Mães do Cárcere



Veículo: DPESP
Data: 23/10/2012

“A Defensoria Pública de SP, com apoio da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SAP) e da Pastoral Carcerária, desenvolve o projeto “Mães do Cárcere”, que pretende identificar e atender mães e gestantes sob custódia nos presídios do Estado.
O projeto prevê visitas de Defensores Públicos e Agentes Psicossociais da instituição a unidades prisionais de São Paulo, geridas pela SAP. Durante as visitas, são realizados atendimentos jurídicos, inspeção de condições de encarceramento e coleta de dados sobre a situação dos filhos das mulheres presas. A partir dos dados colhidos, será possível traçar estratégias de atuação para garantir a convivência familiar entre presas e seus filhos.
Inicialmente, em fase experimental, o projeto promove visitas ao Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha e a Penitenciária Feminina de Sant’Ana, ambos na Capital. No âmbito da Defensoria Pública, 3 Núcleos Especializados da instituição estão envolvidos: Situação Carcerária, Infância e Juventude e Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher.  
O projeto decorre de demandas levantadas pela Pastoral Carcerária, que culminou em um seminário realizado em agosto de 2011, na sede do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP). Promovido pela Defensoria, em parceria com especialistas, juristas, integrantes do Executivo e da sociedade, o evento teve o objetivo de discutir caminhos para a garantia da convivência familiar de mulheres presas e seus filhos. A intenção era encontrar alternativas para que o laço familiar e afetivo entre eles não fosse rompido com o encarceramento das mulheres.
A partir do seminário, o projeto “Mães do Cárcere” ganhou forma, e em maio de 2012, Defensores Públicos e Agentes Psicossociais iniciaram as visitas a estabelecimentos prisionais, além de levarem questionários para entrevistas e cadastramento.
Após 5 meses de visitas, o projeto identificou alguns números: de 1.627 mulheres presas no Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, 899 são mães e outras 141 gestantes (ou com indícios). No total, essas mulheres possuem 2.413 filhos, sendo que 80% deles estão sob a guarda de familiares. Na Penitenciária Feminina de Sant’Ana apenas as mulheres que ingressaram na unidade entre maio e julho de 2012 foram entrevistadas. Desse total, foram identificadas 187 mães, que possuem 430 filhos – desses, 77% estão sob a guarda de familiares. Os dados são coletados pela própria SAP por meio de formulários e enviados à Defensoria Pública.
Destituição do poder familiar
O projeto “Mães do Cárcere” identificou inicialmente 73 casos de mães que se separam dos filhos após a prisão e nunca mais tiveram contato com as crianças. Em casos como esse, muitas vezes é instaurado um processo para que seja destituído o poder familiar – o que significa cortar o vínculo jurídico entre mãe e criança e encaminhá-la para adoção. Muitas vezes, quando esse procedimento é adotado, as mães sequer são ouvidas pelo Juiz responsável no respectivo processo.
Para o Coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria, Defensor Diego Vale, o projeto irá evitar que os filhos de mulheres presas sejam disponibilizados para adoção sem a anuência das mães. “A Defensoria recebe denúncias de que o poder familiar dessas mães presas são destituídos sem que elas tenham conhecimento disso. Estamos falando de crianças, que possuem famílias; muitas vezes, parentes da mãe têm capacidade e interesse em cuidar delas durante o período de aprisionamento. Se elas são adotadas por outras pessoas, os verdadeiros pais podem jamais descobrir seu paradeiro”, diz.
Um dos casos acompanhado pelo projeto é o de Kiara Uche e de seu filho Piter Uche (ambos são nomes fictícios). Kiara é nigeriana e está reclusa na Penitenciária Feminina de Sant’Ana desde o início do ano. Após ser presa, ela foi obrigada a se separar do seu filho, na época com apenas 3 meses. A criança foi levada para um abrigo na periferia da Capital; todos os familiares da mãe estão na Nigéria. Desde então, Kiara jamais teve contato com o garoto.
Durante uma visita do projeto à Penitenciária, Kiara relatou seu drama a um dos Agentes Psicossociais da Defensoria. Segundo ela, uma amiga brasileira chamada Denise (nome fictício), que mora em São Paulo, estaria disposta a cuidar de Piter até que a questão penal de Kiara fosse finalizada. Defensores Públicos e Agentes Psicossociais da Defensoria atenderam Denise e confirmaram seu interesse em cuidar da criança na ausência da mãe. No final de setembro, a Defensoria formalizou um pedido ao Judiciário, em nome de Denise, para que ela pudesse ter a guarda de Piter na ausência de Kiara. A Justiça ainda analisa o pedido.
Gestação e amamentação em presídios
O projeto “Mães do Cárcere” também acompanha casos de mulheres presas que estão grávidas ou que possuem filhos recém nascidos.
O Coordenador Auxiliar do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria, Defensor Bruno Shimizu, aponta que, em casos assim, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de que a detenção em estabelecimento prisional seja substituída por prisão domiciliar, em consideração ao ambiente de amamentação e criação do bebê. “De acordo com a legislação vigente, todas as mulheres presas lactantes, com gestação acima de 7 meses, com gravidez de risco ou que possuem filhos dependentes menos de 6 anos podem ter a prisão em regime fechado substituída por prisão domiciliar”, aponta.
Bruno Shimizu lamenta o fato de que poucas mulheres nessas condições tenham esse direito assegurado: “o Judiciário é refratário a esses pedidos, raramente obtemos uma decisão favorável”, disse. Entretanto, o projeto tem obtido algumas concessões para que o local de cumprimento de prisão seja substituído pela casa da presa ou por uma outra instituição. É o caso de Juliana Santos (nome fictício). 

Juliana relatou em um dos formulários do projeto que acabara que dar à luz a uma criança e apontou que o local onde cumpria pena não propiciava condições adequadas para a amamentação. Após uma visita e a constatação das condições locais, a Defensoria impetrou um habeas corpus solicitando que a mãe cumprisse a pena em regime domiciliar durante o período de aleitamento. O pedido foi concedido pelo TJ-SP, após ser indeferido em primeira instância. Hoje, mãe e filha estão em casa”.





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