“Empregado contratado no Brasil para trabalhar em países da
África tem reconhecidos os direitos previstos na lei brasileira
TRT - 3ª Região - MG - 29/08/2017
O reclamante foi contratado no Brasil para trabalhar numa
empresa situada na cidade de Jazour, na Líbia, denominada Libyan Brazilian
Construction Development, que tem 100% do capital social pertencente à Construtora
Norberto Odebrecht S.A, tratando-se de grupo econômico. Após o trabalho na
Líbia, ele prestou serviços em Guiné, Moçambique e Angola, em contratos de
trabalho firmados com empresas do grupo da Odebrecht, com sede nesses países.
Permaneceu alguns curtos períodos sem vínculo formal de emprego, mas sempre
recebendo pagamento das empresas do grupo. Tempos depois, procurou a JT
pretendendo o reconhecimento da unicidade contratual com a Odebrecht, assim
como o pagamento dos direitos trabalhistas previstos na lei brasileira.
Essa a situação fática encontrada pela 2ª Turma do TRT-MG, ao
julgar desfavoravelmente o recurso ordinário interposto pela Construtora
Norberto Odebrecht S.A. e Odebrecht S.A, para manter sentença que reconheceu os
pedidos do trabalhador. Acompanhando o voto do relator, desembargador Sebastião
Geraldo de Oliveira, a Turma manteve o entendimento do juiz de primeira
instância, que aplicou ao caso o artigo 3ª, II, da Lei nº 7.064/82. A regra
assegura a aplicação da legislação brasileira aos trabalhadores contratados ou
transferidos para trabalhar no exterior, sempre que ela for mais favorável do
que a lei do país da execução dos serviços. E, na conclusão dos julgadores,
pela legislação brasileira, o reclamante tinha sim direito à unicidade contratual
e aos direitos trabalhistas decorrentes, com a responsabilidade solidária das
rés, já que, na realidade, embora tenha trabalhado em vários países e para
diferentes empresas, ele sempre foi empregado do grupo Odebrecht.
Tese das rés - A Construtora Norberto Odebrecht S.A. e
Odebrecht S.A, que têm sede no Brasil, afirmaram que o reclamante foi
contratado pela empresa localizada na cidade de Janzour, na Líbia, e que elas
apenas participaram da negociação, com a responsabilização solidária, por exigência
dos artigos 13 e 19 da Lei nº 7.064/82, que determinam que a contratação de um
trabalhador brasileiro por empresa estrangeira sem agência, filial ou sucursal
no Brasil, só pode ocorrer com participação de empresa nacional. Disseram que,
tendo atuado apenas como facilitadoras do contrato de trabalho do reclamante,
não houve formação de vínculo de emprego com as empresas brasileiras. Quanto
aos contratos de trabalho do reclamante na Guiné, Moçambique e Angola,
afirmaram que também foram celebrados com empresas estrangeiras e fora do
território brasileiro. Com esses argumentos, contestaram a sua condição de
empregadora do reclamante, a unicidade contratual e, ainda, os direitos
trabalhistas previstos na lei brasileira, requerendo a aplicação da lex loci executionis, ou seja, da lei do
local da prestação dos serviços. Entretanto, esses argumentos não foram
acolhidos pelo relator do recurso.
Fatos e provas - Em seu exame, o desembargador notou que foi
endereçado ao reclamante um documento intitulado Odebrecht - Mobilização para
Líbia - Instruções Gerais , o que foi suficiente para que o julgador afastasse
os argumentos das rés de que o trabalhador recebeu proposta de emprego e
celebrou o contrato de trabalho no estrangeiro. Além do mais, foi apresentada
ao processo declaração da Construtora Norberto Odebrecht S.A, dirigida ao
Ministério do Trabalho, em que ela afirma ser detentora de 100% do capital
social da Libyan Brazilian, tornando evidente para o julgador a existência de
grupo econômico entre as empresas.
