Reflexões sobre o novo código Florestal

“Reflexões sobre o novo código Florestal

·          Evangelina Castilho Duarte* DESEMBARGADORA EVANGELINA CASTILHO DUARTE

Sumário: 1 Introdução. 2 Direito de propriedade e meio ambiente. 3 Novo Código Florestal. 4 Conclusão. 5 Referências.
1 Introdução
Este trabalho tem a finalidade de debater as modificações introduzidas pelo novo Código Florestal no âmbito da proteção ao meio ambiente e sua repercussão sobre o Direito Ambiental.
A comunidade jurídica e, especialmente, os ambientalistas criticam o novo Código Florestal, imputando às suas normas afronta ao meio ambiente e à sua conservação, considerando que há permissão para desmatamento excessivo, sem previsão de recuperação de áreas desmatadas ou degradadas, com introdução de culturas exógenas que seriam prejudiciais ao ecossistema, além de abrandamento na fixação da reserva legal.

Será feita uma comparação do Código Florestal de 1965, Lei 4.771, e da nova Lei 12.727/12, com a Lei de Política do Meio Ambiente, Lei 6.938/81, e a Lei 9.605/98, que trata de crimes ambientais.
Não se pode, ainda, perder de vista os preceitos constitucionais que tratam do direito de propriedade e da proteção ao meio ambiente.
É que, ao se editarem normas que tratam do uso sustentável das florestas, há evidente regulação do direito de propriedade, garantido, como direito fundamental, pela Constituição da República, no art. 5º, XXII, e, também, no inciso XXIII, que dispõe que a propriedade atenderá a sua função social.
Qualquer legislação que trate de direito de propriedade, quer seja para assegurá-lo, quer seja para regulamentá-lo, ou para traçar diretrizes sobre seu exercício, deve observar a garantia constitucional e a sua função social, que constituem limitação externa ao domínio.
O exame da nova legislação conduzirá à conclusão sobre a pertinência e adequação do Código Florestal à Constituição da República e à legislação vigente.
2 Direito de propriedade e meio ambiente
O direito de propriedade é direito fundamental assegurado pela Constituição da República no art. 5º, XXII, sofrendo, porém, limitação, também ditada pela Carta Magna, em seu inciso XXIII, para atender a sua função social.
O direito de propriedade é, ainda, considerado um dos pilares da ordem econômica e social, conforme o art. 170 da CF.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade.
Já se pode concluir que a Constituição da República assegura o exercício do direito da propriedade privada, com fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, repetindo que se observará a sua função social.
E o que seria função social da propriedade?
A resposta é dada pela própria Constituição da República, em seu art. 186, segundo o qual
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A função social da propriedade levará em consideração, portanto, o aproveitamento racional e adequado da terra, buscando evitar a degradação do meio ambiente, o uso exaustivo da terra e sua insuficiente recuperação.
Levará em consideração, ainda, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.
Aqui, cabe tecer comentários sobre os princípios que regem o direito ambiental.
A legislação brasileira adota os princípios da precaução e da prevenção, visto que mais vale prevenir o dano do que repará-lo, haja vista que a reparação, na maioria das vezes, é insuficiente e às vezes impossível.
A prevenção é o melhor meio de gerenciamento e conservação da qualidade do meio ambiente e visa a evitar a ocorrência do dano, assim como a precaução, que está mais ligada à administração das entidades vinculadas à matéria.
A responsabilidade civil por dano ambiental está construída com base nas teorias do risco, da responsabilidade pelo fato da coisa, do poluidor-pagador e do usuário-pagador.
Quem, com sua atividade, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda que essa atividade de risco lhe proporcione um benefício. Nesse aspecto, cuida-se do denominado risco-proveito.
O dever de indenizar pode decorrer do risco profissional oriundo de uma atividade laborativa, ou do risco criado. Nesse caso, o agente deve indenizar, tendo em vista que, em razão de sua atividade ou profissão, criou um perigo.
O que importa é a existência de situações sociais relevantes, quando a prova da culpa se torna quase impossível para o lesado.
A teoria do risco, por sua vez, está subdividida em outras três teorias: do risco administrativo, do risco integral e do risco criado.
Na teoria do risco administrativo, a obrigação de reparar o dano independe de qualquer ato culposo, estando vinculado à lesividade e injustiça do dano provocado por ato do agente, sendo suficiente a prova da ocorrência da lesão.
Garante-se, entretanto, o direito de se provar a existência de uma das causas excludentes da responsabilidade, quais sejam força maior, culpa da vítima, dano eventual - incerto, decorrente de caso fortuito - e dano que não é direto.
Pela teoria do risco integral, o empreendedor seria chamado a reparar todo e qualquer dano, ainda que resultante de dolo ou culpa da vítima, sem possibilidade de arguição de causas excludentes.
Na teoria do risco criado, o empreendedor é responsável pelo dano causado ao meio ambiente em decorrência do risco inerente à sua atividade empresarial.
A obrigação de indenizar estará configurada mesmo quando não existir nexo causal, bastando o dano, ainda que por culpa exclusiva da vítima, por fato de terceiro, força maior ou caso fortuito. Basta a existência da atividade empresarial.
