“Tomando por referência caso concreto, discorra quanto à possibilidade de interposição da ação constitucional de “Habeas Corpus”, mediante punições disciplinares militar.”
                                            Márcia Cristina Diniz Fabro

SUMÁRIO 1.Introdução. 2. Conceito de Constituição. 3. Interpretação das normas constitucionais. 4. Conceito de Habeas Corpus. 5. Possibilidade de impetração de Habeas Corpus em punição militar disciplinar. 7. Conclusão. 8. Acórdão do Supremo Tribunal Federal de caso concreto de punição militar disciplinar administrativa  9 .Bibliografia.

Introdução

            O presente estudo visa discutir a punição disciplinar administrativa de militares em seara alheia à Justiça Militar.

            Tem objetivo  primordial discorrer acerca da  possibilidade de impetração de Habeas Corpus ao militar punido administrativamente no exercício de sua função.

Conceito de Constituição

            Faz-se mister analisar o conceito de Constituição, vez que o assunto está abordado na Constituição da República Federativa do Brasil.

            Em outro item será questionado o Código Militar, mas é através da Carta Magna, que são encontrados elementos fundamentais para a solução do tema.
           
O professor Michel Temer leciona que:
Em significado comum todas as coisas têm uma dada estrutura, um corpo, uma dada conformação. Uma constituição. Podemos examinar a poltrona e descrever sua estrutura, o seu ser. Ao fazê-lo, indicaremos as peças componentes daquela cadeira que, somadas, perfizeram a unidade.
Em sentido mais restrito, Constituição significa o “corpo, a “estrutura de um ser que se convencionou denominar Estado.Por ser nela que podemos localizar as partes componentes do Estado, estamos autorizados a afirmar que somente pelo seu exame é que conhecemos o Estado.1

            Michel Temer conceitua a Constituição nos sentidos sociológico, político e jurídico.

            Sentido sociológico:
A Constituição efetiva é o fato social que lhe dá alicerce. Assim, a “folha de papel” – a Constituição – somente vale no momento ou até o momento em que entre ela e a Constituição efetiva (isto é, aquele somatório de poderes gerador da “folha de papel”, da Constituição escrita, mas dos fatores reais de poder. A Constituição efetiva é o fato social que lhe dá alicerce. Assim, a ¨folha de papel”- a Constituição – somente vale no momento ou até momento em que ela e a Constituição efetiva (isto é, aquele somatório de poderes gerador da “ folha de papel”) houver coincidência; quando tal não ocorrer, prevalecerá sempre a vontade daqueles que titulariam o poder. Este não deriva da “folha de papel”, da Constituição escrita, mas dos fatores reais do poder.2
            Sentido político:
Assim, é conteúdo próprio da Constituição aquilo que diga respeito à forma de Estado, à de Governo, aos órgãos do poder e à declaração dos direitos individuais. Tudo o mais – embora possa estar escrito na Constituição – é lei constitucional. Significa: o constituinte não precisaria tratar daquela matéria porque não é emanação necessária  da decisão pó política fundamental. A Constituição antecede. Não dá forma jurídica.3   


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1.       TEMER, Michel, Elementos de Direito Constitucional, 23º Ed.Malheiros Editores, 2010, P.38.
2.         TEMER,  op.cit.p. 19.
3.         TEMER, op.cit.p. 19.

Sentido jurídico:

É Hans Kelsen quem demonstra, sob este foco, o que é a Constituição  Ao fazê-lo, evidencia o que é o Direito. Ressalta a diferença entre o Direito e as demais ciências, sejam as naturais, sejam as sociais. Enfatiza que o jurista não precisa socorrer-se da Sociologia ou da Política para sustentar a Constituição. A sua sustentação encontra-se no plano jurídico. O sociólogo, o politicólogo, podem estudar a Constituição sob tais  ângulos. Mas as suas preocupações serão outras (sociológicas, políticas). O cientista do Direito busca solução no próprio sistema normativo. Daí por que buscará suporte para a Constituição num plano puramente jurídico.4


            Para o jurista José Afonso da Silva, Constituição:

A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); com conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade ; e, finalmente, como causa criadora e  recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser entendida e interpretada, se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores. Isso não impede que o estudioso dê preferência a dada perspectiva. Pode estudá-la sob o ângulo predominantemente formal, ou do lado do conteúdo, ou dos valores assegurados, ou da interferência do poder (...). As constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poderes a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixarem o regime político  e disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os fundamentos dos  direitos econômicos, sociais e culturais.5


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4.         TEMER, op.cit.p. 20.
5.         SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. 34ª, revista e atualizada até a Emenda Constitucional n.67, de 22.12.2010Ed. Malheiros,2011,p. 39-40 e p. 43.

