“Lei 13.429 de 2017 e a
intermediação de trabalho no Brasil: perspectivas políticas e hermenêuticas”.
*Rodrigo Trindade
INTRODUÇÃO
“Godzila chega a Tóquio; a Estrela da Morte está pronta e
operacional; o Inverno aporta definitivamente em Whesteros. Não importa sua
idade ou referência apocalíptica, a Reforma Trabalhista, tal como proposta é
isso: o desastre de mundo do trabalho. E fugir para as montanhas não vai ajudar
muito.
Somos uma sociedade de trabalho, em que os indivíduos se
identificam em relações de pertencimento a partir de seus ofícios. É difícil
imaginar campo da interação humana com maior dinamicidade que o das relações
laborais. A importância que possuem as estruturas produtivas em nossa ossatura
institucional faz com que sigam em permanente dinamicidade, em um fluxo
contínuo de complexidade.
Por isso, não é exagero afirmar que novas profissões, novos
modos de trabalhar e de empreender surgem e são extintos diariamente. É não
apenas natural, como esperado que a regulação também siga esse movimento.
Alterações de regulação são essenciais para acompanhar as
tantas modificações do mundo do trabalho. Pelo menos nos últimos duzentos anos,
a trajetória de democratização e concepção de concretude dos direitos
fundamentais tem tido grande significado para o Direito do Trabalho. Ainda que
com revezes pontuais, o caminho vem sendo de democratização do ambiente de
trabalho e, principalmente, de soma de condições laborais dignas. Em grande
resumo, as novas legislações buscam o seguinte:
a) adequar tempo de trabalho a necessidades biológicas e
sociais;
b) fazer crescer a massa salarial;
c) melhorar as condições de saúde e segurança;
d) proteger e garantir trabalho a parcelas populacionais
marginalizadas;
e) estimular a continuidade de vínculos de trabalho;
f) incentivar contratações que encerrem maior rol de
benefícios sociais.
Por mais que insistam com pessimismos, esses aperfeiçoamentos
significaram melhora geral da condição de vida dos trabalhadores, crescimento
de mercado consumidor e estabilização social.
O Projeto de Lei 6.787/2016, recentemente aprovado na Câmara
dos Deputados aparece como condensador de diversas outras iniciativas de
alterações legislativas, consolidando uma grande reforma trabalhista que altera
cerca de uma centena de artigos da CLT e também avança em outras leis.
Se há certeza na necessidade de constantes aperfeiçoamentos
na legislação trabalhista, a mesma fortaleza de convicção não alcança a
identificação do PL em análise como tendo essa finalidade. Essencialmente, há
dificuldade de integrar a proposição reformista em quaisquer dos seis elementos
acima listados.
A maior parte dos dispositivos modificados ou inseridos
estabelece inovações no campo de restrição de direitos trabalhistas. Há, no
entanto, artigos objeto do projeto de lei que, ou apenas legalizam
entendimentos já ordinariamente aplicados pelos tribunais, ou promovem
atualizações de expressões e adequações ao Código de Processo Civil. Nesse
grupo estão os seguintes dispositivos, todos da CLT:
- art. 477, § 4º, II: permite pagamento de rescisão com
depósito bancário;
- art. 477, § 6º: fixa prazo de 10 dias para empregador
alcançar documentos ao ex-funcionário, após encerramento do contrato;
- art. 775: contagem de prazos processuais em dias úteis, seguindo-se
sistema do Código de Processo Civil;
- art. 791-A: fixação de honorários de sucumbência – atende
antiga e justa pretensão da advocacia.
- arts. 793-A a 793-D: utilização da sistemática do Código de
Processo Civil para definição de litigância de má-fé e repressão de práticas
indevidas no processo;
- art. 800: protocolos de exceção de incompetência
territorial;
- art. 818: regras mais claras sobre ônus probatório,
seguindo o Código de Processo Civil;
- Art. 840: redação contemporânea para a petição inicial
trabalhista;
- art. 844, § 1º: regra de estabilização do processo, a
partir da apresentação de defesa;
Art. 847, parágrafo único: reconhecimento do processo
judicial eletrônico.
Mas os dispositivos realmente importantes são outros. Em
artigo anterior, tratei sobre conveniência, legitimidade e oportunidade da
proposta reformista
(http://www.conjur.com.br/2017-mar-22/rodrigo-souza-conveniencia-legitimidade-reforma-trabalhista),
buscando desmistificar fantasias que costumam permear os arroubos
precarizantes. Em outro, busquei tratar em específico os efeitos do negociado
sobre o legislado no tempo de trabalho
(http://www.conjur.com.br/2017-abr-01/rodrigo-trindade-negociacao-livre-esculhambara-ambiente-trabalho).
Neste, gostaria de analisar o Projeto a partir de 10 grandes princípios e suas
instrumentalizações.
1. ALTERAÇÃO DA MATRIZ PRINCIPIOLÓGICA DO DIREITO MATERIAL E
PROCESSUAL DO TRABALHO
a) Direito Comum como fonte absoluta subsidiária
A redação vigente do Parágrafo Único do art. 8º da CLT prevê
que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo que em
que não for incompatível com os princípios fundantes deste.
Na proposta de redação do art. 8º, § 1º, o PL exclui a
condicionante de compatibilidade ideológica. A amputação é a mais transcendente
do Projeto porque tende a lançar orientações para toda matéria que não for
expressa e integralmente prevista na legislação trabalhista.
Referir a “direito comum” é tratar de direito civil, especialmente
o obrigacional. Desde pelo menos o início do século XX, o Direito do Trabalho é
ramo autônomo dentro da Ciência Jurídica, possuidor, por conseguinte, de
princípios próprios. A regra hermenêutica universal é de que, tratando-se de
caso difícil a ser interpretado, sem solução evidente no regramento específico,
a regra a ser construída no caso concreto deve observar a principiologia
própria. Assim, a regra do “direito mãe”, o Direito Civil, deve observar
condicionante de aplicação em compatibilidade com os princípios da ciência
próxima.
O Direito Civil Obrigacional possui orientações
principiológicas diversas, dada a evidência de – tal como o Direito do Trabalho
– ser ciência jurídica autônoma. A regra proposta nega autonomia do Direito do
Trabalho, exclui a força jurígena de seus princípios e tende a divorciar
concepções imanentes da relação obrigacional de emprego. Orientações típicas do
direito comum, como visão majoritariamente economicista, prevalência da
autonomia da vontade, e ausência de transcendência social passam a ser as
determinantes hermenêuticas, pois animadoras das regras.
Mas há uma seletividade no rol de regramento civilista que
pode ser aplicado nas relações trabalhistas. A proposta de texto para o art.
223-A determina que para reparações de danos de natureza extrapatrimonial
decorrentes de relações de trabalho, as regras aplicáveis são exclusivamente as
do Título II-A da CLT. Eventuais aportes de outros diplomas normativos que
promovam avanços no campo da identificação de danos e potencial de reparação
não podem ser utilizados.
b) Negociado sobre
Legislado
Em uma sociedade democrática, espera-se que sindicatos tenham
plena liberdade de negociar condições de trabalho com empresas. Mas há limites
ao magnetismo da autocomposição. Nossa
construção histórica é de que a lei e a Constituição fixam elementos mínimos de
condições de trabalho. Não há previsão de “gorduras”, mas o estabelecimento de
regras de salário, jornada e condições de saúde que são apenas básicas. Sair
delas é abandonar a civilização.
Por evidente, estimulam-se sindicatos a avançar, passando do
mínimo de existência. Mas veda-se que ingressem no subterrâneo de dignidade e
permitam condições ainda piores que o mínimo legal. Há isso dá-se o nome de
“progressividade” e “vedação de retrocesso social”.
Uma das mais importantes propostas de Reforma Trabalhista do
Governo Federal envolve o desamarrar do mastro, permitir que sindicatos e
empresários fiquem “livres” para fixar condições de trabalho piores que as da
lei. Em poucas palavras, que as relações de trabalho possam regredir,
retroceder.
O Projeto original previa que as normas coletivas poderiam
estabelecer acesso ao subterrâneo em 13 itens. O substitutivo em análise
colocou mais três andares no subsolo.