Assim, a indústria têxtil, que utiliza água no seu processo produtivo e lança dejetos nos leitos dos rios, em consequência das técnicas adotadas, é responsável pelos danos causados àqueles cursos d’água.
A teoria do risco integral é a versão mais radical da responsabilidade civil, pela qual o empreendedor é responsável pela reparação do meio ambiente, ou indenização aos lesados, independentemente da análise da subjetividade da ação, conforme posicionamento de Sérgio Ferraz, Edis Milaré, Nélson Nery Júnior e Toshio Mukai.
Pela teoria do risco criado, o poluidor é responsável por sua atividade e por consequências danosas dela decorrentes, admitindo-se as excludentes do caso fortuito, força maior e ação de terceiros, como defende Patrick Girod, na França.
A responsabilidade por fato da coisa estabelece que esta surgirá em decorrência do caráter perigoso da atividade, presumindo-se a causalidade entre a atividade e o dano, como nos casos de acidentes.
A responsabilidade do poluidor-pagador foi estipulada na Declaração de Estocolmo, 1972, e consiste em que o dano deve ser ressarcido por aquele que foi beneficiado pela atividade causadora, ou por quem causou a degradação ambiental, na exata proporção de sua contribuição nociva.
Daí evoluiu-se para a teoria do usuário-pagador, segundo a qual aquele que usa os recursos ambientais deve pagar pelo uso, independentemente da apuração de danos.
No Brasil, a doutrina tende a adotar a teroria do risco criado, sendo, ainda, cautelosa a respeito da teoria do usuário-pagador.
A preocupação com o meio ambiente é recente. Só surgiu, nos países de primeiro mundo, depois da degradação de florestas, rios, lagos e mares e após instaladas consequências irreversíveis para a natureza, tais como destruição da camada de ozônio, aquecimento global e destruição de florestas temperadas e tropicais.
O dano ecológico, segundo Roland Drago, sempre existiu, desde a ocupação da Terra pelo homem. Sua agravação é geométrica por influência do perigo criado pelas conquistas científicas, que não foram seguidas por medidas preservacionistas.
Poluição está definida na Lei 6.938/81 como degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, ou criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; ou, ainda, afetem as condições vitais, estéticas ou sanitárias do meio ambiente; ou, finalmente, lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
O homem viu-se compelido a preservar o meio ambiente como forma de preservar sua vida e a das gerações futuras.
No Brasil, a preservação do meio ambiente foi estatuída como preceito constitucional no art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A responsabilidade civil por dano ecológico vai além da reparação estrita, “todo prejuízo potencial, que pode advir no futuro, pode e deve ser coibido”, conforme o mesmo autor.
Aflora, assim, do preceito constitucional o princípio da prevenção, segundo o qual incumbe ao Poder Público, como responsável pela autorização de atividades econômicas, fiscalizar essas atividades para evitar a produção de danos ao meio ambiente.
A construção doutrinária, em sua evolução, chegou ao princípio do poluidor-pagador, que, segundo Sílvio Sávio Venosa, implica a repartição dos custos sociais do sistema produtivo e distributivo entre aqueles que assumem o risco da produção, com a finalidade de evitar que o prejuízo ao meio ambiente venha a ocorrer.
Entretanto, a análise decorrente do princípio do poluidor-pagador tem levado ao entendimento de que se torna possível causar danos ao meio ambiente, que serão reparados somente com o pagamento de indenizações.
Trata-se de visão distorcida do princípio que visa proteger o meio ambiente, evitando a poluição e sua degradação. O pagamento é meio punitivo, mas deverá estar acompanhado de medidas de prevenção e precaução que deverão ser adotadas pelo empreendedor, com a fiscalização rigorosa do Estado.
O princípio do poluidor-pagador deve ser aplicado em conjunto com os princípios da precaução e da prevenção, para que o pagamento pelo dano não se transforme em permissão para sua realização.
No que se refere à proteção do meio ambiente, deve-se ter em mente uma ética de sobrevivência internacional, porquanto o dano ecológico produzido em qualquer canto do mundo irá repercutir de forma prejudicial nos demais, desencadeando reações que, muitas vezes, podem ter consequências imprevisíveis e incalculáveis, como, por exemplo, no caso do desmatamento da Amazônia.
Daí por que a teoria da reparação do dano ambiental deve ser estatuída sobre a responsabilidade objetiva, independentemente de se perquirir sobre a existência de culpa ou de descumprimento de contrato ou norma jurídica.
Basta que o dano decorra da atividade humana para que o agente seja responsabilizado.
Impossível, portanto, a arguição de excludentes de ilicitude, pois o dano ao meio ambiente é ilícito em si por ferir preceito constitucional estabelecido no art. 225 da CF.
Não há possibilidade de arguição da legalidade do ato, para que o agente se isente de responsabilidade, sendo irrelevante que o empreendedor possua licença para o exercício da sua atividade.
Se causar dano, será responsável pela reparação.
Torna-se patente a relevância dos atos lícitos, mas causadores de danos ressarcíveis e suscetíveis de responsabilidade objetiva ou por risco. Embora lícitos, os atos podem causar dano; e, se assim ocorrer, haverá responsabilidade do agente.
