Novo marco regulatório trabalhista infralegal

 No que concerne ao Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência, o decreto prevê que o Programa abrangerá iniciativas de revisão, compilação e consolidação dos normativos do Ministério do Trabalho, observadas a oportunidade, conveniência e compatibilização da matéria com as políticas e as diretrizes do Governo Federal e com o marco regulatório, com atenção a objetivos tais como a promoção da segurança jurídica, a adoção de conceitos claros, simples e concisos, a ampliação da transparência do arcabouço normativo e melhoria do ambiente de negócios, o aumento da competitividade e a eficiência do setor público, para a geração e a manutenção de empregos, entre outros.

Trata-se de regra clara para instituição de política pública, que permitirá a participação social e também poderá ser efetivamente exigida a execução à administração pública, pelos usuários, de modo que cumpram com o normativo antes, durante e depois vez que o Ministério deverá avaliar e monitorar, a cada dois anos, os resultados obtidos pelo Programa, conferindo efetividade às melhores práticas de gestão pública, que apontam para a necessidade de avaliação contínua das políticas públicas.

Outra inovação trazida pelo Decreto que merece destaque é o Livro de Inspeção do Trabalho Eletrônico (eLIT), tratado nos arts. 11 a 15 do Marco Regulatório. Todas as empresas que tenham ou não empregados deverão aderir, eletronicamente, ao eLIT, inclusive profissionais liberais, instituições beneficentes, associações recreativas e outras instituições sem fins lucrativos que admitirem trabalhadores como empregados.    Salienta-se que o eLIT é instrumento oficial de comunicação entre a empresa e a inspeção do trabalho, em substituição ao Livro impresso. Através dele, será possível, entre outras coisas, a consulta à legislação trabalhista, o pagamento de multas, a consulta a informações relativas às fiscalizações registradas e a processos administrativos, além do envio de documentação eletrônica.

Em outras palavras, o eLit será a principal ferramenta de comunicação entre os órgãos responsáveis pela regulação e fiscalização das relações de trabalho e os empregadores. Verifica-se expressiva facilitação no acesso e envio de informações, tanto no âmbito fiscalizatório como nos processos administrativos de fiscalização do trabalho, gerando eficiência nesta relação.

Em relação aos equipamentos de proteção individual, estes passarão a contar com certificado de aprovação emitido Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência como requisito para a sua comercialização. A medida ainda depende, no entanto, de edição de ato do Ministro do Trabalho e Previdência dispondo sobre os procedimentos e os requisitos técnicos para emissão, renovação ou alteração do certificado de aprovação. |tal medida gera segurança na utilização dos equipamentos.

Já no que concerne ao Registro Eletrônico de Controle de Jornada, o Decreto não traz grandes inovações e se mantêm em linha com as mudanças trazidas pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) no que diz respeito ao controle de horário dos empregados através de sistemas eletrônicos. Nesse sentido, dispõe que os sistemas e equipamentos utilizados no registro eletrônico considerarão os princípios da temporalidade, da integridade, da autenticidade, da irrefutabilidade, da pessoalidade e da auditabilidade.

Há, no entanto, uma mudança importante, no que se refere à permissão dada aos empregados de pré-assinalarem os intervalos intrajornada, bem como a utilização do ponto por exceção, a qual se define como uma modalidade de controle que dispensa o empregado de bater o ponto todos os dias, na hora que entra e sai do trabalho. Nesse caso, ele marca apenas atrasos, horas extras, faltas e situações semelhantes.

Sobre o ponto por exceção, a Reforma Trabalhista já havia autorizado sua utilização mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, porém, vem sendo rejeitado pela Justiça Trabalhista. Não nos parece que a alteração infralegal terá o condão de alterar o entendimento dos tribunais, o que acende um alerta para a sua utilização pelas empresas. Esse assunto exige uma mudança de cultura e talvez uma mudança legal, para que fique claro. A norma infralegal é frágil juridicamente.

Ainda, o inciso II do §2º do art. 31 do Decreto, traz previsão expressa de que os equipamentos e sistemas de controle não poderão exigir prévia autorização do empregador para registrar sobrejornadas, assegurando o seu registro pelos trabalhadores.

O decreto traz a previsão da mediação de conflitos coletivos de trabalho nos arts. 33 a 38. A norma prevê que os trabalhadores, por intermédio de entidades sindicais representativas da categoria e os empregadores, por si ou por intermédio de entidades sindicais patronais, poderão solicitar à Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência a realização de mediação, com vistas à composição de conflito coletivo.