Além de significar subversão a regra de dignidade de
trabalho, a proposta impede ambiente leal de concorrência entre as empresas. A
opção brasileira de ter um Direito do Trabalho federal — aplicado de modo
uniforme por todo território nacional — serve a objetivos importantes da
República: garantir os primados de redução de desigualdades regionais e de
condições justas de concorrência.
Permitir acordos coletivos restritivos de direitos legais
tende a gerar graves comprometimentos no esperado equilíbrio de acesso ao
mercado. Pela proposta, os pactos podem ser feitos por empresa e, se uma
consegue precarizar o trabalho — e, por conseguinte, reduzir custos — e outra
não, forma-se situação de concorrência desleal. Nesse cenário, os lucros de
quem mais precariza são privativos, mas os custos ficam socializados.
c) Prevalência da Proteção ao Empregador
O Princípio da Proteção está atado ao Direito do Trabalho e
reconhece o empregado como o ente da relação de emprego que demanda cuidado
especial, frente à sua menor capacidade econômica. Em poucas palavras,
compensa-se a desigualdade econômica com proteção jurídica.
A própria razão de ser do Direito do trabalho é reequilibrar
a desigualdade, a partir da proteção estatal. Constata-se a aparente
unilateralidade do Direito do Trabalho, expresso na intenção deliberada de
tutelar o hipossuficiente na relação com o Capital. A idéia é de compensação:
como forma de contrabalançar a desigualdade econômica existente entre as
partes, a lei trata desigualmente os desiguais. Não existe, portanto, igualdade
jurídica no Direito do Trabalho. Outros ramos da Ciência Jurídica vêm seguindo
essa fórmula, como Direito do Consumidor e Direito Agrário.
O PL 6787 tende a remodelar o Princípio da Proteção, não
apenas para estabelecer aparência de igualdade, mas por virar o fio. Há um
direcionamento de uma série de regras orientadas para oferecer maiores
benefícios à parte que já tem maior capacidade econômica, o empregador.
Praticamente todo o Projeto visa dilatar o rol de benefícios
e facilidades ao empregador, e não foram fixadas regras de contrapartida
efetivas de consagração do Princípio da Proteção ao empregado.
Um exemplo de Direito Material e outro de Direito Processual:
Há anos doutrina séria e jurisprudência trabalhista
responsável esforçam-se para o reconhecimento da eficácia de direitos
fundamentais nas relações de emprego, estabelecendo que o contrato não pode
restringir aportes próprios da condição humana. Os pactos devem, portanto,
respeitar valores como privacidade, imagem e intimidade. A pretensão de redação
do art. 223-D, todavia, determina que “imagem, marca, nome, segredo e sigilo de
correspondência” são bens juridicamente tutelados “inerentes à pessoa
jurídica”. Ou seja, fixa que direitos fundamentais próprios da pessoa natural
(o empregado) são exigíveis unicamente para a pessoa jurídica (o empregador).
Abre-se odioso campo interpretativo de retrocesso de décadas na concepção de
limitações de interferências do empregador no campo de direitos fundamentais do
funcionário.
No campo do direito processual, o 844, § 4º estabelece
diversas situações em que réu revel não recebe a pena de confissão sobre
matéria de fato. O mesmo não ocorre com o empregado que não vai à audiência.
Se Direito do Trabalho tem como característica fundamental a
proteção ao empregado, o novo regramento das relações trabalhistas que pode se
inaugurar com o PL 6787 estabelece nascimento no Brasil de um substituto
Direito Empresarial das Relações de Trabalho.
d) Fim da Execução de Ofício
A regra do art. 878 da CLT é de execução de ofício,
exatamente em promoção do compromisso do Direito Processual do Trabalho com
Celeridade. Essa concepção foi reforçada com a Emenda Constitucional n.
45/2004, a qual elevou razoável duração do processo à condição de direito
fundamental (art. 5º, LXXVIII). A partir disso, estabelece-se dever funcional
do magistrado de impulsionar a efetividade do processo de conhecimento e
garantia última de utilidade da demanda judicial e respeito ao monopólio
estatal de jurisdição.
A proposta de redação do art. 878, com revogação de seu
Parágrafo Único, acaba com o instituto da execução de ofício, nega efetividade
ao Princípio da Celeridade e restringe tremendamente um expresso direito
fundamental.
2. CONTRATOS DE TRABALHO PRECARIZADOS
O PL 6787 promove notável ampliação em diversas modalidades
de contratos de emprego precarizados.
O padrão da relação de emprego no Brasil – como em grande
parte do mundo ocidental – segue algumas características: a) a relação
econômica corresponde à de emprego, de modo que o recebedor do serviço do
empregado é seu empregador, com quem firma contrato de emprego; b) os pactos
são firmados por prazo indeterminado; c) as contratações ocorrem com previsão
de tempo integral, seguindo os módulos de 8 horas diárias e 44 horas semanais.
Relações de emprego que não seguem esses elementos tendem a
produzir desemprego, achatamento salarial e danos à economia nacional. O
Projeto de Reforma Trabalhista cria ou amplia pelo menos quatro desses
contratos.
a) Trabalho intermitente
Não há obrigação na lei brasileira que empregados recebam
salário a partir da contagem de horas de serviço. A maioria é mensalista, mas
nada impede remuneração contada por quinzena, semana ou dia de trabalho. A
limitação está no tempo contratado: para que haja expectativa mínima de salário
com que se pode contar para viver, deve-se saber o número de horas que se
trabalhará.
As propostas de redação dos art. 443, caput e § 3º e art.
452-A criam modalidade de contrato que permite a convocação do funcionário para
trabalho, em jornada a ser determinada em momento próximo. Chamado, receberá
apenas o salário das horas efetivamente trabalhadas e nada ganha pelo período
em que aguarda. O texto pretendido para o inciso VIII do art. 611-A permite que
a regulação venha apenas da negociação coletiva.
O que se pretende é criar o “salário-surpresinha”. O
empregador poderá ter o poder de acionar o funcionário a qualquer momento da
semana. Se for convocado, ganha; se o telefone não tocar, fica sem nada. Nos
meses bons, o salário será suficiente para comer nos 30 dias; nos demais,
vive-se de luz.
A ideia não é nova e já estava no Projeto de Lei n º
218/2016, do senador Ricardo Ferraço.
Empregado não é motorista de Uber, que pode ter vários
clientes, escolher horário que está a fim de trabalhar e quem deseja atender.
Estar no tempo de espera não é ter efetiva liberdade, não dá para manter outro
emprego decente, matricular-se em qualquer curso ou ficar cuidando do filho
pequeno.
Coloquemo-nos, com sinceridade, na posição do empresário:
surgiu a demanda urgente, preciso do empregado agora, ligo para o
“jornada-flexível” e ele responde que não pode vir. Fico pendurado no pincel e
penso “esse é o cara que não dá para contar, não ligo mais, tá na rua, vou
procurar um mais comprometido com a firma”.
Ninguém sério pode acreditar que haja benefício ao
funcionário e que o contrato não será utilizado em larguíssima escala, em
substituição ao que já existe
.
b)Trabalho a tempo parcial
Hoje, apenas pode haver contratação por tempo parcial em
relações com jornada não excedente a 25 horas semanais. Trata-se do chamado
trabalho de meio expediente. Com modificação de texto do art. 58-A da CLT,
busca-se ampliar esse tipo de contrato, com pagamento de salários menores em
jornadas de até 30 horas por semana ou 26 horas semanais, com possibilidade de
mais 6 horas extras.
Há diversos estudos internacionais que mostram a inadequação
dos contratos a tempo parcial para criação de novos postos de trabalho. Ao
contrário, estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização
de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstram que as experiências
na Europa e EUA com esse tipo de contratação significou aumento de desemprego e
redução geral de salários.
c) Terceirização
A Terceirização já foi objeto de lei recente, a de n.
13.429/2017, publicada no último dia 31 de março. O projeto de lei aprofunda
ainda mais as possibilidades de repasse de parte das atividades produtivas,
permitindo transferências para “quaisquer de suas atividades, inclusive sua
atividade principal” (proposta de redação para o art. 4º-A da Lei n.
