Hoje, falamos de uma violência muitas vezes invisibilizada, mas profundamente sentida: a aporofobia — o preconceito contra os pobres. Uma forma de violência desmistificada, sutil e cotidiana, que fere diretamente os princípios mais basilares da convivência humana e dos direitos fundamentais.
No Brasil, essa violência não apenas divide a sociedade — ela a estrutura. A pobreza, aqui, não é uma condição neutra. Ela tem cor, endereço, sotaque. Ela carrega estigmas. Como nos alerta o professor James Moura, “essa pobreza tem uma cara” — ela é negra, periférica, feminina.
Ela não se expressa apenas em ausência de renda, mas em marcas simbólicas que pesam sobre os corpos e os modos de vida.
É o “jeito de pobre” que muitos aprendem a rejeitar — o jeito de andar, de vestir, de morar, de falar, de ouvir.
E essa rejeição vai além da roupa ou do endereço.
Ela se manifesta até na cor e na textura do cabelo — dos cachos volumosos ao liso sem química, há uma vigilância estética que tenta enquadrar as pessoas em um ideal de respeitabilidade ligado ao poder aquisitivo.
São marcas que transcendem a ideia de riqueza, mas que, na prática, determinam quem é aceito ou excluído nos espaços sociais.
E quando essa mulher é negra, considerada feia segundo os padrões impostos, e ainda envelhece, ela deixa de existir para a sociedade — torna-se invisível, descartada, como se não fosse mais sujeito de direitos, mas apenas um corpo ignorado por estruturas que insistem em hierarquizar vidas.
Essa rejeição se transforma em exclusão. E essa exclusão fere. Ela marginaliza, desumaniza e afasta essas pessoas dos espaços de poder e decisão. Ela nega dignidade à existência concreta e cotidiana. E isso é mais do que injusto — é inconstitucional.
A aporofobia, quando se manifesta por meio de atos discriminatórios, não pode ser encarada como mera opinião ou gosto pessoal. Trata-se de uma violação dos direitos humanos e, no contexto brasileiro, uma afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
Por isso, é fundamental afirmar que condutas aporofóbicas são passíveis de responsabilização civil. Elas geram dano não apenas patrimonial, mas também moral — e este, por vezes, ainda mais profundo, por deixar marcas invisíveis e duradouras.
A Justiça deve acolher essas demandas com seriedade, reconhecendo o sofrimento causado por essas agressões simbólicas, verbais e institucionais.
E é nosso dever, como advogadas e advogados, ajuizar essas ações de reparação, para demonstrar à sociedade o absoluto desapreço por esse tipo de conduta.
Devemos ser agentes modificadores da realidade social, utilizando o direito não apenas como escudo, mas como instrumento de transformação.
A ação civil por danos morais, nesse contexto, pode não apagar a dor do preconceito, mas reconhecê-la e repará-la publicamente, reafirmando a centralidade da dignidade na vida de cada pessoa.
É hora de enfrentarmos esse tipo de preconceito com a mesma firmeza com que enfrentamos o racismo, a homofobia, a misoginia. Porque a aporofobia mata! Ela mata sonhos, oportunidades, acessos.
E, por isso, ações reparatórias precisam ser ajuizadas, não apenas para ressarcir o dano, mas para inibir a repetição dessa conduta perversa na sociedade.
A pobreza não deve ser motivo de vergonha, exclusão ou julgamento. Ela deve ser combatida, sim — mas com políticas públicas, inclusão, respeito e equidade.
Não com estigma. Não com violência.
Que sejamos agentes da reparação, da escuta e da mudança.
Marcia Cristina Diniz Fabro
Advogada.
MBA em Direito de Família.
Especialista em Direito Civil e Direito do Consumidor
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