STJ

Processo

AREsp 1297819

Relator(a)

Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Data da Publicação

15/08/2018

Decisão

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.297.819 - SP (2018/0121427-7)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
AGRAVANTE  : MARCO ANTONIO EVANGELISTA DE LUCENA
ADVOGADO : CLITO FORNACIARI JÚNIOR  - SP040564
AGRAVADO   : ALEXANDER STRIEMER - ESPÓLIO
REPR. POR  : PETER MICHAEL STRIEMER - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : GRAZIA SANTANGELO  - SP069954
RACHELINA SANTIANGELO  - SP070460
INTERES.   : CAROLINA STRIEMER
INTERES.   : CELIA MARIA PEREIRA DA SILVA
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 2. PRETENSÃO DE
EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ESTRANGEIRA.
DESCABIMENTO. PARTILHA DE NUMERÁRIO PORVENTURA CONSTANTE NA CONTA
BANCÁRIA DE TITULARIDADE DO DE CUJUS QUE DEVE SER REGIDA PELA LEI DO
PAÍS EM QUE SITUADO (LEX REI SITAE). PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE.
NÃO EVIDENCIADO O INTERESSE PÚBLICO IMPRESCINDÍVEL AO DEFERIMENTO DA
MEDIDA. 3. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
ESPECIAL.
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por Marco Antônio Evangelista de
Lucena contra decisão que não admitiu o processamento do recurso
especial.
Denota-se, da análise dos autos, que o ora recorrente interpôs
agravo de instrumento desafiando julgado de primeiro grau que não
acolheu o pedido de expedição de ofício à instituição financeira
estrangeira, uma vez que somente os bens situados no Brasil serão
inventariados, nos termos do art. 23 do Código de Processo Civil de
2015 (art. 89 do CPC/1973).
Analisando aquele recurso, a Quinta Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou-lhe provimento, nos
termos do acórdão recorrido assim ementado (e-STJ, fl. 176):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES - Insurgência contra decisão que
indeferiu pedido de expedição do ofício para instituição financeira
localizada no exterior. Descabimento. Jurisdição brasileira que não
é competente para inventariar bens situados fora do país. Ausência
de interesse público na medida pretendida. Precedente do E. Superior
Tribunal de Justiça, bem como desta C. Corte. Decisão mantida.
Agravo improvido.
Os embargos de declaração opostos pelo demandante foram rejeitados.
Nas razões do recurso especial, interposto com fulcro na alínea a do
permissivo constitucional, o recorrente alegou a existência de
violação aos arts. 23, III, e 1.022, II, do Código de Processo Civil
de 2015.
Defendeu, em caráter preliminar, a ocorrência de negativa de
prestação jurisdicional. No mérito, sustentou ser devida a
pretendida expedição de carta rogatória à Suíça, a fim de que seja
informada a movimentação na conta bancária do de cujus, estando
presente motivo de ordem pública a subsidiar o seu pedido.
O processamento do recurso especial foi denegado pelo Tribunal de
origem, o que levou o insurgente à interposição do presente agravo.
Brevemente relatado, decido.
Relativamente à suposta negativa de prestação jurisdicional, é
preciso deixar claro que o acórdão recorrido resolveu
satisfatoriamente as questões deduzidas no processo, sem incorrer
nos vícios de obscuridade, contradição ou omissão com relação a
ponto controvertido relevante, cujo exame pudesse levar a um
diferente resultado na prestação de tutela jurisdicional.
Assinala-se, na hipótese, que o aresto combatido expressamente
enfrentou a questão suscitada pelo recorrente (acerca da pretensão
de expedição de carta rogatória), de modo a esclarecer a
inexistência da omissão apontada no julgado impugnado, tratando-se,
na verdade, de pretensão de novo julgamento da matéria.
Desse modo, aplica-se à espécie o entendimento pacífico do STJ
segundo o qual não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do
CPC/1973 (art. 1.022, II, do CPC/2015), porquanto a prestação
jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, uma vez que
"o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de
modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da
controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da
pretendida" (AgInt no REsp 1.383.088/PR, Rel. Ministra Assusete
Magalhães, Segunda Turma, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016).
Quanto à requerida expedição de ofício a instituição financeira
estrangeira, pretendendo o recebimento de informações a respeito da
movimentação da conta bancária do falecido, enfatiza-se que a
sucessão dos bens do de cujus situados no estrangeiro regula-se pela
lei do país de regência, nos termos do vigente art. 23, II, do
CPC/2015 (correspondente ao art. 89, II, do CPC/1973). Tal
regramento preconiza o princípio da territorialidade.
Nessa linha de raciocínio, assenta-se a convicção de Cristiano
Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald, em sua obra
Manual de Direito Civil (Volume Único, JusPODIVUM, 2017, p. 2.088,
sem grifo no original):
Em se tratando de inventário e partilha de bens situados no
território brasileiro, mesmo que pertencentes a um estrangeiro que
residia no exterior, a competência para processá-lo e julgá-lo é da
Justiça Brasileira, com exclusividade, conforme a norma processual
(CPC, art. 23, II). Inversamente, em se tratando de bens situados no
exterior, mesmo que pertencentes a um brasileiro, prevalece o
entendimento de que a competência para processar e julgar a sua
partilha escapa à jurisdição brasileira, cabendo ao país respectivo
onde estiverem situados.
Para além disso, o inciso XXXI do art. 5º do Texto Constitucional
consagra o direito fundamental dos herdeiros brasileiros à norma
sucessória mais benéfica quando se tratar de bem situado no Brasil,
deixado por estrangeiro. A regra só é aplicável à sucessão de bens
de estrangeiros situados no território nacional. Se os bens estão no
exterior, aplica-se a lei do país onde se encontram (princípio da
territorialidade). No entanto, se os bens estão no território
brasileiro e o falecido deixou herdeiros brasileiros (descedentens,
ascendentes, cônjuge ou companheiro ou colateriais até o quarto
grau), incidirá a regra da norma mais benéfica. Para tanto, o juiz
verificará se a norma mais benéfica é a brasileira ou a dos país ao
qual pertencia o de cujus.
A fim de elucidar a matéria, aponta-se, também, que a Terceira Turma
desta Corte, ao julgar o REsp 1.362.400/SP, desta relatoria,
assentou que, por existirem bens imóveis partilhados tanto no Brasil
quanto no país estrangeiro (Alemanha, no caso analisado),
evidenciou-se a pluralidade de juízos sucessórios, definindo-se, com
isso, a lex rei sitae como a regente da sucessão a ser efetiva em
cada um dos países onde situados os bens partilhados. Desse modo,
afastou-se a incidência da lei brasileira, de domicílio do autor da
herança, sobre os imóveis localizados no território alienígena.
A propósito, confira-se a ementa do precedente suscitado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AÇÃO DE SONEGADOS
PROMOVIDA PELOS NETOS DA AUTORA DA HERANÇA (E ALEGADAMENTE HERDEIROS
POR REPRESENTAÇÃO DE SEU PAI, PRÉ-MORTO) EM FACE DA FILHA
SOBREVIVENTE DA DE CUJUS, REPUTADA HERDEIRA ÚNICA POR TESTAMENTO
CERRADO E CONJUNTIVO FEITO EM 1943, EM MEIO A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL, NA ALEMANHA, DESTINADA A SOBREPARTILHAR BEM IMÓVEL SITUADO
NAQUELE PAÍS (OU O PRODUTO DE SUA VENDA). 1. LEI DO DOMICÍLIO DO
AUTOR DA HERANÇA PARA REGULAR A CORRELATA SUCESSÃO. REGRA QUE
COMPORTA EXCEÇÃO. EXISTÊNCIA DE BENS EM ESTADOS DIFERENTES. 2.
JURISDIÇÃO BRASILEIRA. NÃO INSTAURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DELIBERAR
SOBRE BEM SITUADO NO EXTERIOR. ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DA PLURALIDADE
DOS JUÍZOS SUCESSÓRIOS. 3. EXISTÊNCIA DE IMÓVEL SITUADO NA ALEMANHA,
BEM COMO REALIZAÇÃO DE TESTAMENTO NESSE PAÍS. CIRCUNSTÂNCIAS
PREVALENTES A DEFINIR A LEX REI SITAE COMO A REGENTE DA SUCESSÃO
RELATIVA AO ALUDIDO BEM. APLICAÇÃO. 4. PRETENSÃO DE SOBREPARTILHAR O
IMÓVEL SITO NA ALEMANHA OU O PRODUTO DE SUA VENDA.