6.019/1974).
No Brasil, terceirização, tal como está hoje, mata oito em
cada 10 trabalhadores acidentados, é campeã absoluta de inadimplemento de
verbas rescisórias, paga salário achatados (quando paga) e tem amizade íntima
com trabalho análogo ao escravo. Ampliar hipóteses de terceirização é o que
pior se pode pensar para o mercado de trabalho nacional.
Para uma análise mais apurada da Lei n. 13.429/2017,
recomendamos a leitura de nosso artigo específico:
http://www.amatra4.org.br/publicacoes/artigos/1235-lei-13-429-de-2017-e-a-intermediacao-de-trabalho-no-brasil-perspectivas-politicas-e-hermeneuticas
d)
Teletrabalho
A pretensão do projeto
é regulamentar o chamado trabalho a distância, realizado por meios
tecnológicos, estabelecendo que não gera horas extras. Entre os arts. 75-A e
75-E cria-se novo Título da CLT apenas para essa modalidade de contratação.
Soma-se novo inciso ao art. 62, também da Consolidação, para excluir os
empregados em regime de teletrabalho de controle de jornada e, por conseguinte,
de pagamento de horas extras.
O trabalho remoto já é previsto na CLT (art. 6º),
permitindo-se ao juiz reconhecer vínculo de emprego e condenar ao pagamento de
horas extras, sempre que for exigido serviço em excesso ou houver efetivo
controle de horário, ainda que a distância.
Não há dúvidas que o avanço das tecnologias de comunicação
tendem a dilatar consideravelmente o número de trabalhadores em domicílio. Não
significa, todavia, que circunstâncias geográficas devam levar ao simples
abandono de regras tutelares elementares. Se aprovado, o PL significará
tendência de aumento das fraudes e notável ampliação de condições precárias e
abusivas.
3. RESTRIÇÃO AO VÍNCULO DE EMPREGO
Desde pelo menos a segunda metade do século XIX, o modelo
organizacional do mundo do trabalho é baseado na relação de emprego. Trata-se
de relação jurídica instrumentalizada em contrato animado por amplo rol de
benefícios garantidores de cidadania, especialmente a partir da condição
salarial. Outras formas de relações de trabalho sempre estiveram presentes nos
processos produtivos, mas tratadas como exceção.
Ao sabotar a relação de emprego, o PL 6787 aprofunda a
desmontagem do sistema regulatório e estimula a precarização das relações entre
capital e trabalho.
a) Trabalhador
autônomo exclusivo
Por definição, trabalhador autônomo é o que conduz sua
atividade em conta própria, de forma independente e sem subordinação. É
natural, portanto, que atue de forma ocasional, fortuita, esporádica e para
diversos tomadores.
A Reforma Trabalhista cria o art. 442-B da CLT, definindo sem
maiores critérios a figura do trabalhador autônomo exclusivo e contínuo – e que
não pode ser considerado empregado. Parece evidente o convite à fraude ao
vínculo de emprego.
b) Preposto não
empregado
Pela proposta, o art. 843, § 3º da CLT permitirá que qualquer
empresa seja representada em juízo por preposto não empregado. Instrumentaliza
a compreensão de descomprometimento com a relação de emprego e com a integração
pessoalizada de pessoas no empreendimento.
c) Desvinculação de cadeia produtiva
O vínculo de emprego é elemento fático, que independe de
formalidades de constituição do tomador do serviço. Reconhecida a
correspondência do trabalho com os elementos da relação de emprego (conforme
artigos 2º e 3º da CLT), empregador é aquele que se beneficia do trabalho.
A pretensão de redação do art. 3º, § 2º, da CLT busca excluir
a possibilidade reconhecimento de vínculo de emprego a partir de negócio
jurídico entre empregadores da mesma cadeia produtiva, ainda que em regime de
exclusividade. Há um rompimento com uma das mais importantes características do
Direito do Trabalho: a força jurígena dos fatos, com o contrato formado a
partir da realização de atos próprios do tipo.
4. ACHATAMENTO SALARIAL
Desde 2003, há forte tendência de crescimento da participação
do salário na formação do PIB nacional. Hoje, passa de 50% e a tendência é de seguir
ganhando força. Ou seja, cada vez mais o salário recebido pelos trabalhadores
tem um peso maior na produção de riquezas do país. Qualquer política pública
séria deveria buscar o fortalecimento do salário, mas o PL 6787 segue em
direção oposta e tende a produzir redução geral dos rendimentos assalariados e
aprofundar a crise econômica.
Em artigo recente, o juiz Guilherme Zambrano alerta que o
Projeto busca confundir reajustes salariais com ganhos reais
(http://www.conjur.com.br/2017-abr-23/guilherme-zambrano-reforma-desequilibra-negociacao-coletiva).
A partir disso, irá empurrar os trabalhadores para uma negociação coletiva
absolutamente desequilibrada, em que se verão obrigados a fazer grandes
concessões, unicamente em troca da preservação do valor real dos seus salários
– ou nem mesmo isso, pois em alguns casos os reajustes salariais já são
negociados abaixo da inflação do período.
A negociação coletiva sobreposta à lei somente servirá para a
diminuição de benefícios e, apenas isso, já seria bastante catastrófico. Mas o
PL indica ainda diversas outras modalidades de restrição de salários.
a) Fim da estabilidade
econômica decenal
Desde 2005, o entendimento consolidado do TST é de que, após
10 anos de exercício de cargo em comissão, o empregador pode reverter o
funcionário do cargo. O que não pode é suprimir o valor da respectiva
gratificação. Prestigia-se, assim, a estabilidade financeira e impedem-se
rupturas de expectativa remuneratória há muito tempo integradas na vida das
famílias.
A proposta de redação do art. 468, § 2º é de livremente
permitir a perda da gratificação, como resultado da reversão ao cargo efetivo,
anteriormente ocupado.
b) Perda do caráter salarial de importâncias pagas pelo
empregador
Há muito tempo, salário deixou de ser uma única rubrica
remuneratória alcançada por empregador a empregado, em função do contrato de
emprego. Quanto maior a complexidade do trabalho, somam-se diversas parcelas de
natureza salarial, como comissões, adicionais e gratificações. Em razão de
todas comporem o salário em sentido amplo, servem para formar base de cálculo
de outras parcelas trabalhistas e previdenciárias, tais como férias, 13º, FGTS
e contribuições previdenciárias.
Para restringir o valor desses reflexos, é bastante comum
empregadores buscarem mascaramentos das parcelas, abusando da criatividade
semântica. É por isso que, em grande parte, vida de juiz do trabalho é parecida
com fiscalização de doping, identificando tentativas de fraude para obtenção de
pequenas vantagens. Cumpre, portanto, rejeitar a simplicidade da escolha do
nome e reconhecer a natureza da parcela a partir de critérios de cientificidade
um pouco mais complexa.
Os pretendidos parágrafos 2º e 4º do art. 457 da CLT intentam
estabelecer valor absoluto para a semântica. A escolha das palavras “prêmio”,
“ajuda de custo”, “vale refeição”, “diária” e “abono”, faz suficiente para
excluir o caráter de salário e consequente integração no complexo salarial para
base de cálculo própria e reflexos consequentes. Os prejuízos previdenciários são
igualmente catastróficos.
c) Prevalência do
Acordo Coletivo sobre Convenção Coletiva
Todo estudante de Direito conhece a regra da pirâmide
normativa trabalhista: há uma axiologia móvel, identificada no caso concreto,
de modo a aplicar a disposição que encerrar maiores benefícios ao empregado.
A pretensão de texto para o art. 620 da CLT aleija o
Princípio da Norma mais Favorável, dispondo que as condições fixadas em acordo
coletivo prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva.
Além de abrir as comportas para ampla diminuição de
benefícios e piora de vida de trabalhadores, amplia-se o problema da
concorrência desleal. Pactos por empresa, que aumentam lucratividade a partir
da precarização de direitos, produz acesso desequilibrado ao mercado. Também
aqui, os lucros de quem mais precariza são privativos, mas os custos ficam
socializados.
d) Fim da ultratividade
Formalmente, o Tribunal Superior do Trabalho possui uma
Súmula, de número 277, que consagra a concepção da ultratividade das normas
coletivas: esgotada a vigência, mantêm as condições, até que novo instrumento
apareça.
