“Entenda a “delação premiada”
Recentemente, a Revista Veja publicou reportagem de capa
destacando a “delação premiada” do investigado Paulo Roberto Costa, ex-diretor
de abastecimento e refino da Petrobrás, preso na Operação Lava Jato da Polícia
Federal.
A delação premiada é uma técnica de investigação consistente
na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e prestar informações
úteis ao esclarecimento do fato delituoso. É mais precisamente chamada
“colaboração premiada” – visto que nem sempre dependerá ela de uma delação. Essa
técnica de investigação ganhou notoriedade ao ser usada pelo magistrado
italiano Giovanni Falcone para desmantelar a Cosa Nostra.
A primeira lei a prever essa colaboração premiada no Brasil
foi a Lei de Crimes Hediondos. Previa-se a redução de um a dois terços da pena
do participante ou associado de quadrilha voltada à prática de crimes
hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, que denunciasse à
autoridade o grupo, permitindo seu desmantelamento (art. 8º, parágrafo único,
Lei 8.072/1990). Já no crime de extorsão mediante sequestro, o benefício
dependia que fosse facilitada a libertação da vítima (art. 159, § 4º, Código
Penal). Posteriormente, passou-se a prever a delação premiada também para
crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a ordem tributária (art.
16, parágrafo único, da Lei 8.137/1990, incluído pela Lei 9.080/1995) e crimes
praticados por organização criminosa (art. 6º, Lei 9.034/1995).
Porém, o instituto somente foi reforçado e ganhou
aplicabilidade prática com a Lei 9.613/1998, de combate à lavagem de dinheiro.
Essa lei passou a prever prêmios mais estimulantes ao colaborador como a
possibilidade de condenação a regime menos gravoso (aberto ou semiaberto),
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e até
mesmo perdão judicial (art. 1º, § 5º, Lei 9.613/1998). No mesmo sentido
caminhou a Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (arts. 13 e 14,
Lei 9.807/1999).
Posteriormente, ainda foram editadas as Leis 11.343/2006,
prevendo a colaboração premiada para crimes de tráfico de drogas (art. 41), e a
Lei 12.529/2011, que denominou a colaboração premiada de “acordo de leniência”,
prevendo sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica (arts. 86 e
87).
À exceção dessa última, todas essas legislações pecavam por
não regulamentar essa técnica de investigação, o que sujeitava alguns dos
colaboradores ao risco de caírem em um limbo jurídico e ficarem sujeitos ao
decisionismo judicial. A Lei 12.529/2011 regulamentou mais especificamente o
“acordo de leniência”, prevendo, além do evidente sigilo (art. 86, § 9º), que o
colaborador identifique os demais envolvidos e forneça informações e documentos
que comprovem a infração noticiada ou sob investigação (art. 86, I e II). Além
disso, é preciso que, por ocasião da propositura do acordo, não estejam
disponíveis com antecedência provas suficientes para assegurar a condenação, o
colaborador confesse sua participação no ilícito e coopere plena e
permanentemente com as investigações (art. 86, § 1º).
Todavia, um procedimento completo foi previsto apenas na Lei
12.850/2013, que prevê medidas de combate às organizações criminosas.
Os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em
até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos (art. 4º).
Exige-se que a colaboração seja voluntária e efetiva (art.
4º). Esta é, aliás, uma das características marcantes da colaboração premiada:
o benefício depende da efetividade da colaboração, isto é, de resultado. O
resultado pode ser a identificação de cúmplices e dos crimes por eles
praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa,
a prevenção de novos crimes, a recuperação dos lucros obtidos com a prática
criminosa ou a localização de eventual vítima com sua integridade física
assegurada (art. 4º, I a V).
O juiz não deve participar das negociações para formalização
do acordo de colaboração. Apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de
polícia e o representante do Ministério Público participam (art. 4º, § 6º). Negociado
o acordo ele deve ser formalizado contendo o relato do colaborador e eventuais
resultados pretendidos, as condições da proposta do Ministério Público e da
autoridade policial, a declaração de aceitação do colaborador e de seu
defensor, as assinaturas de todos os participantes e a especificação de medidas
de proteção ao colaborador e sua família (art. 6º).
O termo do acordo é então encaminhado, com cópia da
investigação e das declarações do colaborador, ao juiz, para homologação (art.
4º, § 7º). Após a homologação, iniciam-se propriamente as medidas de
colaboração (art. 4º, § 9º). Parte fundamental do acordo é que o colaborador
renuncia ao seu direito ao silêncio e fica compromissado a dizer a verdade
(art. 4º, § 14). Além disso, a Lei 12.850/2013 exige a presença de advogado em
todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração (art. 4º,
15º). A eficiência do acordo é julgada pelo juiz, na sentença (art. 4º, § 11),
que não pode condenar apenas com base nas declarações do colaborador, devendo
possuir meios de prova diversos (art. 4º, § 16).
Apesar de já ser aplicado desde a edição das primeiras leis
que implantaram o instituto, a colaboração premiada pode se tornar um instituto
com maior visibilidade e mais ampla utilização no processo penal brasileiro, a
depender do deslinde da Operação Lava Jato. Se a delação de Paulo Roberto Costa
gerar bons resultados, tanto para a administração da Justiça como para o
colaborador, a cultura de investigação e processamento de crimes envolvendo
grupos criminosos pode mudar bastante. A principal pergunta dos investigadores
poderá passar a ser: Quem falará primeiro?”
Acesso: 21/07/2015
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