"União homoafetiva como entidade familiar
União homoafetiva como entidade familiar - 1
A norma constante do art. 1.723 do Código Civil brasileiro (“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa foi a conclusão da Corte Suprema ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Prevaleceu o voto do Ministro Ayres Britto, relator, que deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. O relator asseverou que esse reconhecimento deve ser feito de acordo com as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva. Enfatizou que a Constituição veda, expressamente, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem, o que nivela o fato de ser homem ou de ser mulher às contingências da origem social e geográfica das pessoas, da idade, da cor da pele e da raça, na acepção de que nenhum desses fatores acidentais ou fortuitos se coloca como causa de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que seja. Afirmou que essa vedação também se dá relativamente à possibilidade da concreta utilização da sexualidade, havendo um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não.
União homoafetiva como entidade familiar - 2
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Em seguida disse haver direito a uma concreta liberdade da mais ampla extensão decorrente do silêncio intencional da Constituição quanto ao tema do emprego da sexualidade humana. Explicou que essa total ausência de previsão normativo-constitucional referente à fruição da preferência sexual possibilita a incidência da regra de que “tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido” (Constituição, artigo 5º, inciso II) e de que o emprego da sexualidade humana diz respeito à intimidade e à vida privada, as quais são direito da personalidade. Reportou-se, ainda, ao § 1º do artigo 5º da Constituição, como âncora normativa. Aduziu que essa liberdade para dispor da própria sexualidade está incluída no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito de explorar os potenciais da própria sexualidade é exercitável tanto no plano da intimidade (absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacidade (intercurso sexual). Ao levar em conta todos esses aspectos, indagou se a Constituição sonegaria aos parceiros homoafetivos, em estado de prolongada ou estabilizada união — realidade há muito constatada empiricamente no plano dos fatos —, o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heteroafetivos em idêntica situação. Após mencionar que a família deve servir de norte interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união estável, do planejamento familiar e da adoção, o relator registrou que a diretriz da formação dessa instituição é o não-atrelamento da formação da família a casais heteroafetivos ou a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Reputou que família é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credencia como base da sociedade (Constituição, artigo 226, caput). Desse modo, anotou que se deveria extrair do sistema a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família, entendida como núcleo doméstico independente de qualquer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade (Constituição, artigo 226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”). Mencionou, ainda, as espécies de família constitucionalmente previstas (artigo 226, §§ 1º a 4º), a saber, a constituída pelo casamento e pela união estável, bem como a monoparental. Por fim, ressaltou que a solução apresentada dá concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias, da não-discriminação e outros".
Processos/Procesos: ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ.
Data de julgamento/Fecha: 4 e 5.5.2011.
Fonte:
http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalJurisprudencia&idConteudo=193683. Acesso: 17/06/2017
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