O Ministro Gilmar Mendes deferiu liminar na ADPF 323 para
suspender a súmula. A reforma trabalhista proposta expressamente veda a
ultratividade no art. 614, § 3º, da CLT.
O resultado óbvio é que as conquistas remuneratórias
conquistadas antes da Reforma tendem a virar pó, apenas pelo decurso do prazo.
Esgotada a vigência, o empregador apenas precisa negar-se a negociar para que
os benefícios caiam.
e) Restrição à equiparação salarial
Equiparação salarial é instituto de Direito do Trabalho para
impedir discriminações dentro de uma empresa. Havendo igualdade de trabalho o
salário entre os trabalhadores deve ser igual. O difícil é definir quando o
trabalho é igual e, por isso, a jurisprudência definiu diversos critérios
restritivos: há um longo check list a ser analisado pelo intérprete para
verificar se é possível equiparar salário.
A redação pretendida no caput e parágrafos do art. 461
atravanca ainda mais a equiparação, estabelecendo diferença de tempo de serviço
entre os funcionários na empresa para quatro anos. O avanço de dificuldade
segue com critérios prejudiciais no plano de carreira, permitindo que o
empregador o maneje como quiser, sem permitir progressões funcionais. Por fim,
acaba com a chamada equiparação em cadeia.
5. AUMENTO DE JORNADA E DE TEMPO À DISPOSIÇÃO
Muito se fala das causas dos excessos de acidentes do
trabalho em nosso país, mas uma coisa é certa: não há fator mais determinante
que os exageros de jornada, sejam diários ou de acúmulos durante o ano. Não é à
toa que a maior parte dos infortúnios ocorre durante as horas extras.
Os históricos (antigos e recentes) de normatividade privada
para temas trabalhistas com patamares previstos em lei mostram uma constante de
resultados com graves prejuízos no mundo do trabalho. Estudo recente revela que
nosso país é o que tem maior acúmulo de horas extras no mundo: 76% dos
brasileiros trabalham nove horas ou mais, entre uma vez por semana e todos os
dias. A mesma pesquisa mostra que apenas US$ 294 bilhões são gerados por horas
extras no Brasil, em comparação com US$ 1,9 trilhão nos EUA, US$ 679 bilhões na
Alemanha e US$ 398 bilhões na França. Nesses países, as percentagens de
trabalhadores que fazem horas extras estão, respectivamente, em 44%, 69% e 68%.
Os números esclarecem que no Brasil se trabalha muito e se
ganha pouco com horas extras. Há dois motivos: valor baixo atribuído ao excesso
de serviço e a prática de burla em registro e pagamento. Tudo leva a crer que a
institucionalização de ampla abertura regulatória em acordos coletivos seguirá
o caminho de aprofundamento de precarizações e fraudes.
Deveríamos esperar políticas públicas sérias para restrição
de horas de trabalho, garantia de intervalos e preservação de férias. Mas o
Projeto de Reforma Trabalhista vai exatamente na contramão.
a) Intervalos inferiores
a uma hora
Atualmente, quem trabalha mais de 6 horas, precisa ter
intervalo mínimo de uma hora no meio na jornada. A regra não vem da kabala,
numerologia ou sonhos premonitórios com dígitos, mas resultado de décadas de
observação e estudo sobre trabalho humano, produtividade e necessidade
biológica de descanso.
O que se pretende com a concepção reformista é jogar pá de
cal e amputar pela metade.
Para quem tem dia de serviço sem grandes rigores físicos –
como é meu caso, em cadeira estofada e ambiente climatizado –, parece razoável.
Mas, sem qualquer critério, definição de abrangência profissional ou benefício
de contrapartida, pretende-se com o art. 611-A, III, permitir intervalo de 30
minutos para qualquer trabalhador. Não há previsão de qualquer condicionante de
contrapartida adequada, como refeitórios ou delimitação de atividades
permitidas.
Com o art. 71, § 4º da CLT busca-se que a não concessão do
intervalo gere apenas repercussões de “natureza indenizatória” e somente com
pagamento do período suprimido.
Achar que meia hora é suficiente para se alimentar, descansar
e recompor energias é concepção de quem jamais teve ideia do que é passar o dia
virando massa de cimento na enxada. Além de evidente submissão à exaustão
física em muitas atividades, a medida eleva consideravelmente os riscos de
acidentes graves.
b) Fim da jornada in
itinere
O entendimento atual é que, se tratando de trabalho em local
de difícil acesso ou sem transporte público, o tempo de deslocamento deve
entrar na jornada de trabalho. Os maiores beneficiados costumam ser
trabalhadores rurais e em agroindústrias.
A proposta de novo regramento é direcionada aos arts. 4º, §
2º e 58, § 2º, da CLT.
A ideia da reforma é excluir essa contagem, passando o
funcionário a suportar o ônus de seu empregador direcionar o trabalho em local
distante e não servido por transporte público. Abre-se a possibilidade de
abolição, pura e simples, de construção histórica e ponderada do Direito do
Trabalho de horas in itinere.
c) Jornada 12 x 36
Nossa Constituição é modelo mundial de segurança em direitos
sociais e assegura jornada máxima de oito horas diárias. Para jornadas
superiores – e apenas em duas horas – obriga-se que haja acordo de compensação
ou pagamento de horas extras. A Exceção, com fixação de 12 horas de trabalho,
seguidas de 36 de descanso, depende de previsão em negociação coletiva. Assim
ocorre porque qualquer jornada superior a oito horas é potencialmente mais
lesiva, aumenta riscos de acidentes e adoecimentos, além de limitar outras
atividades e necessidades dos empregados.
Com as propostas de redação dos arts. 59-A (antigo 59-B,
renumerado a partir de emenda acolhida pelo relator) 60 e 61, exclue-se
requisito de forma e permite-se estabelecimento ordinário da jornada 12x36 por
simples acordo individual.
Não há dúvidas que essa modalidade de tempo de trabalho é
preferida de muitos trabalhadores. O problema é o escancaramento, sem qualquer
critério ou análise de conveniência por autoridades públicas ou sindicais.
Especialmente causa preocupação que nada impedirá profissionais de saúde
acumularem diferentes contratações com esse tipo de jornada, gerando restrição
de descanso e fortes potencialidades de falhas em seus serviços.
d) Banco de horas por acordo individual
Busca-se com o art. 59 possibilitar estabelecimento de banco
de horas por simples acordo individual. Define-se no art. 59-B, que o não
atendimento das exigências legais de compensação de jornada, inclusive quando
estabelecida mediante acordo tácito, não implica repetição do pagamento, se não
ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o adicional. O
parágrafo único traz a regra de que as horas extras habituais não
descaracterizam o acordo de compensação e o banco de horas.
Causa dúvidas o que se pretende conceber por “acordo tácito
descumprido”. Algo mais evidente é a possibilidade legal de trabalho em
descumprimento a regras privadas disciplinadoras serem desacompanhadas de
repressão.
6. PREJUÍZOS AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO
Todos os parâmetros salariais mínimos partem da suposição de
condições de trabalho ordinariamente saudáveis. A Constituição Federal, em
diversos dispositivos (arts. 7º, XXII, 198, II e 225) reconhece ampla
responsabilidade pelo implemento de condições de trabalho progressivamente mais
saudáveis e seguras. Isso porque o controle dos agentes prejudiciais à saúde
serve tanto para evitar a produção de acidentes, como de doenças relacionadas
ao trabalho.
O Projeto de Reforma Trabalhista retrocede na orientação
constitucional e tende a piorar o meio ambiente de trabalho, favorecendo
adoecimentos, aposentadorias precoces e mortes.
a) Acordos sobre insalubridade
Saúde humana é questão de ordem pública. Nada mais óbvio,
portanto, que a definição de insalubridade no meio ambiente de trabalho demande
atuação de profissionais especializados e que se permita conserto necessário a
partir de atuação judicial.
