“APELAÇÃO CRIME. crime ambienta L. ART. 45 DA LEI 9.605/98.

CORTAR MADEIRA DE LEI, ASSIM CLASSIFICADA POR ATO DO PODER PÚBLICO, PARA FINS DE CONSTRUÇÃO DE GALPÃO, EM DESACORDO COM AS DETERMINAÇÕES LEGAIS.

AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA.

NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.

Apelação Crime

Quarta Câmara Criminal
Nº 70051945244

Comarca de Venâncio Aires
ELIO DA SILVA FERREIRA

APELANTE
MINISTERIO PUBLICO

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Gaspar Marques Batista (Presidente e Revisor) e Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira.
Porto Alegre, 06 de fevereiro de 2013.


DES. MARCEL ESQUIVEL HOPPE,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Marcel Esquivel Hoppe (RELATOR)
Na Comarca de Venâncio Aires, o Ministério Público denunciou o réu ÉLIO DA SILVA FERREIRA como incurso nas sanções do art. 45, caput, combinado com o art. 53, inciso II, alínea ‘c’, da Lei 9.605/98.
Narra a denúncia:
“Em período não precisamente esclarecido, compreendido até o dia 3 de novembro de 2007, em dia e horários indeterminados, na localidade de Linha Marmeleiro, próximo da comunidade Serranos, interior do Município de Venâncio Aires-RS, o denunciado ÉLIO DA SILVA FERREIRA cortou diversos exemplares da espécie nativa pinheiro-brasileiro (araucaria angustifolia), madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins de construção de um galpão em sua propriedade, em desacordo com as determinações legais.
No dia 3/11/2007, a fiscalização ambiental do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – DEFAP/SEMA, através da Agência Florestal de Santa Cruz do Sul, em vistoria na serraria do autor do fato VALDEMIRO JOSÉ RODRIGUES SOARES (em relação ao qual houve pedido de audiência preliminar), situada na localidade de Linha Araçá, interior do Município de Boqueirão do Leão-RS, constatou o depósito de 37 (trinta e sete) toras da espécie nativa acima referida, anteriormente cortadas pelo denunciado em sua propriedade, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes.
A autoridade de fiscalização ambiental, lavrou, então, o auto de infração florestal nº 1856 (fl. 6), efetuou levantamento fotográfico no local do corte e da madeira apreendida (fls. 12/13) e elaborou levantamento dendométrico das toras depositadas na serraria do segundo denunciado (fl. 9).
A espécie nativa araucaria angustifolia, consoante a Portaria IBAMA nº 37-N, de 3 de abril de 1992, é considerada ameaçada de extinção.”