Resta, assim, estatuída verdadeira limitação ao direito de propriedade, uma vez que o proprietário poderá usar, gozar e dispor de seus bens, desde que sua atuação não cause danos ao ambiente, limitando-se seu uso com a instituição de reservas legais, áreas de proteção ambiental, áreas de preservação permanente, visando à preservação da qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
As reparações de danos ambientais devem circular em torno desses dois polos: retorno ao estado anterior e condenação em dinheiro, uma não exclui a outra, ainda segundo Sílvio Sávio Venosa.
A responsabilidade por dano ambiental, como dito, é objetiva, decorrente do risco integral, como adotado, inicialmente, por Hermann Benjamin, abrandada para risco criado.
O princípio do poluidor-pagador evoluiu para o princípio do usuário-pagador, já adotado no Brasil em questões hidrográficas, cobrando-se pela utilização de água, especialmente na bacia do Rio Parnaíba.
Em consequência, não só o usuário direto arcará com o pagamento pela utilização do recurso natural, pois lançará o valor pago como contribuição nos custos de seu produto ou serviço. Daí resulta que é a coletividade que, ao final, estará pagando pela utilização do recurso.
Observa-se que, na aplicação do preceito constitucional, art. 225, todos, Estado e coletividade, são responsáveis pela preservação do meio ambiente, impedindo-se a utilização até a exaustão dos recursos naturais, que são indispensáveis para a preservação da vida saudável das gerações atuais e futuras.
Logo, nem só o poluidor deverá arcar com a preservação, mas toda a comunidade nela interessada.
O Estado, como fiscalizador da ação empreendedora da iniciativa privada, é responsável direto pelo cumprimento da sua atividade de fiscal e de instituidor de mecanismos e normas de preservação.
Verificado o dano ambiental, deverá responder, também objetivamente, pela reparação, sendo possível, ainda, compeli-lo a criar novos mecanismos de proteção ambiental mediante os meios processuais existentes, tais como ajustamentos de conduta, ação civil pública, ação popular.
Haverá sempre solidariedade passiva pela reparação do dano ecológico, resultando disso que, sendo impossível individualizar-se o responsável pelo dano, todos serão solidariamente responsáveis, bastando que atuem em atividade da qual tenha decorrido a poluição, conforme Fábio Dutra Lucarelli (Responsabilidade civil pelo dano ecológico. RT, v. 700, p. 16).
Cabe ao lesado a escolha daquele que será acionado, facultando-se a este buscar o ressarcimento contra os demais envolvidos, ou contra o causador direto do dano, se lhe for possível identificá-lo. Porém, por aplicação analógica do Código de Defesa do Consumidor, não se deve permitir a denunciação à lide dos demais responsáveis solidários, para se evitar demora na reparação. O ressarcimento poderá ser buscado em ação autônoma, posteriormente proposta.
Tais considerações são necessárias, porquanto o Código Florestal vem corroborar essa política de proteção ao meio ambiente, com controvérsias sobre possível abrandamento no manejo das florestas e matas, especialmente quanto à sua recuperação com espécies exógenas.
3 Novo Código Florestal
A edição do novo Código Florestal constitui avanço na legislação, mas causa preocupação em virtude da revogação da Lei de 1965, que era norma avançada para sua época, contendo preceitos que atendiam às expectativas de uso da propriedade e de preservação do meio ambiente, então construídas.
Porém, os tempos são outros, as preocupações são mais profundas com a preservação do meio ambiente e a utilização da propriedade. Na época do Código revogado, nem sequer se discutia a função social da propriedade, que, de forma tênue e tímida, foi inserida no Estatuto da Terra, lei esta que pouco foi aplicada.
A Constituição de 1988 estabeleceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, sendo obrigação do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.
O art. 225 da CF estipula em seu § 1º:
[...]
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Vê-se, pois, que é norma constitucional o dever de preservação do meio ambiente, assim como de proteção da fauna e flora.
Aqui se insere a aplicação do Código Florestal, que tem o objetivo de proteger a fauna e a flora naturais, à evidência, para preservar o meio ambiente, e não como um fim em si mesmo, mas como meio de acautelamento da vida.
A preservação dos recursos naturais é indispensável à conservação do meio ambiente para as atuais e futuras gerações. Ao fim, para preservar a vida no planeta, e não apenas para sustentar a vida atual, nos moldes conhecidos.
Não se pode afastar da análise das leis ambientais, muito menos do Código Florestal, que a preservação deve caminhar com a busca do desenvolvimento, que, na atualidade, é chamado de desenvolvimento sustentável, porque se pretende o crescimento econômico e financeiro, sem se descuidar da preservação dos recursos naturais que o propiciam. E só será alcançado se os bens naturais forem protegidos e preservados.
Para se estudar o novo Código Florestal, é necessária uma comparação, embora sucinta, das suas normas com aquelas contidas no Código revogado, em especial no que se refere aos princípios que inspiraram as duas leis: a área de preservação permanente, a área de reserva legal e a recomposição de áreas degradadas. Desse estudo comparativo, pode-se concluir se as novas regras serão eficazes para a conservação das florestas e matas naturais.
