REFORMA TRABALHISTA. ORDEM CONSTITUCIONAL. DIGNIDADE DO TRABALHO.



Artigo de autoria do presidente da Amatra IV, juiz Rodrigo Trindade

“INTRODUÇÃO
Godzila chega a Tóquio; a Estrela da Morte está pronta e operacional; o Inverno aporta definitivamente em Whesteros. Não importa sua idade ou referência apocalíptica, a Reforma Trabalhista, tal como proposta é isso: o desastre de mundo do trabalho. E fugir para as montanhas não vai ajudar muito.

Somos uma sociedade de trabalho, em que os indivíduos se identificam em relações de pertencimento a partir de seus ofícios. É difícil imaginar campo da interação humana com maior dinamicidade que o das relações laborais. A importância que possuem as estruturas produtivas em nossa ossatura institucional faz com que sigam em permanente dinamicidade, em um fluxo contínuo de complexidade.
Por isso, não é exagero afirmar que novas profissões, novos modos de trabalhar e de empreender surgem e são extintos diariamente. É não apenas natural, como esperado que a regulação também siga esse movimento.
Alterações de regulação são essenciais para acompanhar as tantas modificações do mundo do trabalho. Pelo menos nos últimos duzentos anos, a trajetória de democratização e concepção de concretude dos direitos fundamentais tem tido grande significado para o Direito do Trabalho. Ainda que com revezes pontuais, o caminho vem sendo de democratização do ambiente de trabalho e, principalmente, de soma de condições laborais dignas. Em grande resumo, as novas legislações buscam o seguinte:
a) adequar tempo de trabalho a necessidades biológicas e sociais;
b) fazer crescer a massa salarial;
c) melhorar as condições de saúde e segurança;
d) proteger e garantir trabalho a parcelas populacionais marginalizadas;
e) estimular a continuidade de vínculos de trabalho;
f) incentivar contratações que encerrem maior rol de benefícios sociais.
Por mais que insistam com pessimismos, esses aperfeiçoamentos significaram melhora geral da condição de vida dos trabalhadores, crescimento de mercado consumidor e estabilização social.
O Projeto de Lei 6.787/2016, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados aparece como condensador de diversas outras iniciativas de alterações legislativas, consolidando uma grande reforma trabalhista que altera cerca de uma centena de artigos da CLT e também avança em outras leis.
Se há certeza na necessidade de constantes aperfeiçoamentos na legislação trabalhista, a mesma fortaleza de convicção não alcança a identificação do PL em análise como tendo essa finalidade. Essencialmente, há dificuldade de integrar a proposição reformista em quaisquer dos seis elementos acima listados.
A maior parte dos dispositivos modificados ou inseridos estabelece inovações no campo de restrição de direitos trabalhistas. Há, no entanto, artigos objeto do projeto de lei que, ou apenas legalizam entendimentos já ordinariamente aplicados pelos tribunais, ou promovem atualizações de expressões e adequações ao Código de Processo Civil. Nesse grupo estão os seguintes dispositivos, todos da CLT:
- art. 477, § 4º, II: permite pagamento de rescisão com depósito bancário;
- art. 477, § 6º: fixa prazo de 10 dias para empregador alcançar documentos ao ex-funcionário, após encerramento do contrato;
- art. 775: contagem de prazos processuais em dias úteis, seguindo-se sistema do Código de Processo Civil;
- art. 791-A: fixação de honorários de sucumbência – atende antiga e justa pretensão da advocacia.
- arts. 793-A a 793-D: utilização da sistemática do Código de Processo Civil para definição de litigância de má-fé e repressão de práticas indevidas no processo;
- art. 800: protocolos de exceção de incompetência territorial;
- art. 818: regras mais claras sobre ônus probatório, seguindo o Código de Processo Civil;
- Art. 840: redação contemporânea para a petição inicial trabalhista;
- art. 844, § 1º: regra de estabilização do processo, a partir da apresentação de defesa;
Art. 847, parágrafo único: reconhecimento do processo judicial eletrônico.
Mas os dispositivos realmente importantes são outros. Em artigo anterior, tratei sobre conveniência, legitimidade e oportunidade da proposta reformista (http://www.conjur.com.br/2017-mar-22/rodrigo-souza-conveniencia-legitimidade-reforma-trabalhista), buscando desmistificar fantasias que costumam permear os arroubos precarizantes. Em outro, busquei tratar em específico os efeitos do negociado sobre o legislado no tempo de trabalho (http://www.conjur.com.br/2017-abr-01/rodrigo-trindade-negociacao-livre-esculhambara-ambiente-trabalho). Neste, gostaria de analisar o Projeto a partir de 10 grandes princípios e suas instrumentalizações.

1. ALTERAÇÃO DA MATRIZ PRINCIPIOLÓGICA DO DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO
a) Direito Comum como fonte absoluta subsidiária
A redação vigente do Parágrafo Único do art. 8º da CLT prevê que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo que em que não for incompatível com os princípios fundantes deste.
Na proposta de redação do art. 8º, § 1º, o PL exclui a condicionante de compatibilidade ideológica. A amputação é a mais transcendente do Projeto porque tende a lançar orientações para toda matéria que não for expressa e integralmente prevista na legislação trabalhista.
Referir a “direito comum” é tratar de direito civil, especialmente o obrigacional. Desde pelo menos o início do século XX, o Direito do Trabalho é ramo autônomo dentro da Ciência Jurídica, possuidor, por conseguinte, de princípios próprios. A regra hermenêutica universal é de que, tratando-se de caso difícil a ser interpretado, sem solução evidente no regramento específico, a regra a ser construída no caso concreto deve observar a principiologia própria. Assim, a regra do “direito mãe”, o Direito Civil, deve observar condicionante de aplicação em compatibilidade com os princípios da ciência próxima.
O Direito Civil Obrigacional possui orientações principiológicas diversas, dada a evidência de – tal como o Direito do Trabalho – ser ciência jurídica autônoma. A regra proposta nega autonomia do Direito do Trabalho, exclui a força jurígena de seus princípios e tende a divorciar concepções imanentes da relação obrigacional de emprego. Orientações típicas do direito comum, como visão majoritariamente economicista, prevalência da autonomia da vontade, e ausência de transcendência social passam a ser as determinantes hermenêuticas, pois animadoras das regras.
Mas há uma seletividade no rol de regramento civilista que pode ser aplicado nas relações trabalhistas. A proposta de texto para o art. 223-A determina que para reparações de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes de relações de trabalho, as regras aplicáveis são exclusivamente as do Título II-A da CLT. Eventuais aportes de outros diplomas normativos que promovam avanços no campo da identificação de danos e potencial de reparação não podem ser utilizados.
   b) Negociado sobre Legislado
Em uma sociedade democrática, espera-se que sindicatos tenham plena liberdade de negociar condições de trabalho com empresas. Mas há limites ao magnetismo da autocomposição.  Nossa construção histórica é de que a lei e a Constituição fixam elementos mínimos de condições de trabalho. Não há previsão de “gorduras”, mas o estabelecimento de regras de salário, jornada e condições de saúde que são apenas básicas. Sair delas é abandonar a civilização.
Por evidente, estimulam-se sindicatos a avançar, passando do mínimo de existência. Mas veda-se que ingressem no subterrâneo de dignidade e permitam condições ainda piores que o mínimo legal. Há isso dá-se o nome de “progressividade” e “vedação de retrocesso social”.
Uma das mais importantes propostas de Reforma Trabalhista do Governo Federal envolve o desamarrar do mastro, permitir que sindicatos e empresários fiquem “livres” para fixar condições de trabalho piores que as da lei. Em poucas palavras, que as relações de trabalho possam regredir, retroceder.


