“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. MUNICÍPIO.
É parte legítima o Município para responder pelos danos ambientais decorrentes da falha na fiscalização.
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO GERAL E ABSTRATA.
Não há vedação geral e abstrata à antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública. Precedentes.
ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NÃO COMPROVAÇÃO DA CULPA.
Em se tratando de ato omissivo, qual seja a falta de fiscalização, somente pode ser responsabilizado o Município caso comprovada a ação culposa, o que não se verifica no caso.
AGRAVO PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
                                                                                        
Agravo de Instrumento

Vigésima Segunda Câmara Cível

Nº 70052070968

Comarca de Campina das Missões

MUNICIPIO DE CANDIDO GODOI

AGRAVANTE
MINISTERIO PUBLICO

AGRAVADO
GUIDO WERNER

INTERESSADO

DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento pelo MUNICÍPIO DE CÂNDIDO GODOI, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra si e GUIDO WERNER, em face da decisão interlocutória (fls. 101-04) que deferiu a antecipação de tutela determinando que os réus apresentem projeto técnico devidamente assinado por Engenheiro Agrônomo ou Florestal e aprovado pelo DEFAP, visando a reparação integral dos danos ambientais cometidos, com o plantio de árvores típicas do ecossistema degradado, nos termos das cláusulas 3ª, 4ª, 5ª e 6 do TAC.
Em suas razões (fls. 02-12), suscita sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda. Afirma ser vedada à concessão de liminares contra a Fazenda Pública. Sustenta não ser possível a discussão acerca da responsabilidade objetiva do Município pelo ressarcimento dos valores referentes ao dano ambiental porque não foi ele que causou o referido dano. Salienta que a responsabilidade por atitude omissiva do ente público é subjetiva. Colaciona precedentes. Requer o provimento do recurso.
Agregou-se efeito suspensivo ao recurso (fls. 112-14v).
Contrarrazões às fls. 120-28.
O Ministério Público manifesta-se (fls. 133-38v) pelo desprovimento do agravo de instrumento.
É o relatório.

Merece ser provido o agravo de instrumento, forte no art. 557, § 1º-A, do CPC.
Quando da análise do pedido de agregação de efeito suspensivo, as questões suscitadas no presente recurso foram adequadamente analisadas. Não havendo alteração na situação fática, mantenho a decisão (fls. ), que reproduzo:
Inicialmente, tenho que devem ser afastadas as preliminares suscitadas.
Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.
A alegação de que não provocou o dano ambiental não afasta a responsabilidade do ente público pela omissão no exercício do poder de polícia fiscalizadora.
Isso porque incumbe ao Município responder pela falha na fiscalização que pode ter colaborado na existência do dano ambiental em questão.
Em caso similar, assim se manifestou esta Câmara:
APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70042529875, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, JULGADO EM 16/06/2011.
DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS (MORAIS E MATERIAIS), CUMULADAS COM LUCROS CESSANTES E INTERDIÇÃO DEFINITIVA DE OBRA. AGRAVO RETIDO.
(...)
MUNICÍPIO. MEIO AMBIENTE, ORDEM URBANÍSTICA E BEM-ESTAR DOS MUNÍCIPES. LEGITIMIDADE PASSIVA. Detém legitimidade passiva para a causa o Município, demandado por apontada conduta omissiva em seu dever de fiscalização, cabendo-lhe zelar pela ordem urbanística e ambiental e pelo bem-estar geral de seus munícipes, atuando no controle das construções urbanas.
(...)
Agravo retido desprovido. Apelações providas. Recurso adesivo e reexame necessário prejudicados. (grifos acrescidos)


Impõe-se, assim, reconhecer a legitimidade do Município para integrar o polo passivo da demanda.

Ainda, proclamo ser possível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública no caso em análise.
Com efeito, reiteradamente o C. Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que as vedações à concessão de antecipação de tutela estão estritamente relacionadas às hipóteses legalmente previstas, como, por exemplo, a do art. 5º da Lei nº 4.348/64 c/c a Lei 8.437/92, relativamente à reclassificação de servidores públicos e, ainda assim, dependendo do grau de verossimilhança das alegações. Por isso, não há vedação geral e abstrata à concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Nesse sentido:
                                                                        
RESP 899.684/MG, REL. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, JULGADO EM 09.10.2007, DJ 29.10.2007 P. 329
PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.  EXCEÇÃO ÀS HIPÓTESES DO ART. 2º-B DA LEI 9.494/97. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. 1. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada. Súmula 211 do STJ. 2.  A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que é vedada a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública apenas nas hipóteses expressamente previstas na Lei 9.494/97. 3. Em se tratando de manutenção de uma situação existente, não se aplica o entendimento pelo qual não é possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. 4.  Recurso especial a que se nega provimento.


