Justiça da Infância e Juventude e Férias Forenses.



“ 18 - As férias forenses e as causas que tramitam perante a Justiça da Infância e Juventude: conseqüências da incidência do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente.
18 - As férias forenses e as causas que tramitam perante a Justiça da Infância e Juventude: conseqüências da incidência do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente.
MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO[1]
Uma questão que tem sido objeto de alguma controvérsia, porém recebido menos atenção do que merecia diz respeito à tramitação dos procedimentos previstos na Lei nº 8.069/90, bem como demais causas da competência da Justiça da Infância e Juventude, durante as férias forenses.
Férias forenses, na definição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[2], "são as férias coletivas dos juízos de primeiro grau e dos tribunais. Nos tribunais, são de férias coletivas os períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho a cada ano (LOMN 66, §1º). As férias forenses nos juízos de primeiro grau são fixadas pelas leis de organização judiciária" (comentário efetuado ao art.173 do Código de Processo Civil).
Ao tratar das férias forenses, o Código de Processo Civil, em seu art.173, caput, estabelece que, em regra, "...durante as férias e nos feriados não se praticarão atos processuais" (verbis), dispondo o art.174 do mesmo Diploma Legal que "processam-se durante as férias e não se suspendem pela superveniência delas:
I - os atos de jurisdição voluntária, bem como os necessários à conservação de direitos, quando possam ser prejudicados pelo adiamento;
II - as causas de alimentos provisionais, de ação ou remoção de tutores ou curadores, bem como as mencionadas no art.275;
III - todas as causas que a lei federal determinar".
O supramencionado art.275 da Lei Processual Civil, por sua vez, relaciona as causas que adotam o procedimento sumário, dentre as quais destacamos as ações que versam sobre o arrendamento rural e a parceria agrícola, cobrança de dívidas condominiais e honorários de profissionais liberais, ressarcimento de danos causados em acidente de veículo etc.
No Estado do Paraná, a matéria é tratada pelo art.89, §§1º e 3º do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná (Lei Estadual nº 7.297/80[3]), que também estabelece, para os Desembargadores do Tribunal de Justiça, Juízes do Tribunal de Alçada e Juízes de Direito titulares, o direito a férias coletivas, nos períodos de 02 a 31 de janeiro e 02 a 31 de julho, sendo que durante tal período, segundo o art.90 do mesmo Diploma Legal, "...não se praticarão atos processuais, excetos aqueles definidos pelo Código de Processo Civil e por federal, além da tramitação dos processos criminais referentes a réus presos e os habeas corpus" (verbis).
Como regra geral aqui e alhures, portanto, apenas um número bastante limitado de feitos tramitam regularmente durante os 02 (dois) meses de férias forenses anuais, o que acaba contribuindo para o aumento do volume de trabalho nos demais meses de expediente forense normal e, como conseqüência, para a já crônica morosidade da Justiça, tanto criticada em todo o Brasil.
Ponderações à parte acerca da urgente necessidade de repensar o atual modelo em favor de outro que contemple o funcionamento ininterrupto e indiscriminado dos serviços forenses, necessário impedir que, mesmo no atual sistema, as causas que tramitam perante a Justiça da Infância e Juventude sejam de qualquer modo prejudicadas pelo advento das férias forenses, o que no plano jurídico-constitucional não poderia de modo algum ocorrer, haja vista que deveriam tramitar de forma absolutamente normal, continuando a receber o tratamento prioritário que lhes é inerente.
A afirmação supra decorre da interpretação sistemática e teleológica da Lei nº 8.069/90, bem como das disposições constitucionais que lhe dão suporte.
Nesse sentido, devemos considerar que a Constituição Federal, ao introduzir no Direito Positivo Brasileiro, em seu art.227, caput, a Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, incorporou de maneira expressa o princípio da absoluta prioridade, que o Estatuto da Criança e do Adolescente determinou compreender, dentre outros aspectos, a "precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública" (art.4º, par. único, alínea "b", da Lei nº 8.069/90 - verbis).
Como não se discute o fato de o exercício da jurisdição, além de um poder estatal, se constituir num serviço público dos mais relevantes, tendo seu acesso assegurado e facilitado sempre que se tratar da defesa de direitos e interesses afetos a crianças e adolescentes (inteligência do art.5º, inciso XXXV da Constituição Federal c/c art.141 e parágrafos, da Lei nº 8.069/90[4]), inevitável a incidência do referido dispositivo, como de resto do comando constitucional relativo à absoluta prioridade à criança e ao adolescente também ao Poder Judiciário, de modo que o atendimento das causas de interesse de crianças e adolescentes - notadamente aquelas que tramitam na Justiça da Infância e Juventude, seja célere e prioritário.