O Projeto original previa que as normas coletivas poderiam estabelecer acesso ao subterrâneo em 13 itens. O substitutivo em análise colocou mais três andares no subsolo.
Além de significar subversão a regra de dignidade de trabalho, a proposta impede ambiente leal de concorrência entre as empresas. A opção brasileira de ter um Direito do Trabalho federal — aplicado de modo uniforme por todo território nacional — serve a objetivos importantes da República: garantir os primados de redução de desigualdades regionais e de condições justas de concorrência.
Permitir acordos coletivos restritivos de direitos legais tende a gerar graves comprometimentos no esperado equilíbrio de acesso ao mercado. Pela proposta, os pactos podem ser feitos por empresa e, se uma consegue precarizar o trabalho — e, por conseguinte, reduzir custos — e outra não, forma-se situação de concorrência desleal. Nesse cenário, os lucros de quem mais precariza são privativos, mas os custos ficam socializados.
c) Prevalência da Proteção ao Empregador
O Princípio da Proteção está atado ao Direito do Trabalho e reconhece o empregado como o ente da relação de emprego que demanda cuidado especial, frente à sua menor capacidade econômica. Em poucas palavras, compensa-se a desigualdade econômica com proteção jurídica.
A própria razão de ser do Direito do trabalho é reequilibrar a desigualdade, a partir da proteção estatal. Constata-se a aparente unilateralidade do Direito do Trabalho, expresso na intenção deliberada de tutelar o hipossuficiente na relação com o Capital. A idéia é de compensação: como forma de contrabalançar a desigualdade econômica existente entre as partes, a lei trata desigualmente os desiguais. Não existe, portanto, igualdade jurídica no Direito do Trabalho. Outros ramos da Ciência Jurídica vêm seguindo essa fórmula, como Direito do Consumidor e Direito Agrário.
O PL 6787 tende a remodelar o Princípio da Proteção, não apenas para estabelecer aparência de igualdade, mas por virar o fio. Há um direcionamento de uma série de regras orientadas para oferecer maiores benefícios à parte que já tem maior capacidade econômica, o empregador.
Praticamente todo o Projeto visa dilatar o rol de benefícios e facilidades ao empregador, e não foram fixadas regras de contrapartida efetivas de consagração do Princípio da Proteção ao empregado.
Um exemplo de Direito Material e outro de Direito Processual:
Há anos doutrina séria e jurisprudência trabalhista responsável esforçam-se para o reconhecimento da eficácia de direitos fundamentais nas relações de emprego, estabelecendo que o contrato não pode restringir aportes próprios da condição humana. Os pactos devem, portanto, respeitar valores como privacidade, imagem e intimidade. A pretensão de redação do art. 223-D, todavia, determina que “imagem, marca, nome, segredo e sigilo de correspondência” são bens juridicamente tutelados “inerentes à pessoa jurídica”. Ou seja, fixa que direitos fundamentais próprios da pessoa natural (o empregado) são exigíveis unicamente para a pessoa jurídica (o empregador). Abre-se odioso campo interpretativo de retrocesso de décadas na concepção de limitações de interferências do empregador no campo de direitos fundamentais do funcionário.
No campo do direito processual, o 844, § 4º estabelece diversas situações em que réu revel não recebe a pena de confissão sobre matéria de fato. O mesmo não ocorre com o empregado que não vai à audiência.
Se Direito do Trabalho tem como característica fundamental a proteção ao empregado, o novo regramento das relações trabalhistas que pode se inaugurar com o PL 6787 estabelece nascimento no Brasil de um substituto Direito Empresarial das Relações de Trabalho.
d) Fim da Execução de Ofício
A regra do art. 878 da CLT é de execução de ofício, exatamente em promoção do compromisso do Direito Processual do Trabalho com Celeridade. Essa concepção foi reforçada com a Emenda Constitucional n. 45/2004, a qual elevou razoável duração do processo à condição de direito fundamental (art. 5º, LXXVIII). A partir disso, estabelece-se dever funcional do magistrado de impulsionar a efetividade do processo de conhecimento e garantia última de utilidade da demanda judicial e respeito ao monopólio estatal de jurisdição.
A proposta de redação do art. 878, com revogação de seu Parágrafo Único, acaba com o instituto da execução de ofício, nega efetividade ao Princípio da Celeridade e restringe tremendamente um expresso direito fundamental.

2. CONTRATOS DE TRABALHO PRECARIZADOS
O PL 6787 promove notável ampliação em diversas modalidades de contratos de emprego precarizados.
O padrão da relação de emprego no Brasil – como em grande parte do mundo ocidental – segue algumas características: a) a relação econômica corresponde à de emprego, de modo que o recebedor do serviço do empregado é seu empregador, com quem firma contrato de emprego; b) os pactos são firmados por prazo indeterminado; c) as contratações ocorrem com previsão de tempo integral, seguindo os módulos de 8 horas diárias e 44 horas semanais.
Relações de emprego que não seguem esses elementos tendem a produzir desemprego, achatamento salarial e danos à economia nacional. O Projeto de Reforma Trabalhista cria ou amplia pelo menos quatro desses contratos.
a) Trabalho intermitente
Não há obrigação na lei brasileira que empregados recebam salário a partir da contagem de horas de serviço. A maioria é mensalista, mas nada impede remuneração contada por quinzena, semana ou dia de trabalho. A limitação está no tempo contratado: para que haja expectativa mínima de salário com que se pode contar para viver, deve-se saber o número de horas que se trabalhará.

As propostas de redação dos art. 443, caput e § 3º e art. 452-A criam modalidade de contrato que permite a convocação do funcionário para trabalho, em jornada a ser determinada em momento próximo. Chamado, receberá apenas o salário das horas efetivamente trabalhadas e nada ganha pelo período em que aguarda. O texto pretendido para o inciso VIII do art. 611-A permite que a regulação venha apenas da negociação coletiva.
O que se pretende é criar o “salário-surpresinha”. O empregador poderá ter o poder de acionar o funcionário a qualquer momento da semana. Se for convocado, ganha; se o telefone não tocar, fica sem nada. Nos meses bons, o salário será suficiente para comer nos 30 dias; nos demais, vive-se de luz.
A ideia não é nova e já estava no Projeto de Lei n º 218/2016, do senador Ricardo Ferraço.
Empregado não é motorista de Uber, que pode ter vários clientes, escolher horário que está a fim de trabalhar e quem deseja atender. Estar no tempo de espera não é ter efetiva liberdade, não dá para manter outro emprego decente, matricular-se em qualquer curso ou ficar cuidando do filho pequeno.
Coloquemo-nos, com sinceridade, na posição do empresário: surgiu a demanda urgente, preciso do empregado agora, ligo para o “jornada-flexível” e ele responde que não pode vir. Fico pendurado no pincel e penso “esse é o cara que não dá para contar, não ligo mais, tá na rua, vou procurar um mais comprometido com a firma”.
Ninguém sério pode acreditar que haja benefício ao funcionário e que o contrato não será utilizado em larguíssima escala, em substituição ao que já existe.
b)Trabalho a tempo parcial
Hoje, apenas pode haver contratação por tempo parcial em relações com jornada não excedente a 25 horas semanais. Trata-se do chamado trabalho de meio expediente. Com modificação de texto do art. 58-A da CLT, busca-se ampliar esse tipo de contrato, com pagamento de salários menores em jornadas de até 30 horas por semana ou 26 horas semanais, com possibilidade de mais 6 horas extras.
Há diversos estudos internacionais que mostram a inadequação dos contratos a tempo parcial para criação de novos postos de trabalho. Ao contrário, estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstram que as experiências na Europa e EUA com esse tipo de contratação significou aumento de desemprego e redução geral de salários.
c) Terceirização
A Terceirização já foi objeto de lei recente, a de n. 13.429/2017, publicada no último dia 31 de março. O projeto de lei aprofunda ainda mais as possibilidades de repasse de parte das atividades produtivas, permitindo transferências para “quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal” (proposta de redação para o art. 4º-A da Lei n. 6.019/1974).

