Apontamentos do testamento vital.
*Márcia Cristina Diniz Fabro
O testamento vital é um tema
polêmico, tanto para o Direito Brasileiro, quanto para o Direito Estrangeiro.
O instituto abrange aspectos da autonomia da vontade privada, do direito
fundamental à vida e ainda do princípio
da dignidade da pessoa humana, dentre outros celeumas jurídicos.
Poder
passar por um cenário de doença sem querer submeter-se a tratamentos dolorosos
e ineficazes diante do quadro conclusivo da medicina de que a morte é certa e
virá indubitavelmente, pode levar a pessoa através de o testamento vital dispor
acerca do episódio delineado.
A legislação brasileira, se por um
lado privilegia a vontade privada de
evitar o sofrimento na doença e buscar abreviá-lo através do óbito, de
outra sorte, colide com a proteção constitucional do direito à vida.
No Brasil, diante do princípio da
dignidade da pessoa humana a par da tutela constitucional da autonomia da
vontade privada, é possível, a meu ver dispor sobre certos direitos de como
morrer.
Minimizar o sofrimento na hipótese de
doença terminal é realidade, sim, se elaborado
por agente capaz ou seu representante legal.
Não obstante à vida ser direito indisponível,
este direito vê limites diante de obstáculos intransponíveis que dizem respeito
ao evento morte.
Neste sentido, a questão que se
coloca é: qual o limite de autonomia da
vontade quanto aos direitos indisponíveis.
Qual
a possibilidade do individuo dispor em testamento vital a forma de uma
morte mais rápida e menos dolorosa? Há o direito à morte no lapso temporal da
autonomia da vontade do paciente ou testador ou representante legal? Em que
casos?
Para o eminente jurista Adriano
Marteleto Godinho: “ o testamento vital (também chamado testamento biológico,
testamento de vida ou testamento do paciente), consiste num documento, em que o
interessado juridicamente capaz declara quais tipos de tratamentos médicos
aceita ou rejeita, o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se
encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade”.
Aqui o paciente é capaz civilmente, e
neste caso, não resta dúvida quanto a sua legalidade no ordenamento jurídico,
para a corrente majoritária do nosso sistema jurídico.
Em apertada síntese, o paciente,
dispõe dentre outros direitos quais os tipos de tratamentos médicos que deseja
em determinados eventos de doenças incuráveis, basicamente.
Neste esteio é mister adentramos na
eutanásia instrumento através do qual a morte é abreviada, quando o paciente se
vê acometido de doença terminal.
A eutanásia trás a morte futura como escape para aliviar o sofrimento
presente, quando não há tratamento disponível no campo da medicina que possa
curar o acamado.
E, ainda quando a postergação da morte leva o doente a
um sofrimento angustiante e extremamente doloroso, também a morte surge para
expurgar o processo de dor do paciente e da família.
Neste sentido os médicos põem fim à
dor do paciente e dos familiares.
Mas só, o podem fazê-lo na medida em que haja expressa
determinação inserida em testamento vital ou, ainda, no prontuário médico do
paciente.
A dúvida que surge é a de que :podem
os familiares representarem a vontade do acamado no caso de sua incapacidade
física ou mental? É possível? Qual o limite?
A Resolução 1.995, do Conselho
Federal de Medicina, aprovada em agosto de 2012, permite que os médicos cumpram
a vontade do paciente em querer ou não
receber tratamentos que prolonguem sua
vida quando esses se mostrarem insuficientes para a reversibilidade do seu
quadro clínico, e esta vontade estiver consignada no testamento vital, ou até
no prontuário médico que dispensa desta forma o testamento vital.
Nestas hipóteses o paciente pode
relatar sua vontade de abreviar a morte e nestes casos sua solicitação constará
ou no prontuário médico ou em testamento
vital.
Destarte o médico valendo-se da
Resolução 1.995/ 2002, pode proceder à
suspensão do tratamento penoso para que
o paciente possa morrer sem dor.
