ELEIÇÕES 2018.BUSCAS E APREENSÕES. INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR.


“MEDIDA CAUTELAR NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL  ELEIÇÕES 2018: MANIFESTAÇÕES EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. ATOS DO PODER PÚBLICO: BUSCAS E APREENSÕES. ALEGADO DESCUMPRIMENTO A PRECEITOS FUNDAMENTAIS: PLAUBILIDADE JURÍDICA DEMONSTRADA. EXCEPCIONAL URGÊNCIA QUALIFICADA CONFIGURADA: DEFERIMENTO CAUTELAR AD REFERENDUM DO PLENÁRIO.


Relatório 1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com requerimento de medida cautelar, ajuizada pela Procuradora-Geral da República às 21h37min do dia 26.10.2018 (e-doc. 10), com o objetivo de “evitar e reparar lesão a preceitos fundamentais resultantes de atos do Poder Público tendentes a executar ou autorizar buscas e apreensões, assim como proibir o ingresso e interrupção de aulas, palestras, debates ou atos congêneres e promover a inquirição de docentes, discentes e de outros cidadãos que estejam em local definido como universidade pública ou privada” (fl. 2, e-doc. 1). 2. A autora indica como objeto da presente arguição decisões proferidas por juízes eleitorais, pelas quais determinam a busca e apreensão do que seriam “panfletos” e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes, proíbem aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política, impondo-se a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018, em ambiente virtual ou físico de universidades federais e estaduais. Relata episódios de ação policial presumidamente sem respaldo da Justiça e outras em cumprimento a decisões judiciais mas sem fundamento válido: “Cite-se que na Universidade Federal de Uberlândia – UFU ocorreu a retirada de faixa com propaganda eleitoral colocada do lado externo de uma das portarias do campus Santa Mônica, pela Polícia Militar, após a Universidade ter levado o caso ao conhecimento do Cartório Eleitoral de Uberlândia, não sendo possível aferir se a determinação foi exarada do juiz da 278ª ou 279ª Zona Eleitoral. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, policiais promoveram a retirada de faixas em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em março, e com as inscrições ‘Direito Uerj Antifascismo’. Por sua vez, a Universidade informou que não havia mandado judicial a autorizar as referidas ações. Na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, campus de Serrinha, foram retirados cartazes supostamente de apoio a candidato a Presidência da República” (fl. 4). Defende o cabimento da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, apontando “lesão aos direitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e de reunião (art. 5º-IV, IX e XVI), ao ensino pautado na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o pluralismo de ideias (art. 206-II e III) e à autonomia didáticocientífica e administrativa das universidades (art. 207) previstos na Constituição” (fl. 5). Realça a Procuradora Geral da República fundarem-se as buscas e apreensões realizadas em universidades públicas e privadas no art. 37 da Lei n. 9.504/1997, que dispõe: “Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. § 1o A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais). § 2º Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de: I - bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos; II - adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas,  motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado). § 3º Nas dependências do Poder Legislativo, a veiculação de propaganda eleitoral fica a critério da Mesa Diretora. § 4o Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada. § 5o Nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios, não é permitida a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza, mesmo que não lhes cause dano. § 6o É permitida a colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos. § 7o A mobilidade referida no § 6o estará caracterizada com a colocação e a retirada dos meios de propaganda entre as seis horas e as vinte e duas horas. § 8o A veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de pagamento em troca de espaço para esta finalidade.” Enfatiza estar-se às vésperas do segundo turno das eleições para Presidente da República e de Governador em algumas unidades federadas, “revelando ser ineficaz a adoção de medidas específicas, com o intuito de se salvaguardar de modo efetivo e eficiente a observância dos preceitos fundamentais aqui afrontados, a revelar, desse modo, o cabimento desta ação” (fl. 6). Argumenta fundamentar-se nos direitos e garantias individuais listados no art. 5º da Constituição da República para o ajuizamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, tendo este Supremo Tribunal reconhecido, no julgamento da ADPF n.187 o aproveitamento desse instrumento constitucional para resguardar o direito de crítica, de protesto e de discordância advindos da liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento. Anota que os incs. II e III do art. 206 da Constituição da República, nos quais estabelecidos os princípios orientadores da educação, também estimulam “a construção de espaços de liberdade em obséquio ao