Em interessante estudo elaborado por Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo, essas questões são abordadas apenas com relação ao Código Florestal de 1965, mas se prestam como ponto de partida para a análise da nova lei.
A primeira questão a ser abordada é a reserva legal, que no Código revogado já era tratada, porém com a finalidade de se dar proteção ao meio ambiente.
A respeito Jean Paul Metzger se manifesta:
O valor de pequenos fragmentos de RL para a conservação da biodiversidade vem sendo questionado, levando a propostas de não mais contabilizar essas reservas por propriedade, mas sim por bacia hidrográfica ou mesmo por bioma, de forma a agrupar essas áreas em fragmentos maiores, e assim aumentar seu valor biológico. Esse mecanismo é conhecido como ‘regime de condomínio’ e já foi inserido no Código Florestal. Essa opção de agregação das RL tem respaldo em ampla discussão ocorrida nas décadas de 1970 e 1980, que considerava duas opções principais de conservação: um único fragmento grande, ou vários pequenos fragmentos de área equivalente ao fragmento grande (em Inglês, Single Large or Several Small, comumente denominada de SLOSS; ver Simberloff and Abele, 1976, 1982; Diamond, 1975, 1976). Apesar desta questão não considerar fatores essenciais para uma devida comparação, em particular o tamanho dos fragmentos pequenos e o grau de isolamento entre eles, a discussão evidenciou que muitos fragmentos pequenos podem abrigar mais espécies do que um fragmento grande, por representarem áreas com características distintas, e logo com composições menos similares. Por outro lado, um fragmento grande é a melhor opção em termos de manutenção das espécies por longo prazo, pois fragmentos grandes contêm em geral populações maiores, que são assim mais resistentes a flutuações ambientais, demográficas ou genéticas (Shaffer, 1987), além de serem menos impactados pelos efeitos de borda. Enfim, estratégias de conservação que permitam manter as espécies em longo prazo devem dar prioridade a grandes fragmentos, o que sustentaria a proposta de agregação de RL de diferentes propriedades numa única área.
O Código Florestal de 1965 definia reserva legal como a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
A reserva legal já foi tratada por José Bonifácio, o Patriarca da Independência, sem a conotação de proteção ao meio ambiente, mas com a finalidade de preservar florestas para o aproveitamento econômico, de exploração de madeiras nobres, grande fonte de renda ao tempo do Império.
O Código Florestal de 1965 e o de 2012 são melhores do que as leis de outros países. A legislação brasileira evitou o desmatamento integral do território nacional, enquanto na Europa as florestas foram totalmente dizimadas e nos Estados Unidos pouco sobrou de florestas nativas.
Já o novo Código define reserva legal como a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.
Paulo Bessa Antunes faz referência à natureza jurídica da reserva legal:
Quanto à natureza jurídica da Reserva Legal, há que se relembrar que ela é uma obrigação que recai diretamente sobre o imóvel rural, independentemente da pessoa de seu proprietário; está, pois, ligada à própria coisa, permanecendo aderida ao bem, enquanto ele existir. O proprietário somente pode dela se desonerar (a) pela renúncia ao direito sobre a coisa que pode ser manifestada mediante a utilização de qualquer uma das formas legais aptas para transferir a propriedade, ou evidentemente pelo (b) perecimento da própria coisa (MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: RT, 2012, p. 217).
A reserva legal insere-se, pois, no rol das obrigações reais ou propter rem, que aderem à coisa e a acompanham durante toda sua existência.
Embora o conceito seja muito semelhante nos dois diplomas legais, constata-se que a lei atual não excetua a área de preservação permanente da reserva legal, permitindo, de forma implícita, que a área total considere ambas, em detrimento da conservação do meio ambiente e em contradição com os princípios da própria lei nova.
Jean Paul Metzer trata da questão:
Todo planejamento territorial deveria considerar a heterogeneidade biológica, e um dos primeiros passos neste sentido é distinguir RL e APP, mantendo estratégias distintas para a conservação nestas duas situações.
