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE QUE SE ACHAM PRESENTES TODOS OS ELEMENTOS IDENTIFICADORES DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO - NÃO-COMPROVAÇÃO, PELO ESTADO DE SÃO PAULO, DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - CARÁTER SOBERANO DA DECISÃO LOCAL, QUE, PROFERIDA EM SEDE RECURSAL ORDINÁRIA, RECONHECEU, COM APOIO NO EXAME DOS FATOS E PROVAS, A INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA (SÚMULA 279/STF)- DOUTRINA E PRECEDENTES EM TEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (AgRg no RE nº 385.943/SP, relator Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, julgado em 15/12/2009)

Dessa forma, vê-se a evolução do pensamento jurídico atual no que concerne à indenização decorrente de prisão ilegal. Todavia, com o registro de que o fato de o inquérito policial ter sido arquivado ou de o acusado ter sido, ao fim da ação penal, absolvido, não implica, de per si, em indenização por parte do Estado”.

André Gonzalez Cruz
Mestre em Políticas Públicas pela UFMA. Doutorando em Direito pela UNLZ. Especialista em Ciências Criminais pela UGF. Especialista em Ciências Criminais pela ESMP/MA. Bacharel em Direito pela UFMA.

Acesso: 11/04/2015

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