No Brasil, terceirização, tal como está hoje, mata oito em cada 10 trabalhadores acidentados, é campeã absoluta de inadimplemento de verbas rescisórias, paga salário achatados (quando paga) e tem amizade íntima com trabalho análogo ao escravo. Ampliar hipóteses de terceirização é o que pior se pode pensar para o mercado de trabalho nacional.
Para uma análise mais apurada da Lei n. 13.429/2017, recomendamos a leitura de nosso artigo específico: http://www.amatra4.org.br/publicacoes/artigos/1235-lei-13-429-de-2017-e-a-intermediacao-de-trabalho-no-brasil-perspectivas-politicas-e-hermeneuticas


          d) Teletrabalho
 A pretensão do projeto é regulamentar o chamado trabalho a distância, realizado por meios tecnológicos, estabelecendo que não gera horas extras. Entre os arts. 75-A e 75-E cria-se novo Título da CLT apenas para essa modalidade de contratação. Soma-se novo inciso ao art. 62, também da Consolidação, para excluir os empregados em regime de teletrabalho de controle de jornada e, por conseguinte, de pagamento de horas extras.
O trabalho remoto já é previsto na CLT (art. 6º), permitindo-se ao juiz reconhecer vínculo de emprego e condenar ao pagamento de horas extras, sempre que for exigido serviço em excesso ou houver efetivo controle de horário, ainda que a distância.
Não há dúvidas que o avanço das tecnologias de comunicação tendem a dilatar consideravelmente o número de trabalhadores em domicílio. Não significa, todavia, que circunstâncias geográficas devam levar ao simples abandono de regras tutelares elementares. Se aprovado, o PL significará tendência de aumento das fraudes e notável ampliação de condições precárias e abusivas.

3. RESTRIÇÃO AO VÍNCULO DE EMPREGO
Desde pelo menos a segunda metade do século XIX, o modelo organizacional do mundo do trabalho é baseado na relação de emprego. Trata-se de relação jurídica instrumentalizada em contrato animado por amplo rol de benefícios garantidores de cidadania, especialmente a partir da condição salarial. Outras formas de relações de trabalho sempre estiveram presentes nos processos produtivos, mas tratadas como exceção.
Ao sabotar a relação de emprego, o PL 6787 aprofunda a desmontagem do sistema regulatório e estimula a precarização das relações entre capital e trabalho.
 a) Trabalhador autônomo exclusivo

Por definição, trabalhador autônomo é o que conduz sua atividade em conta própria, de forma independente e sem subordinação. É natural, portanto, que atue de forma ocasional, fortuita, esporádica e para diversos tomadores.
A Reforma Trabalhista cria o art. 442-B da CLT, definindo sem maiores critérios a figura do trabalhador autônomo exclusivo e contínuo – e que não pode ser considerado empregado. Parece evidente o convite à fraude ao vínculo de emprego.
 b) Preposto não empregado
Pela proposta, o art. 843, § 3º da CLT permitirá que qualquer empresa seja representada em juízo por preposto não empregado. Instrumentaliza a compreensão de descomprometimento com a relação de emprego e com a integração pessoalizada de pessoas no empreendimento.
c) Desvinculação de cadeia produtiva
O vínculo de emprego é elemento fático, que independe de formalidades de constituição do tomador do serviço. Reconhecida a correspondência do trabalho com os elementos da relação de emprego (conforme artigos 2º e 3º da CLT), empregador é aquele que se beneficia do trabalho.
A pretensão de redação do art. 3º, § 2º, da CLT busca excluir a possibilidade reconhecimento de vínculo de emprego a partir de negócio jurídico entre empregadores da mesma cadeia produtiva, ainda que em regime de exclusividade. Há um rompimento com uma das mais importantes características do Direito do Trabalho: a força jurígena dos fatos, com o contrato formado a partir da realização de atos próprios do tipo.

4. ACHATAMENTO SALARIAL
Desde 2003, há forte tendência de crescimento da participação do salário na formação do PIB nacional. Hoje, passa de 50% e a tendência é de seguir ganhando força. Ou seja, cada vez mais o salário recebido pelos trabalhadores tem um peso maior na produção de riquezas do país. Qualquer política pública séria deveria buscar o fortalecimento do salário, mas o PL 6787 segue em direção oposta e tende a produzir redução geral dos rendimentos assalariados e aprofundar a crise econômica.
Em artigo recente, o juiz Guilherme Zambrano alerta que o Projeto busca confundir reajustes salariais com ganhos reais (http://www.conjur.com.br/2017-abr-23/guilherme-zambrano-reforma-desequilibra-negociacao-coletiva). A partir disso, irá empurrar os trabalhadores para uma negociação coletiva absolutamente desequilibrada, em que se verão obrigados a fazer grandes concessões, unicamente em troca da preservação do valor real dos seus salários – ou nem mesmo isso, pois em alguns casos os reajustes salariais já são negociados abaixo da inflação do período.
A negociação coletiva sobreposta à lei somente servirá para a diminuição de benefícios e, apenas isso, já seria bastante catastrófico. Mas o PL indica ainda diversas outras modalidades de restrição de salários.
 a) Fim da estabilidade econômica decenal
Desde 2005, o entendimento consolidado do TST é de que, após 10 anos de exercício de cargo em comissão, o empregador pode reverter o funcionário do cargo. O que não pode é suprimir o valor da respectiva gratificação. Prestigia-se, assim, a estabilidade financeira e impedem-se rupturas de expectativa remuneratória há muito tempo integradas na vida das famílias.
A proposta de redação do art. 468, § 2º é de livremente permitir a perda da gratificação, como resultado da reversão ao cargo efetivo, anteriormente ocupado.
b) Perda do caráter salarial de importâncias pagas pelo empregador