O art. 5º da CF dispõe como direito
fundamental o direito a liberdade, o
direito a vida e estes estão compreendidos no principio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º,inciso III,CF). No art. 5,III,CF, está positivado que: “ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
A medicina por vezes, para prolongar
a vida do paciente em situação terminal, submete-o a tratamento que pode ser
considerado como degradante ou desumano, daí surge à possibilidade do indivíduo
capaz romper com o tratamento para abreviar seu sofrimento, através de
testamento vital ou declaração que será acolhida por escrito no prontuário
médico.
Sob, este prima o princípio da
dignidade da pessoa humana viabiliza a existência de uma vida digna e como tal
se considerar que o tratamento médico submeterá o doente a tratamento desumano
ou cruel e o paciente estará ceifado do princípio da dignidade da pessoa humana
é possível amenizar a dor através de sua vontade ou de seu parente próximo,
representante legal, trazendo afinal à morte imediata.
Frise-se que no caso do incapaz, quem responde por seus atos
são seus representantes legais e neste sentido assumem em nome deste a sua vontade.
Veja-se que no caso de prolongamento artificial da vida,
sem possibilidade de cura, nosso ordenamento jurídico deveria permitir em casos
excepcionalíssimos o processo de morte abreviada, sem dor, para evitar o
sofrimento desumano, degradante e doloroso tanto para o acometido do mal, e
ainda para dar cabo a angustia dos seus familiares (Princípio do Afeto).
Em todos os casos é preciso ter-se em
mente que nossa legislação veda o auxilio ao suicídio de modo que abreviar a
vida, só poderá vingar em casos excepcionais, quais sejam em doenças graves e
incuráveis que exponham os seus portadores a tratamento doloroso e
desumano.(art.5º,III,CF).
O art. 196 da CF dispõe que: “a saúde
é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante politicas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação”.
Infere-se que a saúde deve ser
assegurada desde a prevenção até o estágio final da doença, que não é sinônimo
de manutenção da vida do doente sem dignidade.
Tratamentos que violam fragrantemente
a dignidade da pessoa humana por obstinação terapêutica violam a vida digna e a
morte em paz.
Ademais, roborando a permissibilidade
da morte antecipada, o artigo 15 do Código Civil dispõe que: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou intervenção cirúrgica, em razão também do princípio da liberdade ao
próprio corpo”. Referido texto legal, reforça a possibilidade da quitação do
sofrimento pela morte.
Ademais, nos casos em que o paciente
não tenha condições de exprimir a sua vontade, ou por causa dos medicamentos ou
por conta da doença propriamente, estas situações rigorosamente se analisadas
permitirão que a família decida ou não pela manutenção de tratamentos
direcionados ao paciente terminal que não puder expressar sua vontade. (art.3º,
inciso II, art.1.767, inciso,I e art. 1.775 do Código Civil ).
Desta forma, pelas razões
apresentadas somos pela viabilidade de o médico suspender o tratamento de terapêuticas
paliativas para diminuir o incomodo do sofrimento em pacientes de estágio
terminal, isto se o paciente ou seu representante legal expressarem sua vontade de por fim ao
tratamento desumano e ou degradante.
Isto para não macular o direito à
morte digna tendo por parâmetros os princípios da dignidade da pessoa humana,
direito à vida, igualdade, liberdade, saúde e vedação a tratamento desumano,
degradante e tortura.
As ponderações atendem aos princípios
bioéticos, representados pelo Biodireito.
Encerro citando um trecho escrito por
D Urso em 2005, intitulado: “A eutanásia no Direito Brasileiro”, artigo
publicado no Diário do Grande ABC (...) Na forma libertadora, o enfermo
incurável pede que se lhe abrevie a dolorosa agonia, com uma morte calma , indolor.
Já na forma piedosa, o moribundo encontra-se inconsciente e tratando de caso
terminal que provoca sofrimento agudo, proporcionando horríveis espetáculos de
agonia, seu médico ou seu familiar, movido por piedade, o liberta, provocando a
antecipação de sua hora fatal. “Quanto à forma eugênica, trata-se da eliminação
daqueles seres apsíquicos e associais absolutos, loucos incuráveis e outros”.
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