Interpretação das normas constitucionais.

           
            Para entender o presente estudo é fundamental declinar, em apertada síntese, quais são os parâmetros da hermenêutica aplicados para a interpretação das normas constitucionais.

            No entender do ilustre jurista Michel Temer:         
Para a boa interpretação constitucional é preciso verificar, no interior constituinte ao ponto de convertê-las em princípios regentes desse sistema de valoração. Impende examinar como o constituinte posicionou determinados preceitos constitucionais. Alcançada, exegeticamente, essa valoração é que teremos os princípios. Estes, como assinala  Celso Antônio Bandeira de Mello, são mais do que normas, servindo como vetores para soluções interpretativas.
(...) No nosso, ressaltam o princípio federativo; o do voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.     
Por isso, a interpretação de uma norma constitucional levará em conta todo o sistema, tal como positivado, dando-se ênfase, porém, para os princípios que foram valorizados pelo constituinte. Também não se pode deixar de verificar qual o sentido que o constituinte atribui às palavras do texto constitucional, perquirição que só é possível pelo exame de todo normativo, após a correta apreensão da principiologia que ampara aquelas palavras. (grifos nossos).

            No  acórdão que analisaremos, estes ensinamentos serão de grande valia, visto que à questão da punição administrativa disciplinar de militar está normatizada no Código Militar e na Constituição Federal, mas o Código Militar não se sobrepuja a Carta Magna.

            É à Carta Magna há mais valiosa normatização do nosso Direito Positivo Brasileiro.
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6.         TEMER, op.cit.p. 24 – 25
Conceito de Habeas Corpus.


            O Habeas Corpus surgiu como uma garantia proclamada quanto à liberdade do individuo de locomoção no sentido de poder  strito sensu,  ir, vir e ficar.

            Evidentemente esta liberdade de locomoção é limitada por parâmetros legais.

            Não é possível que um individuo, por exemplo, que acabou de cometer um crime hediondo possa se locomover livremente.

            Há casos nos quais é imperioso que à liberdade seja cerceada, sob pena de colocarmos em risco à paz social.

            No nosso ordenamento jurídico, o habeas corpus está previsto no art.5º, LXVIII:


5º, LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.7

                        Michel Temer aduz:

(...) O habeas corpus também protege direito liquido e certo: a liberdade de locomoção. Locomoção, por sua vez, no seu sentido mais amplo. No de movimento e no de permanência. É o direito de ir, vir, de restar, de permanecer.



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7.         Vade Mecum,  Universitário de Direito Ridell, Ed.5ª,2008.                     
O texto constitucional  (art. 5º, LVVIII)  autoriza o habeas corpus preventivo e repressivo. Alude a ameaça de violência ou coação em sua liberdade de locomoção (previne, pois). Não será qualquer ato restritivo da liberdade de locomoção que permitirá a invocação do direito do habeas corpus, mas, sim, aqueles ilegais ou praticados com abuso de poder.
Ilegalidade ou abuso de poder, por sua vez, ligam-se às idéias de afronta direta ou indireta à lei. É ilegal o ato que desborda dos limites legais. É abusivo o ato fundado na lei (que o autoriza), mas que desvia de sua real finalidade.
A locomoção é o “bem” protegido pelo instituto. Por isso só beneficia as pessoas físicas, não as jurídicas. Estas, contudo, podem impetrá-lo em favor de uma pessoa física – como toda e qualquer pessoa física o impetra em benefício de outrem.8

                       Em comentários de habeas corpus leciona, José Afonso da Silva:
(...) o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal: o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitando no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de ilegalidade.