Há muito tempo, salário deixou de ser uma única rubrica remuneratória alcançada por empregador a empregado, em função do contrato de emprego. Quanto maior a complexidade do trabalho, somam-se diversas parcelas de natureza salarial, como comissões, adicionais e gratificações. Em razão de todas comporem o salário em sentido amplo, servem para formar base de cálculo de outras parcelas trabalhistas e previdenciárias, tais como férias, 13º, FGTS e contribuições previdenciárias.
Para restringir o valor desses reflexos, é bastante comum empregadores buscarem mascaramentos das parcelas, abusando da criatividade semântica. É por isso que, em grande parte, vida de juiz do trabalho é parecida com fiscalização de doping, identificando tentativas de fraude para obtenção de pequenas vantagens. Cumpre, portanto, rejeitar a simplicidade da escolha do nome e reconhecer a natureza da parcela a partir de critérios de cientificidade um pouco mais complexa.
Os pretendidos parágrafos 2º e 4º do art. 457 da CLT intentam estabelecer valor absoluto para a semântica. A escolha das palavras “prêmio”, “ajuda de custo”, “vale refeição”, “diária” e “abono”, faz suficiente para excluir o caráter de salário e consequente integração no complexo salarial para base de cálculo própria e reflexos consequentes. Os prejuízos previdenciários são igualmente catastróficos.
 c) Prevalência do Acordo Coletivo sobre Convenção Coletiva
Todo estudante de Direito conhece a regra da pirâmide normativa trabalhista: há uma axiologia móvel, identificada no caso concreto, de modo a aplicar a disposição que encerrar maiores benefícios ao empregado.
A pretensão de texto para o art. 620 da CLT aleija o Princípio da Norma mais Favorável, dispondo que as condições fixadas em acordo coletivo prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva.
Além de abrir as comportas para ampla diminuição de benefícios e piora de vida de trabalhadores, amplia-se o problema da concorrência desleal. Pactos por empresa, que aumentam lucratividade a partir da precarização de direitos, produz acesso desequilibrado ao mercado. Também aqui, os lucros de quem mais precariza são privativos, mas os custos ficam socializados.
d) Fim da ultratividade
Formalmente, o Tribunal Superior do Trabalho possui uma Súmula, de número 277, que consagra a concepção da ultratividade das normas coletivas: esgotada a vigência, mantêm as condições, até que novo instrumento apareça.
O Ministro Gilmar Mendes deferiu liminar na ADPF 323 para suspender a súmula. A reforma trabalhista proposta expressamente veda a ultratividade no art. 614, § 3º, da CLT.
O resultado óbvio é que as conquistas remuneratórias conquistadas antes da Reforma tendem a virar pó, apenas pelo decurso do prazo. Esgotada a vigência, o empregador apenas precisa negar-se a negociar para que os benefícios caiam.
e) Restrição à equiparação salarial
Equiparação salarial é instituto de Direito do Trabalho para impedir discriminações dentro de uma empresa. Havendo igualdade de trabalho o salário entre os trabalhadores deve ser igual. O difícil é definir quando o trabalho é igual e, por isso, a jurisprudência definiu diversos critérios restritivos: há um longo check list a ser analisado pelo intérprete para verificar se é possível equiparar salário.
A redação pretendida no caput e parágrafos do art. 461 atravanca ainda mais a equiparação, estabelecendo diferença de tempo de serviço entre os funcionários na empresa para quatro anos. O avanço de dificuldade segue com critérios prejudiciais no plano de carreira, permitindo que o empregador o maneje como quiser, sem permitir progressões funcionais. Por fim, acaba com a chamada equiparação em cadeia.

5. AUMENTO DE JORNADA E DE TEMPO À DISPOSIÇÃO
Muito se fala das causas dos excessos de acidentes do trabalho em nosso país, mas uma coisa é certa: não há fator mais determinante que os exageros de jornada, sejam diários ou de acúmulos durante o ano. Não é à toa que a maior parte dos infortúnios ocorre durante as horas extras.

Os históricos (antigos e recentes) de normatividade privada para temas trabalhistas com patamares previstos em lei mostram uma constante de resultados com graves prejuízos no mundo do trabalho. Estudo recente revela que nosso país é o que tem maior acúmulo de horas extras no mundo: 76% dos brasileiros trabalham nove horas ou mais, entre uma vez por semana e todos os dias. A mesma pesquisa mostra que apenas US$ 294 bilhões são gerados por horas extras no Brasil, em comparação com US$ 1,9 trilhão nos EUA, US$ 679 bilhões na Alemanha e US$ 398 bilhões na França. Nesses países, as percentagens de trabalhadores que fazem horas extras estão, respectivamente, em 44%, 69% e 68%.
Os números esclarecem que no Brasil se trabalha muito e se ganha pouco com horas extras. Há dois motivos: valor baixo atribuído ao excesso de serviço e a prática de burla em registro e pagamento. Tudo leva a crer que a institucionalização de ampla abertura regulatória em acordos coletivos seguirá o caminho de aprofundamento de precarizações e fraudes.
Deveríamos esperar políticas públicas sérias para restrição de horas de trabalho, garantia de intervalos e preservação de férias. Mas o Projeto de Reforma Trabalhista vai exatamente na contramão.
 a) Intervalos inferiores a uma hora
Atualmente, quem trabalha mais de 6 horas, precisa ter intervalo mínimo de uma hora no meio na jornada. A regra não vem da kabala, numerologia ou sonhos premonitórios com dígitos, mas resultado de décadas de observação e estudo sobre trabalho humano, produtividade e necessidade biológica de descanso.
O que se pretende com a concepção reformista é jogar pá de cal e amputar pela metade.
Para quem tem dia de serviço sem grandes rigores físicos – como é meu caso, em cadeira estofada e ambiente climatizado –, parece razoável. Mas, sem qualquer critério, definição de abrangência profissional ou benefício de contrapartida, pretende-se com o art. 611-A, III, permitir intervalo de 30 minutos para qualquer trabalhador. Não há previsão de qualquer condicionante de contrapartida adequada, como refeitórios ou delimitação de atividades permitidas.
Com o art. 71, § 4º da CLT busca-se que a não concessão do intervalo gere apenas repercussões de “natureza indenizatória” e somente com pagamento do período suprimido.
Achar que meia hora é suficiente para se alimentar, descansar e recompor energias é concepção de quem jamais teve ideia do que é passar o dia virando massa de cimento na enxada. Além de evidente submissão à exaustão física em muitas atividades, a medida eleva consideravelmente os riscos de acidentes graves.
  b) Fim da jornada in itinere
O entendimento atual é que, se tratando de trabalho em local de difícil acesso ou sem transporte público, o tempo de deslocamento deve entrar na jornada de trabalho. Os maiores beneficiados costumam ser trabalhadores rurais e em agroindústrias.
A proposta de novo regramento é direcionada aos arts. 4º, § 2º e 58, § 2º, da CLT.
A ideia da reforma é excluir essa contagem, passando o funcionário a suportar o ônus de seu empregador direcionar o trabalho em local distante e não servido por transporte público. Abre-se a possibilidade de abolição, pura e simples, de construção histórica e ponderada do Direito do Trabalho de horas in itinere.
c) Jornada 12 x 36
Nossa Constituição é modelo mundial de segurança em direitos sociais e assegura jornada máxima de oito horas diárias. Para jornadas superiores – e apenas em duas horas – obriga-se que haja acordo de compensação ou pagamento de horas extras. A Exceção, com fixação de 12 horas de trabalho, seguidas de 36 de descanso, depende de previsão em negociação coletiva. Assim ocorre porque qualquer jornada superior a oito horas é potencialmente mais lesiva, aumenta riscos de acidentes e adoecimentos, além de limitar outras atividades e necessidades dos empregados.

Com as propostas de redação dos arts. 59-A (antigo 59-B, renumerado a partir de emenda acolhida pelo relator) 60 e 61, exclue-se requisito de forma e permite-se estabelecimento ordinário da jornada 12x36 por simples acordo individual.
Não há dúvidas que essa modalidade de tempo de trabalho é preferida de muitos trabalhadores. O problema é o escancaramento, sem qualquer critério ou análise de conveniência por autoridades públicas ou sindicais. Especialmente causa preocupação que nada impedirá profissionais de saúde acumularem diferentes contratações com esse tipo de jornada, gerando restrição de descanso e fortes potencialidades de falhas em seus serviços.
d) Banco de horas por acordo individual
Busca-se com o art. 59 possibilitar estabelecimento de banco de horas por simples acordo individual. Define-se no art. 59-B, que o não atendimento das exigências legais de compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica repetição do pagamento, se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o adicional. O parágrafo único traz a regra de que as horas extras habituais não descaracterizam o acordo de compensação e o banco de horas.
Causa dúvidas o que se pretende conceber por “acordo tácito descumprido”. Algo mais evidente é a possibilidade legal de trabalho em descumprimento a regras privadas disciplinadoras serem desacompanhadas de repressão.