INADMISSIBILIDADE. RECONHECIMENTO, PELA LEI E PELO PODER JUDICIÁRIO
ALEMÃO, DA CONDIÇÃO DE HERDEIRA ÚNICA DO BEM. INCORPORAÇÃO AO SEU
PATRIMÔNIO JURÍDICO POR DIREITO PRÓPRIO. LEI DO DOMICILIO DO DE
CUJUS. INAPLICABILIDADE ANTES E DEPOIS DO ENCERRAMENTO DA SUCESSÃO
RELACIONADA AO IMÓVEL SITUADO NO EXTERIOR. 5. IMPUTAÇÃO DE MÁ-FÉ DA
INVENTARIANTE. INSUBSISTÊNCIA. 6. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. A lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB)
elegeu o domicílio como relevante regra de conexão para solver
conflitos decorrentes de situações jurídicas relacionadas a mais de
um sistema legal (conflitos de leis interespaciais), porquanto
consistente na própria sede jurídica do indivíduo. Em que pese a
prevalência da lei do domicílio do indivíduo para regular as suas
relações jurídicas pessoais, conforme preceitua a LINDB, esta regra
de conexão não é absoluta.
1.2 Especificamente à lei regente da sucessão, pode-se assentar, de
igual modo, que o art. 10 da LINDB, ao estabelecer a lei do
domicílio do autor da herança para regê-la, não assume caráter
absoluto. A conformação do direito internacional privado exige a
ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a
depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do de
cujus. Na espécie, destacam-se a situação da coisa e a própria
vontade da autora da herança ao outorgar testamento, elegendo,
quanto ao bem sito no exterior, reflexamente a lei de regência.
2. O art. 10, caput, da LINDB deve ser analisado e interpretado
sistematicamente, em conjunto, portanto, com as demais normas
internas que regulam o tema, em especial o art. 8º, caput, e § 1º do
art. 12, ambos da LINDB e o art. 89 do CPC. E, o fazendo,
verifica-se que, na hipótese de haver bens imóveis a inventariar
situados, simultaneamente, aqui e no exterior, o Brasil adota o
princípio da pluralidade dos juízos sucessórios.
2.1 Inserem-se, inarredavelmente, no espectro de relações afetas aos
bens imóveis aquelas destinadas a sua transmissão/alienação, seja
por ato entre vivos, seja causa mortis, cabendo, portanto, à lei do
país em que situados regê-las (art. 8º, caput, LINDB).
2.2 A Jurisdição brasileira, com exclusão de qualquer outra, deve
conhecer e julgar as ações relativas aos imóveis situados no país,
assim como proceder ao inventário e partilha de bens situados no
Brasil, independente do domicílio ou da nacionalidade do autor da
herança (Art. 89 CPC e § 2º do art. 12 da LINDB)
3. A existência de imóvel situado na Alemanha, bem como a realização
de testamento nesse país são circunstâncias prevalentes a definir a
lex rei sitae como a regente da sucessão relativa ao aludido bem (e
somente a ele, ressalta-se), afastando-se, assim, a lei brasileira,
de domicílio da autora da herança. Será, portanto, herdeiro do
aludido imóvel quem a lei alemã disser que o é. E, segundo a decisão
exarada pela Justiça alemã, em que se reconheceu a validade e
eficácia do testamento efetuado pelo casal em 1943, durante a
Segunda Guerra Mundial, a demandada é a única herdeira do imóvel
situado naquele país (ante a verificação das circunstâncias ali
referidas - morte dos testadores e de um dos filhos).
3.1 Esta decisão não tem qualquer repercussão na sucessão aberta - e
concluída - no Brasil, relacionada ao patrimônio aqui situado. De
igual modo, a jurisdição brasileira, porque também não instaurada,
não pode proceder a qualquer deliberação quanto à extensão do que,
na Alemanha, restou decidido sobre o imóvel lá situado.
4. O imóvel situado na Alemanha (ou posteriormente, o seu produto),
de acordo com a lei de regência da correspondente sucessão, passou a
integrar o patrimônio jurídico da única herdeira. A lei brasileira,
de domicílio da autora da herança, não tem aplicação em relação à
sucessão do referido bem, antes de sua consecução, e, muito menos,
depois que o imóvel passou a compor a esfera jurídica da única
herdeira. Assim, a providência judicial do juízo sucessório