Com os arts. 611-A, XIII e XIV busca-se permitir que simples
acordo individual defina o grau de insalubridade. Condições de serviço
evidentemente insalubres em grau máximo poderão ser consideradas mínimas ou até
mesmo exemplarmente salubres. Também se facilita a prorrogação de jornada
nesses ambientes, não mais necessitando de análise e anuência por autoridade
competente.
b) Lactantes e gestantes
Em maio de 2016 houve modificação da CLT para determinar que,
enquanto durar lactação ou gestação, a empregada fica afastada de atividades ou
locais insalubres. Em exemplos, a lei diz o seguinte:
- lactantes não devem aspirar poeira e solventes em rotinas de
trabalho, porque o alimento básico dos bebês não precisa conter esses temperos;
- não deve a jovem mãe seguir em serviços contaminantes, como
câmaras frias, áreas hospitalares e degolas de aves;
- o legal é ela voltar pra casa saudável e evitar adoecer aquele
que ainda tem tão poucos anticorpos;
- grávidas que labutam em ambientes mal ventilados, com calor
e ruído excessivos, costumam geram bebês doentes; e podemos evitar sem muito
esforço, porque bebê doente não é legal.
A lei recorda que submissão da grávida e seu feto a radiações
não ionizantes pode promover diversas complicações na gestação, sem falar em
más formações fetais. Bebê deformado é bem menos legal.
A reação a bebês saudáveis vem da proposta de nova redação ao
art. 394-A da CLT: qualquer atestado médico (sabe-se lá como obtido) poderá
permitir a permanência do trabalho da gestante ou lactante.
As justificativas parte de concepções de ônus empresarial
excessivo e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho para mulheres em idade
reprodutiva.
Equivoca-se quem pensa que medidas protetivas desestimulem a
contratação, ou promovam desemprego estrutural. Simplesmente não há qualquer
levantamento científico comprobatório dessa afirmação e devemos perquirir por
que repetir tamanha bobagem.
É muito grave a pretensão do projeto de permitir trabalho de
grávidas e lactantes em ambiente insalubre. Em uma sociedade civilizada, e que
se importa com suas crianças, as conveniências de empresariais não podem se
sobrepor a valores sociais muito mais importantes. Apenas genocidas e suicidas
coletivos não se importam com a perpetuação da espécie e não sei se é possível
pensar em medidas mais importantes na vida de um país que proteger a saúde de
bebês.
c) Férias tripartidas
Atualmente, a lei determina que o parcelamento de férias só
ocorre em casos excepcionais, máximo de dois períodos e um dos quais não
inferior a dez dias corridos. O projeto prevê que a negociação individual
permita até três períodos, desde que uma das frações não seja inferior a duas
semanas ininterruptas (art. 134, § 1º, da CLT).
Falar em “acordo individual” em relações de emprego é saber
que em quase todos os casos tratamos de definição unilateral do empregador.
Férias não são luxo, mas necessidade biológica de descanso e
afastamento do cansativo mundo do trabalho. Para muitos profissionais
envolvidos em rotinas estressantes (e hoje em dia quem não está?), a mente só
sai mesmo do ambiente da empresa após uma semana de desligamento físico. Sem
falar que períodos pequenos dificultam viagens e convivência familiar
continuada. Por tudo isso, o fracionamento é tratado como excepcionalidade.
O projeto quebra o conceito de férias como período longo e
ininterrupto de afastamento, direcionado a garantir saúde, bem-estar e tempo
com a família. Seguindo uma lógica meramente economicista, férias passam a ser
qualquer período em que a empresa se descobre com menor demanda produtiva.
d) Padrões impositivos de vestimenta e logomarcas
Respeito à direitos fundamentais e dignidade, imagem e honra
do trabalhador são elementos essenciais para que o ambiente de trabalho seja
tranquilo e saudável.
Com o art. 456-A, o empregador poderá definir o padrão de
vestimenta na empresa, considerando lícita a inclusão no uniforme de logomarcas
da própria empresa ou de empresas parceiras, bem como outros itens relacionados
à atividade.
Padrão de vestimenta e uso de uniforme são elementos
aceitáveis, e mesmo esperados em diversas atividades profissionais. O que
preocupa no projeto é a completa falta de critérios e preocupação com excessos
que já ocorrem em casos analisados pela Justiça. Reconhece-se como normal que
qualquer profissional se transforme em veículo de propaganda passiva,
carregando todo tipo mensagem publicitária.
Pior ainda é a ausência de qualquer ressalva ao uso de
vestimentas vexatórias ou que atentem ao pudor individual. Há clara diminuição
de direitos fundamentais relacionados à imagem e dignidade, sem qualquer tipo
de compensação ou critério.
7. DIMINUIÇÃO DAS ESTRUTURAS SINDICAIS E FACILITAÇÃO DE
DISPENSAS
a) Imposto sindical
Com os artigos 578, 579, 582 e 583 da CLT acaba-se com a
compulsoriedade da contribuição sindical.
O assunto é polêmico, inclusive dentro do movimento sindical.
Seguindo-se a coerência sistemática, o objetivo é de diminuição das condições
de atuação dos sindicatos. A eliminação do imposto sindical precisa ser tratada
com sindicatos e pensada a partir de uma progressividade. Sempre de modo a
impedir a inviabilização da atividade representativa.
O PL da Reforma Trabalhista busca acabar com unicidade e
imposto, mas não é nem um pouco bonzinho. A proposta é irresponsável e
demolidora, pois não prevê que isso seja feito de forma escalonada. A reversão
de um dia para o outro tende a ser muito pior para a representação de
trabalhadores que a permanência como está.
b) Representação de fábrica
O art. 11 da Constituição traz previsão de que nas empresas
com mais de duzentos empregados, fica assegurada eleição de representante, com
finalidade promoção do entendimento dos empregados com os empregadores.
O dispositivo finalmente ganha regulamentação, mas não na
forma pretendida para fazer valer a disposição constitucional. Entre os arts.
510-A e 510-C estabelecem-se atribuições, meios de eleição e garantia de
emprego aos representantes de empregados nas comissões de empresas.
A democratização das administrações empresariais é medida
importante, mas deve ser integrada à instância de excelência, o sindicato.
Também precisa haver o cuidado de impedir que haja utilização da comissão para
outorgar aparência de legitimidade em medidas precarizantes e de efetivação de
quitações contratuais fraudulentas.
c) Fim da assistência sindical na extinção contratual
O PL prevê completa modificação de texto do art. 477 da CLT.
No caput, a redação original é para assegurar ao empregado recebimento de
indenização por dispensa. Pelo projeto passa a servir para determinar que o
empregador registre baixa do contrato na CTPS quando houver extinção contratual,
bem como pagar verbas rescisórias.
Seguindo-se a lógica de facilitação de rescisão, os
parágrafos 1º e 3º são extintos, de modo a permitir a rescisão sem assistência
de sindicato ou qualquer outra autoridade.
Hoje, mesmo com assistência de sindicato, são muito comuns
rescisões fraudulentas, parciais ou mesmo sem pagamento de qualquer valor. A
não participação de autoridades habilitadas a orientar empregados fraudados
serve apenas para perpetuação de injustiças.
d) Liberação das despedidas coletivas
A exigência de prévia negociação coletiva com sindicatos dos
empregados em despedidas massivas está alicerçada em precedentes do Tribunal
Superior do Trabalho e também de diversos Tribunais Regionais.
O próprio TST tem pontuado que a exigência de negociação
coletiva prévia pretende tolher a livre iniciativa do empregador; ao contrário,
objetiva que o empregador atue no mercado econômico pautado na responsabilidade
social e com atendimento da função social da propriedade, tudo em defesa da
dignidade da pessoa humana.
Propõe-se no PL da Reforma Trabalhista a criação do art.
477-A da CLT, apenas para determinar que as dispensas coletivas equiparam-se às
individuais “para todos os fins”. Explicitamente para barrar os avanços
jurisprudenciais, refere que não há “necessidade de autorização prévia de
entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de
trabalho para sua efetivação”.
8. IRRESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR POR DÍVIDAS
O processo judicial trabalhista é o mais rápido do país e, em
média, sentenças são produzidas com muito maior celeridade que nos demais ramos
do Judiciário. Jamais diria que se trata de processo efetivamente veloz, mas
que ainda anda mais rápido que o os demais. O grande gargalo está na fase de
execução. Simplesmente porque há lamentável cultura nacional que reconhece
inadimplemento de dívidas certas como circunstância empresarial natural,
manobras para esconder patrimônio são instrumentos corriqueiros e recorrer ao
infinito e de forma irresponsável é habilidade de bons profissionais.
Há décadas, diversas iniciativas jurisprudenciais,
doutrinárias e de alterações legislativas são pensadas para fazer valer as
decisões jurisprudenciais. Nenhuma delas foi incorporada ao texto da Reforma
Trabalhista. Ao contrário, o PL agregou diversos instrumentos consagradores de
institucionalização do calote e inefetividade da execução trabalhista.
a) Limitação do conceito de grupo econômico
Nas redações propostas para os parágrafos 2º e 3º do art. 2º
da CLT expressamente se impedia a consideração de grupo econômico horizontal
(sem direção hierarquizada, mas formada a partir da comunhão sistematizada de
interesses empresariais), bem como os montados a partir de mera identidade de
sócios. Tratam-se de disposições permissivas de diminuição de garantias
patrimoniais por inadimplementos trabalhistas. As disposições foram excluídas
no último substitutivo.
b) Limitação de responsabilidade de sócio retirante e de
empresa sucedida
É controvertida na jurisprudência a questão da
responsabilidade de sócio retirante por dívidas trabalhistas da pessoa
jurídica. Ordinariamente se reconhece que a personalidade jurídica não deve
servir para instrumentalizar calotes e que os sócios que se beneficiaram com o
trabalho do empregado também podem ser chamados a honrarem as dívidas de suas
empresas.
Pretende-se com a criação do art. 10-A da CLT limitar a
responsabilidade do sócio retirante, fixando apenas no período em que atuou
como sócio e somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a
modificação do contrato.
Pelo art. 448-A, estabelece-se responsabilidade única do
sucessor, com exceção de demonstração de fraude na transferência.
Seguindo-se a lógica de esforço pelo não pagamento de dívidas,
a perspectiva aberta é de saída fraudulenta de sócios, substituição por
laranjas, e utilização do prazo prescricional.
c) Prescrição intercorrente
Prescrição é a perda do direito de ação ocasionada pelo
transcurso do tempo, em razão de seu titular não o ter exercido. Trata-se de
instituto importante em toda Ciência Jurídica e no Direito Privado. Oferece
certa legalidade aos cambalachos, mas atua na necessária pacificação das
relações.
Intercorrente é a prescrição que flui durante o curso do
processo. Proposta a ação, interrompe-se o prazo prescritivo; logo a seguir,
ele volta a correr, de seu início, podendo consumar-se até mesmo antes que o
processo termine. O critério intercorrente tem sido muito importante no
cotidiano do Direito Penal, por exemplo; mas vem sendo sistematicamente
rejeitado no Direito do Trabalho, inclusive com súmula própria.
O PL em análise cria o art. 11-A da CLT, com a singela
redação “Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de
dois anos”. No § 1º estabelece que o prazo prescricional intercorrente se
inicia quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial. O § 2º
facilita ainda mais ao permitir que o juiz possa, em benefício do devedor,
declarar a prescrição intercorrente.
d) Pequenas multas administrativas
Se a concepção moral de necessidade de cumprimento espontâneo
da lei trabalhista é pouco funcional, o estímulo de multas pesadas costuma ter
melhor efeito.
A proposta de redação para o art. 47 e seus parágrafos,
todavia, prevê valor baixo de multa para empregado flagrado fraudando o vínculo
de emprego. São R$ 3.000,00 por empregado não registrado. Tratando-se de
microempresa ou empresa de pequeno porte o estímulo à fraude é maior, pois o
valor da multa não passa de R$ 800,00.
e) Incidente de desconsideração de personalidade jurídica
No Direito Processual do Trabalho, há procedimento
simplificado para o chamamento dos sócios por inadimplências a partir de
dívidas de suas empresas. Com seus arts. 133 a 137 o Código de Processo Civil
inaugurou sistemática mais complicada e é por esse caminho que vai a Reforma
Trabalhista.
Pelo art. 855-A pretende-se atravancar ainda mais a
desconsideração da personalidade jurídica, trazendo o Incidente de
Desconsideração da Personalidade Jurídica para o Processo do Trabalho. Há
suspensão do processo, atrasando ainda mais a satisfação de créditos
alimentares. Em suma, abandonam-se concepções de autonomia científica,
simplificação e celeridade. Tudo em nome da preservação de patrimônio de
inadimplentes.
f) Fim da execução previdenciária sobre parcelas já pagas
Atualmente, o parágrafo único do art. 876 da CLT determina
que o juiz, de ofício, deve promover execução não apenas das contribuições
sociais devidas em decorrência de decisão que proferir, como também incidente
sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.
A alteração pretendida exclui não apenas a execução de
ofício, como amputa a busca de satisfação de inadimplementos previdenciários
sobre salários já pagos.
Com a revogação do parágrafo único do art. 878, também o
Ministério Público fica proibido de promover a execução.
g) Restrição de protesto de devedor e aceitação de seguro
garantia judicial
Com o art. 883-A, dificulta outra atuação do juiz para forçar
o adimplemento de dívida trabalhista. O dispositivo atravanca inscrição do nome
do executado em órgãos de proteção ao crédito ou Banco Nacional de Devedores
Trabalhistas.
A partir do art. 882, facilita-se a garantia de execução – e
esticamento do processo – com a possibilidade de apresentação de seguro
garantia judicial.
h) Facilitação de recursos para o réu
Para empresas recorrem de decisões de primeiro grau, devem
recolher aos cofres públicos valor fixado nacionalmente. Além de servir para
desestimular a recorribilidade tão alta que já tempo, o valor é utilizado na
fase de execução para satisfação de parte do crédito.
Introduz-se favor especial a entidades sem fins lucrativos,
entidades filantrópicas, empregadores domésticos, microempreendedores
individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. Pela pretensão do art.
899, § 4º, todas essas entidades poderão recorrer recolhendo apenas metade do
depósito recursal. Beneficiários da Justiça Gratuita e empresas em recuperação
judicial são isentas do recolhimento (§ 9º).
O estimulo aos recursos também está no § 11. Nem mesmo é
preciso haver descapitalização da empresa, pois o depósito recursal pode ser
substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.
9. DIMINUIÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
O monopólio da jurisdição é uma das maiores conquistas da
humanidade, responsável pelo afastamento das ordens decisórias privadas e
semi-estatais (senhor feudal, Igreja, Corporações de Ofício). Hoje, O Poder
Judiciário é a maior, senão o único, abrigo que se interpõe entre o poder do
capital ou do Estado e o cidadão, esteja este no papel de trabalhador, de
consumidor, de alguém que necessita o acesso a um tratamento médico, entre
outras muitas hipóteses.
Como lembra o juiz Jorge Araújo, quem afirma que extinguir a
JT vai acabar com os conflitos trabalhistas, está raciocinando como o marido
traído que resolveu vender o sofá no qual ocorreu a traição. O mesmo magistrado
pergunta-se se, antes de embarcar em uma cruzada contra uma Justiça que aplica
a ideia de desigualdade econômica das partes, não seria melhor refletir sobre
práticas empresariais que corroboram estado de coisas que produz tantas
demandas judiciais
(http://direitoetrabalho.com/2016/08/e-se-justica-do-trabalho-acabar-2/).
a) Restrições para criação e alteração de súmulas
Súmulas são resumos de entendimentos jurisprudenciais
consolidados.
Atualmente há centenas de súmulas do Tribunal Superior do
Trabalho a respeito de temas de Direito Material e Processual do Trabalho.