O segundo mecanismo de flexibilização das RL também já está parcialmente contemplado no Código Florestal, uma vez que em ‘pequenas propriedades, ou de posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas’ (terceiro parágrafo do artigo 16). O que se discute, mais recentemente, é a ampliação desta flexibilização, permitindo que até 50% da RL possa ser composta por espécies exóticas, como o dendê ou o eucalipto. Qual seria a efetividade da RL em termos de conservação biológica neste caso? Creio que já temos dados concretos para responder essa pergunta, em particular vindos de estudos de sistemas consorciados na Bahia e de plantações de eucalipto na Amazônia e na Mata Atlântica. Na região de Ilhéus, um grupo de pesquisadores das Universidades Estaduais de Campinas, São Paulo e Santa Cruz estudou o valor, em termos de conservação, de um sistema denominado ‘cabruca’, que são plantações de cacau sombreadas por um dossel de mata (Faria et al., 2006, 2007; Pardini et al., 2009). A principal conclusão [a] que esses pesquisadores chegaram é que o valor da cabruca depende do contexto no qual ela se encontra. Em paisagens predominantemente florestais, com amplas extensões de florestas maduras (ca. 50%), e também com presença de manchas de florestas secundárias (16%) e áreas produtivas florestadas (no caso, cabrucas, que cobrem 6% da paisagem, e seringais), as cabrucas conseguem manter uma parcela considerável das comunidades estudadas (samambaia, sapos, lagartos, morcegos e aves). No entanto, em outra paisagem vizinha, na qual as cabrucas dominam a paisagem (ca. 82%), e os remanescentes florestais são reduzidos (ca. 5%) e fragmentados, estes sistemas são extremamente empobrecidos e mantêm uma parcela pequena da biodiversidade regional (Faria et al., 2006, 2007). Ou seja, a ocorrência ou manutenção da fauna e flora nativa em cabrucas depende da existência de uma fonte de espécie próxima relativamente extensa. Isso significa que, em paisagens predominantemente florestais, tais quais as que se quer conservar na Amazônia, sistemas similares ao das cabrucas poderiam ser considerados como boas alternativas de uso sustentável de recursos naturais em parte da RL (sendo que a extensão destas áreas deve ser estudada com cuidado). No entanto, em outras regiões do Brasil, onde a vegetação nativa já está consideravelmente reduzida e fragmentada, RL formadas por sistemas que intercalam espécies plantadas de interesse econômico com espécies nativas teriam reduzido valor conservacionista, e esta opção deveria ser evitada.
A reserva legal se justifica como instituto jurídico aplicável ao solo com vocação agrícola, pois, como se depreende de sua definição normativa, é área que, obrigatoriamente, deve ser mantida hígida com vistas a assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e a reabilitação dos processos ecológicos das áreas que foram desflorestadas com vistas à implantação de atividades agrícolas ou rurais, conforme lição de Paulo de Bessa Antunes (MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: RT, 2012, p. 229).
Assim, a reserva legal poderá ser cancelada com abrangência da área de proteção permanente nela inserida.
Porém, o novo Código, em seu art. 12, estipula que todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de reserva legal, sem prejuízo das normas sobre as áreas de preservação permanente, observados percentuais mínimos em relação à área do imóvel, que, na lei revogada, não eram estipulados.
Parece haver uma aparente contradição que, entretanto, não se verifica, pois há indicação de que as áreas são consideradas em separado como necessário.
Conclui-se, pois, sobre o tema que, embora haja permissão para se considerarem as duas áreas - reserva legal e de preservação permanente -, de forma englobada, não se abrandou sua regulamentação, sendo indispensável a existência de ambas, em atendimento à Lei 6.938/81, que não foi revogada.
Sobre o tema discorre Paulo de Bessa Antunes (MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: RT, 2012, p. 240):
As áreas de preservação permanente que forem incluídas no cômputo da reserva legal não perderão tais características, permanecendo sob o regime que lhes é próprio, inclusive para fins de supressão. A medida é acertada e não traz qualquer prejuízo ao proprietário rural.
A boa novidade do Código Florestal de 2012 é que o art. 16 permite a instituição de reserva legal em regime de condomínio ou coletiva entre proprietários rurais.
Sendo o condomínio uma forma de exercício do direito de propriedade, em que vários proprietários dividem direitos e obrigações em relação à coisa, na proporção de suas cotas-partes, poderá haver afetação de parte do bem de cada unidade autônoma para constituição da reserva legal, em conjunto, alcançando o total necessário para atender à legislação.
Nesse caso, os condôminos serão responsáveis pela manutenção da área de reserva legal, por sua conservação, e se obrigam, na proporção de sua cota-parte, pela ofensa ao dever de preservação, observada aquela solidariedade que inspira a Lei 6.938/81.
Trata-se de mecanismo para ser adotado por condomínios rurais e por pequenos proprietários que seriam afetados sobremaneira pela constituição de área de reserva legal independente e que atende à finalidade científica do instituto, por permitir que sua concentração, criando uma área maior, facilite a percolação defendida por Jean Paul Metzger.
Se o imóvel tiver reserva legal em extensão superior à exigida por lei, admite-se que o proprietário utilize a parte que sobejar em favor de terceiros, com incentivos econômicos e títulos criados pelo novo Código Florestal.
Outro ponto que está imbricado com a reserva legal é a área de preservação permanente, tratada também na Lei 9.638/81, Lei de Política do Meio Ambiente.
O Código de 1965 definia área de preservação permanente como a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Trata-se de definição consentânea com a Lei 9.638/81, pois enfatiza a função de preservação de recursos naturais e humanos.
Já o Código de 2012 define a área de proteção ambiental como aquela, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico da fauna e flora e proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
A polêmica em relação à nova lei, editada em tempos de conscientização ambiental, de preocupação ecológica, não só pela proteção do meio ambiente, mas com vistas à preservação da vida para a atual e futuras gerações, é a delimitação da área de preservação permanente, por sua abrangência com a reserva legal, sem separação de uma e outra, e pelos termos do art. 4º e do art. 15, desde que implementados os requisitos ali fixados.
Cabe aqui o comentário de Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo, sobre a necessidade e a importância de fixação da área de proteção permanente, em relação ao local em que está situada, para preservação dos cursos d’água, das florestas e, especialmente, da fauna.