brasileiro de inventariar e sobrepartilhar o imóvel ou o produto de
sua venda afigurar-se-ia inexistente, porquanto remanesceria não
instaurada, de igual modo, a jurisdição nacional. E, por
consectário, a pretensão de posterior compensação revela-se de todo
descabida, porquanto significaria, em última análise, a aplicação
indevida e indireta da própria lei brasileira.
5. O decreto expedido pelo Governo alemão, que viabilizara a
restituição de bens confiscados aos proprietários que comprovassem a
correspondente titularidade, é fato ocorrido muito tempo depois do
encerramento da sucessão aberta no Brasil e que, por óbvio, refugiu,
a toda evidência, da vontade e do domínio da inventariante. Desde
1983, a ré, em conjunto com os autores, envidou esforços para obter
a restituição do bem. E, sendo direito próprio, já que o bem passou
a integrar seu patrimônio jurídico, absolutamente descabido exigir
qualquer iniciativa da ré em sobrepartilhar tal bem, ou o produto de
sua venda. Do que ressai absolutamente infundada qualquer imputação
de má-fé à pessoa da inventariante.
6. Recurso especial improvido.
(REsp 1362400/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 05/06/2015)
No caso em estudo, a Corte local, adotando o entendimento
supracitado, manteve a negativa do pleito de expedição de ofício à
instituição financeira Bank Julius Bar & Co. situada no estrangeiro
(Suíça), sob o fundamento de que, não sendo a Justiça Brasileira
competente para proceder à partilha do numerário lá constante em
conta bancária de titularidade do falecido, inexiste interesse
público a amparar o pedido, sendo medida "plenamente prescindível ao
desfecho do inventário além de acarretar morosidade ao trâmite
processual" (e-STJ, fl. 178).
De fato, agiu com acerto o TJSP, pois, não alcançando a lei
brasileira o bem a ser inventariado e partilhado localizado no
exterior, não se afigura útil ao processo a expedição de ofício a
fim de aferir a monta total depositada na conta bancária do de
cujus, uma vez que não integrará o inventário em curso no Brasil.
Tal partilha deve ser requerida e processada no país alienígena, em
observância ao princípio da territorialidade.
Outrossim, conforme consignado no acórdão recorrido, esta Casa já
dispôs no mesmo sentido, no qual foi negada a expedição de carta
rogatória para obter informações bancárias, uma vez que não é dado à
parte "fazer uso do Poder Judiciário como instrumento para a
descoberta de informações relacionadas a interesses meramente
pessoais, porque a tanto não se coaduna a função jurisdicional":
Recurso especial. Ação de inventário. Constatação da existência, no
exterior, de conta bancária que pertencia ao falecido. Requerimento
de expedição de carta rogatória, visando à obtenção de dados
relativos a tal conta.
- A expedição de carta rogatória para obter informações bancárias
deve ser permitida quando presente motivo de ordem pública, ou seja,
na hipótese de a informação requerida ser útil ao processo.
- Contudo, não será possível à parte fazer uso do Poder Judiciário
como instrumento para a descoberta de informações relacionadas a
interesses meramente pessoais, porque a tanto não se coaduna a
função jurisdicional. À autoridade judiciária deve ser concedida a
prerrogativa de indeferir pedidos impertinentes e de cunho meramente
pessoal, por não ser possível à partes transferir ao Poder Público o
ônus de diligenciar acerca de informações que só a elas interessam.
Recurso especial parcialmente conhecido e provido.
(REsp 698.526/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 18/05/2006, DJ 20/11/2006, p. 302)
Nesse contexto, mostra-se escorreito o desfecho dado pelo Tribunal
de origem ao agravo de instrumento interposto pelo ora recorrente,
não havendo nenhuma alteração a ser efetivada no aresto impugnado.
Ante o exposto, conheço do agravo para negar provimento ao recurso
especial.
Publique-se.
Brasília (DF), 1º de agosto de 2018.
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator




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