6. PREJUÍZOS AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO
Todos os parâmetros salariais mínimos partem da suposição de condições de trabalho ordinariamente saudáveis. A Constituição Federal, em diversos dispositivos (arts. 7º, XXII, 198, II e 225) reconhece ampla responsabilidade pelo implemento de condições de trabalho progressivamente mais saudáveis e seguras. Isso porque o controle dos agentes prejudiciais à saúde serve tanto para evitar a produção de acidentes, como de doenças relacionadas ao trabalho.
O Projeto de Reforma Trabalhista retrocede na orientação constitucional e tende a piorar o meio ambiente de trabalho, favorecendo adoecimentos, aposentadorias precoces e mortes.
a) Acordos sobre insalubridade
Saúde humana é questão de ordem pública. Nada mais óbvio, portanto, que a definição de insalubridade no meio ambiente de trabalho demande atuação de profissionais especializados e que se permita conserto necessário a partir de atuação judicial.
Com os arts. 611-A, XIII e XIV busca-se permitir que simples acordo individual defina o grau de insalubridade. Condições de serviço evidentemente insalubres em grau máximo poderão ser consideradas mínimas ou até mesmo exemplarmente salubres. Também se facilita a prorrogação de jornada nesses ambientes, não mais necessitando de análise e anuência por autoridade competente.
b) Lactantes e gestantes
Em maio de 2016 houve modificação da CLT para determinar que, enquanto durar lactação ou gestação, a empregada fica afastada de atividades ou locais insalubres. Em exemplos, a lei diz o seguinte:
- lactantes não devem aspirar poeira e solventes em rotinas de trabalho, porque o alimento básico dos bebês não precisa conter esses temperos;
- não deve a jovem mãe seguir em serviços contaminantes, como câmaras frias, áreas hospitalares e degolas de aves;
- o legal é ela voltar pra casa saudável e evitar adoecer aquele que ainda tem tão poucos anticorpos;
- grávidas que labutam em ambientes mal ventilados, com calor e ruído excessivos, costumam geram bebês doentes; e podemos evitar sem muito esforço, porque bebê doente não é legal.

A lei recorda que submissão da grávida e seu feto a radiações não ionizantes pode promover diversas complicações na gestação, sem falar em más formações fetais. Bebê deformado é bem menos legal.
A reação a bebês saudáveis vem da proposta de nova redação ao art. 394-A da CLT: qualquer atestado médico (sabe-se lá como obtido) poderá permitir a permanência do trabalho da gestante ou lactante.
As justificativas parte de concepções de ônus empresarial excessivo e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho para mulheres em idade reprodutiva.
Equivoca-se quem pensa que medidas protetivas desestimulem a contratação, ou promovam desemprego estrutural. Simplesmente não há qualquer levantamento científico comprobatório dessa afirmação e devemos perquirir por que repetir tamanha bobagem.
É muito grave a pretensão do projeto de permitir trabalho de grávidas e lactantes em ambiente insalubre. Em uma sociedade civilizada, e que se importa com suas crianças, as conveniências de empresariais não podem se sobrepor a valores sociais muito mais importantes. Apenas genocidas e suicidas coletivos não se importam com a perpetuação da espécie e não sei se é possível pensar em medidas mais importantes na vida de um país que proteger a saúde de bebês.
c) Férias tripartidas
Atualmente, a lei determina que o parcelamento de férias só ocorre em casos excepcionais, máximo de dois períodos e um dos quais não inferior a dez dias corridos. O projeto prevê que a negociação individual permita até três períodos, desde que uma das frações não seja inferior a duas semanas ininterruptas (art. 134, § 1º, da CLT).
Falar em “acordo individual” em relações de emprego é saber que em quase todos os casos tratamos de definição unilateral do empregador.
Férias não são luxo, mas necessidade biológica de descanso e afastamento do cansativo mundo do trabalho. Para muitos profissionais envolvidos em rotinas estressantes (e hoje em dia quem não está?), a mente só sai mesmo do ambiente da empresa após uma semana de desligamento físico. Sem falar que períodos pequenos dificultam viagens e convivência familiar continuada. Por tudo isso, o fracionamento é tratado como excepcionalidade.
O projeto quebra o conceito de férias como período longo e ininterrupto de afastamento, direcionado a garantir saúde, bem-estar e tempo com a família. Seguindo uma lógica meramente economicista, férias passam a ser qualquer período em que a empresa se descobre com menor demanda produtiva.
d) Padrões impositivos de vestimenta e logomarcas
Respeito à direitos fundamentais e dignidade, imagem e honra do trabalhador são elementos essenciais para que o ambiente de trabalho seja tranquilo e saudável.
Com o art. 456-A, o empregador poderá definir o padrão de vestimenta na empresa, considerando lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras, bem como outros itens relacionados à atividade.

Padrão de vestimenta e uso de uniforme são elementos aceitáveis, e mesmo esperados em diversas atividades profissionais. O que preocupa no projeto é a completa falta de critérios e preocupação com excessos que já ocorrem em casos analisados pela Justiça. Reconhece-se como normal que qualquer profissional se transforme em veículo de propaganda passiva, carregando todo tipo mensagem publicitária.
Pior ainda é a ausência de qualquer ressalva ao uso de vestimentas vexatórias ou que atentem ao pudor individual. Há clara diminuição de direitos fundamentais relacionados à imagem e dignidade, sem qualquer tipo de compensação ou critério.


7. DIMINUIÇÃO DAS ESTRUTURAS SINDICAIS E FACILITAÇÃO DE DISPENSAS
a) Imposto sindical
Com os artigos 578, 579, 582 e 583 da CLT acaba-se com a compulsoriedade da contribuição sindical.
O assunto é polêmico, inclusive dentro do movimento sindical. Seguindo-se a coerência sistemática, o objetivo é de diminuição das condições de atuação dos sindicatos. A eliminação do imposto sindical precisa ser tratada com sindicatos e pensada a partir de uma progressividade. Sempre de modo a impedir a inviabilização da atividade representativa.
O PL da Reforma Trabalhista busca acabar com unicidade e imposto, mas não é nem um pouco bonzinho. A proposta é irresponsável e demolidora, pois não prevê que isso seja feito de forma escalonada. A reversão de um dia para o outro tende a ser muito pior para a representação de trabalhadores que a permanência como está.
b) Representação de fábrica
O art. 11 da Constituição traz previsão de que nas empresas com mais de duzentos empregados, fica assegurada eleição de representante, com finalidade promoção do entendimento dos empregados com os empregadores.
O dispositivo finalmente ganha regulamentação, mas não na forma pretendida para fazer valer a disposição constitucional. Entre os arts. 510-A e 510-C estabelecem-se atribuições, meios de eleição e garantia de emprego aos representantes de empregados nas comissões de empresas.
A democratização das administrações empresariais é medida importante, mas deve ser integrada à instância de excelência, o sindicato. Também precisa haver o cuidado de impedir que haja utilização da comissão para outorgar aparência de legitimidade em medidas precarizantes e de efetivação de quitações contratuais fraudulentas.
c) Fim da assistência sindical na extinção contratual
O PL prevê completa modificação de texto do art. 477 da CLT. No caput, a redação original é para assegurar ao empregado recebimento de indenização por dispensa. Pelo projeto passa a servir para determinar que o empregador registre baixa do contrato na CTPS quando houver extinção contratual, bem como pagar verbas rescisórias.
Seguindo-se a lógica de facilitação de rescisão, os parágrafos 1º e 3º são extintos, de modo a permitir a rescisão sem assistência de sindicato ou qualquer outra autoridade.
Hoje, mesmo com assistência de sindicato, são muito comuns rescisões fraudulentas, parciais ou mesmo sem pagamento de qualquer valor. A não participação de autoridades habilitadas a orientar empregados fraudados serve apenas para perpetuação de injustiças.
d) Liberação das despedidas coletivas
A exigência de prévia negociação coletiva com sindicatos dos empregados em despedidas massivas está alicerçada em precedentes do Tribunal Superior do Trabalho e também de diversos Tribunais Regionais.
O próprio TST tem pontuado que a exigência de negociação coletiva prévia pretende tolher a livre iniciativa do empregador; ao contrário, objetiva que o empregador atue no mercado econômico pautado na responsabilidade social e com atendimento da função social da propriedade, tudo em defesa da dignidade da pessoa humana.
Propõe-se no PL da Reforma Trabalhista a criação do art. 477-A da CLT, apenas para determinar que as dispensas coletivas equiparam-se às individuais “para todos os fins”. Explicitamente para barrar os avanços jurisprudenciais, refere que não há “necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.


8. IRRESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR POR DÍVIDAS
O processo judicial trabalhista é o mais rápido do país e, em média, sentenças são produzidas com muito maior celeridade que nos demais ramos do Judiciário. Jamais diria que se trata de processo efetivamente veloz, mas que ainda anda mais rápido que o os demais. O grande gargalo está na fase de execução. Simplesmente porque há lamentável cultura nacional que reconhece inadimplemento de dívidas certas como circunstância empresarial natural, manobras para esconder patrimônio são instrumentos corriqueiros e recorrer ao infinito e de forma irresponsável é habilidade de bons profissionais.

Há décadas, diversas iniciativas jurisprudenciais, doutrinárias e de alterações legislativas são pensadas para fazer valer as decisões jurisprudenciais. Nenhuma delas foi incorporada ao texto da Reforma Trabalhista. Ao contrário, o PL agregou diversos instrumentos consagradores de institucionalização do calote e inefetividade da execução trabalhista.
a) Limitação do conceito de grupo econômico
Nas redações propostas para os parágrafos 2º e 3º do art. 2º da CLT expressamente se impedia a consideração de grupo econômico horizontal (sem direção hierarquizada, mas formada a partir da comunhão sistematizada de interesses empresariais), bem como os montados a partir de mera identidade de sócios. Tratam-se de disposições permissivas de diminuição de garantias patrimoniais por inadimplementos trabalhistas. As disposições foram excluídas no último substitutivo.
b) Limitação de responsabilidade de sócio retirante e de empresa sucedida
É controvertida na jurisprudência a questão da responsabilidade de sócio retirante por dívidas trabalhistas da pessoa jurídica. Ordinariamente se reconhece que a personalidade jurídica não deve servir para instrumentalizar calotes e que os sócios que se beneficiaram com o trabalho do empregado também podem ser chamados a honrarem as dívidas de suas empresas.
Pretende-se com a criação do art. 10-A da CLT limitar a responsabilidade do sócio retirante, fixando apenas no período em que atuou como sócio e somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato.
Pelo art. 448-A, estabelece-se responsabilidade única do sucessor, com exceção de demonstração de fraude na transferência.
Seguindo-se a lógica de esforço pelo não pagamento de dívidas, a perspectiva aberta é de saída fraudulenta de sócios, substituição por laranjas, e utilização do prazo prescricional.
c) Prescrição intercorrente
Prescrição é a perda do direito de ação ocasionada pelo transcurso do tempo, em razão de seu titular não o ter exercido. Trata-se de instituto importante em toda Ciência Jurídica e no Direito Privado. Oferece certa legalidade aos cambalachos, mas atua na necessária pacificação das relações.
Intercorrente é a prescrição que flui durante o curso do processo. Proposta a ação, interrompe-se o prazo prescritivo; logo a seguir, ele volta a correr, de seu início, podendo consumar-se até mesmo antes que o processo termine. O critério intercorrente tem sido muito importante no cotidiano do Direito Penal, por exemplo; mas vem sendo sistematicamente rejeitado no Direito do Trabalho, inclusive com súmula própria.
O PL em análise cria o art. 11-A da CLT, com a singela redação “Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos”. No § 1º estabelece que o prazo prescricional intercorrente se inicia quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial. O § 2º facilita ainda mais ao permitir que o juiz possa, em benefício do devedor, declarar a prescrição intercorrente.
d) Pequenas multas administrativas
Se a concepção moral de necessidade de cumprimento espontâneo da lei trabalhista é pouco funcional, o estímulo de multas pesadas costuma ter melhor efeito.
A proposta de redação para o art. 47 e seus parágrafos, todavia, prevê valor baixo de multa para empregado flagrado fraudando o vínculo de emprego. São R$ 3.000,00 por empregado não registrado. Tratando-se de microempresa ou empresa de pequeno porte o estímulo à fraude é maior, pois o valor da multa não passa de R$ 800,00.
e) Incidente de desconsideração de personalidade jurídica
No Direito Processual do Trabalho, há procedimento simplificado para o chamamento dos sócios por inadimplências a partir de dívidas de suas empresas. Com seus arts. 133 a 137 o Código de Processo Civil inaugurou sistemática mais complicada e é por esse caminho que vai a Reforma Trabalhista.
Pelo art. 855-A pretende-se atravancar ainda mais a desconsideração da personalidade jurídica, trazendo o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica para o Processo do Trabalho. Há suspensão do processo, atrasando ainda mais a satisfação de créditos alimentares. Em suma, abandonam-se concepções de autonomia científica, simplificação e celeridade. Tudo em nome da preservação de patrimônio de inadimplentes.
f) Fim da execução previdenciária sobre parcelas já pagas

