FIANÇA.IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA DE PAGAMENTO.

TJ-SP acolhe habeas corpus da Defensoria e decide que falta de condições para pagamento de fiança não deve manter pessoa presa.


Veículo: DPE-SP
Data: 22/8/2019
 
Após pedido de habeas corpus apresentado pela Defensoria Pública de SP, o Tribunal de Justiça (TJ-SP) determinou a soltura de um homem que era mantido preso por não ter condições financeiras de pagar uma fiança, fixada em R$ 2 mil.
O homem, que não tinha qualquer registro criminal anterior, foi preso sob a acusação de embriaguez ao volante (artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro), em comarca na região de Araraquara. A autoridade policial arbitrou a fiança e, como ele não dispunha do valor estipulado, providenciou seu encaminhamento ao sistema prisional.
O acusado não foi apresentado para audiência de custódia durante plantão judiciário no final de semana.
Assim, durante o plantão, o Defensor Luís Marcelo Mendonça Bernardes apresentou habeas corpus ao juízo de primeiro grau, ressaltando a não apresentação do detido à autoridade judicial, bem como sustentando que a mera impossibilidade financeira de pagamento de fiança não é causa jurídica que justifique a privação de liberdade, principalmente no caso em questão, tratando-se de acusado primário.
Juízo plantonista, no entanto, manteve a prisão. Diante disso, o Defensor impetrou novo habeas corpus ao TJ-SP. “A manutenção da pessoa presa até o pagamento da fiança viola o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana”, afirmou Luís Marcelo no pedido. Ele lembrou que o artigo 319 do Código de Processo Penal traz um rol de 10 medidas cautelares, sendo a fiança apenas uma delas. Sendo assim, o juízo poderia arbitrar uma outra medida que não punisse o preso unicamente por sua hipossuficiência econômica.
Na decisão, o Desembargador Hermann Herschander acatou o pedido da Defensoria, concedendo a liberdade provisória sem fiança. “O não recolhimento do valor da fiança basta para evidenciar a sua situação econômica desfavorável, o que faz incidir a hipótese do artigo 350 do Código de Processo Penal”. O artigo mencionado pelo Desembargador determina que nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o a outras medidas cautelares, se for o caso.   
O Defensor Luís Marcelo avalia que “um indivíduo não pode ser privado de sua liberdade unicamente por não possuir condição financeira para o pagamento de fiança, sendo indispensável que o sistema de Justiça – Defensores Públicos, Advogados, Promotores e Judiciário – ajam com a máxima agilidade para evitar que se postergue uma prisão indevida e injusta que atinge apenas as pessoas mais pobres e vulneráveis”.
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Casos assim não são raros. É comum que a Defensoria Pública recorra até a Tribunais Superiores em Brasília para obter liberdade para pessoas pobres sem condições de arcar com o custo de fianças, ainda que a lei já determine isso.
Por isso, a Defensoria Pública de SP tem reiterado seu pedido para a criação de uma Súmula do STJ que vede a manutenção de prisão quando a pessoa estiver presa apenas porque é pobre e não consegue pagar o valor da fiança. 
Entre outros exemplos, um homem suspeito de furtar 4 desodorantes ficou 4 meses atrás das grades por ter deixado de pagar um salário mínimo (hoje em R$ 998). A fiança em primeiro grau foi fixada em outubro de 2016, mas o rapaz obteve habeas corpus apenas no mês de fevereiro seguinte, com liminar no STJ, após atuação da Defensoria.
Outro homem enquadrado por furto simples e porte de drogas poderia deixar a prisão se pagasse R$ 468,50. Sem dinheiro, aguardou dois meses encarcerado até decisão favorável do ministro Jorge Mussi, também após a Defensoria paulista recorrer ao STJ.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também já reconheceu a impossibilidade de um acusado permanecer preso por não ter condições de arcar com a fiança. Em uma das decisões, o Ministro Marco Aurélio, disse que a situação seria equiparada a prisões de natureza cível. “A ordem jurídico-constitucional e a instrumentalidade própria apenas contemplam a prisão por dívida em caso de descumprimento inescusável de obrigação alimentícia. Deve-se observar o disposto no artigo 350 do Código de Processo Penal, a revelar o implemento da liberdade provisória quando, arbitrada fiança, o Juízo perceber que a situação econômica do preso não lhe permite a satisfação”, apontou o Ministro.

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