O desdobramento mais explícito dessa constatação se encontra no art.198, inciso III da Lei nº 8.069/90, segundo o qual, nos Tribunais, "os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor" (verbis).
No entanto, da análise de todos os procedimentos previstos na Lei nº 8.069/90, verifica-se que sua tônica é a celeridade e a oralidade, com atos praticados em rápida sucessão e sem excesso de rigorismo formal, de modo que sua tramitação e julgamento ocorra sem maiores delongas.
E nem poderia ser diferente, na medida em que a morosidade na tramitação dos procedimentos judiciais acima mencionados pode resultar em conseqüências desastrosas às crianças e adolescentes a que dizem respeito, quer individual, quer coletivamente considerados, na medida em que seu rápido crescimento potencializa os malefícios advindos da violação e/ou abuso (e mesmo diante da simples ameaça, dado aspecto eminentemente preventivo das disposições estatutárias[5]), justamente na fase de seu desenvolvimento, de seus direitos e interesses naqueles discutida.
Assim sendo, e diante das cautelas demonstradas pelo legislador estatutário com o fim de atender ao comando do princípio constitucional alhures mencionado, não é lógico concluir que os procedimentos previstos na Lei nº 8.069/90, como de resto todas as causas que tramitam perante a Justiça da Infância e Juventude, tenham seu curso suspenso pelo advento das férias forenses, pois isso representaria num retardamento absolutamente injustificável e inaceitável de sua conclusão que, como dito acima, deve ser rápida e prioritária.
O referido entendimento decorre ainda da análise teleológica do próprio art.174 do Código de Processo Civil acima transcrito, que embora por razões óbvias não faça referência aos procedimentos previstos na Lei nº 8.069/90, que lhe é posterior, dispôs de maneira expressa que tramitam nas férias forenses tanto os procedimentos de jurisdição voluntária (e muitos dos procedimentos previstos no Estatuto possuem tal característica), quanto aqueles necessários à conservação de direitos, quando possam ser prejudicados pelo adiamento, isso sem falar naqueles mencionados no art.275 do citado Codex Adjetivo, ou seja, os que, e exemplo dos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, tramitam de forma sumária.
A propósito, não podemos deixar de mencionar que não seria lógico concluir que um procedimento em que se discute direta ou indiretamente direitos e interesses de crianças e adolescentes, que podem afetar toda uma coletividade, seja suspenso durante as férias forenses enquanto feitos nos quais se discute um simples contrato de parceria agrícola, uma cobrança de condomínio, seguro e honorários de profissionais liberais, um ressarcimento por danos em prédio urbano, em acidente de trânsito etc., têm seu trâmite normal.
Em tal hipótese, onde estaria, afinal, a prioridade ABSOLUTA à criança e ao adolescente preconizada pela Lei nº 8.069/90 e Constituição Federal?
Nesse contexto, é deveras elementar concluir que os procedimentos previstos na Lei nº 8.069/90, por sua natureza e objetivos (defesa de direitos individuais, coletivos ou difusos de crianças e adolescentes, destinatários da proteção integral nos termos da Lei e da Constituição Federal), bem como por estarem amparados pelo princípio constitucional da prioridade ABSOLUTA à criança e ao adolescente, não podem ter seu trâmite suspenso durante as férias forenses, estando inseridos, ainda que de forma implícita, na exceção prevista no art.174, inciso III do Código de Processo Civil.
Em que pese o fato de tal conclusão resultar num aumento na carga de trabalho dos órgãos do Poder Judiciário que atuam durante as férias forenses, sua operacionalização se faz imprescindível para que tenhamos uma rápida e eficaz solução para as causas que envolvem os interesses de crianças e adolescentes, que não podem esperar pelo decurso daquele período nem por uma reforma legislativa que venha afinal a suprimi-lo, garantindo o funcionamento da Justiça em caráter ininterrupto - para todos”.
[1] Promotor de Justiça integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.
[2] In "Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor". 5ª Edição. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, pág.633.
[3] com alterações promovidas, dentre outras, pela Lei Estadual nº 7.878/84.
[4] sem mencionar o contido nos arts.208 e par. único, 212 e 213, também da Lei nº 8.069/90.
[5] conforme disposições expressas contidas no art.4º, caput, 5º, 70 e 98, caput, todos da Lei nº 8.069/90.


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