A denúncia foi recebida em 20/10/2009 (fl. 47).
Processado o feito, sobreveio sentença, em 28/01/2011 (fls. 120/122v.), para condenar o réu ÉLIO DA SILVA FERREIRA como incurso nas sanções do art. 45, caput, da Lei nº 9.605/98, à pena de 01 ano e 02 meses de reclusão, em regime aberto, e multa, de 10 dias-multa, à razão mínima, substituída a carcerária por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Inconformada, apelou a defesa do réu Élio (fl. 124).
Nas razões, postulou a defesa pela absolvição do réu por não constituir a sua conduta infração criminal, por não estar comprovado tratar-se de floresta a área onde ocorreu o delito (fls. 127/132).
Contra-arrazoado o apelo (fls. 133/135).
Foram os autos ao Ministério Público para parecer, tendo o Procurador de Justiça, Dr. Airton Zanatta, manifestado-se pela remessa do feito ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado, competente para julgar o presente feito (fls. 141/141v.).
Em julgamento perante a Turma Recursal Criminal, decidiram os Magistrados por declinarem da competência para o Tribunal de Justiça (fls. 142/144).
Remetidos os autos a este Tribunal de Justiça.
Nesta instância, o parecer da Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, é pelo improvimento da apelação defensiva (fls. 151/152).
É o relatório.
VOTOS
Des. Marcel Esquivel Hoppe (RELATOR)
Apelou a defesa da decisão que condenar o réu ÉLIO DA SILVA FERREIRA como incurso nas sanções do art. 45, caput, da Lei nº 9.605/98, à pena de 01 ano e 02 meses de reclusão, em regime aberto, e multa, de 10 dias-multa, à razão mínima, substituída a carcerária por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Não há preliminares a serem analisadas.
No mérito, a condenação vai mantida.
 A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de notificação (fl. 10), pelo auto de infração florestal (fl. 11) e pelo levantamento fotográfico (fls. 17/18).
A autoria, da mesma forma, é certa na pessoa do réu, que confessou a prática delitiva.
O acusado ÉLIO DA SILVA FERREIRA, em seu interrogatório (fls. 109v./110), confirmou ter derrubado dezessete pinheiros em sua propriedade, levando-as para cortar, conforme segue:
“Juiz: Eu gostaria de saber se é verdadeira essa acusação? Interrogando: É.
Juiz: O senhor derrubou esses pinheiros mesmo? Interrogando: Derrubei, eu precisava pra um galpão, tava no meio da minha lavoura.
Juiz: Quantos pinheiros foram que o senhor derrubou para fazer esse galpão? Interrogando: Era dezassete pinheiro.
Juiz: Dezessete pinheiros? Interrogando: É.
Juiz: Daí o senhor levou lá para cortar, e depois? Interrogando: Eu levei lá pa cortar, daí o outro denunciou, na serraria do Valdomiro.
Juiz: O senhor ia usar para fazer um galpão? Interrogando: Um galpão, ia fazer um galpão.
Juiz: O senhor antes disso não procurou a polícia para saber se podia, se não podia? Interrogando: Não, eu não procurei, porque hoje em dia não liberam, é difícil liberar. O IBAMA, tudo, é difícil liberar.
Juiz: O senhor sabia então que o IBAMA não ia aceitar? Interrogando: É, não ia liberar não.
Juiz: E mesmo assim derrubou? Interrogando: Sim.
Juiz: Certo. O senhor já respondeu algum processo antes? Criminal? Interrogando: De meio ambiente não.
Juiz: E de outras coisas? Interrogando: Sim.
Juiz: Pelo que? Interrogando: Ah, quando de Santa Cruz, mas faiz… 17, 18 ano.
Juiz: O que era? Interrogando: Arma de fogo eu acho.
Juiz: Porte de arma de fogo?  Interrogando: É.
Juiz: Chegou a prestar serviço à comunidade, cesta básica, alguma coisa? Interrogando: Não, isso eu fui absolvido, sete a zero, em Santa Cruz.
Juiz: Foi absolvido? Interrogando: Sim.
Juiz: Tem mais alguma coisa que o senhor queira dizer em sua defesa? Interrogando: Que que eu vou dizer, eu precisava desses pinheiro, por isso. Senão não tinha derrubado, e eu precisava plantar, porque a minha área é pequena. Se não eu não sobrevivo. [...]”.

No mesmo sentido, o depoimento em juízo da testemunha Valdemiro José Rodrigues Soares, ouvida como informante (fls. 108/109), confirmando a prática do delito por parte do acusado Élio, o qual teria derrubado uns pinheiros para fazer um paiol, conforme segue:
“Juiz: Vocês trabalharam juntos com o que? Testemunha: Há anos, eu tinha o caminhão, daí ele trabalhava comigo no caminhão.
Juiz: Fazendo…? Testemunha: Puxava frete.
Juiz: Puxava frete. Essa questão, ele está sendo acusado de crime ambiental, o que o senhor sabe a respeito disso? Testemunha: Da… dos pinheiro que nós tinha lá.
Juiz: Vocês tinham lá? Testemunha: É, que ele tinha derrubado lá, uns pinheiro.
Juiz: Como assim? Testemunha: Ah, uns pinheiro que ele tinha derrubado, ele queria fazer um paiol, e tava estrovando no meio da roça lá. Daí caía muita (…), ele plantava, ocupava a terra pra plantar fumo, ele tinha pouca terra. E daí ele derrubou esses pinheiro pa… ele queria fazer um paiol.
Juiz: Sim. E daí esses pinheiros foram para onde? Testemunha: Ah, daí ele levou lá na minha serraria lá, que eu tenho serraria.
Juiz: E daí a policia encontrou lá na serraria? Testemunha: É, daí um cara lá, veio lá, daí viu nós puxando, essas árvore, daí um cara lá denunciou, daí veio a Brigada lá e…
Juiz: O senhor já tinha cortado esses pinheiros ou ainda estavam… Testemunha: Não, já tinha tempo que ele tinha derrubado, porque tava estrovando, daí ele botou, daí ele… disse que ia estragar os pinheiro e levou lá pra serrar.
Juiz: Mas o senhor já tinha serrado lá ou ainda não? Testemunha: Não, não, não tinha serrado.
Juiz: Ainda estava em tora? Testemunha: Isso, tava em tora.
Juiz: Quantos dias ele tinha levado lá para o senhor? Testemunha: Ah, fazia o que um… dia no outro assim. Até foi serrada essa madeira, foi entregado tudo pa… pa Boqueirão lá, no hospital, pra doar.
Juiz: Depois da polícia? Testemunha: Isso.
Juiz: O senhor sabe se ele pediu alguma autorização para derrubar esses pinheiros? Testemunha: Ah, isso eu não sei.
Juiz: Se ele chegou a falar com o IBAMA, com a polícia, PATRAN, alguma coisa? Testemunha: Não sei de nada.
Juiz: Ele não chegou al he dizer isso? Ele só disse que estava estorvando lá, estava dando problemas, isso? Testemunha: É.
Juiz: Eram pinheiros? Testemunha: Era… umas três, quatro arvorezinha de pinheiro, era. [...]”.