Igualmente, colaciono precedente desta C. Câmara:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70041823055, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, JULGADO EM 23/03/2011.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. CONSTITUCIONAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CABIMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADA. TUTELA ANTECIPADA. POSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. NÃO-APLICAÇÃO DA LEI 8.437/92. CASO CONCRETO. LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO MUNICÍPIO. Possível a concessão de liminar contra a Fazenda Pública, não incidindo a vedação contida na Lei n.º 8.437/92, não havendo que se falar em esgotamento do objeto da ação. O direito à saúde é assegurado a todos, devendo os necessitados receber do ente público os medicamentos necessários. Aplicação do artigo 196 da Constituição Federal. O Município possui legitimidade passiva na demanda visando o fornecimento de medicamentos a necessitada, devendo responder pelo procedimento pleiteado no processo. Presentes os requisitos do artigo 273 do CPC deve ser deferida a tutela antecipada. Aplicação do artigo 196 da Constituição Federal. Posição do 11º Grupo Cível. Precedentes do TJRGS, STJ e STF. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

No mérito, todavia, tenho que merece ser agregado efeito suspensivo ao recurso.
Sustenta o Ministério Público ter sido o Município omisso no exercício do poder de polícia administrativa e da fiscalização efetiva do meio ambiente, razão alegadamente suficiente para imputar-lhe a responsabilidade por danos.
O que a parte autora propõe, portanto, é a responsabilidade por omissão, que não admite a aplicação da responsabilidade objetiva. É que quando a omissão de um agente é o fundamento da imputação da responsabilidade do Poder Público, tem aplicação a responsabilidade subjetiva, segundo interpretação feita pelo STF da norma constante da CRFB, entendimento seguido na jurisprudência do STJ.
No Recurso Extraordinário n. 179147 a lição do Min Carlos Velloso esclarece que a incidência do §6º do artigo 37 da CRFB, em sua literalidade, pressupõe uma ação causal, sendo por conseqüência inaplicável aos casos em que a imputação é um ato omissivo.
Nestes casos tem aplicação a verificação da responsabilidade subjetiva do agente público, ou seja, deve haver uma omissão imputável ao serviço, ou seja, nos casos em que o serviço não funcionou, funcionou mal, ou funcionou tardiamente. Transcrevo a Ementa para melhor compreensão:

RE 179147, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 12/12/1997, DJ 27-02-1998 PP-00018 EMENT VOL-01900-03 PP-00589 RTJ VOL-00179-02 PP-00791.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º.
I.               - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.
II.              - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.
III.          Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.
IV.            - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service.
V.             - R.E. não conhecido.(grifo nosso)

 
Este entendimento tem sido adotado pelo STF, nos seguintes precedentes: RE 369820/RS, RE 372472/RN, RE 382054/RJ, RE 409203/RS, RE 213525 AgR/SP, AI 718202 AgR/PE, RE 602223 AgR/RN, até a mais recente decisão, em 2010, no AI 727483 AgR/RJ.
Segue este entendimento também o STJ:

RESP 1069996/RS, REL. MINISTRA ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 18/06/2009, DJE 01/07/2009
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO-CONFIGURADA – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO – ELEMENTO SUBJETIVO RECONHECIDO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA – SÚMULA 7/STJ – JUROS DE MORA – ÍNDICE – ART; 1.062 DO CC/1916 E ART. 406 DO CC/2002 – PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – REVISÃO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 7/STJ – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem se manifestou expressamente sobre a incidência da verba honorária em 15% sobre a condenação, e sobre os juros legais, fixados indevidamente em 12% ao ano.
2. A jurisprudência dominante tanto do STF como deste Tribunal, nos casos de ato omissivo estatal, é no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva.
(...) grifo nosso.

No caso dos autos, o Ministério Público e o Magistrado não deduziram os fatos nos quais se funda a alegada culpa por omissão, assim, não sendo o caso de aplicação da responsabilidade objetiva do Município, e não se podendo presumir a omissão, não deve ser deferido o pedido de antecipação de tutela.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, forte no art. 557, § 1º-A, do CPC, para indeferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
Comunique-se ao juízo de origem.
Intimem-se.

Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2013.”



Dr. Eduardo Kraemer,
Relator.




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