É difícil imaginar campo da Ciência Jurídica com maior
dinamicidade que o Direito do Trabalho. Há impossibilidade das tantas
modificações no mundo do trabalho serem imediatamente acompanhadas nas
instâncias formadoras de legislação própria. As súmulas possuem o objetivo de
esclarecer a aplicabilidade das leis, suprir omissões e dotar situações de fato
consolidadas de minha expectativa de condições de regularidade. Em resumo,
pretendem propiciar aos próprios julgadores decisões mais uniformes a casos
análogos e garantir credibilidade ao próprio Poder Judiciário.
Nesse cenário, a tentativa de imprimir mínima segurança
jurídica é naturalmente suprida pelos Tribunais. As súmulas são instrumentos
próprios da celeridade de nosso tempo e, há alguns anos, vem atuando em
orientações gerais para todo o campo das relações de trabalho.
O projeto pretende criar mecanismos para frear essa
atividade, estabelecendo diversas barreiras. O plano do texto do art. 702 da
CLT é de criação de três estágios de atravancamento para produção de súmulas:
a) quórum de pelo menos 2/3 dos membros do tribunal; b) matéria já deve ter
sido decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo menos 2/3 das turmas;
c) as decisões orientadoras da súmula devem ter ocorrido em pelo menos dez
sessões diferentes em cada uma delas.
A medida é certificação de desconfiança do Poder Judiciário e
estabelecimento de trava para a regulação contemporânea de situações
conflituosas. A ausência de súmula sobre determinada matéria não será suprida
por lei, pelo menos não na velocidade necessária a dotar as situações postas de
segurança nas relações.
Mas há um problema mais geral e que causa maiores temores.
Freios à interpretação jurisdicional são típicos de regimes ditatoriais e não
deveriam combinar com o ambiente democrático que ainda estamos construindo.
b) Arbitragem
individual
A história da civilização ocidental confunde-se com a do
avanço do monopólio da jurisdição estatal. Desde o final da Idade Média há um
fluxo de substituição de ordens normativas e decisórias privadas pela atuação
do Estado como instância única no conhecimento dos conflitos e pacificação
social.
A arbitragem é instituto que vem tendo uso avançado em
relações empresariais. Normalmente, a cláusula de compromisso de arbitragem é
escolhida para contratos que envolvem matérias complexas, em que as partes
mutuamente reconhecem conveniência de eventuais conflitos ficarem afastados do
conhecimento do Judiciário. Ou porque as relações envolvem segredos que não
devem ser publicizados, ou porque há necessidade da demanda ser resolvida com
celeridade superior à usual, ou porque há questões de tamanha complexidade que
somente um especialista na matéria poderia conhecer e decidir com propriedade.
Nenhum desses condicionantes pode enquadrar as relações
individuais de trabalho.
A disposição do art. 507-A é de possibilidade de empregador
pactuar com empregado que recebe remuneração de até duas vezes o limite de
benefícios da Previdência Social uma “cláusula compromissória de arbitragem”.
Com isso, no lugar dos eventuais litígios da relação serem resolvidos pelo
Judiciário, passaram a ser analisados e decididos por um árbitro.
Duas certezas, caso o dispositivo seja aprovado: Primeiro, a
“cláusula compromissória” estará presente em todos os contratos de emprego,
pois imposta pelo empregador. Segundo, a atuação do árbitro servirá apenas para
desconstrução do Direito, realização de quitações fraudulentas e perpetuação de
toda a sorte de inadimplementos.
c) Indenização de danos morais
O PL de Reforma Trabalhista pretende incluir todo um novo
título da CLT, com os artigos 223-A a 223-G. Chama especial atenção a vontade
de estabelecer parâmetros objetivos para fixação de indenização de danos
morais.
Tarifação legal de indenizações de prejuízos
extrapatrimoniais é rejeitada no sistema jurídico nacional. Não apenas na
Justiça do Trabalho, mas também no Cível, ao analisar a pretensão, o juiz
move-se em terreno difícil e delicado da definição da equivalência entre os
prejuízos e o ressarcimento efetivo e possível. Não há um critério legal,
objetivo e tarifado, mas depende, essencialmente, da sensibilidade do julgador
em analisar incontáveis fatores dentro da extraordinária riqueza de
circunstâncias da vida.
Com o art. 223-G, § 1º, busca-se compelir o magistrado a
enquadrar a pretensão ressarcitória em um de três níveis legais: leve, médio ou
grave. Cada um deles tem valor máximo de indenização a ser fixada, respectivamente,
cinco, dez e 50 salários do ofendido.
Os pedidos de indenizações de danos morais manejados na
Justiça do Trabalho costumam ser relacionadas a situações de assédio sexual,
assédio moral e resultados de acidentes de trabalho ocorridos por culpa do
empregador – especialmente ressarcimentos extrapatrimoniais por perda de
membros e sentidos. Filhos e viúvas também postulam indenizações de danos
morais em razão da morte do pai/marido trabalhador.
O sistema proposto é pitoresco, e por diversas razões.
Primeiramente porque inaugura prática inexistente em outros
ramos do Direito, especialmente o de Responsabilidade Civil, de onde vem a
ideia de ressarcimento de prejuízos extrapatrimoniais. Há evidente intenção de
restringir a atuação da Justiça do Trabalho e diminuir responsabilidades apenas
de empregadores delinquentes.
Segundo, pelo motivo da fundamentação não corresponder com o
entregue na redação do dispositivo. Em seu relatório, o Deputado Rogério
Marinho apresenta especial preocupação com o chamado dano existencial. A
pretensão reformista, todavia, é direcionada a todo e qualquer pedido de
indenização de danos morais.
Terceiro, opta-se por vincular a indenização ao salário do
ofendido. A compreensão é de que a dor espiritual do trabalhador é proporcional
ao valor de seu salário: quanto mais pobre, menor o sofrimento e mais baixo o
ressarcimento cabível.
Quarto, os valores estabelecidos são ridiculamente baixos.
Cinquenta salários é o valor máximo para o evento danoso máximo, a morte do
trabalhador. Apenas como exemplo, a jurisprudência consolidada do STJ fixa o
valor indenizatório a ser pago por escola aos pais de filho morto por culpa do
estabelecimento em 500 salários mínimo – dez vezes maior que o pretendido com a
reforma.
O salário mínimo nacional é de R$ 937,00. Logo, empregado que
ganha salário mínimo e morre por culpa exclusiva do empregador receberá R$
46.850,00 (50 vezes seu salário). Trata-se de valor menor que a paga, por
exemplo, para celebridades que enfrentam dissabores. Alguns exemplos:
A atriz Luana Piovani obteve sentença condenatória do
Programa Pânico no valor de R$ 250.000,00, em razão de perseguição no quadro
“Sandálias da Humildade”.
A também atriz Glória Pires e seu marido, o compositor
Orlando Morais, demandaram contra empresas de comunicação que espalharam boato
sobre caso amoroso entre o músico e a filha da atriz, Cléo Pires, então com 16
anos. Ganharam indenização e R$ 200.000,00 para Glória, R$ 100.000,00
direcionado a Orlando e R$ 300.000,00 ficou com Cléo.
Indignados com fofoca sobre motivos da separação, Chico
Buarque e Marieta Severo demandaram contra jornal e conseguiram ressarcimento
no valor de 500 salários mínimos, cada.
Sem qualquer desmerecimento a respeito da necessidade das
indenizações pesadas acima citadas, vê-se clara opção de desconsideração com
prejuízos suportados por empregados em razão de desmandos de seus empregadores.
Valores indenizatórios baixos estimulam a perpetuação de práticas delinquentes,
inclusive mortes no trabalho.
d) Interpretação
restritiva de normas coletivas
Seguindo-se a concepção de monopólio estatal de jurisdição e
impossibilidade de declinação sobre situação conflituosa, cabe à magistratura
corrigir inconstitucionalidades e ilegalidades de cláusulas postas em normas
coletivas.
A responsabilidade judicial para analisar conteúdo de normas
privadas não é invenção do Direito do Trabalho. O controle estatal sobre
contratos é tendência de todo o Direito Privado, especialmente com a
substituição do conceito de Autonomia da Vontade para Autonomia Privada. Há
muitos anos, o contrato deixou de ser o poder reconhecido aos particulares para
criação de normas ou preceitos, e passou a ser a escolha de resultados já
declarados na lei, pois apenas estes são de interesse da coletividade na
produção.