A efetividade destas faixas de vegetação remanescente certamente depende de uma série de fatores, dentre eles o tipo de serviço ecossistêmico considerado e a largura de vegetação preservada.
Por exemplo, há dados que indicam que larguras de 30 m seriam suficientes para as matas ripárias retirarem da água do lençol freático boa parte dos nitratos vindos dos campos agrícolas (Pinay and Décamps, 1986). No entanto, dada suas múltiplas funções, incluindo a fixação de solo, proteção de recursos hídricos e conservação de fauna e flora, deve-se pensar na largura mínima suficiente para que esta faixa desempenhe de forma satisfatória todas as suas funções. Por consequência, a definição desta largura no âmbito do Código Florestal deveria respeitar a função mais exigente. Eu não pretendo aqui fazer uma ampla revisão sobre a influência da largura das APP, mas penso que a conservação da biodiversidade possa ser um dos fatores mais limitantes para a definição de larguras mínimas, e por isso foquei minha revisão neste aspecto, dando ênfase ao caso das matas ripárias.
Em termos biológicos, os corredores são reconhecidos como elementos que facilitam o fluxo de indivíduos ao longo da paisagem. Em paisagens fragmentadas, quando o habitat original encontra-se disperso em inúmeros fragmentos, isolando e reduzindo o tamanho das populações nativas, a sobrevivência das espécies depende de suas habilidades de se deslocarem pela paisagem.
Nestas condições, os corredores podem ter papel capital, pois muitas espécies não conseguem usar ou cruzar áreas abertas criadas pelo homem, nem quando se trata de áreas muito estreitas como estradas (Develey and Stouffer, 2001), e a existência de uma continuidade na cobertura vegetacional original é assim essencial. Dentre os benefícios dos corredores, já comprovados por pesquisa no Brasil, estão o aumento da diversidade genética (Almeida Viera and de Carvalho, 2008), o aumento da conectividade da paisagem, possibilitando o uso de vários pequenos fragmentos remanescentes de habitat, que isoladamente não sustentariam as populações (Awade and Metzger, 2008; Boscolo et al., 2008; Martensen et al., 2008), a amenização dos efeitos da fragmentação (Pardini et al., 2005), e o potencial de amenizar os impactos de mudanças climáticas, numa escala temporal mais ampla (Marini et al., 2009).
A importância de florestas ripárias foi evidenciada em diferentes biomas brasileiros, e para diferentes grupos taxonômicos. A maior parte dos estudos foi feita na Floresta Atlântica (Metzger et al. 1997; Uezu et al. 2005; Marinho-Filho and Verissimo 2007; Keuroghlian and Eaton 2008; Maltchik et al. 2008; Martensen et al. 2008), mas existem dados também para Floresta Amazônica (Lima and Gascon 1999; Michalski et al. 2006; Lees and Peres 2008), Caatinga (Moura and Schlindwein 2009), Pantanal (Quigley and Crawshaw 1992) e Cerrado (Tubelis et al. 2004). Em relação aos grupos taxonômicos, há dados para árvores (Metzger et al. 1997), anfíbios (Lima and Gascon J.P. Metzger, Conservação e Natureza, 2010, 8(1), no prelo 1999; Maltchik et al. 2008), aves (Tubelis et al. 2004; Uezu et al. 2005; Martensen et al. 2008), grandes mamíferos (Quigley and Crawshaw 1992; Marinho-Filho and Verissimo 2007; Keuroghlian and Eaton 2008; Lees and Peres 2008), pequenos mamíferos (Lima and Gascon 1999) e abelhas (Moura and Schlindwein 2009).
Não há dúvidas de que, independentemente do bioma ou do grupo taxonômico considerado, toda paisagem deveria manter corredores ripários, dados os seus benefícios para a conservação das espécies.
Os benefícios dos corredores podem estar relacionados à largura, extensão, continuidade e qualidade dos corredores (Laurance and Laurance 1999), à topografia e largura das áreas de influência ripária (Metzger et al. 1997), entre outros fatores, mas sem dúvida o fator mais importante é a largura. Esta largura afeta a qualidade do habitat, regulando a área impactada pelos efeitos de borda, i.e. pelas modificações microclimáticas e pelo aumento das perturbações que ocorrem nas bordas destes habitats. Em ambiente florestal, há aumento da luminosidade e do ressecamento do ar e do solo, além de um aumento na entrada de espécies invasoras e generalistas (vindas de áreas antrópicas), e de perturbações ocasionais (rajadas de vento, queimadas) que excluem algumas espécies nativas, mais especializadas em sombra, e levam a uma maior mortalidade. Esses efeitos de borda podem variar em extensão em função das espécies e dos processos considerados, e também de acordo com as características físicas do local, em particular com a orientação solar, a latitude e o tipo de matriz de ocupação adjacente, que influenciam na quantidade de radiação solar incidente. De uma forma geral, os efeitos mais intensos ocorrem nos 100 primeiros metros (Laurance et al, 2002), o que implica que corredores com menos de 200 m são formados essencialmente por ambientes de borda, altamente perturbados. Assim, alguns autores sugerem que corredores estreitos perderiam parte de sua utilidade, por favorecerem unicamente espécies generalistas, que suportam os efeitos de borda (Santos et al, 2008; Lopes et al, 2009). Espécies mais estritamente florestais necessitariam de corredores de pelo menos 200 m de largura (Laurance and Laurance 1999; Lees and Peres 2008).