Examinando os autos, verifico que restou configurada a conduta por parte do acusado de cortar madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins de construção de um galpão em sua propriedade, em desacordo com as determinações legais, incidindo nas normas do art. 45 da Lei 9.605/98[1].
Consoante bem referido pela Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli,
“a espécie araucária angustifólia é caracterizada como madeira de lei, consoante definição presente na Portaria Normativa nº 302, de 03/07/1984, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que define madeira de lei como ‘aquelas espécies de valor comercial, as quais são utilizadas principalmente em indústrias tais como serraria, fabricas de móveis, compensados, laminados, etc’.
GOMES e MACIEL, sobre o delito do art. 45 da Lei n.° 9.605/1998, dissertam que ‘madeira de lei é a madeira nobre, mais forte e resistente, sujeitas às intempéries, utilizadas em construções e outras obras que exijam esse tipo de material. São exemplos de madeira de lei a araucária, o mogno, o pau-brasil e o jacarandá’[2] [grifo nosso].
A espécie, ainda, é ameaçada de extinção, conforme dispõe a Portaria do IBAMA n.° 37-N de 03 de abril de 1992.”

Nesse sentido, a jurisprudência desta Câmara Criminal:
“TRANSAÇÃO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. A proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo contida no art. 89 da Lei 9.099/95 é inviável após a prolação da sentença condenatória. Preliminar rejeitada. CRIME AMBIENTAL. Comete o delito previsto no art. 45 da Lei 9.605/98, o agente que corta árvores nativas em desacordo com as determinações legais. Condenação mantida. PENA. Se somente uma das operadoras do art. 59 do CP é considerada desfavorável ao réu, a pena não pode afastar-se muito do mínimo legal. Pena reduzida. (Apelação Crime Nº 70019664705, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 09/08/2007).”

Logo, configurada a prática delitiva, corroborada pela prova oral em juízo.
Saliento que não há falar em floresta, uma vez que o artigo 45, ao contrário do previsto nos artigos 38 e 39 da referida Lei Ambiental, não fala em floresta, mas em “madeira de lei”, classificação que abrange a espécie araucária derrubada pelo acusado.
Diante do exposto, mantenho a condenação do réu ÉLIO DA SILVA FERREIRA, nos termos da sentença de primeiro grau.
No que concerne ao apenamento, a pena-base restou fixada no mínimo legal, qual seja, 01 ano de reclusão, majorada em 1/6 em razão da causa de aumento prevista no art. 53, inciso II, alínea ‘c’, da Lei 9.605/98, totalizando 01 ano e 02 meses de reclusão, não merecendo reparos.
Mantenho, também, a pena de multa fixada no mínimo legal, o regime aberto e a substituição da carcerária por duas restritivas de direitos, mantidas as demais cominações legais.
Daí por que nego provimento ao apelo.

Des. Gaspar Marques Batista (PRESIDENTE E REVISOR)
Neste caso, eminentes colegas, eu estou em prover em parte o recurso, para substituir a pena de reclusão por pena de detenção, pois o crime praticado amolda-se ao art. 39 da lei 9.605 e não ao art. 45. O acusado cortou árvores e não madeira e o art. 45 tutela o bom uso da madeira, a fim de que madeiras de lei não sejam usadas como carvão, lenha, ou outro fim menos nobre. Há uma diferença substancial entre árvore e madeira. Árvore é o vegetal vivo, ereto, preso ao solo, seja em floresta ou não, enquanto madeira é o lenho morto depois da árvore abatida. Em um e em outro tipo, são diferentes os objetos que a norma penal-ambiental tutela. Se for para manter o tipo do art. 45, deveremos absolver o réu, pois ele pretendia fazer bom uso dos pinheiros, ou seja, empregá-los na construção de um galpão.

Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. GASPAR MARQUES BATISTA - Presidente - Apelação Crime nº 70051945244, Comarca de Venâncio Aires: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: DIEGO LEONARDO DI MARCO PI?EIRO”.




[1] Art. 45. Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais.
[2] GOMES, Luiz Flávio e MACIEL, Silvio. Crimes Ambientais. São Paulo: RT, 2011, p. 202.

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