Se no campo das contratações civis individuais obriga-se que
se submeta o conteúdo do pacto a um juízo de compatibilidade com o ordenamento
globalmente considerado, a coletivização do contrato deve multiplicar a
necessidade desse controle. É, portanto, de se esperar que a Justiça possa
analisar as normas coletivas, de modo a poder reconhece-las como adequadas com
a ordem jurídica.
A redação pretendida para o art. 8º, § 3º da CLT é exatamente
o oposto. Estabelece que a Justiça do Trabalho apenas pode analisar a
conformidade de acordos e convenções coletivas de trabalho com os elementos
essenciais do negócio jurídico, elencadas no art. 104 do Código Civil.
Significa que apenas pode averiguar capacidade dos agentes, licitude do objeto
e forma adequada à lei.
10. RESTRIÇÕES À JURISDIÇÃO
Direito de Petição é instituto assegurado em diversas ordens
constitucionais. Na brasileira vem expresso no art. 5º, XXXIV, “a”, com a ordem
“o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder”. Pretende-se assegurar prerrogativa individual
essencial ao Estado Democrático de Direito, rejeitando arbitrariedades. Também
orienta atividade do Estado para que garanta instrumentos habilitados a
permitir amplo acesso da população à jurisdição.
Diversos dispositivos da Reforma Trabalhista restringem ou
inibem acesso ao Judiciário Trabalhista.
a) Quitação periódica
O art. 507-B proposto no projeto de lei diz ser “facultado a
empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o
termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos
empregados da categoria. Em seu parágrafo único refere que esse termo indicará
quitação anual dada pelo empregado e garantirá eficácia liberatória das
parcelas especificadas.
Há décadas, a jurisprudência rejeita eficácia liberatória de quitações
como a pretendida. Especialmente as realizadas no curso do contrato de emprego,
pois é evidente que a necessidade do empregado de se manter no posto de
trabalho retira-lhe a efetiva disposição de insurgência com malfeitos
ocorridos. Enquanto trabalho for bem escasso e houver diversas ordens de
sofrimento com o desemprego, recibos de quitações gerais são considerados como
realizados sob necessidade, através de querer viciado e, portanto, são
inválidos para liberação completa de obrigações efetivamente descumpridas.
Dispositivo como o art. 507-B tem apenas a pretensão de
perpetuação de calotes, impedimento de submissão de delinquências ao Poder
Judiciário e pode terminar em estabelecimento de clima geral de perda da
estabilidade social. Quando não há instância para se socorrer, há grave
estímulo à violência privada, ao fazer justiça com as próprias mãos.
b) Restrições à Justiça Gratuita e responsabilidade por
honorários periciais
Justiça Gratuita é instituto de Direito Processual que
garante isenções de pagamentos de custos do processo a todo aquele que não
tiver condições econômicas e pode ser postulado tanto por autor como pelo réu.
Também como forma de não restringir acesso à jurisdição, a
Justiça do Trabalho garante que reclamantes sucumbentes no objeto de perícia
não precisam pagar honorários ao perito que produziu o laudo. A
responsabilidade fica com o Estado.
Com o art. 790, § 3º, a Justiça Gratuita apenas pode ser
deferida àqueles que ganharem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo
dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
A regra pretendida pelo art. 790-B que o reclamante
sucumbente na pretensão objeto da perícia deve pagar os honorários periciais,
ainda que beneficiário de Justiça Gratuita.
Demandar em juízo não costuma ser experiência agradável,
mesmo para autores convictos de suas pretensões e Justiça Gratuita e gratuidade
de perícia são importantes para não reprimir acesso à jurisdição
.
c)Sucumbência Recíproca
Atualmente, para não reprimir acesso ao Judiciário, e
seguindo-se a compreensão de dificuldades econômicas inerentes à condição de
empregado litigante, apenas o réu empregador paga honorários advocatícios de
sucumbência.
Com a regra do art. 791-A, § 3º, na hipótese de procedência
parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, veada a
compensação entre os honorários. Estabelece-se, portanto, que também empregado
que tiver pretensões não atendidas deverá pagar respectivos honorários ao
procurador da parte contrária. Pelo § 4º do mesmo artigo, caso não tenha
condições de pagar, a exigibilidade de pagamento se esgota em dois anos.
Não há dúvidas que a medida tende a reprimir integração no
petitório inicial de pedidos de baixíssima probabilidade de êxito. O problema é
que também desestimula a busca de satisfação de direitos efetivamente
descumpridos e que apenas não conseguiram ser demonstrados no processo. O
projeto não diferencia um do outro.
d) Custas de ausência à audiência
A inovação trazida no art. 844, § 2º é de que na hipótese de
ausência do reclamante à audiência, será condenado ao pagamento de custas,
ainda que beneficiário de Justiça Gratuita. Salvo se demonstrar que a ausência
ocorreu por motivo legalmente justificável.
O§ 3º estabelece que o pagamento dessas custas é condição
para propositura de nova demanda. Embora sejam medidas tendentes a restringir
acesso à jurisdição, parece-nos razoável que haja repressão a ausências
irresponsáveis à audiência.
O problema criado é determinar o pagamento mesmo se
beneficiário de Justiça Gratuita. Cria-se hipótese de penalização permanente ao
trabalhador pobre, que – em razão de falta à audiência – jamais poderá ver a
injustiça consertada.
e) Distrato
A pretensão de redação do art. 484-A traz possibilidade do
contrato ser extinto por acordo entre empregado e empregador. Nessa
circunstância, aviso prévio e indenização do FGTS são devidas pela metade. Pelo
§ 1º, a movimentação da conta vinculada do Fundo de Garantia será de 80% dos
depósitos. Pelo novo inciso “f” do art. 652, cabe à Justiça do Trabalho
homologar o acordo extradjudicial. Esse processo passa a ser previsto nos arts.
855-B a 855-E.
A constância de ações judiciais para pagamento da
integralidade de verbas rescisórias mostra que o futuro projetado no resultado
desse dispositivo será de constância de coação para realização da extinção na
modalidade “distrato”. Aos empregados serão colocadas as opções de distrato ou
simples ausência de qualquer valor rescisório e a dificuldade de buscar
adimplemento pela via judicial.
Também chama atenção que a utilização da Justiça do Trabalho
como órgão de homologação de acordos extrajudiciais tende a transformar um
órgão do Judiciário em mero carimbador de rescisões.
f) Plano de Demissão Voluntária
Busca-se com o art. 477-B estabelecer novo mecanismo de
obtenção de liberação de pagamento de parcelas inadimplidas no curso do
contrato de emprego. O dispositivo estabelece que, havendo Plano de Demissão
Voluntária ou Incentivada, cria-se “quitação plena e irrevogável dos direitos
decorrentes da relação empregatícia”.
Ou seja, bastará o empregador integrar na rescisão qualquer
valor referente a PDV para esterilizar possibilidade de que a relação
empregatícia seja objeto de qualquer tipo de discussão no âmbito judicial.
O FUTURO DO PROJETO
A evidência de necessidade nacional de legislação clara e
contemporânea não pode ser confundida com atropelo sobre questões tão
importantes.
A Reforma Trabalhista precisa ser analisado em conjunto. Os
pouquíssimos avanços identificados não desnaturam a essência da iniciativa:
retroceder em elementos básicos de civilização, convivência e esperança de
poder viver em um Estado não demolidor da dignidade do trabalho.
Também não há perspectivas de oferecimento de maior segurança
jurídica em curto ou médio prazo. O Projeto inaugura elementos divorciados da
ordem constitucional e de toda a trajetória do Direito do Trabalho.
O PL 6787 foi aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados e
será, agora, analisado pelo Senado. O grande atropelo notado na primeira Casa
gerou a inadequação do Projeto e espera-se que agora possa sofrer debate
amadurecido, seguir ritmo normal e poder ser melhor conhecido pela população”.
*Rodrigo Trindade. Juiz presidente da
AMATRA IV.
Fonte: > http://www.amatra4.org.br/79-uncategorised/1249-reforma-trabalhista-10-novos-principios-do-direito-empresarial-do-trabalho
< . Acesso 11/06/2017
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