Embora o legislador atual tenha mais conhecimento das interferências da ação humana no meio ambiente, tenha mais conhecimento técnico e científico dos resultados dessa interferência, foram mantidas as larguras mínimas das faixas marginais e das áreas de entorno de lagos e lagoas, bem como em relação às zonas rurais e urbanas contidas na lei revogada.
Vê-se, pois, que o legislador não avançou em técnica, não aproveitou seu conhecimento, tampouco a grande discussão travada nas audiências públicas realizadas ao longo da tramitação da nova lei para buscar efetiva proteção ao meio ambiente e, em particular, às florestas e matas nativas.
O Código Florestal de 2012 determina que a vegetação situada em área de preservação permanente deverá ser mantida pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título.
Nesse ponto a lei nova avançou porque responsabiliza não só o proprietário, mas o possuidor ou ocupante a qualquer título, impondo-se observar que os movimentos sociais de reivindicação de terras são também responsáveis pela preservação das APPs, em clara sinalização de que lhes será cobrada por atuação ofensiva ao meio ambiente.
O terceiro ponto a ser discutido é a recomposição da reserva legal e das áreas de preservação permanente, que, segundo o art. 17, § 4º, dever ser iniciada em dois anos a contar da publicação da lei, e ser concluída nos prazos estabelecidos pelo Programa de Regularização Ambiental, tratado no art. 59.
De conformidade com o disposto no art. 61-A, nas áreas de preservação permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008, sendo vedada a instalação de outras atividades em data posterior.
Os diversos parágrafos do dispositivo legal tratam da recomposição das áreas, dependendo da sua situação geográfica, permitindo, em alguns casos, adoção de espécies nativas, e, em outros, de espécies exóticas e nativas, na proporção de 50% cada uma.
A mesma permissão é encontrada no art. 66, que beneficia o proprietário ou possuidor que detinha, em 22 de julho de 2008, área de reserva legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 123, que poderá regularizar sua situação, adotando a recomposição da área, mediante plantio intercalado de espécies nativas com exóticas ou frutíferas, em sistema agroflorestal, conforme parâmetros indicados no parágrafo terceiro.
Aqui, mais uma vez, é pertinente a lição de Jean Paul Metzger, quando trata da teoria da percolação, amplamente utilizada em ecologia para questões de conectividade biológica.
Esse conjunto de dados indica a necessidade de se manter 60 a 70% do habitat original para que a paisagem tenha uma estrutura adequada para fins de conservação. Valores mais baixos de cobertura nativa ainda poderiam resultar em estruturas favoráveis para conservação, mas isso unicamente no caso de haver forte agregação deste habitat (Metzger 2001). Porém, como o controle sobre a agregação das RL não é uma tarefa fácil em termos operacionais, esta opção não deveria ser considerada.
Na Amazônia, onde temos um vasto patrimônio biológico e genético ainda pouco conhecido, e relativamente conservado, dever-se-ia manter paisagens com pelo menos 60% de cobertura (Metzger 2002), ou de preferência com mais de 70%, para se evitar os efeitos iniciais da redução brusca do tamanho dos fragmentos.
Com essas considerações científicas, pode-se concluir que a permissão de recomposição de áreas de preservação permanente e de reserva legal com espécies exóticas causará impacto grave no meio ambiente, prejudicando, em especial, a fauna, que não se beneficiará da vegetação indispensável para sua sobrevivência.
A nova lei cria o Cadastro Ambiental Rural, que inexistia no regime do Código Florestal de 1965, que consiste no registro eletrônico de âmbito nacional, no sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - Sinima, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
Seu objetivo é de promover e apoiar a regularização ambiental de imóveis rurais para recuperação de áreas de preservação permanente.
Trata-se de avanço para o controle da situação dos imóveis rurais, com a finalidade de cumprir os objetivos da lei, sendo obrigatório.
Com a instituição do Cadastro Ambiental Rural, que será gerido por órgão ambiental estadual, e por ele emitido de forma virtual, a Reserva Legal, doravante, quando for instituída, não será registrada em Cartório de Registro de Imóveis.
É mecanismo que afasta a característica de publicidade e de aderência erga omnes da área de reserva legal em relação à propriedade, e conferida pela atual sistemática fundada no registro público.
Embora o órgão estadual, que providenciará o registro das novas áreas de reserva legal seja público, não serão preservadas aquelas características, que garantem a preservação da área de reserva legal, impedindo sua utilização em detrimento do meio ambiente, e sua oposição a terceiros.
Não se trata, no entanto, do abrandamento ou limitação da Reserva Legal, cuja existência está assegurada pelos arts. 3º, III, 12 a 16, 17 a 24.
Observa-se, contudo, que o art. 12, §§ 3º e 4º, condiciona a supressão de novas áreas de floresta ou outras formas de vegetação nativa à autorização do órgão ambiental estadual e ao registro da propriedade no Cadastro Ambiental Rural, permitindo a redução da área de Reserva Legal para até 50% para fins de recomposição se o município tiver mais de 50% da área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas.