O relator verificou ainda que, após o trabalho na Líbia, o
reclamante ficou pouco mais de 20 dias sem vínculo formal de emprego e, partir
daí, foi contratado por pessoas jurídicas diferentes, mas sempre ligadas ao
grupo Odebrecht (Odebrecht Construction International, OSEL - Odebrecht
Serviços no Exterior Limitada e Odebrecht Angola - Projectos e Serviços Ltda).
Ele observou que o reclamante trabalhou na Guiné (de maio a novembro/2011),
Moçambique e Angola, com alguns intervalos entre os contratos, embora nunca
tenha deixado de receber pagamento do grupo, inclusive através de pedidos de
licença sem vencimentos que eram prontamente deferidos pela Construtora
Norberto Odebrecht S.A. A empresa aceitava o restabelecimento do contrato do
reclamante, poucos dias depois do fim o contrato anterior. Tudo isso pôde ser
constatado pelo relator através da prova documental.
Mas não foi só. A prova testemunhal revelou que os empregados
eram contratados por uma empresa do grupo Odebrecht no Brasil e, somente
depois, enviados para o exterior. Inclusive, uma testemunha, que trabalhou
junto com o reclamante em Angola, disse que, para sair do Brasil, o empregado
tinha que assinar um documento dando quitação do contrato de trabalho com a
Odebrecht, como se tivesse pedindo demissão. Todas essas circunstâncias levaram
o desembargador a concluir que o trabalhador, na verdade, foi contratado pelo
grupo Odebrecht no Brasil, para prestar serviços no exterior.
Nesse quadro, segundo concluiu, aplica-se ao caso, o artigo
3ª, II, da Lei nº 7.064/82, que assegura aos trabalhadores contratados ou
transferidos para trabalhar no exterior, independentemente da observância da
legislação do local da execução dos serviços, os direitos previstos nessa lei
e, no que for com ela compatível, na lei brasileira de proteção ao trabalho,
desde que mais favorável à lei do país onde se presta serviço. A aplicação
dessa norma deve ser observada na hipótese em que a negociação contratual e
acerto das obrigações de ambas as partes foi feito no Brasil, sendo que apenas
a formalização escrita ocorreu em país estrangeiro, o que atrai a aplicação da
legislação brasileira, em razão da alteração do art. 1º da referida norma pela
Lei nº 11.962/2009, que provocou o cancelamento do entendimento firmado na
Súmula 207 do TST, destacou o desembargador, em seu voto.
Embora tenha havido baixas dos contratos na CTPS, com a
recontratação por empresas do mesmo grupo econômico, para o relator, ficou
clara a existência de um único contrato de trabalho. Isso porque, durante todo
o tempo, o reclamante trabalhou para as empresas do grupo Odebrecht no Brasil e
em diversos países da África. E, apesar da existência de alguns intervalos (a
maioria inferiores a trinta dias) em que o reclamante não prestava serviços,
ficou demonstrado que, mesmo nesses períodos, ele continuava a receber
pagamentos mensais das empresas, em valores compatíveis com o salário, fato
ocorrido, inclusive, no maior período desses intervalos, que durou pouco mais
de três meses. Diante disso, foram mantidos os elementos essenciais da relação
de emprego, que não sofreu qualquer solução de continuidade.
A decisão - Tudo isso, aliado a todo o histórico anterior e
posterior de trabalho para as empresas do mesmo grupo econômico, levou o
relator a concluir que o reclamante, na realidade, foi sempre empregado do
grupo Odebrecht, do qual fazem parte as reclamadas, mediante um único contrato
de trabalho. E, tendo em vista a submissão do contrato à legislação trabalhista
brasileira e, ainda, a unicidade contratual reconhecida, o desembargador negou
provimento ao recurso, mantendo a sentença que condenou as reclamadas a pagarem
ao reclamante as parcelas trabalhistas devidas por todo o período contratual,
entre elas: horas extras, férias + 1/3, 13º salário, valores devidos pela
integração do adicional de transferência na remuneração e FGTS + multa de 40%.
Processo
PJe: 0011182-29.2015.5.03.0137 (RO) - Acórdão em 07/07/2017”
Acesso: 30/08/2017
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