É, pois, um remédio destinado a tutelar o direito de liberdade de ir, vir,  parar e  ficar. Tem natureza de ação constitucional penal.9

Destarte, visto terem sido descritos alguns institutos jurídicos  importantes para o presente artigo, mister adentrar no próximo item, qual seja acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, relativo à possibilidade de impetração de habeas corpus em punição disciplinar administrativa de militar.

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8.TEMER, op.cit.p. 206.
9.SILVA, op.cit.p. 446
Comentários ao acórdão (anexo), do Supremo Tribunal Federal de caso concreto de punição militar disciplinar administrativa.


Para o doutrinador José Afonso da Silva, não há viabilidade de impetração de habeas corpus ao militar punido administrativamente, senão vejamos:

(...) Não se confundem, como se vê, hierarquia e disciplina, mas são termos correlatos, no sentido de que a disciplina pressupõe relação hierárquica. Somente se é obrigado a obedecer, juridicamente falando, a quem tem poder hierárquico. “Onde há hierarquia, com superposição de vontades, há, correlativamente, uma relação de sujeição objetiva, que se traduz na disciplina, isto é, no rigoroso acatamento pelos elementos dos graus inferiores  da pirâmide hierárquica, às ordens, normativas ou individuais, emanadas dos órgão superiores. A disciplina é, assim, um corolário de toda organização hierárquica”. Essa relação fundamenta a aplicação de penalidades que ficam imunes ao habeas corpus, nos termos do art. 142, § 2º, que declara não caber aquele remédio constitucional em relação a punições disciplinares militares. (grifos nossos)10


                        Não coaduno, com o ilustre doutrinador, conforme as ponderações que passo a discorrer.    

A Constituição Federal no art. 142, § 2º, dispõe:

Art. 142, § 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares da  Constituição Federal .

              

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10. SILVA, op.cit.p. 774

Por outro lado prevê o Art. 5, LIV, da  Carta  Magna :


 Art. 5º LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 

O devido processo legal no dizer do jurista Euler Paulo de Moura Jasen:  foi concebido como amparador ao direito processual, praticamente confundindo-se ao princípio da legalidade, mas ganhou força expressiva no direito processual penal, mas já se expandiu para processual civil e até para o processo administrativo.


                       Destarte,  se por um lado é garantido o devido processo legal, por outro há norma expressa impossibilitando ao Poder Judiciário adentrar nas questões que dizem respeito às punições administrativas disciplinar do militar.

            Mas sob o contexto do princípio da razoabilidade o Judiciário poderá verificar sim, à punição no que tange as suas formalidades extrínsecas sem adentrar no mérito do ato.


                       Leciona Euler Paulo de Moura Jasen, acerca  do princípio da Razoabilidade ou da Harmonia que  O Princípio da razoabilidade é o meio através do qual o operador do Direito busca a perfeita adequação, a idoneidade, a lógica e a prudência e a moderação no ato de interpretar as normas, buscando extirpar distorções, anomalias e absurdos decorrentes do arbítrio e do abuso de poder.Trata-se de um mecanismo de controle da discricionariedade administrativa e legislativa, permitindo ao Judiciário invalidar as ações abusivas ou destemperadas dos administradores e dos legisladores.Para que seja adequada aos limites do devido processo, uma lei deve apenas "ser razoável". Este o teste pelo qual o ato legislativo ou administrativo deve passar. Isto é, a lei deve empregar razoáveis meios para atingir seus fins, os meios devem mostrar uma razoável e substancial relação aos propósitos do ato.


               Conclusão

                       Em síntese, é possível  a impetração de habeas corpus tendo em vista os preceitos constitucionais  do art. 5º, inciso LVI, combinado com o art. 142, § 2º, todos  da Constituição Federal aplicando-se o Princípio da Razoabilidade, pois é necessário assegurar ao militar punido disciplinarmente, além da ampla defesa e do contraditório, a presunção da inocência, o processo legal com os meios e recursos a ele inerentes, respeitando, em decorrência do princípio da legalidade, os direitos, deveres, responsabilidades e prerrogativas previstos no Código Militar.

            Não obstante reitero, que o Poder Judiciário não poderá verificar o mérito do porquê da penalidade administrativa aplicada, mas poderá  sem dúvida verificar o aspecto formal que ensejou a punição.

Recurso: RHC 88.543/SP do STF.








                       

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