Atualmente, o parágrafo único do art. 876 da CLT determina que o juiz, de ofício, deve promover execução não apenas das contribuições sociais devidas em decorrência de decisão que proferir, como também incidente sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. 
A alteração pretendida exclui não apenas a execução de ofício, como amputa a busca de satisfação de inadimplementos previdenciários sobre salários já pagos.
Com a revogação do parágrafo único do art. 878, também o Ministério Público fica proibido de promover a execução.
g) Restrição de protesto de devedor e aceitação de seguro garantia judicial
Com o art. 883-A, dificulta outra atuação do juiz para forçar o adimplemento de dívida trabalhista. O dispositivo atravanca inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou Banco Nacional de Devedores Trabalhistas.
A partir do art. 882, facilita-se a garantia de execução – e esticamento do processo – com a possibilidade de apresentação de seguro garantia judicial.
h) Facilitação de recursos para o réu
Para empresas recorrem de decisões de primeiro grau, devem recolher aos cofres públicos valor fixado nacionalmente. Além de servir para desestimular a recorribilidade tão alta que já tempo, o valor é utilizado na fase de execução para satisfação de parte do crédito.
Introduz-se favor especial a entidades sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. Pela pretensão do art. 899, § 4º, todas essas entidades poderão recorrer recolhendo apenas metade do depósito recursal. Beneficiários da Justiça Gratuita e empresas em recuperação judicial são isentas do recolhimento (§ 9º).
O estimulo aos recursos também está no § 11. Nem mesmo é preciso haver descapitalização da empresa, pois o depósito recursal pode ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.
9. DIMINUIÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
O monopólio da jurisdição é uma das maiores conquistas da humanidade, responsável pelo afastamento das ordens decisórias privadas e semi-estatais (senhor feudal, Igreja, Corporações de Ofício). Hoje, O Poder Judiciário é a maior, senão o único, abrigo que se interpõe entre o poder do capital ou do Estado e o cidadão, esteja este no papel de trabalhador, de consumidor, de alguém que necessita o acesso a um tratamento médico, entre outras muitas hipóteses.
Como lembra o juiz Jorge Araújo, quem afirma que extinguir a JT vai acabar com os conflitos trabalhistas, está raciocinando como o marido traído que resolveu vender o sofá no qual ocorreu a traição. O mesmo magistrado pergunta-se se, antes de embarcar em uma cruzada contra uma Justiça que aplica a ideia de desigualdade econômica das partes, não seria melhor refletir sobre práticas empresariais que corroboram estado de coisas que produz tantas demandas judiciais (http://direitoetrabalho.com/2016/08/e-se-justica-do-trabalho-acabar-2/).
a) Restrições para criação e alteração de súmulas
Súmulas são resumos de entendimentos jurisprudenciais consolidados.
Atualmente há centenas de súmulas do Tribunal Superior do Trabalho a respeito de temas de Direito Material e Processual do Trabalho.
É difícil imaginar campo da Ciência Jurídica com maior dinamicidade que o Direito do Trabalho. Há impossibilidade das tantas modificações no mundo do trabalho serem imediatamente acompanhadas nas instâncias formadoras de legislação própria. As súmulas possuem o objetivo de esclarecer a aplicabilidade das leis, suprir omissões e dotar situações de fato consolidadas de minha expectativa de condições de regularidade. Em resumo, pretendem propiciar aos próprios julgadores decisões mais uniformes a casos análogos e garantir credibilidade ao próprio Poder Judiciário.
Nesse cenário, a tentativa de imprimir mínima segurança jurídica é naturalmente suprida pelos Tribunais. As súmulas são instrumentos próprios da celeridade de nosso tempo e, há alguns anos, vem atuando em orientações gerais para todo o campo das relações de trabalho.
O projeto pretende criar mecanismos para frear essa atividade, estabelecendo diversas barreiras. O plano do texto do art. 702 da CLT é de criação de três estágios de atravancamento para produção de súmulas: a) quórum de pelo menos 2/3 dos membros do tribunal; b) matéria já deve ter sido decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo menos 2/3 das turmas; c) as decisões orientadoras da súmula devem ter ocorrido em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas.
A medida é certificação de desconfiança do Poder Judiciário e estabelecimento de trava para a regulação contemporânea de situações conflituosas. A ausência de súmula sobre determinada matéria não será suprida por lei, pelo menos não na velocidade necessária a dotar as situações postas de segurança nas relações.
Mas há um problema mais geral e que causa maiores temores. Freios à interpretação jurisdicional são típicos de regimes ditatoriais e não deveriam combinar com o ambiente democrático que ainda estamos construindo.
   b) Arbitragem individual
A história da civilização ocidental confunde-se com a do avanço do monopólio da jurisdição estatal. Desde o final da Idade Média há um fluxo de substituição de ordens normativas e decisórias privadas pela atuação do Estado como instância única no conhecimento dos conflitos e pacificação social.

A arbitragem é instituto que vem tendo uso avançado em relações empresariais. Normalmente, a cláusula de compromisso de arbitragem é escolhida para contratos que envolvem matérias complexas, em que as partes mutuamente reconhecem conveniência de eventuais conflitos ficarem afastados do conhecimento do Judiciário. Ou porque as relações envolvem segredos que não devem ser publicizados, ou porque há necessidade da demanda ser resolvida com celeridade superior à usual, ou porque há questões de tamanha complexidade que somente um especialista na matéria poderia conhecer e decidir com propriedade.
Nenhum desses condicionantes pode enquadrar as relações individuais de trabalho.
A disposição do art. 507-A é de possibilidade de empregador pactuar com empregado que recebe remuneração de até duas vezes o limite de benefícios da Previdência Social uma “cláusula compromissória de arbitragem”. Com isso, no lugar dos eventuais litígios da relação serem resolvidos pelo Judiciário, passaram a ser analisados e decididos por um árbitro.
Duas certezas, caso o dispositivo seja aprovado: Primeiro, a “cláusula compromissória” estará presente em todos os contratos de emprego, pois imposta pelo empregador. Segundo, a atuação do árbitro servirá apenas para desconstrução do Direito, realização de quitações fraudulentas e perpetuação de toda a sorte de inadimplementos.
c) Indenização de danos morais
O PL de Reforma Trabalhista pretende incluir todo um novo título da CLT, com os artigos 223-A a 223-G. Chama especial atenção a vontade de estabelecer parâmetros objetivos para fixação de indenização de danos morais.
Tarifação legal de indenizações de prejuízos extrapatrimoniais é rejeitada no sistema jurídico nacional. Não apenas na Justiça do Trabalho, mas também no Cível, ao analisar a pretensão, o juiz move-se em terreno difícil e delicado da definição da equivalência entre os prejuízos e o ressarcimento efetivo e possível. Não há um critério legal, objetivo e tarifado, mas depende, essencialmente, da sensibilidade do julgador em analisar incontáveis fatores dentro da extraordinária riqueza de circunstâncias da vida.
Com o art. 223-G, § 1º, busca-se compelir o magistrado a enquadrar a pretensão ressarcitória em um de três níveis legais: leve, médio ou grave. Cada um deles tem valor máximo de indenização a ser fixada, respectivamente, cinco, dez e 50 salários do ofendido.
Os pedidos de indenizações de danos morais manejados na Justiça do Trabalho costumam ser relacionadas a situações de assédio sexual, assédio moral e resultados de acidentes de trabalho ocorridos por culpa do empregador – especialmente ressarcimentos extrapatrimoniais por perda de membros e sentidos. Filhos e viúvas também postulam indenizações de danos morais em razão da morte do pai/marido trabalhador.
O sistema proposto é pitoresco, e por diversas razões.
Primeiramente porque inaugura prática inexistente em outros ramos do Direito, especialmente o de Responsabilidade Civil, de onde vem a ideia de ressarcimento de prejuízos extrapatrimoniais. Há evidente intenção de restringir a atuação da Justiça do Trabalho e diminuir responsabilidades apenas de empregadores delinquentes.
Segundo, pelo motivo da fundamentação não corresponder com o entregue na redação do dispositivo. Em seu relatório, o Deputado Rogério Marinho apresenta especial preocupação com o chamado dano existencial. A pretensão reformista, todavia, é direcionada a todo e qualquer pedido de indenização de danos morais.
Terceiro, opta-se por vincular a indenização ao salário do ofendido. A compreensão é de que a dor espiritual do trabalhador é proporcional ao valor de seu salário: quanto mais pobre, menor o sofrimento e mais baixo o ressarcimento cabível.
Quarto, os valores estabelecidos são ridiculamente baixos. Cinquenta salários é o valor máximo para o evento danoso máximo, a morte do trabalhador. Apenas como exemplo, a jurisprudência consolidada do STJ fixa o valor indenizatório a ser pago por escola aos pais de filho morto por culpa do estabelecimento em 500 salários mínimo – dez vezes maior que o pretendido com a reforma.
O salário mínimo nacional é de R$ 937,00. Logo, empregado que ganha salário mínimo e morre por culpa exclusiva do empregador receberá R$ 46.850,00 (50 vezes seu salário). Trata-se de valor menor que a paga, por exemplo, para celebridades que enfrentam dissabores. Alguns exemplos:

A atriz Luana Piovani obteve sentença condenatória do Programa Pânico no valor de R$ 250.000,00, em razão de perseguição no quadro “Sandálias da Humildade”.
A também atriz Glória Pires e seu marido, o compositor Orlando Morais, demandaram contra empresas de comunicação que espalharam boato sobre caso amoroso entre o músico e a filha da atriz, Cléo Pires, então com 16 anos. Ganharam indenização e R$ 200.000,00 para Glória, R$ 100.000,00 direcionado a Orlando e R$ 300.000,00 ficou com Cléo.
Indignados com fofoca sobre motivos da separação, Chico Buarque e Marieta Severo demandaram contra jornal e conseguiram ressarcimento no valor de 500 salários mínimos, cada.
Sem qualquer desmerecimento a respeito da necessidade das indenizações pesadas acima citadas, vê-se clara opção de desconsideração com prejuízos suportados por empregados em razão de desmandos de seus empregadores. Valores indenizatórios baixos estimulam a perpetuação de práticas delinquentes, inclusive mortes no trabalho.
  d) Interpretação restritiva de normas coletivas
Seguindo-se a concepção de monopólio estatal de jurisdição e impossibilidade de declinação sobre situação conflituosa, cabe à magistratura corrigir inconstitucionalidades e ilegalidades de cláusulas postas em normas coletivas.
A responsabilidade judicial para analisar conteúdo de normas privadas não é invenção do Direito do Trabalho. O controle estatal sobre contratos é tendência de todo o Direito Privado, especialmente com a substituição do conceito de Autonomia da Vontade para Autonomia Privada. Há muitos anos, o contrato deixou de ser o poder reconhecido aos particulares para criação de normas ou preceitos, e passou a ser a escolha de resultados já declarados na lei, pois apenas estes são de interesse da coletividade na produção.
Se no campo das contratações civis individuais obriga-se que se submeta o conteúdo do pacto a um juízo de compatibilidade com o ordenamento globalmente considerado, a coletivização do contrato deve multiplicar a necessidade desse controle. É, portanto, de se esperar que a Justiça possa analisar as normas coletivas, de modo a poder reconhece-las como adequadas com a ordem jurídica.
A redação pretendida para o art. 8º, § 3º da CLT é exatamente o oposto. Estabelece que a Justiça do Trabalho apenas pode analisar a conformidade de acordos e convenções coletivas de trabalho com os elementos essenciais do negócio jurídico, elencadas no art. 104 do Código Civil. Significa que apenas pode averiguar capacidade dos agentes, licitude do objeto e forma adequada à lei.


10. RESTRIÇÕES À JURISDIÇÃO
Direito de Petição é instituto assegurado em diversas ordens constitucionais. Na brasileira vem expresso no art. 5º, XXXIV, “a”, com a ordem “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Pretende-se assegurar prerrogativa individual essencial ao Estado Democrático de Direito, rejeitando arbitrariedades. Também orienta atividade do Estado para que garanta instrumentos habilitados a permitir amplo acesso da população à jurisdição.
Diversos dispositivos da Reforma Trabalhista restringem ou inibem acesso ao Judiciário Trabalhista.
a) Quitação periódica
O art. 507-B proposto no projeto de lei diz ser “facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Em seu parágrafo único refere que esse termo indicará quitação anual dada pelo empregado e garantirá eficácia liberatória das parcelas especificadas.
Há décadas, a jurisprudência rejeita eficácia liberatória de quitações como a pretendida. Especialmente as realizadas no curso do contrato de emprego, pois é evidente que a necessidade do empregado de se manter no posto de trabalho retira-lhe a efetiva disposição de insurgência com malfeitos ocorridos. Enquanto trabalho for bem escasso e houver diversas ordens de sofrimento com o desemprego, recibos de quitações gerais são considerados como realizados sob necessidade, através de querer viciado e, portanto, são inválidos para liberação completa de obrigações efetivamente descumpridas.
Dispositivo como o art. 507-B tem apenas a pretensão de perpetuação de calotes, impedimento de submissão de delinquências ao Poder Judiciário e pode terminar em estabelecimento de clima geral de perda da estabilidade social. Quando não há instância para se socorrer, há grave estímulo à violência privada, ao fazer justiça com as próprias mãos.
b) Restrições à Justiça Gratuita e responsabilidade por honorários periciais
Justiça Gratuita é instituto de Direito Processual que garante isenções de pagamentos de custos do processo a todo aquele que não tiver condições econômicas e pode ser postulado tanto por autor como pelo réu.

Também como forma de não restringir acesso à jurisdição, a Justiça do Trabalho garante que reclamantes sucumbentes no objeto de perícia não precisam pagar honorários ao perito que produziu o laudo. A responsabilidade fica com o Estado.
Com o art. 790, § 3º, a Justiça Gratuita apenas pode ser deferida àqueles que ganharem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
A regra pretendida pelo art. 790-B que o reclamante sucumbente na pretensão objeto da perícia deve pagar os honorários periciais, ainda que beneficiário de Justiça Gratuita.
Demandar em juízo não costuma ser experiência agradável, mesmo para autores convictos de suas pretensões e Justiça Gratuita e gratuidade de perícia são importantes para não reprimir acesso à jurisdição.
c)Sucumbência Recíproca
Atualmente, para não reprimir acesso ao Judiciário, e seguindo-se a compreensão de dificuldades econômicas inerentes à condição de empregado litigante, apenas o réu empregador paga honorários advocatícios de sucumbência.
Com a regra do art. 791-A, § 3º, na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, veada a compensação entre os honorários. Estabelece-se, portanto, que também empregado que tiver pretensões não atendidas deverá pagar respectivos honorários ao procurador da parte contrária. Pelo § 4º do mesmo artigo, caso não tenha condições de pagar, a exigibilidade de pagamento se esgota em dois anos.
Não há dúvidas que a medida tende a reprimir integração no petitório inicial de pedidos de baixíssima probabilidade de êxito. O problema é que também desestimula a busca de satisfação de direitos efetivamente descumpridos e que apenas não conseguiram ser demonstrados no processo. O projeto não diferencia um do outro.
d) Custas de ausência à audiência
A inovação trazida no art. 844, § 2º é de que na hipótese de ausência do reclamante à audiência, será condenado ao pagamento de custas, ainda que beneficiário de Justiça Gratuita. Salvo se demonstrar que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
O§ 3º estabelece que o pagamento dessas custas é condição para propositura de nova demanda. Embora sejam medidas tendentes a restringir acesso à jurisdição, parece-nos razoável que haja repressão a ausências irresponsáveis à audiência.
O problema criado é determinar o pagamento mesmo se beneficiário de Justiça Gratuita. Cria-se hipótese de penalização permanente ao trabalhador pobre, que – em razão de falta à audiência – jamais poderá ver a injustiça consertada.
e) Distrato
A pretensão de redação do art. 484-A traz possibilidade do contrato ser extinto por acordo entre empregado e empregador. Nessa circunstância, aviso prévio e indenização do FGTS são devidas pela metade. Pelo § 1º, a movimentação da conta vinculada do Fundo de Garantia será de 80% dos depósitos. Pelo novo inciso “f” do art. 652, cabe à Justiça do Trabalho homologar o acordo extradjudicial. Esse processo passa a ser previsto nos arts. 855-B a 855-E.
A constância de ações judiciais para pagamento da integralidade de verbas rescisórias mostra que o futuro projetado no resultado desse dispositivo será de constância de coação para realização da extinção na modalidade “distrato”. Aos empregados serão colocadas as opções de distrato ou simples ausência de qualquer valor rescisório e a dificuldade de buscar adimplemento pela via judicial.
Também chama atenção que a utilização da Justiça do Trabalho como órgão de homologação de acordos extrajudiciais tende a transformar um órgão do Judiciário em mero carimbador de rescisões.
f) Plano de Demissão Voluntária
Busca-se com o art. 477-B estabelecer novo mecanismo de obtenção de liberação de pagamento de parcelas inadimplidas no curso do contrato de emprego. O dispositivo estabelece que, havendo Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, cria-se “quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia”.
Ou seja, bastará o empregador integrar na rescisão qualquer valor referente a PDV para esterilizar possibilidade de que a relação empregatícia seja objeto de qualquer tipo de discussão no âmbito judicial”.



Fonte:   http://www.amatra4.org.br/79-uncategorised/1249-reforma-trabalhista-10-novos-principios-do-direito-empresarial-do-trabalho    Acesso:17/08/2017




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