Quando a mediação for bem-sucedida e com consenso alcançado entre as partes, o mediador deverá lavrar ata de mediação, que será revestida de natureza de título executivo extrajudicial, nos termos do disposto no inciso II, in fine, do caput do art. 784 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

O Ministério do Trabalho deverá contar com ferramentas eletrônicas ou digitais e programas de fomento à composição individual e coletiva em conflitos trabalhistas que visem à redução da judicialização trabalhista, sendo regulamentada posteriormente com os procedimentos necessários ao cumprimento da mediação.

Importante salientar também o que traz o decreto sobre a prestação de Serviços a Terceiros, a sua conceituação no §2º do art. 39 consolida o entendimento de que não há vínculo empregatício na relação trabalhista entre os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, independentemente do ramo de suas atividades, e a empresa contratante. Porém, a empresa tomadora de serviços poderá ser subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços.

Essencial o destaque para a responsabilidade das tomadoras de serviços pelas infrações relacionadas às condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores quando o trabalho for realizado nas suas dependências ou em local previamente convencionado em contrato. A disciplina normativa abre espaço para o debate quanto à responsabilidade da contratante do serviço em efetivamente remunerar o pagamento dos adicionais, nas hipóteses em que devidos, e a adequação de seus espaços físicos para a proteção dos trabalhadores.

O Decreto traz expressa disposição, ainda, quanto à vedação da caracterização de grupo econômico pela mera identidade de sócios, hipótese em que será necessária, para a sua configuração, a demonstração (i) do interesse integrado, (ii) da efetiva comunhão de interesses e (iii) da atuação conjunta das empresas que o integrem.

As disposições do Marco Regulatório Trabalhista se mantêm em linha com as decisões do Supremo Tribunal Federal, ao tratar sobre o tema em 2018 e 2020, reconhecendo-se a ampla possibilidade de terceirização de serviços de qualquer espécie, ante a declaração da constitucionalidade da Lei 13.429/2017.

O benefício do vale transporte somente poderá ser utilizado no transporte público coletivo urbano ou, ainda, intermunicipal e interestadual de caráter urbano. Ou seja, verifica-se vedação tácita ao transporte público individual. E veda ao empregador o pagamento do benefício em dinheiro, exceto aos empregados domésticos e nas hipóteses de indisponibilidade operacional da empresa operadora e de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema. Por fim, nos casos em que a empresa, por meios próprios ou contratados, proporcionar o deslocamento residência-trabalho e vice-versa de seus trabalhadores, ficará desobrigada de fornecer-lhes vale-transporte, exceto quando o trajeto não cubra integralmente os deslocamentos do obreiro, conforme já previsto na norma anterior.

Talvez o ponto mais polêmico do Marco Regulatório Trabalhista, seja a regulamentação do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). A primeira mudança que se identifica é a exigência de que as empresas que desejam gozar dos benefícios fiscais relacionados ao PAT, deverão se inscrever perante o Ministério do Trabalho. Ainda, a pessoa jurídica beneficiaria dos incentivos fiscais do programa apenas poderão (i) manter serviço próprio de refeições, (ii) distribuir alimentos ou (iii) firmar contrato com entidades de alimentação coletiva.

Já o art. 173 do referido Decreto traz a previsão expressa de que as empresas beneficiárias do PAT deverão dispor de programas destinados a promover e monitorar a saúde e a aprimorar a segurança alimentar e nutricional de seus trabalhadores, como direito humano à alimentação adequada, na forma estabelecida em ato conjunto do Ministro de Estado da Saúde e do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência, o que pode onerar as empresas que já dispunham dos benefícios do PAT.

O serviço de pagamento de alimentação deverá ser operacionalizado por meio de arranjo de pagamento, sendo vedado o saque de recursos ou execução de ordens de transferência do saldo escriturado separadamente para fins de execução do PAT.

O art. 178 traz previsão expressa de que a parcela paga in natura pela pessoa jurídica beneficiária ou disponibilizada na forma de instrumentos de pagamento, (i) não tem natureza salarial, (ii) não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos e (iii) não constitui base de incidência do FGTS, sendo vedado o seu pagamento em dinheiro.

O novo marco regulatório sedimenta e organiza o que já estava consolidado em jurisprudência e na prática, trazendo, neste momento, maior segurança jurídica para a relações.

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