Há um evidente risco de redução da área da Reserva Legal, se for admitido que determinados municípios possuem mais de 50% da sua área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público, situação só vivenciada em alguns municípios do estado do Rio Grande do Sul. E mais, o abrandamento da área de Reserva Legal em terras indígenas homologadas permite sua redução ou eliminação, pois nesses locais a fiscalização é tênue, sob a justificativa de autonomia dos indígenas.
O art. 78-A estipula que, após cinco anos da publicação da lei, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural.
É penalidade muito branda em comparação à norma que se quer cumprir, ao objetivo da criação do cadastro e ao espírito da lei.
Impõe-se, ainda, observar que o novo Código Florestal não prevê penalidades para aqueles que descumprirem seus preceitos, senão aquela do art. 78-A, deixando assim a punição para os que infringirem o direito florestal para as Leis 6.938/81 e 9.605/98.
O Código Florestal de 1965 considerava como contravenções penais as infrações aos seus dispositivos, conforme art. 26, prevendo penalidades variáveis e consentâneas com os descumprimentos.
Na atualidade, vige a Lei 9.605/98, que prevê penalidades nos arts. 6º a 13 e tipifica como crimes as condutas descritas nos arts. 29 e seguintes.
A punição pelas ofensas ao meio ambiente, seja em relação às florestas e matas nativas, seja de outra natureza, será conforme a Lei 9.605/98.
Com a vigência do novo Código Florestal, instaurou-se discussão sobre a intertemporalidade da lei, com pretensão de incidência das novas regras em processos em andamento, concluindo o egrégio Superior Tribunal de Justiça que o novo código não prevê anistia geral, universal e incondicional das penalidades antes aplicadas.
Em voto magistral, o eminente Ministro Herman Benjamin salienta que “a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de rigor”.
E mais, “vale dizer, a regra geral é que os autos de infração lavrados continuam plenamente válidos, intangíveis e blindados, como ato jurídico perfeito que são - apenas sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa, no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC”.
Em conclusão, “é de ser inviável a aplicação da norma mais recente com a finalidade de validar ato praticado na vigência da legislação anterior que, expressamente, contrariou a lei então em vigor”.
A respeito da aplicação das normas do novo código às situações pretéritas, Paulo de Bessa Antunes (in MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 16.651, de 25 de maio de 2012, e à Med. Prov. 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 223) cita Paul Roubier:
Um dos mais importantes autores a teorizar sobre o chamado ‘direito transitório’ foi o professor francês Paul Roubier, que elaborou teoria com amplo espectro para a qual ele se utilizou do conceito de situação jurídica, distinguindo diferentes momentos: (a) a criação, (b) os efeitos em curso e (c) a extinção, sugerindo a seguinte solução: a criação de uma situação jurídica (inclusive aquisição de um direito), assim como os efeitos já produzidos são e continuam sendo regidos pela lei em vigor, no momento da criação ou da aquisição, assim como suas causas de extinção procedem, com ‘efeito imediato’, da nova lei. Em outras palavras, a nova lei apreende imediatamente a situação em curso, mas não pode modificar, sob pena de agir retroativamente, as consequências que tais situações já produziram.
Impõe-se frisar que o Código Florestal de 2012 só trata de anistia para atos praticados até 22 de julho de 2008 e desde que haja inscrição no Cadastro Ambiental Rural, não atingindo atos praticados após essa data.
4 Conclusão
Constata-se que os objetivos do Código Florestal, indicados no art. 1º-A, são nobres e voltados para a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa, com afirmação da importância estratégica da atividade agropecuária e das demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população, estipulando a responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas de preservação e restauração da vegetação nativa.
Entretanto, tais objetivos, nobres e voltados para a preservação do meio ambiente, são assegurados de forma tímida e incoerente em relação à importância do bem a ser protegido.
A nova lei, com os vetos presidenciais, não resultou em aprimoramento do sistema de proteção ao meio ambiente.
Porém, como ainda estão em vigor as Leis 6.938/81 e a Lei 9.605/98, de proteção ao meio ambiente e de crimes contra o meio ambiente, a aplicação do Código Florestal deverá ser conjugada com os dispositivos daqueles diplomas legais, de forma a garantir a conservação da natureza com vistas à sua preservação para a atual e futuras gerações”.
5 Referências
BORDALIS, Andre S. Tutela jurisdicional del medio ambiente. Universidad Austral de Chile: Editorial Fallos.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório Aldo Rebelo. Centro de Documentação e Informação Coordenação Edições Câmara, Brasília, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2009.
HUTCHISON, Tomas. Dano ambiental. Buenos Aires: Rubinzal-Culzon Editores.
METZGER, Jean Paul. O Código Florestal tem base científica? Universidade de São Paulo. Disponível em: .
MILARÉ, Édis. Ministério Público e a responsabilidade civil nas atividades modificativas do meio ambiente, Revista dos Tribunais, v. 623, p. 35-39.
MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Afonso Leme. Novo Código Florestal - Comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, e à Medida Provisória 571, de 25 de maio de 2012. São Paulo: RT, 2012.
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: RT, p. 267”.

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