sentido democrático que anima as instituições da República” (trecho do voto do Ministro Celso de Mello na ADPF n. 187 ), explicitando: “Com efeito, os princípios constantes do rol do artigo 206 da Constituição visam a garantir que o ensino não se revista apenas do caráter informativo, mas, sobretudo, da formação de ideias à luz dos princípios-base que emanam da Constituição e irradiam por todo o ordenamento; entre eles, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, assim como o respeito ao pluralismo de ideias e ao debate” (fls. 7-8). Aduz que a autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição da República, qualifica-se também como preceito fundamental autorizador desta ação constitucional, citando passagem da peça inicial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 474, ajuizada pelo partido político Rede Sustentabilidade contra a concentração da gestão financeira e orçamentária das universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro (Relatora a Ministra Rosa Weber). Afirma que os atos impugnados na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental contrariam a jurisprudência deste Supremo Tribunal pautada na defesa da liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação e exorbitaram “os limites de fiscalização de lisura do processo eleitoral e afrontaram os preceitos fundamentais já mencionados, por abstraí-los” (fl. 9). Sustenta perigo na demora da suspensão dos atos impugnados e a “iminência no cometimento de outros às vésperas da eleição[, requerendo] a concessão de medida cautelar, até por decisão monocrática do eminente relator, ad referendum do Plenário, a fim de se suspender todo e qualquer ato que determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos” (fl. 9). No mérito, pede “que se declare a nulidade dos atos praticados e ora impugnados, tanto quanto de outros porventura cometidos e aqui não mencionados, assim como a abstenção, por quaisquer autoridades públicas, de todo ato tendente a, a pretexto de cumprimento do artigo 24 da Lei 9.504/97, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos” (fl. 10). 4. Distribuídos, os autos eletrônicos vieram-me conclusos às 22h38min do dia 26.10.2018 (e-doc. 11). 5. Examinados os elementos havidos nos autos, decido sobre o requerimento de medida cautelar, sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanaram os atos impugnados, em razão da urgência qualificada verificada na espécie. É a comprovação desta urgência qualificada que impede o aguardo de sessão previamente agendada para o exame da cautelar requerida, pelo Plenário deste Supremo Tribunal, em regular processamento das fases da presente arguição. Dos atos questionados 6. Pretende-se, nesta arguição de descumprimento de fundamental, a declaração de nulidade de atos do Poder Público, especificamente de decisões judiciais e administrativas de busca e apreensão de material do que seria propaganda eleitoral ou manifestação de preferência eleitoral ou de questionamento quanto a princípios em discussão no presente processo eleitoral, pedindo-se sejam impedidas práticas de vedação e interrupção de atos de manifestação de pensamento e de preferências políticas ou de contrariedade a ideias e de aulas e debates, atividade disciplinar docente e discente, a vedação do ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos e a coleta irregular de depoimentos sobre comportamentos como os descritos. 7. Dos documentos acostados aos autos, alguns incompletos, tem-se que juízes eleitorais teriam determinado medidas de busca e apreensão de documentos em ambientes universitários e interrompido ou proibido aulas e atos de manifestação de pensamento de docentes e discentes universitários, o mesmo comportamento sendo adotado, em alguns casos, sem sequer comprovação de ato judicial respaldando a providência administrativa da polícia. As medidas teriam como alegado embasamento jurídico a legislação eleitoral, que veda “a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados” (art. 37 da Lei n. 9.504/1997). Conquanto emanados de juízes eleitorais alguns e outros adotados por policiais sem comprovação de decisão judicial prévia e neles constando referências a normas legais vigentes, os atos questionados apresentam-se com subjetivismo incompatível com a objetividade e neutralidade que devem permear a função judicante, além de neles haver demonstração de erro de interpretação de lei, a conduzir a contrariedade ao direito de um Estado democrático. Liberdades públicas e processo eleitoral democrático 8. O processo eleitoral, no Estado democrático, fundamenta-se nos princípios da liberdade de manifestação do pensamento, da liberdade de informação e de ensino e aprendizagem, da liberdade de escolhas políticas, em perfeita compatibilidade com elas se tendo o princípio, também constitucionalmente adotado, da autonomia universitária. Por eles se garante a liberdade de escolha política sem o que não se tem processo eleitoral plural, como inerente à democracia a ser construída e garantida e no qual comparece a eleição como instrumento imprescindível à sua dinâmica. Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras. Por isso, toda interpretação de norma jurídica que colida com qualquer daqueles princípios, ou, o que é pior e mais grave, que restrinja ou impeça a manifestação da liberdade é inconstitucional, inválida, írrita. Todo ato particular ou estatal que limite, fora dos princípios fundamentais constitucionalmente estabelecidos, a liberdade de ser e de manifestação da forma de pensar e viver o que se é, não vale juridicamente, devendo ser impedido, desfeito ou retirado do universo das práticas aceitas ou aceitáveis. Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de manifestação há nulidade a ser desfeita. Quando esta imposição emana de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade administrativa policial) mais afrontoso é por ser ele o responsável por assegurar o pleno exercício das liberdades, responsável juridicamente por impedir sejam elas indevidamente tolhidas. Fazendo incidir restrição no ambiente de informação, ensino e aprendizagem como é o universitário, que tem o reforço constitucional da garantia de autonomia, assegurado de maneira específica e expressa constitucionalmente, para se blindar esse espaço de investidas indevidas restritivas de direitos, a demonstração da nulidade faz-se mais patente e também mais séria. 9. E no entanto, parece ter sido o que se deu no caso em exame. A liberdade é o pressuposto necessário para o exercício de todos os direitos fundamentais. Os atos questionados na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental desatendem os princípios constitucionais assecuratórios da liberdade de manifestação do pensamento e desobedecem as garantias inerentes à autonomia universitária. 10. Juízes eleitorais teriam determinado busca e apreensão de documentos, objetos e bens nos quais se conteriam expressões de negação a propostas, projetos ou indicação de ideias de grupos políticos e que estariam em equipamentos universitários. Em outra passagem da peça inicial há referência a que aquela providência de busca e apreensão teria se dado sem o respaldo de decisão judicial determinante do comportamento. Respaldaram-se, alegadamente, para tanto, em qualquer dos casos expostos, em normas que vedam propaganda eleitoral de qualquer natureza. Às vésperas de pleito eleitoral denso e tenso, as providências judiciais e os comportamentos estendem-se por interrupções de atos pelos quais se expressam ideias e ideologias, preferências, propostas e percepções do que se quer no processo político. Há que se interpretarem as normas jurídicas impeditivas de práticas durante o processo eleitoral segundo a sua finalidade e nos limites por ela contemplados e que não transgridem princípios constitucionais. Fora ou além do limite necessário ao resguardo de todas as formas de manifestação livre de pensar e do espaço livre de cada um atuar segundo o seu pensamento político o que há é abuso não de quem se expressa, mas de quem limita a expressão. 11. Dispõe o art. 37 da Lei n. 9.504/1997 ser vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados nos espaços indicados na norma. A finalidade da norma que regulamenta a propaganda eleitoral e impõe proibição de alguns comportamentos em períodos especificados é impedir o abuso do poder econômico e político e preservar a igualdade entre os candidatos no processo. A norma visa o resguardo da liberdade do cidadão, o amplo acesso das informações a fim de que ele decida segundo a sua conclusão livremente obtida, sem cerceamento direto ou indireto a seu direito de escolha. A vedação legalmente imposta tem finalidade específica. Logo, o que não se contiver nos limites da finalidade de lisura do processo eleitoral e, diversamente, atingir a livre manifestação do cidadão não se afina com a teleologia da norma eleitoral, menos ainda com os princípios constitucionais garantidores da liberdade de pensamento, de manifestação, de informação, de aprender e ensinar. No caso em apreço, para além deste princípio magno garantidor de todas as formas de manifestação da liberdade, as providências adotadas teriam ferido também a autonomia das universidades e a liberdade dos docentes e dos discentes. As práticas coartadas pelos atos questionados e que poderiam se reproduzir em afronta à garantia das liberdades – e por isso menos, insubsistentes juridicamente – não restringem direitos dos candidatos, mas o livre pensar dos cidadãos. 12. Tem-se nos incisos IV, IX e XVI do art. 5o. da Constituição do Brasil: “Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: … IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; … IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença … XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”. Os dispositivos da Lei n. 9.504/1997 somente têm interpretação válida em sua adequação e compatibilidade com os princípios acima mencionados e nos quais se garantem todas as formas de manifestação da liberdade de pensamento, de divulgação de ideias e de reunião dos cidadãos. Ao impor comportamentos restritivos ou impeditivos do exercício daqueles direitos as autoridades judiciais e policiais proferiram decisões com eles incompatíveis. Por estes atos liberdades individuais, civis e políticas foram profanadas em agressão inaceitável ao princípio democrático e ao modelo de Estado de Direito erigido e vigente no Brasil. A atuação dos cidadãos, no exercício de sua liberdade de manifestação de pensamento, não foi sequer objeto de cuidado na norma eleitoral indicada como fundamento das decisões descritas na peça inicial da presente arguição. Insista-se: volta-se a norma contra práticas abusivas e comprometedoras da livre manifestação das ideias, o que não é o mesmo nem próximo sequer do exercício das liberdades individuais e públicas. O uso de formas lícitas de divulgação de ideias, a exposição de opiniões, ideias, ideologias ou o desempenho de atividades de docência é exercício da liberdade, garantia da integridade individual digna e livre, não excesso individual ou voluntarismo sem respaldo fundamentado em lei. Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que a pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático. Exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo, que é a providência sem causa jurídica adequada e fundamentada nos princípios constitucionais e legais vigentes. 13. Tem-se na peça inicial da presente arguição que os atos questionados teriam cerceado o princípio da autonomia universitária, porque teriam se dirigido contra comportamentos e dados constantes de equipamentos havidos naquele ambiente e em manifestações próprias das atividades fins a que se propõem as universidades. Dispõem os incs. II e III do art. 206 e o art. 207 da Constituição do Brasil: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: ... II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;” … Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão...”. As normas constitucionais acima transcritas harmonizam-se, como de outra forma não seria, com os direitos às liberdades de expressão do pensamento, de informar-se, de informar e de ser informado, constitucionalmente assegurados, para o que o ensino e a aprendizagem conjugam-se assegurando espaços de libertação da pessoa, a partir de ideias e compreensões do mundo convindas ou desavindas e que se expõem para convencer ou simplesmente como exposição do entendimento de cada qual. A autonomia é o espaço de discricionariedade deixado constitucionalmente à atuação normativa infralegal de cada universidade para o excelente desempenho de suas funções constitucionais. Reitere-se: universidades são espaços de liberdade e de libertação pessoal e política. Seu título indica a pluralidade e o respeito às diferenças, às divergências para se formarem consensos, legítimos apenas quando decorrentes de manifestações livres. Discordâncias são próprias das liberdades individuais. As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam. Não se tornam por isso não gratas. Democracia não é unanimidade. Consenso não é imposição. Daí ali ser expressamente assegurado pela Constituição da República a liberdade de aprender e de ensinar e de divulgar livremente o pensamento, porque sem a manifestação garantida o pensamento é ideia engaiolada. Também o pluralismo de ideias está na base da autonomia universitária como extensão do princípio fundante da democracia brasileira, que é exposta no inc. V do art. 1o. da Constituição do Brasil. Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos. Ao se contrapor a estes direitos fundamentais e determinar providências incompatíveis com o seu pleno exercício e eficaz garantia não se interpretou a norma eleitoral vigente. Antes, a ela se ofereceu exegese incompatível com a sua dicção e traidora dos fins a que se destina, que são os de acesso igual e justo a todos os cidadãos, garantindo-lhes o direito de informar-se e projetar suas ideias, ideologias e entendimentos, especialmente em espaços afetos diretamente à atividade do livre pensar e divulgar pensamentos plurais. Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior quando parte do Estado. Por isso os atos que não se compatibilizem com os princípios democráticos e não garantam, antes restrinjam o direito de livremente expressar pensamentos e divulgar ideias são insubsistentes juridicamente por conterem vício de inconstitucionalidade. 14. Pelo exposto, em face da urgência qualificada comprovada no caso, dos riscos advindos da manutenção dos atos indicados na peça inicial da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental e que poderiam se multiplicar em face da ausência de manifestação judicial a eles contrária, defiro a medida cautelar para, ad referendum do Plenário deste Supremo Tribunal Federal, suspender os efeitos de atos judiciais ou administrativos, emanado de autoridade pública que possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos. Comunique-se, com urgência, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, encaminhando a Sua Excelência cópia desta decisão e expondo lhe a disponibilidade de seus termos a serem submetidos a referendum do Plenário segundo a definição da Secretaria do órgão colegiado. Nos termos do inc. I do art. 87, encaminhe-se cópia desta decisão aos Senhores Ministros. Intime-se a Procuradora Geral da República dos termos da presente decisão. Publique-se. Brasília, 27 de outubro de 2018. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora


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